Fragmentos do Livro de Urântia
(Parte X)

 

Rodolfo Domenico Pizzinga


 

 

O homem civilizado tem muito orgulho do caráter, da estabilidade e da continuidade das suas instituições estabelecidas; mas todas as instituições humanas são meramente os costumes acumulados do passado, como têm sido conservados pelos tabus e dignificados pela religião. Tais legados se transformam em tradições, e as tradições metamorfoseiam-se, finalmente, em convenções.

 

As instituições humanas são de três classes gerais: 1ª) Instituições de automanutenção. Estas instituições abrangem aquelas práticas que advêm da fome de alimentos e dos instintos ligados à autopreservação. Elas incluem a indústria, a propriedade, a guerra pelo ganho e todos os dispositivos reguladores da sociedade. Mais cedo ou mais tarde, o instinto do medo leva ao estabelecimento destas instituições de sobrevivência, por meio de tabus, de convenções e de sanções religiosas. No entanto, o medo, a ignorância e a superstição têm exercido um papel proeminente na origem primitiva e no desenvolvimento subseqüente de todas as instituições humanas. 2ª) Instituições de autoperpetuação. Estes são os estabelecimentos da sociedade que resultaram do anseio sexual, do instinto maternal e das emoções ternas mais elevadas das raças. Elas abrangem a salvaguarda social do lar e da escola, da vida familiar, da educação, da ética e da religião. Incluem o costume do matrimônio, a guerra pela defesa e a construção dos lares. 3ª) Instituições de autogratificação. Estas são as práticas que nascem das propensões para a vaidade e das emoções do orgulho; e elas abrangem os costumes dos vestuários e dos adornos pessoais, os usos sociais, a guerra pela glória, as danças, os divertimentos, os jogos e outras formas de gratificação sensual. A civilização, porém, nunca gerou instituições específicas de autogratificação.

 

 

Narciso
Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571 – 1610)

 

 

A seqüência primitiva da especialização no trabalho foi a seguinte: 1ª) especialização baseada nos sexos; 2ª) modificações devidas à idade e à doença; 3ª) diferenciação baseada na religião; 4ª) os senhores e os escravos; e 5ª) diferenciação baseada em dons físicos e mentais diversos.

 

O Capital é o trabalho utilizado como uma renúncia do presente em favor do futuro. As economias representam uma forma de seguro de manutenção e de sobrevivência. O amealhar do alimento desenvolveu o autocontrole e criou os primeiros problemas entre o Capital e o trabalho. O homem que tinha comida, desde que pudesse protegê-la dos ladrões, tinha uma vantagem clara sobre o homem que não tinha nenhum alimento. O banqueiro primitivo era o homem valente da tribo. Ele guardava os tesouros grupais em depósito, e o clã inteiro defenderia a sua tenda em caso de ataque. Assim, a acumulação de Capital individual e de riqueza grupal, de um modo imediato, conduziu à organização militar. Inicialmente, tais precauções eram destinadas a defender a propriedade contra a pilhagem estrangeira, porém, mais tarde, tornou-se costume manter a organização militar em forma, lançando ataques sobre a propriedade e a riqueza de tribos vizinhas. Os impulsos básicos que levaram à acumulação de capital foram: 1°) a fome associada à previsão. A economia e a preservação do alimento significavam poder e conforto para aqueles que possuíam previsão suficiente para prover às necessidades futuras. A estocagem de alimentos era o seguro adequado contra a fome e as catástrofes. E todo o contexto dos costumes primitivos foi, na realidade, concebido para ajudar o homem a subordinar o presente ao futuro; 2°) o amor pela família – o desejo de satisfazer às suas necessidades. O Capital representa a poupança da propriedade, a despeito da pressão das necessidades de hoje, a fim de assegurar para as exigências do futuro. Uma parte destas necessidades futuras pode estar relacionada com a posteridade do poupador; 3°) a vaidade – o desejo de exibir as próprias acumulações de propriedade. A posse de muitas roupas era um dos primeiros sinais de distinção. A vaidade do colecionador logo apelou ao orgulho do homem; 4°) a posição – o desejo intenso de comprar o prestígio social e político. Logo surgiu a nobreza comercializada, e a admissão a ela dependia da prestação de certos serviços especiais à realeza, ou era concedida abertamente sob o pagamento de dinheiro; 5°) o poder – a aspiração de ser o senhor. O empréstimo de tesouros era empregado como um meio de escravização, pois, nesses tempos antigos, os juros de empréstimos eram de cem por cento ao ano. Os emprestadores de dinheiro faziam-se de reis, criando um exército permanente de devedores. Os escravos estavam entre as primeiras formas de propriedade acumulada e, nos dias de antigamente, a escravidão ao débito se estendia até a posse do corpo após a morte; 6°) o medo dos fantasmas dos mortos – um salário pago aos sacerdotes pela proteção. Muito cedo, os homens começaram a dar presentes funerários aos sacerdotes, com vistas a terem as suas propriedades usadas para facilitar o seu progresso na próxima vida. O sacerdócio, assim, tornou-se muito rico; eles eram os magnatas entre os antigos capitalistas. 7°) o desejo sexual – o desejo de comprar uma ou mais esposas. A primeira forma de comércio entre os homens foi a permuta de mulheres; precedeu em muito ao comércio de cavalos. Todavia, a permuta de escravas do sexo nunca levou a sociedade a avançar; este tráfico foi e é uma desonra racial, pois, ao mesmo tempo, entorpeceu o desenvolvimento da vida familiar e poluiu as aptidões biológicas dos povos superiores; 8°) as inúmeras formas de autogratificação. Alguns homens buscaram a riqueza porque esta lhes conferia poder; outros lutaram pelas propriedades, porque elas significavam facilidades na vida. O homem primitivo (e, posteriormente, outros) tinha a tendência de dilapidar os seus recursos com o luxo. As bebidas e as drogas despertavam a curiosidade das raças primitivas. À medida que a civilização se desenvolveu, os homens adquiriram novos incentivos para economizar; novas necessidades foram rapidamente acrescentadas à fome original. A pobreza tornou-se tão abominável que se supunha que apenas os ricos iam diretamente para o céu quando morriam. A propriedade tornou-se tão altamente valorizada, que dar uma festa pretensiosa apagava a desonra de um nome.

 

 

O jovem Baco

O jovem Baco (1884)
William-Adolphe Bouguereau (1825 – 1905)

 

 

O direito à propriedade não é absoluto; é puramente social. Mas do modo como são desfrutados pelos povos modernos, todo o Governo, a lei, a ordem, os direitos civis, as liberdades sociais, as convenções, a paz e a felicidade têm crescido em torno da certidão de propriedade privada. A ordem social atual não é necessariamente certa – não sendo divina, nem sagrada. Todavia, a Humanidade procederá bem, caso se mobilize lentamente para fazer modificações. Aquilo que vós tendes é muito melhor do que qualquer sistema conhecido pelos vossos ancestrais. Assegurai-vos, quando fordes fazer alterações na ordem social, de que elas sejam para melhor. Não vos deixeis persuadir a experimentar as fórmulas já descartadas pelos vossos antepassados. Ide, avançai, não retrocedais! Que a evolução prossiga! Que não seja dado um passo para trás.

 

 

 

 

A guerra é um estado natural e uma herança do homem em evolução; a paz é o padrão social que mede o avanço da civilização. Antes da socialização parcial das raças em avanço, o homem era excessivamente individualista, extremamente desconfiado, e inacreditavelmente briguento. A violência é a lei da natureza, a hostilidade é a reação automática dos filhos da natureza, enquanto a guerra não é senão estas mesmas atividades praticadas coletivamente. A guerra, enfim, é uma reação animalesca aos desentendimentos e às irritações; a paz acompanha a solução civilizada de todos os problemas e dificuldades.

 

A guerra perdura porque o homem evoluiu do animal, tornando-se humano, e todos os animais são belicosos. Entre as causas primitivas da guerra estão: 1ª) a fome que leva a surtidas em busca de alimento. A escassez de terras tem sempre trazido a guerra e, durante estas lutas, as primeiras tribos pacíficas praticamente foram exterminadas; 2ª) a escassez de mulheres – uma tentativa de aliviar a falta de ajuda doméstica. O rapto de mulheres tem sempre sido uma causa de guerra; 3ª) a vaidade – o desejo de exibir a bravura tribal. Grupos superiores lutavam para impor o seu modo de vida aos povos inferiores; 4ª) os escravos – a necessidade de recrutas para as fileiras de trabalho; 5ª) a vingança era motivo de guerra quando uma tribo acreditava que outra tribo vizinha houvesse causado a morte de um companheiro de tribo. O luto continuava até que uma cabeça era trazida para a tribo. A guerra pela vingança foi considerada justificada até uma época relativamente moderna; 6ª) a recreação – a guerra era encarada como uma recreação pelos jovens dessas épocas primitivas. Se não havia nenhum pretexto bom e suficiente para que a guerra surgisse, quando a paz se tornava opressiva, tribos vizinhas costumavam entrar em combates semi-amistosos, em escaramuças, como folguedos, para desfrutarem de um simulacro de batalha; e 7ª) a religião – o desejo de fazer conversões para o próprio culto. As religiões primitivas, todas, aprovavam a guerra. Apenas em tempos recentes a religião começou a reprovar a guerra. Infelizmente, os sacerdócios primitivos, em geral, eram aliados do poder militar. Com o passar do tempo, um grande passo na direção da paz foi o esforço para se separar a igreja do Estado.

 

A guerra tem tido um valor social para as civilizações porque impõe a disciplina e força a cooperação, premia a firmeza e a coragem, fomenta e solidifica o nacionalismo, destrói os povos fracos e inaptos, dissolve a ilusão da igualdade primitiva e estratifica seletivamente a sociedade.

 

 

 

 

Em Urântia, os perigos da indústria florescente são: forte tendência ao materialismo (cegueira espiritual); adoração do poder da riqueza (distorção dos valores); vícios advindos do luxo (imaturidade cultural); perigos crescentes da indolência (insensibilidade ao senso do servir); (crescimento de uma frouxidão racial indesejável (deterioração biológica); e ameaça da escravidão industrial padronizada (estagnação da personalidade, pois, se o trabalho é enobrecedor, a lida enfadonha é entorpecedora).

 

O militarismo é autocrático e cruel – selvagem. Promove a organização social entre os conquistadores, mas desintegra os vencidos.1

 

 

 

 

Não cometais o erro de glorificar a guerra; deveis, antes, discernir o que ela fez à sociedade, de modo tal que possais visualizar, com mais precisão, o que os seus substitutos devem prover, no fito de continuar o avanço da civilização. E, se esses substitutos adequados não forem providos, então vós podeis estar certos de que a guerra irá continuar ainda por muito tempo. Enfim, seja como for, o homem nunca aceitará a paz como um modo normal de vida, antes que tenha sido convencido – profunda e repetidamente de que a paz é melhor para o seu bem-estar material, e até que a sociedade tenha provido, com sabedoria, os substitutos pacíficos, para a gratificação daquela tendência inerente de periodicamente soltar o impulso coletivo destinado a liberar as emoções e as energias que sempre se acumulam, próprias das reações de autopreservação da espécie humana... A paz em Urântia será promovida muito mais pelas organizações de comércio internacional do que pelos sofismas sentimentais de um planejamento visionário de paz. As relações de comércio têm sido facilitadas pelo desenvolvimento da língua e pelos melhores métodos de comunicação, bem como por melhores meios de transporte.

 

As desigualdades mental e física dos seres humanos asseguram o aparecimento de classes sociais. Os únicos mundos sem substratos sociais são os mais primitivos e os mais avançados. Na aurora de uma civilização, a diferenciação de níveis sociais ainda não começou, ao passo que um mundo estabelecido em LLuz e Vida já apagou grandemente essas divisões da Humanidade, que são tão características de todos os estágios evolucionários intermediários.

 

A Natureza não confere direitos ao homem, apenas a vida, e o mundo no qual se vive. A Natureza não confere nem mesmo o direito de viver, como poderia ser deduzido ao se considerar o que provavelmente aconteceria se um homem desarmado se visse frente a um tigre faminto em uma floresta primitiva. A primeira dádiva da sociedade ao homem é a segurança. E assim, gradualmente, a sociedade afirmou os seus direitos e, na época presente, eles são:

1. A certeza do suprimento de alimentos.

2. A defesa militar – a segurança, por meio da prontidão.

3. A preservação da paz interna – o impedimento da violência pessoal e da desordem social.

4. O controle sexual – o casamento, a instituição da família.

5. A propriedade – o direito de possuir.

6. O incentivo à competição individual e grupal.

7. A provisão de meios para educar e capacitar a juventude.

8. A promoção do intercâmbio e do comércio – o desenvolvimento econômico.

9. O aperfeiçoamento das condições de trabalho e da sua remuneração.

10. A garantia da liberdade de práticas religiosas, com o fito de que todas as outras atividades sociais possam ser exaltadas, tornando-se motivadas espiritualmente.

 

A justiça natural é uma teoria do homem; não é uma realidade. Em a Natureza, a justiça é puramente teórica, totalmente fictícia. A Natureza provê apenas uma espécie de justiça – a da conformidade inevitável entre os resultados e as causas. A justiça, como concebida pelo homem, significa obter os próprios direitos, e tem sido, por isto, uma questão de evolução progressiva. O conceito de justiça pode muito bem ser uma parte constituinte de uma mente dotada com espírito, mas este conceito não vem à existência, na sua plenitude, nos mundos do espaço.

 

Conquanto exista uma forma de Governo divina e ideal, ela não pode vir por meio da revelação. Deve ser, portanto, lenta e laboriosamente descoberta pelos homens e mulheres de cada planeta, em todos os universos do tempo e do espaço. Assim, se os homens quiserem manter a sua liberdade, eles devem impedir:

1. A usurpação injustificada do poder, seja pelo ramo executivo, seja pelo legislativo.

2. As maquinações de agitadores ignorantes e supersticiosos.

3. O retardamento do progresso científico.

4. O impasse gerado pelo predomínio da mediocridade.

5. O predomínio de minorias viciosas.

6. O controle por pretensos ditadores ambiciosos e espertos.

7. As desagregações desastrosas do pânico.

8. A exploração dos inescrupulosos.

9. A escravização do cidadão ao Governo, por meio de impostos.

10. As falhas da justiça social e da Economia.

11. A união da igreja com o Estado.

12. A perda da liberdade pessoal.

 

 

Continua...

 

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Nota:

1. A pior das instituições se intitula Exército. Eu o odeio. Se um homem puder sentir qualquer prazer em desfilar aos sons de música, eu desprezo este homem... Não merece um cérebro humano, já que a medula espinhal o satisfaz. Deveríamos fazer desaparecer o mais depressa possível este câncer da civilização. Detesto com todas as forças o heroísmo obrigatório, a violência gratuita e o nacionalismo débil. A guerra é a coisa mais desprezível que existe. Preferia deixar-me assassinar a participar desta ignomínia... O nacionalismo é uma doença infantil. É o sarampo da Humanidade... Hoje, a existência da mentalidade militar é mais perigosa do que nunca, porque as armas ofensivas se tornaram muito mais perigosas do que as defensivas. Esse fato inevitavelmente produzirá o tipo de pensamento que leva a guerras preventivas. A insegurança geral que resulta desses avanços resulta no sacrifício dos direitos civis do cidadão em nome do suposto bem-estar nacional. A caça às bruxas e os controles governamentais de todos os tipos (como o controle do ensino e da pesquisa, da imprensa, e assim por diante) parecem inevitáveis, e, conseqüentemente, não encontram aquela resistência popular que, não fosse a mentalidade militar, poderia servir para proteger a população... Não sei como será a terceira guerra mundial, mas sei como será a quarta: com pedras e paus. (Albert Einstein, 1879 - 1955).

 

Fundo musical:

Prelude nº 9 (Johann Sebastian Bach)

Fonte:

http://www.karaokenet.com.br/karaoke2/midisclassicos.htm

 

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