Machado
de Assis
(Fragmentos)
Joaquim
Maria Machado de Assis
(21 de junho de 1839 – 29 de setembro de 1908)
Não
há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão
de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas;
mas, rigorosamente, não há morte, há vida,
porque a supressão de uma é a condição
de sobrevivência da outra, e a destruição não
atinge o princípio universal e comum.
O
maior pecado, depois do pecado, é a publicação
do pecado.1
Cada
estação da vida é uma edição,
que corrige a anterior, e que será corrigida também,
até a edição definitiva, que o editor dá
de graça aos vermes.
A
vida é uma ópera e uma grande ópera. O tenor
e o barítono lutam pelo soprano, em presença do baixo
e dos comprimários,2
quando não são o soprano e o contralto que lutam pelo
tenor, em presença do mesmo baixo e dos mesmos comprimários.
Há coros numerosos, muitos bailados e a orquestração
é excelente...
Tudo
é música, meu amigo. No princípio era o dó,
e do dó fez-se ré etc.
As
pessoas valem o que vale a afeição da gente; e é
daí que o mestre Povo tirou aquele adágio que quem
o feio ama bonito lhe parece.
O
melhor drama está no espectador e não no palco.
O
ridículo é uma espécie de lastro da alma quando
ela entra no mar da vida; algumas fazem toda a navegação
sem outra espécie de carregamento.
Importuna
coisa é a felicidade alheia quando somos vítima de
algum infortúnio.
O
adjetivo é a alma do idioma, a sua porção idealista
e metafísica. O substantivo é a realidade nua e crua,
o naturalismo do vocabulário.
Meu
amigo, a imaginação e o espírito têm
limites; a não ser a famosa botelha dos saltimbancos e a
credulidade dos homens, nada conheço inesgotável debaixo
do Sol.
A
índole natural da ciência é a longanimidade.
A
ciência tem o inefável dom de curar todas as mágoas.
A
saúde da alma é a ocupação mais digna
do médico.
Não
se demonstra uma cocada, come-se. Comê-la é defini-la.
Prefiro
cair do céu a cair de um prédio de dois andares.
O
tempo, que a tradição mitológica nos pinta
com alvas barbas, é, pelo contrário, um eterno rapagão.
S ó parece velho àqueles que já o estão;
em si mesmo, traz a perpétua e versátil juventude.
O
Coração é a região do inesperado.
Alguma
coisa escapa ao naufrágio das ilusões.
Está
morto: podemos elogiá-lo à vontade.
Lágrimas
não são argumentos.
Não
levante a espada sobre a cabeça de quem te pediu perdão.
A
vida é cheia de obrigações que a gente cumpre
por mais vontade que tenha de as infringir deslavadamente.
Esquecer3
é uma necessidade. A vida é uma lousa, em que
o destino, para escrever um novo caso, precisa apagar o caso escrito.
Palavra
puxa palavra, uma idéia traz outra, e assim se faz um livro,
um governo, ou uma revolução. Alguns dizem mesmo que
assim é que a Natureza compôs as suas espécies.
A
arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal.4
______
Notas:
1.
Sim, a publicação de pecados
costuma produzir imitações dantescas e até
inimagináveis para os imitadores. Um exemplo disto é
o suicídio; suicídio atrai suicídio.
2.
Comprimário: cantor ou dançarino, especialmente na
ópera, que não faz papel de destaque.
3.
Melhor do que esquecer é perdoar; melhor do que perdoar é
compreender.
4.
Mais uma vez, cito Mâ Ananda Moyí (1896 – 1982):
'Jo ho jâye'. Aconteça
o que acontecer, tudo é desejado e bom. É
dela também a máxima: Tanto
no corre-corre do dia-a-dia quanto no domínio espiritual,
o que conta mais é a paciência. E
ainda: Procurai viver
sempre na alegria, expressar a alegria em vossos pensamentos e em
vossos atos; senti a presença alegre em tudo que vedes ou
ouvis; isto vos trará uma real felicidade. A tristeza é
fatal para o homem: alijai-a de vossos pensamentos.
Mâ
Fonte
das citações:
http://pt.wikiquote.org/wiki/Machado_de_Assis