KITARO NISHIDA
(Fragmentos Pensamentais)

 

 

 

Kitaro Nishida

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Introdução Objetivo do Estudo

 

 

 

Neste estudo, apresento para reflexão alguns fragmentos do pensamento de Kitaro Nishida (às vezes, editados; outras vezes, explicados), um Filósofo japonês, que conheci recentemente, que revela um pensamento altamente complexo e sofisticado, profundamente enraizado nos grandes pensadores do Ocidente e do Oriente, ao mesmo tempo multidimensional, ambicioso e, às vezes, segundo seus biógrafos, heteróclito, isto é, se afastando e se desviando das regras e das normas estabelecidas. Heteróclise? Mas que regras? E quais são as normas? Bolas! Peidar em público é uma norma que ninguém segue. Nem o Papa! Nem a Rainha da Inglaterra! Nem eu! Ora, se Kitaro seguiu seu Coração, então, tudo bem; não há qualquer heteróclise. Enfim, como adverte Marcos Lutz Müller, a lógica do lugar e a visão religiosa do mundo é a culminação da sua complexa trajetória intelectual e o desaguadouro dos múltiplos temas com que sua inquietação universal se confrontou.

 

Em resumo, Kitaro Nishida, precursor do pensamento japonês contemporâneo e fundador do que veio a se chamar de Escola de Kyoto, não concebe o amor como absolutamente criador do mundo como opus ad extra, uma obra para fora, em que o ser é criado por uma causa eficiente ex nihilo, a partir do nada, como admite a Teologia Cristã tradicional, mas como sua própria autonegação absoluta, porque senão a criação seria contingente, e Deus um Dominus arbitrário.

 

 

 

 

Kitaro Nishida
Projeto Filosófico

 

 

 

Marcos Lutz Müller, no texto A Experiência Religiosa e a Lógica Tópica da Autodeterminação do Presente Absoluto (Kitaro Nishida), informa: Kitaro Nishida (1870 – 1945) pode ser considerado o principal pioneiro de um diálogo filosófico e acadêmico entre a filosofia ocidental e a tradição de pensamento japonesa inserida na herança do Zen-budismo. Pela sua ampla obra, publicada entre 1911 e 1945, ano de sua morte, e pela sua docência na Universidade de Kyoto, entre 1910 e 1928, tornou-se o fundador da corrente filosófica mais prestigiosa do Japão no século 20, que se tornou conhecida como a Escola de Kyoto. Ele compreende a sua reflexão filosófica, que se forma no cruzamento da filosofia ocidental (principalmente o Idealismo Alemão e a Fenomenologia de Husserl) e da prática da meditação zen-budista, como respondendo às exigências culturais resultantes do processo de europeização sistemática do Japão durante a restauração da Era Meiji, 1868 1912. Nesse sentido, segundo a interpretação de Bernard Stevens, Nishida compreende-se, num sentido hegeliano, como a expressão e o produto de sua época, marcada pela apropriação endógena e acelerada da cultura técnico-científica ocidental, pela qual o Japão pretendia enfrentar a europeização forçada que a expansão imperialista e colonial do Ocidente impunha aos países asiáticos. Seu projeto de 'enraizar a filosofia [literalmente, o estudo da sabedoria] ocidental no solo japonês', como o caracterizou seu discípulo Nishitani, tem a pretensão universalista de uma frutificação recíproca da cultura ocidental e oriental, apesar da ambivalência política e da estreiteza histórica que a adesão de Nishida à ideologia da casa imperial guarda para nós. Este enraizamento da filosofia ocidental em solo japonês deveria conduzir a 'um renascimento do Oriente por meio da cultura ocidental e a um novo desenvolvimento da cultura ocidental, pela sua revitalização em contato com o Oriente'. O papel do 'espírito japonês' na História Mundial, para dizer numa fórmula em que Nishida articula o conceito japonês de 'seishin' com o 'Geist', o espírito hegeliano, é o de ser, por sua receptividade e permeabilidade, o receptáculo, o lugar de encontro e mediação entre a modernidade ocidental, cuja matriz é a teoria em sua primazia cognitiva, e a tradição da interioridade meditativa, cuja matriz é o esvaziamento de si. O 'espírito japonês' visaria, por meio desta mediação, 'liberar a Humanidade do eurocentrismo e devolvê-la à sua identidade plural': nesse sentido, o espírito japonês seria menos o 'inventor' do que o 'catalisador' e o 'árbitro' desta recriação de sentido.

 

 

 

 

Kitaro Nishida
(Fragmentos Pensamentais)

 

 

 

Nos limites da simples razão, a religião não parte verdadeiramente do fato religioso como disposição de ânimo, como experiência, mas o aborda a partir da razão, que se move no registro da lógica objetiva.

 

A realidade é uma sucessão de eventos que flui sem parar.

 

 

 

 

O autodespertar ('jikakusei') religioso não só é a forma mais alta da vida, como também o que a torna em última instância possível.

 

A relação recíproca entre eu e tu, e mais amplamente, a relação entre o eu e o seu entorno, como seu outro, é determinação dialética ('benshôhôteki gentei'), em que ambos os termos estão, ao mesmo tempo, absolutamente separados e intimamente unidos.

 

A consciência religiosa surge e a religião se torna um problema quando tomamos consciência da autocontradição fundamental da nossa existência – que é o saber de nossa própria morte.

 

Nada pode estar em face do Absoluto como um oposto. Aí reside autocontradição do Absoluto.

 

Para que o relativo não seja simplesmente aniquilado pelo face a face com o Absoluto, e para que este não seja relativizado por um relativo ou finito que se lhe defrontaria objetivamente, o Absoluto tem de conter, em si mesmo, a autonegação absoluta. Graças a esta autonegação, o nada absoluto pode, agora, defrontar-se consigo mesmo. Isto é a auto-identidade contraditória ('mujunteki jikodôitsu') e a correspondência contraditória ('gyakutaiô') entre o Absoluto e o relativo, entre o infinito e o finito. Não há, portanto, uma relação de oposição entre um ser finito e um ser infinito, em que ambos são, mas uma auto-identidade e uma correspondência contraditória entre duas autonegações: a autonegação absoluta, graças à qual o nada absoluto é ser absoluto, e a autonegação do relativo ou finito, que, no despertar para o nada próprio e absoluto da sua morte, nega a sua identidade finita e se adentra no nada absoluto ou irrestritamente aberto. Este Ser Absoluto, que contém em si mesmo a negação absoluta, pela qual o nada se defronta consigo mesmo, tem de atuar de ponta a ponta na efetividade histórica de maneira infinitamente criadora.

 

O bem mais elevado é o bem da pessoa... A raiz da personalidade deve ser procurada no Eu-verdadeiro que se manifesta na unificação básica, onde sujeito e objeto são um só. Assim, o bem mais elevado é a fusão do Eu-verdadeiro com a mais elevada realidade.

 

O mundo existe como criação porque existe um Deus criador, e vice-versa, existe Deus, porque existe o mundo da criação. Deus existe plenamente negando-se a si mesmo neste mundo.

 

O Deus transcendente que existe fora do Universo não é um Deus onisciente. O real é infinito no finito. O Absoluto real está no relativo. O verdadeiro Deus é onisciente nesta realidade.

 

Não procure ganhar. Não procure a fama. Não procure atividades acadêmicas. Não procure satisfazer os desejos dos sentidos. Basta ser diligente na busca do Caminho.

 

 

 

 

Só o Deus inteiramente imanente e ao mesmo tempo transcendente pode ser o Deus verdadeiramente dialético.

 

Muitas pessoas não sabem quem são nem sabem onde e porquê estão. Tentam, por exemplo, analisar e explicar os componentes do pão e da água, mas não sabem apreciar o verdadeiro sabor de nenhum dos dois. O resultado é uma construção artificial que não tem qualquer impacto sobre o Coração humano.

 

A atividade criadora significa que o mundo da auto-identidade contraditória do uno e do múltiplo exprime-se a si mesmo no interior de si mesmo, e, assim, se autoconfigura infinitamente, como um fundamento-sem-fundo, num movimento que passa incessantemente do criado ao criador.

 

Vênus em Touro...
No crepúsculo eu ando
junto à praia.
Lavadas pelas ondas selvagens,
ah!, as prímulas da noite
estão em flor!

 

O mundo criador pode também ser chamado de Absoluto, e esta autoconfiguração do mundo por meio desses infinitos pontos focais pode ser entendida, em linguagem religiosa, como a vontade de Deus.

 

Se o meu Coração puder se tornar puro e simples como o Coração de uma criança, acho que não poderá haver maior felicidade do que esta.

 

O pensamento ocidental tomou o ser como fundamento da realidade, ao passo que o pensamento oriental se caracteriza por ter tomado o nada, ou seja, um contou com a forma; o outro com a não-forma.

 

O Deus verdadeiramente Absoluto, tem de ser sob um aspecto, um Deus satânico, pois só assim ele pode ser efetivamente onisciente e onipotente, e, deste modo, se defrontar com a Sua negação radical, compreendendo-a ao mesmo tempo dentro de si... O Deus verdadeiramente Absoluto tem de se abaixar até o mal radical, para salvar o sem-deus.

 

Somos acometidos por perguntas religiosas porque somos uma existência absolutamente contraditória. Mas, quanto mais nos tornamos autocontraditórios, tanto mais despertamos para nós mesmos.

 

O mundo da auto-identidade absolutamente contraditória, no qual a negação é simultaneamente afirmação, tem de ser inteiramente o mundo da determinação inversa e da correspondência contraditória entre o homem e Deus.

 

 

A completa negação é a completa afirmação.1

 

Despertar para o nosso si-mesmo, no saber da nossa própria morte, significa que precisamos morrer eternamente, entrar no nada eterno, para viver a Grande Vida, isto é, para romper o eterno retorno, o circuito perene do nascimento da morte, que é precisamente a morte eterna.

 

O mundo da Grande Vida, da Consciência Desperta e Illuminada – que vive no seu agir cotidiano a simultaneidade do 'samsara' e do 'nirvana' – é o resultado da expressividade autocriadora do mundo como autodeterminação do presente absoluto.

 

Apreender o Caminho do Buddha é apreender a se conhecer. Conhecer-se a si mesmo é apreender a se esquecer de si mesmo; e se esquecer de si mesmo significa ser Illuminado por todas as coisas, trazer todas as coisas à manifestação.

 

Não leia livros com uma mente apressada.

 

Quanto mais o homem se torna religioso e desperta para o vazio do esquecimento de si, tanto mais ele pode ser integralmente racional e emotivo. Por isto, também, toda religião que se apega a uma forma qualquer é uma religião degenerada.

 

A intuição ativa, na qual agimos esvaziados do nosso eu e na qual estamos envolvidos pela compaixão e pelo amor infinitos, torna-se uma forma de não-agir, ou seja, representa o fundamento do agir moral kantiano.

 

Parece-me que a 'ética' no Ocidente é meramente um exercício intelectual. Seus argumentos são convincentes, mas ninguém presta atenção à experiência de Alma – uma experiência profunda do Coração.

 

A dimensão escatológica do agir histórico não se refere ao fim último do homem e do mundo ou a uma antecipação do fim dos tempos, como na Teologia Católica, mas à cotidianidade radical desse agir no instante absoluto.

 

O BA comporta várias dimensões: física (o local), relacional (as pessoas) e espiritual (o tácito profundo).

 

Pura Experiência Experiência Pura Experiência Original Experiência Religiosa Original Transcendente.

 

Na experiência pura e direta não há sujeito e não há objeto.

 

O espírito solicita unidade infinita.

 

Sobre a passagem do seu primeiro filho, Kitaro Nishida escreveu este poema waka:

Tendo vivido
saudavelmente
até 2003,
como ele pôde desaparecer
como um sonho?

 

O fundo da minha Alma tem tamanha profundidade que nem a alegria nem as ondas de tristeza podem alcançá-lo.

 

 

 

 

Os momentos de ver uma cor ou de ouvir um som são anteriores não só ao pensamento de que a cor ou o som são atividades de objetos externos ou do que se está sentindo, mas, também, para o julgamento do que a cor ou o som podem ser.

 

Ser é estar 'dentro'; e o último 'dentro' é o mais alto grau do Nada Absoluto.

 

A cultura do mundo real não é formada apenas por várias culturas, de sorte a preservar seus pontos de vista respectivos; mas, simultaneamente, a cultura se desenvolve através da mediação global.

 

Uma confissão escrita no diário de Kitaro Nishida, em 13 de maio de 1901: Durante vários anos, desde que comecei a prática do Zen, para cada passo em frente, eu dou um passo para trás. Tenho chegado a lugar nenhum. Estou muito envergonhado de mim mesmo.2

 

Eu preciso mais de pessoas ao meu redor que possam me ensinar e me criticar, e menos a quem eu ensino e que possam me elogiar. Eu preciso de pessoas que me inspirem um pouco; mais do que aqueles a quem eu possa inspirar.

 

Como qualquer entidade orgânica, um sistema de consciência se manifesta através do desenvolvimento ordeiro e diferenciado em uma determinada realidade unificadora.

 

 

 

 

Um Experimento Interessante

 

 

 

 

Esqueça o mundo...

Esqueça o antideus...

Esqueça o próprio Deus...

Esqueça seu Eu-profundo...

 

Esqueça que você existe...

Esqueça o próprio esquecer...

Simplesmente, deixe acontecer...

 

 

 

 

 

 

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Notas:

1. Por outro lado, uma afirmação irrestrita não deixa de ser uma negação. Basta pensarmos na afirmação: Deus é a inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas, eterno, imutável, imaterial, único, onipoderoso, onibenevolente, onipresente, onissapiente, oniprovidente e soberanamente justo. Observe que todas as categorias utilizadas nesta definição ou conceito de Deus são meramente humanas.

2. Ao ler esta confissão, eu chorei. Chorei porque me lembrei de mim. Tantas escorregadelas... Tantas quedas... Tantas retornanças... Tantas dúvidas... Tantas sem-vergonhices... Tantas... Mas eu não desisto! Aqueles que Realmente Sabem e Podem terão que me aturar, ainda que, algumas vezes, eu mesmo não consiga me aturar. Mas eu não desistirei nunca!

 

 

 

 

Páginas da Internet consultadas:

http://causaseefeitos.zip.net/
arch2008-06-01_2008-06-30.html

http://www.goodreads.com/
author/quotes/375256.Kitaro_Nishida

http://www.iwise.com/Kitaro_Nishida

http://koti.mbnet.fi/neptunia/
philosophy/kitaro1.htm

http://plato.stanford.edu/entries/nishida-kitaro/

http://en.wikipedia.org/wiki/Kitaro_Nishida

http://tokuda-igarashi.net/wp/?s=zazen

http://www.ilidh.org/LinkClick.aspx?fileticket
=T85F36JeNLY%3D&tabid=57&mid=433

http://www.tede.ufsc.br/
teses/PLIT0332-T.pdf

http://pepsic.bvs-psi.org.br/

http://www.analytica.inf.br/
analytica/diagramados/152.pdf

 

Fundo musical:

Eternal Life

Fonte:

http://www.angelfire.com/ok/francisyeow/midi8.html