Este
estudo se constitui da 2ª parte de um conjunto de fragmentos garimpados
e eventualmente comentados na obra Liberte-se
do Passado (Freedom
From the Known), de autoria de Jiddu Krishnamurti. Esta obra
trata de questões seminais para a nossa existência, a saber:
a busca do prazer, a importância da comunicação, a
memória humana, a violência e outros estados de ânimo
dissonantes do nosso espírito, a pobreza, as drogas, a solidão,
a beleza e o amor.
Breve
Biografia
Jiddu
Krishnamurti
Jiddu
Krishnamurti (Madanapalle, 11 de maio de 1895 – Ojai, 17 de fevereiro
de 1986) foi um filósofo, escritor, orador e educador indiano.
Proferiu discursos que envolveram temas como revolução psicológica,
meditação, conhecimento, liberdade, relações
humanas, a natureza da mente, a origem do pensamento e a realização
de mudanças positivas na sociedade global. Constantemente, ressaltou
a necessidade de uma revolução na psique de cada ser humano,
e enfatizou que tal revolução não poderia ser levada
a cabo por nenhuma entidade externa seja religiosa, seja política,
seja social. Uma revolução que só poderia ocorrer
através do autoconhecimento, bem como da prática correta
da meditação do ser-humano-aí-no-mundo liberto
de toda e qualquer forma de autoridade psicológica.
O
cerne dos seus ensinamentos consiste na afirmação de que
a necessária e urgente mudança fundamental da sociedade
só poderá acontecer através da transformação
da consciência individual. A necessidade do autoconhecimento e da
compreensão das influências restritivas e separativas das
religiões organizadas, dos nacionalismos e de outros condicionamentos
foram por ele constantemente realçadas.
Fragmentos
Krishnamurtianos
Se
quando nos tornarmos cônscios dos nossos condicionamentos, então,
compreenderemos a totalidade da nossa consciência.
Todos
os motivos, intenções, desejos, prazeres, temores, inspirações,
anseios, esperanças, dores e alegrias se encontram no campo da
nossa consciência. O fato é que nos ocupamos com um pequeno
canto da consciência, que constitui a maior parte de nossa vida.
Quanto ao resto, que chamamos subconsciente, com todos os seus motivos,
temores, atributos raciais e hereditários, não sabemos sequer
como penetrá-lo. Mas, se pudermos nos tornar cônscios da
totalidade, agiremos sempre com nossa atenção total e não
com uma atenção parcial. Enfim, quando se está cônscio
de todo o campo da consciência, o que significa sermos entes humanos
totais, não há atritos e não há condicionamentos.
A
única maneira de nos olharmos a nós mesmos é fazê-lo
totalmente, imediatamente, fora do tempo. E só poderemos ver a
totalidade de nós mesmos quando a mente não estiver mais
fragmentada.
Se
conseguirmos estar atentos com o mais completo auto-abandono, não
haverá, então, mais lugar para o medo, para a contradição
e, por conseguinte, não haverá mais conflito.
Atenção
não é a mesma coisa do que concentração. A
concentração é exclusão; a atenção
é percebimento total, que nada exclui. E só poderemos dar
toda a atenção quando tivermos zelo [grande
cuidado, interesse e preocupação quando nos dedicamos a
alguém ou a algo],
quer dizer, quando amamos realmente o ato de compreender, e aplicamos,
então, ao descobrimento todo o nosso Coração e toda
a nossa Mente.
—
Até quando
seremos inocentes úteis?
Até quando
seremos papagaios de pirata?
Até quando
seremos maria-vai-com-as-outras?
Até quando
seremos imitadores de futilidades?
Até quando
seremos ajoelhadores e pedinchões?
Até quando
seremos preconceituosos e separatistas?
Até quando
seremos agressivos e muralhistas?
Até quando
seremos corruptos e corruptores?
Até quando
seremos autoritários e antidemocráticos?
Até quando
seremos perniciosos e desfavoráveis?
Até quando
seremos mentirosos e embromeiros?
Até quando
seremos a latrina do mundo?
Até quando
seremos buchas de canhão?
Até quando
seremos zés-dos-anzóis-carapuça?
Quando
nos medimos [comparamos]
pelos outros e nos esforçamos para ser iguais aos outros,
estamos negando a nós mesmos. Por conseguinte, estamos criando
uma mistura de miragem com ilusão [ou,
como costumo denominar, 'miralusão']. Todavia,
ao compreendermos que a comparação-imitação,
em qualquer forma, só levará a uma ilusão e a um
sofrimento maiores ainda (tal como acontece quando analisamos a nós
mesmos, aumentando o nosso conhecimento pouco a pouco ou nos identificando
com algo fora de nós mesmos, por exemplo, o Estado, um salvador
ou uma ideologia), ao compreendermos, enfim, que todos esses processos
só levam a mais ajustamentos e mais conflitos, abandonaremos qualquer
tipo de comparação e de imitação. Definitivamente,
a mente que não tem e não nutre nenhuma miragem e nenhuma
ilusão pode se mover em uma dimensão mais elevada e totalmente
diferente, na qual não existem conflito e qualquer idéia
de diferença [separatividade].
Nem
palavras nem explicações podem ou poderão abrir a
Porta. O que abrirá a Porta é a atenção e
o percebimento diários
– percebimento e atenção da maneira como
falamos, do que dizemos, de nossa maneira de andar, do que pensamos, de
como agimos, enfim, de tudo. Isto é como limpar e manter em ordem
um aposento. Mas, manter o aposento em ordem é importante a um
respeito e totalmente sem importância a outro respeito. Deve haver
ordem no aposento, porém, a ordem não abrirá a Porta.
O que abrirá a Porta não é a nossa volição
ou o nosso desejo. Não se pode de modo nenhum chamar o outro "estado
de espírito". O que se pode fazer é apenas manter o
aposento em ordem, o que significa ser virtuoso por amor à virtude
e não pelo que isto [supostamente]
nos trará, isto é, ser categoricamente equilibrado,
racional e ordenado, e não hipoteticamente interesseiro. Então,
talvez, digamos assim, se tivermos sorte, a Porta se abrirá e a
brisa entrará. Ou pode ser que não. Tudo dependerá
do estado de nossa mente. E este estado da mente só pode ser compreendido
por nós mesmos, ao observá-lo sem tentar moldá-lo,
sem ser parcial, sem contrariá-lo, sem jamais concordar, justificar,
condenar ou julgar, quer dizer, estar vigilante e atento sem fazer nenhuma
escolha. E, em razão deste percebimento sem escolha, a Porta, talvez,
se abrirá, e conheceremos aquela dimensão em que não
existem o conflito nem o tempo. [Iniciaticamente,
o nome de tudo isto é Illuminação.]
Illuminação
(Animação Simbólica)
Nossa
vida não deve ser guiada pelo prazer, porque o prazer traz, necessariamente,
a dor, a frustração, o sofrimento e o medo, e, como resultado
do medo, a violência. Compreender a inteira estrutura do prazer
não significa negá-lo. O prazer não é bom
nem mau, mas, se o cultivarmos, deveremos fazê-lo de olhos abertos,
sabendo que a mente que está sempre a buscar o prazer encontrará
inevitavelmente a sua sombra: a dor. As duas coisas não podem ser
ou estar separadas, embora busquemos o prazer e procuremos evitar a dor.
A
mente que não está tolhida pela memória tem a verdadeira
liberdade. A memória é continuamente acrescentada por outras
memórias, e são essas memórias que reagem. Tudo o
que é resultado da memória é velho e, por conseguinte,
nunca é livre. Liberdade de pensamento é algo que não
existe; é puro contra-senso. No novo não existe o tempo.
Assim, se pudermos olhar todas as coisas sem permitir a intrusão
do prazer, sem desejarmos que a experiência se repita, então,
não haverá dor, nem medo, e, por conseguinte, haverá
uma alegria ilimitada. É a luta para repetir e perpetuar o prazer
que o converte em dor, porque ele nunca é ou será a mesma
coisa. [Você já
reparou que não existem dois orgasmos iguais? Podem até
ser parecidos, mas, iguaizinhos não são. Isto é assim
porque o orgasmo está íntima e diretamente ligado ou vinculado
ao nosso estado vibratório interior, que, geralmente, nunca é
exatamente o mesmo.]
Viver
no presente é a percepção imediata da beleza e o
grande deleite que nela se encontra, sem dela procurar extrair prazer.
A
vontade de domínio é uma forma de agressão. [O
exemplo mais marcante disto, que nós, brasileiros, estamos vivenciando
neste momento de Pandemia assassina global, é o que está
acontecendo no âmbito da política brasiliense federal. A
Pandemia se alastra, o número de mortos aumenta, as UTIs hospitalares
estão superlotadas, os doentes esperam horas por atendimento médico,
ainda não se tem uma medida efetiva
de combate ao Coronavírus,
o sofrimento é generalizado (tanto vertical quanto horizontal)...
E o que se vê diariamente? Acusa aqui, acusa ali, vocifera aqui,
vocifera ali, posta
aqui, posta ali, troca aqui, troca ali, muda aqui, muda ali, demite aqui,
demite ali, nomeia aqui, nomeia ali... Isto tudo é mesmo o fim
da picada de filme de terror! Todos nós, sem exceção,
de uma forma ou de outra, com os instrumentos que temos, deveríamos
estar combatendo
vigorosamente a Pandemia, e não fazendo fofoca e dando vazão
aos nossos instintos autoritários e dominadores mais rasteiros.
No futuro, tenho certeza absoluta, o povo brasileiro não perdoará
(através do voto) os nefelibatas, que perderam o senso de responsabilidade
e de oportunidade.]
O
medo é um dos mais formidáveis problemas da vida. A mente
que está nas garras do medo vive na confusão, no conflito,
e, portanto, tem de ser violenta, tortuosa e agressiva. Não ousa
se afastar de seus próprios padrões de pensamento, e isto
gera a hipocrisia. Enquanto não nos livrarmos do medo, ainda que
galguemos o mais alto cume, ainda que inventemos toda espécie de
deuses, ficaremos sempre na escuridão. O medo é uma coisa
terrível que torce, deforma e ensombra os nossos dias.
Fugir
do medo é torná-lo maior. Se a mente, que inclui o cérebro,
procura dominar o medo, se procura reprimi-lo, discipliná-lo, controlá-lo,
traduzi-lo em coisa diferente, daí resultam atrito e conflito,
e os atritos e os conflitos são um desperdício de energia.
Enfim,
o que é o medo? O medo é o movimento do certo para o incerto.
E como dividimos o tempo em passado e futuro, tanto temos medo do passado
como temos medo do futuro, pois, o pensamento interfere, dizendo: Tem
cuidado, para que isto não torne a acontecer;
prepara-te para o futuro! O futuro poderá ser perigoso.
Agora tens alguma coisa, mas, poderás perdê-la. Poderás
morrer amanhã. Tua esposa poderá te abandonar. Poderás
perder teu emprego. Talvez nunca te tornes famoso. Poderás te ver
na solidão. Precisas estar perfeitamente seguro do amanhã.
A
memória, com suas associações, cria o medo. O pensamento,
que é sempre velho –
pois, o pensamento é reação da memória, e
as lembranças são sempre velhas –
cria, no [inexistente]
espaço-tempo, a idéia que nos faz sentir medo,
mas, o medo não é um fato real. Enfim, se o pensamento é
sempre velho, o medo também é sempre velho. Portanto, o
que tememos é a repetição do velho, isto é,
o pensamento sobre o que foi se projetando no futuro. Por conseguinte,
o pensamento é o responsável pelo medo. O que precisamos
compreender é que, se a nossa mente viver de maneira completa e
total no presente, no hoje, não teremos medo.
O
pensamento e a memória são naturalmente necessários
ao viver. O pensamento é o único instrumento de que dispomos
para nos comunicar, para trabalhar em nossos empregos etc. O pensamento
é a reação da memória, memória acumulada
por meio da experiência, do conhecimento, da tradição,
do tempo. Deste acúmulo de memória, é que provêm
as nossas reações, e estas reações constituem
o pensar. O pensamento, portanto, é essencial em certos níveis,
porém, quando o pensamento se projeta, psicologicamente, como futuro
e como passado, criando o medo bem como o prazer, a mente se embota e,
por conseguinte, se torna inevitavelmente inerte.
Precisamos
compreender que, quando pensamos no futuro e no passado, em termos de
prazer e de dor, esse pensamento poderá gerar medo. Então,
ou o pensamento se detém, psicologicamente, ou o medo nunca terá
fim.
Temos
medo de nos sentir vazios. Temos medo de encarar os nossos temores.
—
Eu
tenho medo da COVID-19.
Eu tenho medo do Coronavírus.
Eu tenho medo de ficar no escuro.
Eu tenho medo de empacotar.
Eu tenho medo de ir para o inferno.
Eu tenho medo de tudo.
Por isto, estou morto,
mas, continuo vivo!
O
fato é que não poderemos nos compreender de acordo com Sigmund
Freud, Burrhus Frederic Skinner, William James, Jean Piaget, Carl Rogers,
Erich Fromm, Alfred Adler, Edward Thorndike, Carl Gustav Jung, Virginia
Satir, Anna Freud, Jacques Lacan, Timothy Leary, Robert Rosenthalou, Robert
Sternberg, Krishnamurti ou de acordo com qualquer outra pessoa. As teorias
dos outros não têm importância alguma. É a nós
mesmos que deveremos perguntar as coisas e é de nós mesmos
que deveremos ouvir as respostas.
Só
existe um desejo. Os objetivos do desejo é que variam, mas, o desejo
é sempre o mesmo. Assim, da mesma maneira, só existe um
medo. Temos medo de uma porção de coisas, porém,
só existe um medo. O medo é um movimento único que
se expressa de diferentes maneiras. O fato é que todo o processo
do mecanismo do pensamento é dividir tudo em fragmentos, e, por
isto, temos levado uma vida de fragmentação, e só
somos capazes de olhar o medo através do processo fragmentário
do pensamento. Eu te amo, eu te odeio, eu quero, eu não quero,
tu és meu amigo, tu és meu inimigo, minhas idiossincrasias,
minhas inclinações, meu emprego, minha posição,
meu prestígio, minha mulher, meu filho, minha pátria, tua
pátria, meu Deus, teu Deus são fragmentações
do pensamento.
Quando
percebermos que somos uma parte do medo, que não estamos separados
dele, que, enfim, nós somos o próprio medo, então,
nada poderemos fazer a seu respeito, e o medo terminará totalmente.
Em outras palavras: se percebermos que o observador é o medo, uma
vez percebido isto não haverá mais dissipação
de energia no esforço para nos livrarmos do medo, e o intervalo
espaço-tempo entre o observador e a coisa observada desaparecerá,
[porque, simplesmente,
somos nós – com os nossos coisismos, com os nossos achismos
e com as nossas miralusões –
que criamos o
intervalo espaço-tempo].
Espaço-tempo
Medo,
prazer, sofrimento, pensamento e violência estão relacionados
entre si. Mas, no estado mental em que a violência desapareceu completamente,
há uma alegria muito diferente do prazer da violência, com
os seus conflitos, rancores e temores.
Se
soubermos olhar a violência, não só exteriormente,
na sociedade –
guerras, rebeliões, atentados, massacres, antagonismos nacionais,
conflitos de classes etc. –
mas, também [com
o Olho Interior], em nós mesmos, talvez, então,
tenhamos a possibilidade de transcendê-la.
Violência
Não
há influência boa ou influência má; só
há influências. Mas, quando somos influenciados por uma coisa
que não nos convém, nós a chamamos de má influência.
Só
poderemos fazer alguma coisa útil e boa por nós, pela Humanidade
e pelo mundo, se transcendermos a nossa cólera, a nossa violência
e a nossa nacionalidade.
Para
transcendermos a violência, não poderemos reprimi-la, negá-la
ou justificá-la. Teremos de enfrentá-la, de estudá-la
e de entrar em intimidade com ela, e esta intimidade não será
possível se a condenarmos ou a justificarmos. E isto significa
nos aplicarmos de corpo e alma para compreendê-la.
Todo
embotamento mental resulta dos nossos condicionamentos. A mente que justifica
ou que condena não é capaz de penetrar fundo em lhufas e
não é capaz de compreender xongas. [Condicionamentos
mentais são portas de entradas para mais e mais condicionamentos
mentais. (In: Condicionamentos Mentais uma Prisão
Invisível, Newton Cruz.)]
Condicionamentos
—
Ajoelhei e pedinchei.
Continuei ajoelhado,
triste e condicionado,
sem nada ter granjeado.
Mas, eu nunca mudarei!
Para
descobrirmos o que está tornando e mantendo a nossa mente embotada,
estúpida e preconceituosa, precisaremos desejar ter uma mente esclarecida,
assim como desejamos a nossa próxima refeição. Só
assim poderemos ver claramente o que ergueu as muralhas ao redor dela
e o que construiu o processo infame de condenação e de justificação.
O
fato inconteste é que a maioria das pessoas aceita a violência
como maneira de vida. Duas guerras medonhas [a
1ª e a 2ª Guerras Mundiais] nada nos ensinaram, a
não ser a levantar mais e mais barreiras entre os seres humanos.
Ninguém
tem olhos capazes de ver o todo num relance; esta clarividência
só é possível se pudermos ver os detalhes e, depois,
saltar e avançar.
Então,
com relação à violência, o que é preciso
fazer? Só enfrentando a nossa própria violência e
esquecendo de todo a palavra.
—
Eu não queria me olhar;
doía demais.
Então, continuei violento;
cada vez mais.
Viver
com plenitude no momento presente é viver com O-que-é, com
o Real, sem idéias de condenação ou de justificação.
—
Fizeram-me uma maldade.
Então, 'vendetta'.
Fizeram-me mais maldade.
Outra 'vendetta'.
E, de maldade em maldade,
sempre 'vendetta'!
A
nossa mente condicionada, a nossa maneira de vida e a inteira estrutura
da sociedade em que vivemos nos impedem de olhar um fato e dele nos livrarmos
imediata e concertadamente. E não há nada mais terrível
do que dizer: —
Vou
tentar ser livre. Ora, não há essa coisa
de tentar; não há essa coisa de se esforçar. Ou a
gente age já ou a gente não age. [Ou
a gente faz a coisa acontecer ou a coisa nunca acontecerá. Ou a
gente faz a hora ou a hora passará e continuaremos na mesma e na
mesma continuaremos.]
Como podemos admitir
o tempo, com a casa em chamas? Como resultado da violência existente
no mundo inteiro, a casa está pegando fogo, e nós,
calmamente, dizemos: —
Vou pensar nisso e em qual poderá ser a melhor ideologia para extinguir
o fogo. Quando a casa está queimando, como podemos
ficar a discutir sobre a cor dos cabelos do homem que traz a água?
A
cessação da violência não implica, necessariamente,
um estado em que a mente fica em paz consigo mesma e, por conseguinte,
em todas as suas relações. As relações entre
os seres-humanos-aí-no-mundo se baseiam no mecanismo defensivo,
formador de imagens, e, quando há a formação de imagens,
a verdadeira relação entre dois ou vários seres-humanos-aí-no-mundo
cessa completamente. E por que isto é assim? Porque uma relação
baseada em imagens jamais produzirá a paz, porquanto as imagens
são sempre abstratas, fictícias e forjadas, e não
se pode viver abstratamente. Enfim, vivemos entre idéias, teorias,
símbolos, coisismos, invencionices, ou seja, entre imagens quiméricas
que criamos a respeito de nós mesmos e dos outros, e que de forma
nenhuma são realidades. Todas as nossas relações
– sejam
com a propriedade, sejam com as idéias, sejam com as pessoas, sejam
com o que for –
se baseiam essencialmente nesta formação de imagens
e, por esta razão, existe e sempre existirá conflito. Então,
o que deveremos fazer? Viver uma vida interior de perfeita ordem, sem
compulsão, sem imitação, sem repressão e sem
sublimação de nenhuma forma. Precisamos estabelecer, em
nós mesmos, uma ordem que seja uma qualidade viva não aprisionada
na estrutura das idéias –
uma tranqüilidade interior que não conheça perturbação
em momento algum –
porém, não em um mundo abstrato, fantástico,
mítico e utópico, mas, na vida de cada dia, na vida do dia-a-dia.
O conflito precisa acabar, pois, é uma contradição,
um estado de divisão, de separação e de dualidade,
que sempre provoca reações muito superficiais ou produz
conseqüências devastadoras.
O
ser-humano-aí-no-mundo aceitou o conflito como parte da existência
diária, porque aceitou a competição, o ciúme,
a avidez, a ganância e a agressão como normas naturais da
vida. Quando aceitamos tais normas de vida, estamos aceitando a estrutura
social tal qual é, e vivendo segundo o padrão da respeitabilidade.
E é nessa rede que está aprisionada a maioria, visto que
quase todos aspiram a ser respeitáveis.
—
Ora, se eu
não for respepeitável,
o que serei?
Ora, se eu
não for admirável,
o que serei?
Ora, se eu
não for adaptável,
o que serei?
Ora, se eu
não for agradável,
o que serei?
Ora, se eu
não for amoldável,
o que serei?
Ora, se eu
não for convinhável,
o que serei?
Ora, se eu
não for congregável,
o que serei?
Ora, se eu
não for palatável,
o que serei?
Enquanto
estivermos ajustados e agrilhoados aos padrões impostos pela sociedade,
a nossa vida, obrigatoriamente, será um campo de batalha. Mas,
se não os aceitarmos, estaremos, então, completamente livres
da estrutura psicológica da sociedade, que criou em nós
a avidez, a inveja, a cólera, o ódio, o ciúme, a
ansiedade, a religiosidade, o nacionalismo, o preconceito, a separatividade
etc., e de tudo isto somos muito ricos. A verdadeira pobreza é
estar completamente livre da sociedade e dos padrões impostos pela
sociedade. Temos de ser pobres interiormente, porque, então, não
há mais buscar, nem indagar, nem desejar, nem nada! Só esta
pobreza interior poderá ver a verdade existente numa vida completamente
sem conflito. Tal vida é uma bênção não
encontrável em nenhuma igreja e em nenhuma templo. Enfim, só
se vivermos em completa tranqüilidade interior poderemos viver em
completa tranqüilidade exterior.
Para
compreendermos e nos libertarmos de um problema, necessitaremos de abundante
energia, apaixonada e persistente, não só energia física
e intelectual, mas, também, uma energia independente de qualquer
motivo, de qualquer estímulo psicológico, de qualquer droga,
de qualquer coisa. Se dependermos de algum estímulo, este estímulo
tornará a mente embotada e insensível. Tomando uma certa
droga, poderemos até encontrar, temporariamente, energia suficiente
para vermos as coisas muito mais claramente, mas, teremos de voltar ao
estado anterior e, por conseguinte, nos tornaremos cada vez mais dependentes
desta droga. Assim, qualquer estímulo –
seja da religião, seja do álcool, seja das drogas, seja
da palavra escrita, seja da palavra falada, seja do que for –
acarretará inevitavelmente uma dependência, e esta dependência
nos impedirá de ver claramente, por nós mesmos, e, por conseguinte,
de ter a energia vital.
Mas,
por que temos estas dependências? Por que somos dependentes? Porque,
interiormente, nada temos. Interiormente não existe em nós
uma fonte sempre cheia e abundante de vida e de movimento. Por isto, nós
dependemos e imitamos. [Não
é, propriamente, que nada
temos. Nós
temos tudo, porém, pensamos que não temos. Aí, buscamos
do lado de fora – nas religiões, nos dogmas,
nas credices, nas tradições medievais etc. –
o que dentro de nós existe
ilimitadamente.]
Mas,
atenção, muita atenção: o descobrimento da
causa não nos livrará de ser dependentes. O descobrimento
da causa é puramente intelectual e, portanto, evidentemente, não
poderá libertar a mente da sua dependência. A mera aceitação
intelectual de uma idéia ou a aquiescência emocional de uma
ideologia não podem libertar a mente da dependência de aquilo
que lhe dá estímulo. O que liberta a mente da dependência
é o percebimento da inteira estrutura e da inteira natureza do
estímulo e da dependência, e de como este estímulo
e esta dependência tornam a mente estúpida, embotada e inerte.
Só o percebimento desta totalidade libertará a mente.
Só
poderemos ver a totalidade das coisas se/quando o nosso pensamento
não interferir. Só assim poderemos perceber os fatos –
as nossas dependências. Só quando a mente perceber o quadro
inteiro, se dará a libertação, porque não
haverá mais dissipação de energia, e, conseqüentemente,
não haverá mais fragmentação.
Portanto,
se quisermos nos libertar, precisaremos definitivamente compreender que
sempre haverá desperdício de energia se imitarmos, se aceitarmos
a autoridade e se dependermos de um sacerdote, de um ritual, de um dogma,
de um partido político ou de uma certa ideologia, porque o ato
de depender, de aceitar e de seguir uma ideologia, boa ou má, sagrada
ou profana, é uma atividade fragmentária e, portanto, uma
causa de conflito, e o conflito surgirá inevitavelmente quando
houver separação entre "o que deveria ser" e O-que-é,
e todo conflito é dissipação de energia.
Só
poderá existir e só perceberemos O-que-é quando não
houver mais comparação de espécie alguma (com os
que são mais inteligentes, com os que são mais ricos, com
os que são mais intelectuais, com os que são mais afetuosos,
com os que são mais famosos, com os que são mais espiritualizados
com os que são mais isto, com os que são mais aquilo), e
viver com O-que-é é viver em paz. O "mais" tem
um importantíssimo papel em nossas vidas, e esta medição
de nós mesmos com alguma coisa ou pessoa é uma das principais
causas do conflito. Enfim, o processo de comparação é
desperdício de energia, que é tão necessária
para se compreender a totalidade da Vida.
Comparação
A
própria natureza do desejo, se não for devida e concertadamente
compreendida, inevitavelmente, levará ao conflito, pois, o desejo
está e estará sempre em contradição. Não
é o objeto do desejo, mas, a sua verdadeira natureza que é
contraditória. Portanto, se quisermos nos libertar, teremos que
compreender a natureza do desejo, antes de podermos entender o conflito.
Desejando
uma coisa e, ao mesmo tempo, não a desejando, o desejo é
a raiz de toda contradição. Compreendamos: a dualidade psicológica
deriva de termos sido educados para comparar sempre O-que-é com
"o que "deveria ser". Fomos condicionados para discriminar
o que é certo e o que é errado, o que é bom e o que
é mau, o que é moral e o que é imoral. Enfim, sempre
que nos servirmos do oposto, como uma espécie de alavanca para
nos livrarmos de O-que-é, estaremos simplesmente fugindo à
Realidade.
Continua...
Música
de fundo:
Symphony
Nº 6 (Pastorale), em Fá Maior, opus 68
Compositor: Ludwig van Beethoven
Fonte:
http://www.kunstderfuge.com/beethoven/variae.htm#Symphonies
Observação:
A Sinfonia nº
6 em Fá Maior, opus 68, de Ludwig van Beethoven, também
chamada Sinfonia Pastoral, é uma obra musical precursora da música
programática. Esta Sinfonia foi completada em 1808, e teve a sua
primeira apresentação no Theater an der Wien, em 22 de dezembro
de 18081. Dividida em cinco andamentos, tem por propósito descrever
a sensação experimentada nos ambientes rurais. Beethoven
insistia que essas obras não deveriam ser interpretadas como um
quadro sonoro, mas, como uma expressão de sentimentos. É
uma das mais conhecidas obras da fase romântica de Beethoven.
Páginas
da Internet consultadas:
https://br.pinterest.com/pin/187462403220377931/
https://www.humorpolitico.com.br/
https://newtoncruzoficial.com/
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id=com.vg.vendettamobsterwars3d&hl=pt
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