William
Shakespeare
Ouro
amarelo, fulgurante! Ouro precioso! Basta uma porção
dele para fazer do preto, branco; do feio, belo; do errado, certo;
do baixo, nobre; do velho, jovem; do covarde, valente. Ó
deuses, por que isto? O que é isto, ó deuses? O ouro
arrasta os sacerdotes e os servos para longe do seu altar, arranca
o travesseiro onde repousa a cabeça dos íntegros.
Este escravo dourado ata e desata vínculos sagrados, abençoa
o amaldiçoado, torna adorável a lepra repugnante,
nomeia ladrões e lhes confere títulos, genuflexões
e a aprovação na bancada dos senadores. É isto
que faz a viúva anciã se casar de novo. Venha, mineral
execrável – prostituta vil da Humanidade – eu
o farei executar o que é próprio da sua natureza.
Será
possível que o mundo tenha mudado tanto, e nós, os
vivos de outrora, continuemos vivos? Voa, vil metal, voa para aquele
que te venera!
Muitos passam para outro
amo pisando no primeiro.
É preferível
não ter amigos do que os ter mais nocivos do que inimigos.
Quem
gosta de ser adulado é digno do adulador.
A
cerimônia foi inventada para dar brilho aos atos pálidos.
A
clemência é a verdadeira virtude da justiça.
Corajoso é quem sabiamente
suporta o que de pior a boca humana exala.
Não
é justo vingar nos vivos o erro dos mortos. Não se
herda o crime como se herdam terras.
O
egoísmo domina a caridade.
Sabes
de algum esbanjador que tenha sido amado depois de ter perdido tudo
o que possuía?
Monstruoso
se torna o homem quando assume a forma da ingratidão.
Não
basta ajudar os que precisam; depois, é necessário
ampará-los.
Ah!, muralhas de Atenas,
vou olhar para vocês pela última vez! Vocês,
que cercam esses lobos, caiam por terra e deixem Atenas ao deus-dará.
Mulheres, chafurdem na bacanal. Crianças, não obedeçam
mais ao papai. Escravos e idiotas, arranquem do plenário
os veneráveis membros murchos do Senado e assumam o poder.
Virgenzinhas em flor, convertam-se . Falidos do mundo, uni-vos;
em vez de pagar as dívidas, puxem a navalha e rasguem a garganta
dos credores. Trabalhadores assalariados, roubem; os seus patrões
são ladrões de mão grande, que roubam também,
mas, com o apoio da lei. Empregadas, já para cama do patrão;
a patroa ainda não voltou do bordel. Jovens, ao completar
dezesseis anos, arranquem a muleta estofada do seu progenitor aleijado
e rachem com ela a cabeça dele. Piedade, temor, religião,
paz, justiça, verdade, respeito em casa, noites de folga,
boa vizinhança, boa educação, boas maneiras,
hierarquias, artes e ofícios, usos, costumes e leis, degenerem
até que tudo morra no seu contrário e, ainda assim,
viva o caos. Pestes do mundo, que as suas febres invadam Atenas,
pronta para o abate. Que a fria ciática lese tanto os nossos
senadores, que os seus membros fiquem tão frouxos quanto
os seus costumes. Que a luxúria e a libertinagem penetrem
sutilmente na medula dos jovens, para que eles nadem contra a corrente
da virtude e se afoguem na perdição. Que sarnas e
pústulas se plantem fundo nos corações atenienses,
e que a colheita seja a lepra geral. Que o hálito infecte
o hálito, e que a amizade destile puro veneno. Não
levo desta cidade execrável nada mais do que a nudez do corpo.
Que ela fique nua também, debaixo de mil maldições.
Timon vai para a floresta, onde a fera mais desumana é mais
humana do que a Humanidade. Que os deuses – todos os deuses,
estão me ouvindo! – amaldiçoem os atenienses,
dentro e fora destas muralhas. Que a vida de Timon faça o
seu ódio ser eterno. Contra todos os homens do mundo, no
Olimpo e no inferno. Amém.
Estranhos seres humanos,
esses; o maior dos males que o sujeito fez foi ter praticado o bem
demais.
A
Lua é uma ladra notória, e seu fogo pálido
ela arrebata do Sol.
Aqui
está o que é muito fraco para ser um pecador.
Os
homens fecham suas portas contra o Sol poente.
Todo
homem carrega uma culpa.
Nada
encoraja mais o pecado do que a misericórdia.
A
vida é uma viagem incerta.
Já
vimos dias melhores.
William
Shakespeare,
in: Timon de Atenas