A coragem pode ser entendida como a habilidade de confrontar o medo, a dor, o perigo, a incerteza ou a intimidação. Uma pessoa corajosa é uma pessoa que, mesmo com medo, faz o que tem de fazer. A coragem pode ser dividida em física e moral. Platão correlaciona coragem, razão e dor. A coragem é o uso da razão a despeito do prazer. É ser coerente com seus princípios a despeito do prazer e da dor. Já para Aristóteles, a coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras. Para Confúcio, saber o que é correto e não o fazer é falta de coragem. E Lao-Tse dizia: Ser profundamente amado por alguém nos dá força; amar alguém profundamente nos dá coragem.

 

Mas, talvez, uma das melhores obras em que este tema está discutido é Laques – um diálogo maiêutico-socrático – no qual as almas dos interlocutores partejam suas próprias idéias reminiscentes – de autoria de Platão, na qual seus participantes apresentam definições concorrentes sobre o conceito de coragem, e que, pela sua temática concreta, está próximo ao Protágoras. Este estudo, portanto, apresenta para reflexão alguns fragmentos desta obra, que integra a Quinta Tetralogia platônica, ao lado de Teages (considerado apócrifo), Carmides e Lisis.

 

 

 

Fragmentos do Laques

 

 

 

Há quem não diga o que sabe ou o que realmente pensa, impiedosamente afirmando coisas contra a sua própria opinião. Ora, por que não falar sempre com toda lealdade e com toda franqueza?¹

 

 

 

 

Aquele que se despreocupa de si mesmo acaba por se tornar uma pessoa insignificante; mas, se se esforçar e se se dedicar, logo poderá recuperar sua dignidade.²

 

É difícil dizer qual o tipo de ensinamento que não deva ser aprendido. Em princípio, todo conhecimento parece ser bom.

 

Ninguém que se tenha dedicado ao ofício do manejo de armas se tornou famoso na guerra ou pela guerra.³

 

A ciência do manejo de armas, longe de ser um saber, é de pouco proveito e não vale a pena ser aprendida. E, se um covarde obtiver tal conhecimento, poderá se tornar ousado e por em evidência sua baixa natureza.

 

Por que devemos aceitar o que pensa e diz a maioria?

 

Aquilo que admitimos como verdade⁴ sempre deve ter algum tipo de sustentação científica. Jamais devemos admitir algo porque assim diz ou pensa a maioria.⁵

 

Quando se examina uma coisa em função de algo, a deliberação deverá ser sobre qual é e sobre o que é o motivo do exame, e não sobre o que se investiga em função de outra coisa.

 

Nunca pude contratar os serviços de um sofista.⁶ Por isto, nunca tive um professor que melhorasse as qualidades da minha alma.

 

Comece o ofício de artesão com uma jarra.

 

Eu não acho que seja pernicioso lembrar o que fizemos bem, o que fizemos mal ou o que não fizemos, quando deveríamos ter feito. Penso que estará mais bem predisposto para a vida futura aquele que, voluntariamente, enfrenta esta experiência, e que, de acordo com o preceito de Solon,⁷ está ansioso para aprender enquanto viva, e não acredita que a velhice, por si só, contribua para um sentido comum.

 

Estou disposto a envelhecer aprendendo muitas coisas, mas só com as pessoas de bem e dignas, para que a aprendizagem não seja torpe e acabe por causar desgosto e decepção.⁸

 

Se, em absoluto, não soubermos o que é a virtude, como poderemos aconselhar alguém nesta matéria ou indicar o melhor modo de a adquirir?

 

Há corajosos de toda ordem. Os destemidos da infantaria, os intrépidos da cavalaria, os que enfrentam com bravor os perigos do mar, os que revelam energia frente à doença, contra a pobreza e no caso das questões públicas, os valentes diante de dores e terrores e também na presença de paixões e prazeres, tanto resistindo quanto dando a volta por cima. Outros, todavia, mostram sua covardia nas mesmas circunstâncias.⁹

 

Nem toda coragem é firmeza de espírito para enfrentar uma situação emocionalmente ou moralmente difícil.

 

Se for acompanhada de equilíbrio e sensatez, a coragem será sempre bela e digna. Por outro lado, se tiver por companhia o desvario, será daninha e criminosa.

 

Se o corajoso é bom, é obviamente sábio, pois a coragem é um tipo de saber.

 

Não são corajosos aqueles que não têm medo de nada, particularmente os que não respeitam sua própria ignorância. Na verdade, poucos são os valorosos e os previdentes. Ao contrário, a maioria das pessoas participa de algum tipo de brutalidade, de atrevimento e de temeridade acompanhado de desprevenção.

 

Precisamente, são assustadoras as coisas que causam medo, e reconfortantes as que nos revigoram, consolam e estimulam. Por outro lado, nos angustiam não os males passados ou os presentes, mas os esperados, já que o medo é a expectativa de um mal futuro.¹⁰

 

Não há nada mais terrível do que negarmos nossa colaboração a alguém que quer se tornar melhor.

 

 

 

 

Não é boa a presença de vergonha em uma pessoa que esteja passando por uma necessidade. (Palavras de Telêmaco a Ulisses, disfarçado de mendigo; Odisséia, Homero, apud Platão).

 

O saber é o mesmo para as coisas que aconteceram, para as que estão acontecendo e para aquelas que acontecerão. Por exemplo, com relação à saúde, a ciência não é outra que a Medicina, que, sendo única para todos os tempos, adverte de que modo sucedem tanto as coisas presentes como as passadas e as futuras.

 

 

 

 

 

______

Notas:

1. Pior é quando um magistrado muda seu voto a pedido do advogado da parte. Isto não deixa de ser, em certo sentido, um crime de lesa-humanidade.

2. O exemplo recente que me vem à cabeça é o da grande atriz norte-americana Demi Moore, que, segundo a imprensa, foi internada na segunda-feira passada, 23 de janeiro de 2012, por ter abusado de uma substância que ninguém sabia qual era. Sem absolutamente julgar o comportamento de Demi, que, sinceramente, faço votos para que se recupere totalmente, eu só fico pensando em sua atuação como Molly Jensen no filme Ghost, de 1990, que me emocionou demais. Abaixo, Demi Moore e Patrick Swayze em uma cena de Ghost.

 

 

Demi Moore e Patrick Swayze

 

 

3. Eu não sei se isto é bem assim. Muitos podem até não ter se dedicado pessoalmente ao ofício do manejo de armas, mas se tornaram famosos por promover a guerra e a matança. E o exemplo recente mais desgraçado e mais cruel foi mesmo o do herr führer Adolf 'Hass' Hitler.

 

 

 

 

4. Ainda que relativa.

5. Quanto ao conceito de maioria, cito, abaixo, oito reflexões sobre o tema:

1ª) Se toda a Humanidade menos um fosse da mesma opinião, e apenas um indivíduo fosse de opinião contrária, a Humanidade não teria maior direito de silenciar esta pessoa do que esta o teria, se pudesse, de silenciar a Humanidade. (John Stuart Mill).

2ª) Nada é mais repugnante do que a maioria, pois ela se compõe de uns poucos antecessores enérgicos, velhacos que se acomodam, fracos que se assimilam e da massa que vai atrás de rastros, sem nem de longe saber o que quer. (Johann Wolfgang von Goethe).

3ª) Nas divergências civis, quando os bons valem mais do que os muitos, os cidadãos devem ser pesados, e não contados. (Marcus Tullius Cícero).

4ª) Não devemos, de forma alguma, preocupar-nos com o que diz a maioria, mas, apenas, com a opinião dos que têm conhecimento do justo e do injusto, e com a própria verdade. (Platão).

5ª) O que é a maioria? A maioria é tolice. O bom senso sempre tem sido de poucos. Convém pesar os votos e não contá-los. (Friedrich Von Schiller).

6ª) A maioria nunca está com a razão a seu lado. (Henrik Ibsen).

7ª) Uma besteira repetida por trinta e seis milhões de bocas não deixa de ser uma besteira. As maiorias têm mostrado, as mais das vezes, uma aptidão superior para a servidão. (Anatole France).

8ª) Cada vez que te encontrares do lado da maioria, é tempo de fazer uma pausa e refletir. (Mark Twain).

6. Os sofistas se compunham de grupos de mestres que viajavam de cidade em cidade realizando aparições públicas (discursos etc.) para atrair estudantes, de quem cobravam taxas para lhes oferecer educação. O foco central de seus ensinamentos se concentrava no logos ou discurso, especialmente em estratégias de argumentação. Os mestres sofistas alegavam que podiam 'melhorar' seus discípulos, ou, em outras palavras, que a 'virtude' seria passível de ser ensinada.

7. Solon (638 a.C. – 558 a.C.) foi um legislador, jurista e poeta grego antigo. Foi considerado pelos antigos como um dos sete sábios da Grécia Antiga e, como poeta, compôs elegias morais e filosóficas. Fragmento atribuído a Solon: Envelheço aprendendo continuamente muitas coisas.

8. Mas, se só aprendermos o bem com as pessoas de bem, como conheceremos o mal e o que é mau? Para nos aproximarmos do Deus de nossos Corações, teremos que dominar e vencer nossos demônios interiores. Mas para dominá-los e vencê-los teremos, antes, de conhecê-los.

9. Salvo melhor juízo, penso que resistir seja uma forma resignada e estóica de sofrer, seja o sofrimento consciente ou inconsciente. Por outro lado, dar a volta por cima é compreender, ainda que a compreensão, nem sempre, seja integral ou mesmo concertada. Algumas vezes, em minha vida, dei a volta por cima. Depois, por assim dizer, tive que dar outras voltas por cima para resolver o problema definitivamente. Bem, seja como for, o melhor, sempre, é tentar compreender.

10. Repetindo: Nos angustiam não os males passados ou os presentes, mas os esperados, já que o medo é a expectativa de um mal futuro. Penso que isto não seja exatamente assim, pois, males passados e males presentes que não foram superados (pela compreensão) são – entra dia, sai dia – os mesmos atormentativos males, que, muitas vezes, ao dormirmos, geram os piores sonhos aflitivos produtores de sensações opressivas.

 

 

Páginas da Internet consultadas:

http://us.bestgraph.com/gifs/eleve_prof-1.html

http://animatedgif.net/people/people.shtml

http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%B3lon

http://pt.wikipedia.org/wiki/
Escola_sof%C3%ADstica

http://www.citador.pt/frases/
citacoes/t/maioria

http://sapoman.deviantart.com/
art/Vampire-bat-gif-182765901

http://izismile.com/2009/07/28/hitler
_in_gif_animations_18_gifs.html

http://www.gifsoup.com/
view/89512/ghost.html

http://www.jb.com.br/

http://www.animationplayhouse.com/
new/people23.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Laques

http://pt.wikipedia.org/wiki/Coragem

http://www.dominiopublico.gov.br/
download/texto/bk000472.pdf

 

Fundo musical:

Iliovasilemata

Fonte:

http://www.navis.gr/midi/midi.htm#Greek