Marcos
Lutz Müller, no texto A Experiência Religiosa e a Lógica
Tópica da Autodeterminação do Presente Absoluto (Kitaro
Nishida), informa: Kitaro
Nishida (1870 – 1945) pode ser considerado o principal pioneiro de
um diálogo filosófico e acadêmico entre a filosofia
ocidental e a tradição de pensamento japonesa inserida na
herança do Zen-budismo. Pela sua ampla obra, publicada entre 1911
e 1945, ano de sua morte, e pela sua docência na Universidade de Kyoto,
entre 1910 e 1928, tornou-se o fundador da corrente filosófica mais
prestigiosa do Japão no século 20, que se tornou conhecida
como a Escola de Kyoto. Ele compreende a sua reflexão filosófica,
que se forma no cruzamento da filosofia ocidental (principalmente o Idealismo
Alemão e a Fenomenologia de Husserl) e da prática da meditação
zen-budista, como respondendo às exigências culturais resultantes
do processo de europeização sistemática do Japão
durante a restauração da Era Meiji, 1868 –
1912. Nesse sentido,
segundo a interpretação de Bernard Stevens, Nishida compreende-se,
num sentido hegeliano, como a expressão e o produto de sua época,
marcada pela apropriação endógena e acelerada da cultura
técnico-científica ocidental, pela qual o Japão pretendia
enfrentar a europeização forçada que a expansão
imperialista e colonial do Ocidente impunha aos países asiáticos.
Seu projeto de 'enraizar a filosofia [literalmente, o estudo da sabedoria]
ocidental no solo japonês', como o caracterizou seu discípulo
Nishitani, tem a pretensão universalista de uma frutificação
recíproca da cultura ocidental e oriental, apesar da ambivalência
política e da estreiteza histórica que a adesão de
Nishida à ideologia da casa imperial guarda para nós. Este
enraizamento da filosofia ocidental em solo japonês deveria conduzir
a 'um renascimento do Oriente por meio da cultura ocidental e a um novo
desenvolvimento da cultura ocidental, pela sua revitalização
em contato com o Oriente'. O papel do 'espírito japonês' na
História Mundial, para dizer numa fórmula em que Nishida articula
o conceito japonês de 'seishin' com o 'Geist', o espírito hegeliano,
é o de ser, por sua receptividade e permeabilidade, o receptáculo,
o lugar de encontro e mediação entre a modernidade ocidental,
cuja matriz é a teoria em sua primazia cognitiva, e a tradição
da interioridade meditativa, cuja matriz é o esvaziamento de si.
O 'espírito japonês' visaria, por meio desta mediação,
'liberar a Humanidade do eurocentrismo e devolvê-la à sua identidade
plural': nesse sentido, o espírito japonês seria menos o 'inventor'
do que o 'catalisador' e o 'árbitro' desta recriação
de sentido.
Kitaro
Nishida
(Fragmentos Pensamentais)
Nos
limites da simples razão, a religião não parte verdadeiramente
do fato religioso como disposição de ânimo, como experiência,
mas o aborda a partir da razão, que se move no registro da lógica
objetiva.
A
realidade é uma sucessão de eventos que flui sem parar.
O
autodespertar ('jikakusei') religioso não só é a forma
mais alta da vida, como também o que a torna em última instância
possível.
A
relação recíproca entre eu e tu, e mais amplamente,
a relação entre o eu e o seu entorno, como seu outro, é
determinação dialética ('benshôhôteki gentei'),
em que ambos os termos estão, ao mesmo tempo, absolutamente separados
e intimamente unidos.
A consciência religiosa surge
e a religião se torna um problema quando tomamos consciência
da autocontradição fundamental da nossa existência –
que é o saber de nossa própria morte.
Nada
pode estar em face do Absoluto como um oposto. Aí reside autocontradição
do Absoluto.
Para que o relativo não seja
simplesmente aniquilado pelo face a face com o Absoluto, e para que este
não seja relativizado por um relativo ou finito que se lhe defrontaria
objetivamente, o Absoluto tem de conter, em si mesmo, a autonegação
absoluta. Graças a esta autonegação, o nada absoluto
pode, agora, defrontar-se consigo mesmo. Isto é a auto-identidade
contraditória ('mujunteki jikodôitsu') e a correspondência
contraditória ('gyakutaiô') entre o Absoluto e o relativo,
entre o infinito e o finito. Não há, portanto, uma relação
de oposição entre um ser finito e um ser infinito, em que
ambos são, mas uma auto-identidade e uma correspondência contraditória
entre duas autonegações: a autonegação absoluta,
graças à qual o nada absoluto é ser absoluto, e a autonegação
do relativo ou finito, que, no despertar para o nada próprio e absoluto
da sua morte, nega a sua identidade finita e se adentra no nada absoluto
ou irrestritamente aberto. Este Ser Absoluto, que contém em si mesmo
a negação absoluta, pela qual o nada se defronta consigo mesmo,
tem de atuar de ponta a ponta na efetividade histórica de maneira
infinitamente criadora.
O bem mais elevado é o bem
da pessoa... A raiz da personalidade deve ser procurada no Eu-verdadeiro
que se manifesta na unificação básica, onde sujeito
e objeto são um só. Assim, o bem mais elevado é a fusão
do Eu-verdadeiro com a mais elevada realidade.
O
mundo existe como criação porque existe um Deus criador, e
vice-versa, existe Deus, porque existe o mundo da criação.
Deus existe plenamente negando-se a si mesmo neste mundo.
O Deus transcendente que existe fora
do Universo não é um Deus onisciente. O real é infinito
no finito. O Absoluto real está no relativo. O verdadeiro Deus é
onisciente nesta realidade.
Não
procure ganhar. Não procure a fama. Não procure atividades
acadêmicas. Não procure satisfazer os desejos dos sentidos.
Basta ser diligente na busca do Caminho.
Só
o Deus inteiramente imanente e ao mesmo tempo transcendente pode ser o Deus
verdadeiramente dialético.
Muitas
pessoas não sabem quem são nem sabem onde e porquê estão.
Tentam, por exemplo, analisar e explicar os componentes do pão e
da água, mas não sabem apreciar o verdadeiro sabor de nenhum
dos dois. O resultado é uma construção artificial que
não tem qualquer impacto sobre o Coração humano.
A
atividade criadora significa que o mundo da auto-identidade contraditória
do uno e do múltiplo exprime-se a si mesmo no interior de si mesmo,
e, assim, se autoconfigura infinitamente, como um fundamento-sem-fundo,
num movimento que passa incessantemente do criado ao criador.
Vênus
em Touro...
No crepúsculo eu ando
junto à praia.
Lavadas pelas ondas selvagens,
ah!, as prímulas da noite
estão em flor!
O
mundo criador pode também ser chamado de Absoluto, e esta autoconfiguração
do mundo por meio desses infinitos pontos focais pode ser entendida, em
linguagem religiosa, como a vontade de Deus.
Se
o meu Coração puder se tornar puro e simples como o Coração
de uma criança, acho que não poderá haver maior felicidade
do que esta.
O pensamento ocidental tomou o ser
como fundamento da realidade, ao passo que o pensamento oriental se caracteriza
por ter tomado o nada, ou seja, um contou com a forma; o outro com a não-forma.
O
Deus verdadeiramente Absoluto, tem de ser sob um aspecto, um Deus satânico,
pois só assim ele pode ser efetivamente onisciente e onipotente,
e, deste modo, se defrontar com a Sua negação radical, compreendendo-a
ao mesmo tempo dentro de si... O Deus verdadeiramente Absoluto tem de se
abaixar até o mal radical, para salvar o sem-deus.
Somos
acometidos por perguntas religiosas porque somos uma existência absolutamente
contraditória. Mas, quanto mais nos tornamos autocontraditórios,
tanto mais despertamos para nós mesmos.
O
mundo da auto-identidade absolutamente contraditória, no qual a negação
é simultaneamente afirmação, tem de ser inteiramente
o mundo da determinação inversa e da correspondência
contraditória entre o homem e Deus.
A completa negação
é a completa afirmação.1
Despertar
para o nosso si-mesmo, no saber da nossa própria morte, significa
que precisamos morrer eternamente, entrar no nada eterno, para viver a Grande
Vida, isto é, para romper o eterno retorno, o circuito perene do
nascimento da morte, que é precisamente a morte eterna.
O
mundo da Grande Vida, da Consciência Desperta e Illuminada
– que vive no seu agir cotidiano a simultaneidade do 'samsara' e do
'nirvana' – é o resultado da expressividade autocriadora do
mundo como autodeterminação do presente absoluto.
Apreender o Caminho do Buddha é
apreender a se conhecer. Conhecer-se a si mesmo é apreender a se
esquecer de si mesmo; e se esquecer de si mesmo significa ser Illuminado
por todas as coisas, trazer todas as coisas à manifestação.
Não leia livros com uma mente
apressada.
Quanto
mais o homem se torna religioso e desperta para o vazio do esquecimento
de si, tanto mais ele pode ser integralmente racional e emotivo. Por isto,
também, toda religião que se apega a uma forma qualquer é
uma religião degenerada.
A
intuição ativa, na qual agimos esvaziados do nosso eu e na
qual estamos envolvidos pela compaixão e pelo amor infinitos, torna-se
uma forma de não-agir, ou seja, representa o fundamento do agir moral
kantiano.
Parece-me
que a 'ética' no Ocidente é meramente um exercício
intelectual. Seus argumentos são convincentes, mas ninguém
presta atenção à experiência de Alma –
uma experiência profunda do Coração.
A
dimensão escatológica do agir histórico não
se refere ao fim último do homem e do mundo ou a uma antecipação
do fim dos tempos, como na Teologia Católica, mas à cotidianidade
radical desse agir no instante absoluto.
O
BA comporta várias dimensões: física (o local), relacional
(as pessoas) e espiritual (o tácito profundo).
Pura
Experiência Experiência
Pura Experiência Original
Experiência Religiosa
Original Transcendente.
Na
experiência pura e direta não há sujeito e não
há objeto.
O espírito solicita unidade
infinita.
Sobre
a passagem do seu primeiro filho, Kitaro Nishida escreveu este poema waka:
Tendo
vivido
saudavelmente
até 2003,
como ele pôde desaparecer
como um sonho?
O
fundo da minha Alma tem tamanha profundidade que nem a alegria nem as ondas
de tristeza podem alcançá-lo.
Os
momentos de ver uma cor ou de ouvir um som são anteriores não
só ao pensamento de que a cor ou o som são atividades de objetos
externos ou do que se está sentindo, mas, também, para o julgamento
do que a cor ou o som podem ser.
Ser
é estar 'dentro'; e o último 'dentro' é o mais alto
grau do Nada Absoluto.
A cultura do mundo real não
é formada apenas por várias culturas, de sorte a preservar
seus pontos de vista respectivos; mas, simultaneamente, a cultura se desenvolve
através da mediação global.
Uma
confissão escrita no diário de Kitaro Nishida, em 13 de maio
de 1901:
Durante vários anos, desde que comecei a prática do Zen, para
cada passo em frente, eu dou um passo para trás. Tenho chegado a
lugar nenhum. Estou muito envergonhado de mim mesmo.2
Eu preciso mais de pessoas ao meu
redor que possam me ensinar e me criticar, e menos a quem eu ensino e que
possam me elogiar. Eu preciso de pessoas que me inspirem um pouco; mais
do que aqueles a quem eu possa inspirar.
Como
qualquer entidade orgânica, um sistema de consciência se manifesta
através do desenvolvimento ordeiro e diferenciado em uma determinada
realidade unificadora.
Um
Experimento Interessante
Esqueça
o mundo...
Esqueça
o antideus...
Esqueça
o próprio Deus...
Esqueça
seu Eu-profundo...
Esqueça
que você existe...
Esqueça
o próprio esquecer...
Simplesmente,
deixe acontecer...
______
Notas:
1. Por outro lado, uma
afirmação irrestrita não deixa de ser uma negação.
Basta pensarmos na afirmação: Deus é a inteligência
suprema, causa primeira de todas as coisas, eterno, imutável, imaterial,
único, onipoderoso, onibenevolente, onipresente, onissapiente, oniprovidente
e soberanamente justo. Observe que todas as categorias utilizadas nesta
definição ou conceito de Deus são meramente humanas.
2. Ao ler esta confissão,
eu chorei. Chorei porque me lembrei de mim. Tantas escorregadelas... Tantas
quedas... Tantas retornanças... Tantas dúvidas... Tantas sem-vergonhices...
Tantas... Mas eu não desisto! Aqueles que Realmente Sabem e Podem
terão que me aturar, ainda que, algumas vezes, eu mesmo não
consiga me aturar. Mas eu não desistirei nunca!
Páginas
da Internet consultadas:
http://causaseefeitos.zip.net/
arch2008-06-01_2008-06-30.html
http://www.goodreads.com/
author/quotes/375256.Kitaro_Nishida
http://www.iwise.com/Kitaro_Nishida
http://koti.mbnet.fi/neptunia/
philosophy/kitaro1.htm
http://plato.stanford.edu/entries/nishida-kitaro/
http://en.wikipedia.org/wiki/Kitaro_Nishida
http://tokuda-igarashi.net/wp/?s=zazen
http://www.ilidh.org/LinkClick.aspx?fileticket
=T85F36JeNLY%3D&tabid=57&mid=433
http://www.tede.ufsc.br/
teses/PLIT0332-T.pdf
http://pepsic.bvs-psi.org.br/
http://www.analytica.inf.br/
analytica/diagramados/152.pdf
Fundo
musical:
Eternal
Life
Fonte:
http://www.angelfire.com/ok/francisyeow/midi8.html