Todavia,
é verdade, amando tudo o que podem, uns crêem que não
são correspondidos, outros, que até são odiados,
de tal sorte que um ama e o outro é amado.
Como
é possível
que alguém seja amigo de alguém, se ambos não se
amam entre si? Logo, basta que o
amado
não ame o amante
para que seja impossível tanto a amizade quanto o amor. Não
haverá amigo para o amante, se ele não for correspondido
em seu amor pelo amado.
E assim, não é o amado o que é amigo, mas o amante.
Não
poderá haver, portanto, amizade ao conhecimento, se o conhecimento,
por sua vez, não corresponder.
'Feliz
aquele que tem por amigos seus filhos, tem cavalos de único casco
e um hóspede
estrangeiro.' (Sólon3,
apud Platão).
Quem odeia é o inimigo,
não o odiado. Mas, muitos amam aqueles que são seus inimigos,
e odeiam, por outro lado, aqueles que são seus amigos, e são,
assim, amigos de seus inimigos e inimigos de seus amigos, se é
que o amado é um amigo, e não só aquele que ama.
E uma grande injustiça,
meu amigo, ou melhor, é totalmente impossível ser amigo
do inimigo e inimigo do amigo. Quem odeia é inimigo do odiado.
Os
poetas são, para nós, como pais e guias saber.
'Sempre
há um Deus que aproxima os semelhantes.' (Odisséia,
Homero4,
apud Platão).
Aquele
que é dessemelhante e indiferente consigo mesmo dificilmente chegará
a ser semelhante
a outrem e seu amigo.
O
semelhante
é amigo do semelhante, da mesma forma que o bom é amigo
do bom. Já o mau, nem com o bom ou com outro mau poderá
jamais chegar a ter uma verdadeira amizade.
'O oleiro se irrita com o oleiro,
o recitador se irrita com o recitador e o mendigo se irrita com o mendigo.'
(Os
Trabalhos e os Dias, Hesíodo5,
apud Platão). O
semelhante é o maior inimigo do semelhante.
Os
que mais se assemelham estão cheios de inveja, de rivalidade e
de ódio.6
Não
é o semelhante o que cada um deseja: o seco quer o úmido,
o frio busca o quente, o amargo prefere o doce, o agudo se aproxima do
obtuso, o vazio é atraído pelo cheio e o cheio pelo vazio,
e assim por diante, pois o contrário é o alimento de seu
contrário,
já que o semelhante não tira proveito do semelhante.7
Por
haver oposição [contradição],
algo é amigo de algo, e, necessariamente, tem que haver, entrementes,
por menor que seja, um vínculo de amizade.
O
bom é o belo.
Há
três gêneros: o bom, o mau e o que não é nem
bom nem mau. O que não pode ser é que algo seja amigo do
mau. E também não pode ser que o que não é
nem bom nem mau seja amigo de uma coisa que não seja nem boa nem
má. Portanto, só o que não é nem bom nem mau
poderá ser amigo do bom pela presença do que é mau
ou do mal. Por exemplo: um corpo enfermo dependerá da Medicina,
e a amará em um certo sentido. E assim, por causa da enfermidade
e com vistas à saúde, o doente é [ou
se torna] amigo do médico.
Aqueles
que já sabem, geralmente, não buscam o saber, sejam deuses,
sejam homens. E, tampouco, querem saber aqueles que estão cheios
de insciência, que são os maus, porque nenhum mau busca o
saber. Sobram, portanto, os ignorantes, que não são nem
bons nem maus, mas que percebem que não sabem o que não
sabem. Assim, somente procuram o saber os que não são nem
bons nem maus, pois todos os que são maus não procuram o
conhecimento, tanto quanto os que são bons, porque, como foi mencionado
anteriormente, nem o dessemelhante é amigo do dessemelhante nem
o semelhante é
amigo do
semelhante.
Tanto
no que diz respeito à alma, quanto no que diz respeito
ao corpo, aquele que não é nem bom nem mau – pela
presença do mal –
tende precisamente
ao bem, ao bom e ao belo.
Há um Primeiro Amado, e
por causa Dele todas as outras coisas são amadas.
Se nada nos causasse dano, não
necessitaríamos de ajuda alguma. E assim, fica claro, então,
que só por causa do mal desejamos e amamos o bem, porque,
sendo o mal a enfermidade, o bem é a Medicina contra o mal.
Contudo, não havendo enfermidade, não haverá
necessidade de Medicina.
Desaparecida
a causa, é impossível que persista existindo aquilo que
provoca o efeito.
O
que quer quer
algo e por algum motivo; por isto, o que não é nem bom nem
mau quer o bem por causa do mal.
Aquele
que deseja deseja porque está privado daquilo que deseja. Logo,
aquele que está privado de algo é amigo de sua privação.
Portanto, o amor, o desejo e a
amizade convergem,
ao que parece, para o mesmo ponto.
Alguém
que deseja o outro o ama de alguma forma. E não o desejaria ou
o amaria, se não houvesse algum tipo de conaturalidade com o ser
amado, seja em relação à alma, seja
em relação
ao seu modo de ser,
seja
no seu modo de sentir,
seja por sua aparência.
O
bem é conatural ao bem; o mal é conatural ao mal; e o que
não é nem bom nem mau é conatural ao que não
é bom nem é mau.
Enfim,
não fomos capazes de chegar a descobrir o que é um verdadeiro
amigo.