Fragmentos
Marxistas
Se
as mercadorias pudessem falar, diriam: É
possível que nosso valor de uso interesse ao homem. Ele não
nos compete enquanto coisas. Mas, o que nos compete enquanto coisas é
nosso valor. Nossa própria circulação como coisas mercantis
demonstra isso. Nós nos relacionamos umas com as outras somente como
valores de troca. Ouçamos agora como a fala do economista
revela a alma da mercadoria: Valor
(valor de troca) é propriedade das coisas, riqueza (valor de uso)
do homem. Valor, nesse sentido, implica necessariamente troca, riqueza não.
Riqueza (valor de uso) é um atributo do homem, valor um atributo
das mercadorias. Um homem, ou uma comunidade, é rico; uma pérola
ou um diamante, é valiosa. Uma pérola ou um diamante têm
valor como pérola ou diamante.
Os
personagens econômicos, encarnados pelas pessoas, nada mais são
do que as personificações das relações econômicas,
como portadores das quais elas se defrontam.
O
que distingue sobretudo o possuidor de mercadoria desta última é
que para ela cada outro corpo de mercadoria conta apenas como forma de manifestação
de seu próprio valor. Igualitária e cínica nata, a
mercadoria está sempre disposta a trocar não só a alma,
como também o corpo, com qualquer outra mercadoria, mesmo quando
esta seja tão desagradável como Maritornes. [Maritornes
é uma personagem do romance Don Quijote de la Mancha, escrito
pelo romancista, dramaturgo e poeta castelhano Miguel de Cervantes (Alcalá
de Henares, 29 de setembro de 1547 – Madrid, 22 de abril de 1616).]
Esse sentido, que falta à mercadoria, para
apreciar o concreto do corpo da mercadoria, o dono da mercadoria supre por
meio dos seus cinco ou mais sentidos. Sua mercadoria não tem para
ele nenhum valor de uso direto. Do contrário não a levaria
ao mercado. Ela tem valor de uso para outros. Para ele, ela tem diretamente
apenas valor de uso de ser portadora do valor de troca e, portanto, meio
de troca. Por isso, ele quer aliená-la por uma mercadoria cujo valor
de uso o satisfaça. Todas as mercadorias são não-valores
de uso para seus possuidores e valores de uso para seus não-possuidores.
Elas precisam, portanto, universalmente, mudar de mãos. Essa mudança
de mãos constitui sua troca, e essa troca as refere como valores
entre si e as realiza como valores. As mercadorias têm que se realizar,
portanto, como valores, antes de poderem se realizar como valores de uso.
Por outro lado, as mercadorias têm de se comprovar como valores de
uso, antes de poderem se realizar como valores, pois, o trabalho humano,
despendido em sua produção, conta somente na medida em que
seja despendido de forma útil para outros. Se o trabalho for útil
para outros, se, portanto, seu produto satisfizer as necessidades alheias,
somente sua troca poderá demonstrar.
Para
todo possuidor de uma mercadoria, as mercadorias alheias funcionam como
equivalentes particulares de sua própria mercadoria, e sua mercadoria,
portanto, como equivalente geral de todas as outras mercadorias. Mas, como
todos os possuidores de mercadorias fazem o mesmo, nenhuma mercadoria é
um equivalente geral, e, por isso, as mercadorias não possuem também
nenhuma forma de valor geral relativo, na qual elas possam se equiparar
como valores e se comparar como grandezas de valor. Portanto, elas não
se defrontam, de modo algum, como mercadorias, mas, apenas, como produtos
quiméricos ou valores de uso. [E,
muitas vezes, para mau uso e fakes cruéis.]
Os
homens fizeram, freqüentemente, do próprio homem, na figura
do escravo, a matéria original de dinheiro, porém, nunca as
terras. Tal idéia somente poderia surgir numa sociedade burguesa
já desenvolvida. Data do último terço do século
XVII e só se tentou concretizá-la, em escala nacional, um
século mais tarde, na revolução burguesa dos franceses.
A
dificuldade não reside em compreender que dinheiro é mercadoria,
porém, como, por quê, por meio de que mercadoria é dinheiro.
Dinheiro
é camisinha e camisinha
dinheiro!
A
conduta meramente atomística dos homens em seu processo de produção
social e, portanto, a figura reificada [coisificada]
de suas próprias condições
de produção, que é independente de seu controle e de
sua ação consciente individual, se manifestam inicialmente
no fato de que seus produtos de trabalho assumem em geral a forma mercadoria.
O enigma do fetiche do dinheiro é, portanto, apenas o enigma do fetiche
da mercadoria, tornado visível e ofuscante.
A
primeira função do ouro consiste em fornecer ao mundo das
mercadorias o material para sua expressão de valor ou em representar
os valores das mercadorias como grandezas de mesma denominação,
qualitativamente iguais e quantitativamente comparáveis. Assim, ele
funciona como medida geral dos valores, e é apenas por meio dessa
função que o ouro, a mercadoria equivalente específica,
inicialmente,
se torna dinheiro.
O
valor, isto é, o quantum de trabalho humano contido, por exemplo,
numa tonelada de ferro, é expresso num quantum imaginário
da mercadoria monetária, que contém a mesma quantidade de
trabalho. Por isso, conforme ouro, prata ou cobre sirvam de medida do valor,
o valor da tonelada de ferro recebe expressões de preço inteiramente
diferentes ou é apresentado em quantidades de ouro, prata ou cobre
totalmente diversas.
Coisas
que, em si e para si, não são mercadorias, como por exemplo
consciência, honra, dignidade, nobreza etc. podem ser postas à
venda por dinheiro pelos seus possuidores, e, assim, receber, por meio de
seu preço, a forma de mercadoria. Por isso, uma coisa pode, formalmente,
ter um preço, sem ter um valor.
A
forma preço implica a alienabilidade das mercadorias contra dinheiro
e a necessidade dessa alienação. Por outro lado, o ouro funciona
somente como medida ideal de valor, porque já está circulando
no processo de troca, como mercadoria monetária. Na medida ideal
dos valores espreita, por isso, o dinheiro sonante.
O
processo de troca das mercadorias encerra relações contraditórias
e mutuamente exclusivas. O desenvolvimento das mercadorias não suprime
essas contradições, mas, gera a forma dentro da qual elas
podem se mover. Esse é, em geral, o método com o qual contradições
reais se resolvem. É uma contradição, por exemplo,
que um corpo caia constantemente em outro e, com a mesma constância,
fuja dele. A elipse é uma das formas de movimento em que essa contradição
tanto se realiza como se resolve. Na medida em que o processo de troca transfira
mercadorias da mão em que elas são não-valores de uso
para a mão em que elas são valores de uso, ele é metabolismo
social. O produto de uma modalidade útil de trabalho substitui o
da outra. Uma vez tendo alcançado o lugar em que serve de valor de
uso, a mercadoria cai da esfera de intercâmbio das mercadorias na
esfera do consumo. Por isso, a metamorfose das mercadorias media o metabolismo
social. A interpretação inteiramente defeituosa dessa mudança
de forma, deixando de lado a falta de clareza sobre o próprio conceito
do valor, é devida à circunstância de que cada mudança
de forma de uma mercadoria se realiza na troca de duas mercadorias: a mercadoria
comum e a mercadoria monetária. Atendo-se somente a esse momento
material, o intercâmbio de mercadorias por ouro, deixamos de ver o
que deve ser visto, isto é, o que ocorre com a forma. Não
se percebe que o ouro, como simples mercadoria, não é dinheiro,
e que as outras mercadorias em seus preços se relacionam a si mesmas
com ouro, como sua própria figura monetária. O processo de
intercâmbio das mercadorias se completa, portanto, na seguinte mudança
de forma:
Mercadoria A
—› Dinheiro —›
Mercadoria B
MA —›
D —›
MB,
de
tal maneira que, MA
—›
D =
salto mortal
da Mercadoria A. Neste sentido, a transformação de uma mercadoria
em dinheiro acaba sendo, ao mesmo tempo, transformação de
dinheiro em mercadoria, isto é, MA —›
D,
e, concomitantemente, D —›
MB, de tal maneira que, D — MB,
a compra, é, simultaneamente, a venda MA —
D, o que, como agentes da venda nos torna vendedores, e como agentes da
compra, compradores. Caso esta transformação falhe, não
é a mercadoria que é depenada, mas, sim, o possuidor dela.
Presos juntos, juntos enforcados.
The course of true love never did run smooth. A
jornada de um amor verdadeiro nunca é fácil. A substituição
de uma mercadoria por outra mercadoria deixa, ao mesmo tempo, a mercadoria
monetária nas mãos de um terceiro. A circulação
exsuda, constantemente, dinheiro. Enfim, como mediador da circulação
das mercadorias, o dinheiro assume a função do meio circulante.
Elipse
Compra
laranja, laranja, laranja, doutor,
que ainda dou uma de quebra pro senhor.
Compra hidroxicloroquina,
doutor,
que ela acabará curando a tua dolor.
Compra ,
doutor,
que possuirás um apê no Arpoador.
Compra
ações da ,
doutor,
que logo te chamarão de meu
amor.
Compra alguns quitutes, doutor,
que cairás nas graças da Dona Flor.
Compra umas indulgências, doutor,
que não serás vitimado pelo tentador.
Compra um terço de madrepérola, doutor,
que, com certeza, não virarás alcanfor.
Compra a Água da Vida Eterna, doutor,
que, do Bom Deus, só receberás amor.
Compra, já, agora, uma ,
doutor,
que o negrume se converterá em brancor.
Compra, rapidinho, um , doutor,
que a tua ignorância se tornará incolor.
Compra farinha de qualidade, doutor,
que não passarás por nenhum dissabor.
Compra mil e uma alabardas, doutor,
que vencerás a Batalha de Azamor.
Compra trocentas , doutor,
que abrandarás o teu sexual furor.
Compra um diploma fajuto, doutor,
que o poviléu te chamará de sor.
Compra
seja lá o que for, doutor,
que fará desaparecer teu amargor.
Compra miragens e ilusões, doutor,
que te sentirás com um novo vigor.
O
resultado da circulação –
substituição de uma mercadoria por outra mercadoria –
aparece, portanto, intermediado não pela própria
mudança de forma, porém, pela função do dinheiro
como meio circulante, o qual circula as mercadorias em si mesmas inertes,
transferindo-as das mãos nas quais elas são não-valores
de uso para as mãos nas quais elas são valores de uso, sempre
em direção contrária ao seu próprio curso. O
dinheiro afasta as mercadorias constantemente da esfera de circulação,
ao se colocar, continuamente, em seus lugares na circulação
e, com isso, se distanciando de seu próprio ponto de partida. Embora
o movimento do dinheiro seja apenas a expressão da circulação
de mercadorias, a circulação de mercadorias aparece, ao contrário,
apenas como resultado do movimento do dinheiro.
O
aumento de preços de certo número de artigos líderes
[petróleo,
por exemplo], em um caso, ou a queda de seus preços,
em outro [energia elétrica,
por exemplo], basta para que a soma de preços a ser realizada
de todas as mercadorias em circulação aumente ou diminua,
e, portanto, para colocar mais ou menos dinheiro em circulação.
Quer a mudança de preços das mercadorias reflita reais mudanças
de valores ou meras oscilações dos preços de mercado,
o efeito sobre o volume do meio circulante permanece o mesmo.
Aumenta
o preço do barril de petróleo
—› aumenta o preço do arroz com feijão
Soma
dos preços das mercadorias =
Volume do dinheiro funcionando como meio circulante.
Como
o volume de dinheiro, que pode funcionar como meio circulante, é
dado a determinada velocidade média, tem-se, por exemplo, apenas
de jogar na circulação determinada quantidade de notas de
1 libra, para expulsar outros tantos 'sovereigns' [soberanos]
–
proeza muito bem conhecida de todos
os bancos.
A
quantidade global do dinheiro funcionando como meio circulante, em cada
período, é determinada, por um lado, pela soma de preços
do mundo das mercadorias circulantes; por outro, pelo fluxo mais lento ou
mais rápido de seus processos antitéticos de circulação,
do qual depende que fração dessa soma de preços pode
ser realizada por intermédio das mesmas peças monetárias.
A soma de preços das mercadorias depende, porém, tanto do
volume como dos preços de cada espécie de mercadoria. O movimento
dos preços, o volume de mercadorias circulantes e a velocidade de
circulação do dinheiro podem, no entanto, mudar em direções
e proporções diferentes, de modo que a soma de preços
a realizar e, por conseguinte, o volume do meio circulante por ela determinado
podem, portanto, passar por numerosas combinações.
Subindo,
em geral, os preços das mercadorias, o volume do meio circulante
pode permanecer constante, se a massa das mercadorias em circulação
diminuir na mesma proporção em que seu preço aumenta
ou se a velocidade de circulação do dinheiro aumentar tão
rapidamente quanto a subida dos preços, enquanto a massa de mercadorias
em circulação permanecer constante. O volume do meio circulante
pode diminuir, porque a massa de mercadorias decresce mais rapidamente ou
a velocidade de giro cresce mais rapidamente do que os preços.
A
lei, segundo a qual a quantidade do meio circulante é determinada
pela soma de preços das mercadorias em circulação e
pela velocidade média de circulação do dinheiro, pode
ser expressa assim: dadas a soma de valores das mercadorias e a velocidade
média de suas metamorfoses, a quantidade do dinheiro ou do material
monetário em circulação depende de seu próprio
valor. A ilusão de que, ao contrário, os preços das
mercadorias são determinados pelo volume do meio circulante, e o
último, por seu lado, pelo volume do material monetário existente
em um país, tem suas raízes nos representantes originais da
insossa hipótese de que mercadorias sem preço e dinheiro sem
valor entram no processo de circulação, e lá, então,
uma parte alíquota do angu formado pelas mercadorias é intercambiada
por uma parte alíquota da montanha de metal.
Nos
diversos uniformes nacionais vestidos pelo ouro e pela prata, enquanto moedas
e dos quais são desvestidos no mercado mundial, aparece o divórcio
entre as esferas internas ou nacionais de circulação das mercadorias
e a sua esfera geral, o mercado mundial.
Basta
que o dinheiro exista apenas de forma simbólica num processo, que
o faz passar, continuamente, de mão em mão. Sua existência
funcional absorve, por assim dizer, sua existência material. Reflexo
objetivado evanescente dos preços das mercadorias, funciona apenas
como signo de si mesmo e, por isso, pode ser substituído por outros
signos.
Vendem-se
mercadorias não para comprar mercadorias, mas, para substituir a
forma mercadoria pela forma dinheiro. De simples intermediação
do metabolismo, essa mudança de forma se torna fim em si mesma. A
figura alienada da mercadoria é impedida de funcionar como sua figura
absolutamente alienável ou como sua forma dinheiro apenas evanescente.
O dinheiro se petrifica, então, em tesouro, e o vendedor de mercadorias
se torna um entesourador... O impulso para entesourar é, por natureza,
sem limite.
Precisamente,
no começo da circulação de mercadorias, apenas o excesso
de valores de uso se converte em dinheiro. Ouro e prata se tornam, assim,
por si mesmos, expressões sociais do excedente ou da riqueza. Essa
forma ingênua de entesouramento se eterniza naqueles povos em que
o modo de produção tradicional e orientado à auto-subsistência
corresponde a um círculo de necessidades fortemente delimitado. Tal
como acontece com os asiáticos, nomeadamente os indianos. Jacob Vanderlint
(? –
† fevereiro de 1740), que acreditava serem os preços das mercadorias
determinados pela massa de ouro e de prata existente num país, perguntava-se
por que as mercadorias indianas são tão baratas. Resposta:
porque os indianos enterram o dinheiro. De 1602 a 1734, eles enterraram
150 milhões de libras esterlinas em prata, que vieram originariamente
da América para a Europa. De 1856 a 1866, em dez anos, portanto,
a Inglaterra exportou para a Índia e para a China (o metal exportado
para a China reflui, em grande parte, para a Índia) 120 milhões
de libras esterlinas em prata, a qual, antes, havia sido trocada por dinheiro
australiano.
O
ouro é uma coisa maravilhosa! Quem o possui é senhor de tudo
o que deseja. Com o ouro se pode até fazer entrar almas no paraíso.
[Cristóvão
de Colombo (Gênova, entre 22 de agosto e 31 de outubro de 1451 –
Valladolid, 20 de maio de 1506), em carta da Jamaica,
1503.]
Provável Retrato de Colombo
(Por Sebastiano del Piombo, 1519. Não há retratos
autenticados de Colombo.)
Tudo
se torna vendável e comprável. A circulação
se torna a grande retorta social, na qual se lança tudo, para que
volte como cristal monetário. E não escapam dessa alquimia
nem mesmo os ossos dos santos nem as res sacrosanctæ [coisas
mais sagradas] extra commercium hominum [fora
do contato humano].
Qualitativamente
ou segundo a sua forma, o dinheiro é ilimitado, isto é, é
o representante geral da riqueza material, pois, pode ser trocado diretamente
por qualquer mercadoria. Entretanto, ao mesmo tempo, toda a soma efetiva
de dinheiro é quantitativamente limitada, portanto, também
apenas meio de compra de eficácia limitada. Essa contradição
entre a limitação quantitativa e o caráter qualitativamente
ilimitado do dinheiro impulsiona incessantemente o entesourador ao Trabalho
de Sísifo1
da acumulação. Acontece a ele como ao conquistador do mundo,
que com cada novo país somente conquista uma nova fronteira. Laboriosidade,
poupança e avareza são, portanto, as virtudes cardeais do
entesourador. Vender muito e comprar pouco são o resumo de sua Economia
Política.
Sejamos
ricos ou pareçamos ricos.
[Denis
Diderot (Langres, 5 de outubro de 1713 –
Paris, 31 de julho de 1784).]
Para
que a massa de dinheiro realmente circulante corresponda, a todo momento,
ao grau de saturação da esfera de circulação,
é necessário que o quantum de ouro e de prata existente num
país exceda o quantum absorvido pela função monetária.
Essa condição é satisfeita por meio do dinheiro em
forma de tesouro. As reservas de tesouro servem, ao mesmo tempo, de canais
de adução e de derivação do dinheiro circulante,
o qual, por isso, nunca transborda os canais de seu curso.
Uma
classe de mercadorias
requer mais tempo,
outra menos tempo
para ser produzida. A produção de diversas
mercadorias depende das diversas estações do ano. Uma mercadoria
nasce no lugar de seu mercado, outra tem de viajar para um mercado distante.
Assim, um possuidor de mercadorias poderá se apresentar como vendedor
antes que outro como comprador. Com constante repetição das
mesmas transações entre as mesmas pessoas, as condições
de venda das mercadorias se regulam pelas suas condições de
produção. Por outro lado, se vende o uso de certas classes
de mercadorias, por exemplo, uma casa, por determinado espaço de
tempo. Somente após o decurso do prazo fixado recebe o comprador
realmente o valor de uso da mercadoria. Ele a compra, portanto, antes de
pagá-la. Um possuidor de mercadorias vende mercadorias que já
existem, o outro compra como simples representante do dinheiro ou como representante
de dinheiro futuro. O vendedor se torna credor, o comprador, devedor. Como
a metamorfose da mercadoria ou o desenvolvimento de sua forma valor se altera
aqui, o dinheiro assume outra função. Converte-se em meio
de pagamento.
No
mundo antigo, a luta de classes se apresenta,
principalmente, sob a forma de uma luta entre credor e devedor, e termina
em Roma com a decadência do devedor plebeu, que é substituído
pelo escravo. Na Idade Média, essa luta termina com a decadência
do devedor feudal, que perde seu poder político com sua base econômica.
Contudo, a forma dinheiro –
a relação entre credor e devedor
possui a forma de uma relação monetária –
somente reflete o antagonismo de condições
de existências econômicas mais profundas.
A
velocidade de circulação dos meios de pagamento é condicionada
por duas circunstâncias: o encadeamento das relações
entre credor e devedor, pelas quais A recebe o dinheiro de seu devedor B,
e paga com ele ao seu credor C etc., e o lapso de tempo entre os diversos
prazos de pagamento.
Quanto
mais maciça for a concentração de pagamentos, tanto
menor será relativamente o saldo e, portanto, a massa dos meios de
pagamento em circulação.
A
função do dinheiro, como meio de pagamento, implica uma contradição
direta. Na medida em que os pagamentos se compensam, ele funciona apenas
idealmente, como dinheiro de conta ou medida de valor. Na medida em que
se tem de fazer pagamentos efetivos, ele não se apresenta como meio
circulante, como forma apenas evanescente e intermediária do metabolismo,
senão como a encarnação individual do trabalho social,
existência autônoma do valor de troca, mercadoria absoluta.
Essa contradição estoura no momento de crises comerciais e
de produção, a que se dá o nome de crise monetária.
Ela ocorre somente onde a cadeia em processamento dos pagamentos e um sistema
artificial para sua compensação estão plenamente desenvolvidos.
Havendo perturbações as mais gerais desse mecanismo, seja
qual for a sua origem, o dinheiro se converte súbita e diretamente
de figura somente ideal de dinheiro de conta em dinheiro sonante. Torna-se
insubstituível por mercadorias profanas. O valor de uso da mercadoria
se torna sem valor, e seu valor desaparece diante de sua própria
forma de valor. Ainda há pouco o cidadão, se presumindo esclarecido
e ébrio de prosperidade, proclamava o dinheiro como uma paixão
inútil. Somente a mercadoria é dinheiro. Apenas o dinheiro
é mercadoria, clama-se agora por todo o mercado mundial. E como o
cervo que grita por água fresca, assim grita a sua alma por dinheiro,
a única riqueza. Na crise, a antítese entre a mercadoria e
sua figura de valor, o dinheiro, é elevada a uma contradição
absoluta. A forma de manifestação do dinheiro é aqui,
portanto, também indiferente. A fome de dinheiro é a mesma,
quer se tenha de pagar em ouro ou em dinheiro de crédito, em notas
de banco, por exemplo.
Continua...