A
verdade é aquilo que corresponde aos fatos. Uma teoria
é melhor do que a outra quando corresponde melhor aos fatos.
A
tarefa do cientista consiste em testar, em examinar criticamente, duas (ou
mais) teorias rivais. Devemos tentar refutá-las – uma ou outra
–
até chegarmos
a uma decisão. Na Matemática (mas apenas na Matemática),
estas decisões são geralmente finais: é raro haver
provas inválidas não detectadas. Se olharmos, agora, para
as ciências empíricas, veremos que, regra geral, seguimos fundamentalmente
o mesmo procedimento. A única diferença importante é
que agora podemos utilizar também argumentos empíricos nas
nossas análises críticas. Mas esses argumentos empíricos
só se apresentam acompanhados por outras considerações
críticas. O pensamento crítico enquanto tal continua a ser
o nosso principal instrumento.
O caminho da ciência é
calçado de teorias abandonadas, que, certa vez, foram declaradas
evidentes por si mesmas.
A
intuição, indubitavelmente, desempenha grande parte na vida
de um cientista, assim como o faz na vida de um poeta. Leva-o a suas descobertas.
Mas pode também levá-lo a seus fracassos. E sempre permanece
assunto privado seu, por assim dizer. A ciência não indaga
como ele conseguiu suas idéias; interessa-se apenas por argumentos
que possam ser submetidas à prova de todos.
Em
uma teoria, o
importante é
o seu poder explicativo e a sua capacidade de resistência à
crítica e aos testes a que é submetida. A questão da
sua origem, de como se chegou à ela – se por um ‘processo
indutivo’, como alguns dizem, ou por um ato de intuição
– pode ser extremamente interessante, em especial para o biógrafo
do inventor dessa teoria, mas tem pouco a ver com o seu estatuto ou caráter
científico.
Qualquer
critério que se adote envolve interpretação à
luz de teorias, sendo, nessa medida, incerto.
Quanto
mais aprendemos
sobre o mundo, quanto mais profundo o nosso conhecimento, mais específico,
consistente e articulado será o nosso conhecimento do que ignoramos
– o conhecimento da nossa ignorância. Esta, com efeito, é
a principal fonte da nossa ignorância: o fato de que o nosso conhecimento
só pode ser finito, mas a nossa ignorância deve necessariamente
ser infinita. Vale a pena lembrar que, embora haja uma vasta diferença
entre nós no que diz respeito aos fragmentos que conhecemos, somos
todos iguais no infinito da nossa ignorância.
Papel
do cientista: formular conjecturas —›
tentar refutá-las.
Em
vez de lutar com armas, a
possibilidade de lutar com palavras constitui
o fundamento da nossa civilização.
A crença de que existe algo
como a Física, a Biologia ou a Arqueologia, e que esses ‘estudos’
ou ‘disciplinas’ são indistinguíveis pela matéria
que investigam, parece-me um resquício da época em que se
acreditava que uma teoria tinha de provir de uma definição
da sua própria matéria temática. Mas matérias
ou espécies de coisas não constituem, digo eu, uma base para
distinguir disciplinas. As disciplinas são distinguidas, em parte,
por razões históricas e por razões de conveniência
administrativa (como a organização do ensino e dos apontamentos);
e, em parte, porque as teorias que elaboramos para resolver os nossos problemas
têm tendência para se transformar em problemas unificados. Nós
não somos estudantes de uma matéria qualquer, mas estudantes
de problemas. E os problemas podem atravessar diretamente as fronteiras
de qualquer matéria ou disciplina específica.
A
busca de precisão é análoga à busca de certeza,
e tanto uma como a outra deveriam ser abandonadas.
Penso
que só há um caminho para a Ciência ou para a Filosofia:
encontrar um problema, ver a sua beleza e se apaixonar por ele; casar e
viver feliz com ele até que a morte vos separe – a não
ser que encontrem um outro problema ainda mais fascinante, ou, evidentemente,
a não ser que obtenham uma solução. Mas, mesmo que
obtenham uma solução, poderão então descobrir,
para vosso deleite, a existência de toda uma família de problemas-filhos,
encantadores ainda que talvez difíceis, para cujo bem-estar poderão
trabalhar, com um sentido, até ao fim dos vossos dias.
A ciência deve começar
com os mitos e com a crítica dos mitos.
Não
há dúvida de que nossas expectativas – e, portanto,
nossas teorias –
podem até
preceder, historicamente, nossos problemas. Entretanto, a ciência
só começa com problemas. Os problemas afloram, sobretudo,
quando estamos decepcionados em nossas expectativas ou quando nossas teorias
nos envolvem em dificuldades, em contradições.
Temos,
pois, de proclamar, em nome da tolerância, o direito de não
sermos tolerantes com os intolerantes. Temos de proclamar que qualquer movimento
que promova a intolerância se coloca fora da lei, e temos de considerar
criminoso todo e qualquer incitamento à intolerância e à
perseguição, como consideramos criminoso o incitamento ao
homicídio, ao rapto ou ao restabelecimento do tráfico de escravos.
Devemos
aprender bem a lição de que a honestidade é fundamental
para tudo aquilo que nos interessa.
Temos
que fazer planos para a liberdade e não só para a segurança,
pela única razão de que só a liberdade pode tornar
segura a segurança.
Não é possível
discutir racionalmente com alguém que prefere nos matar a ser convencido
pelos nossos argumentos.
Não
sabemos. Só podemos conjecturar.
Não
devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar
os intolerantes, senão corremos o risco de destruição
de nós próprios e da própria atitude de tolerância.
É preferível errar
do lado da indulgência do que do lado da crueldade.
Ninguém
sabe o suficiente para ser intolerante.
O
que não é falseável ou refutável não
pode ser considerado científico.
O
fenômeno do conhecimento humano é, sem dúvida, o maior
milagre do Universo. Ele constitui um problema que não será
solucionado brevemente.
O
princípio da indução é supérfluo e conduz
a incoerências lógicas.
A
tentativa de alicerçar o princípio da indução
na experiência malogra, pois conduz a uma regressão infinita.
Independentemente de quantos casos
de cisnes brancos possamos observar, isto não justifica a conclusão
de que todos os cisnes sejam brancos.
O
método de aprendizagem por tentativa e erro – de aprender com
nossos erros –
parece ser fundamentalmente
o mesmo, o pratiquem os animais inferiores ou superiores, os chimpanzés
ou os homens da ciência.
Deve
ser possível refutar, pela experiência, um sistema científico
empírico.
No
meu entender, o conhecimento humano consiste em teorias, hipóteses
e conjecturas que nós formulamos como produto de nossas atividades
intelectuais.
Iniciamos
nossas investigações partindo de problemas. Sempre nos encontramos
em uma situação problemática e escolhemos um problema
que esperamos poder solucionar. A solução, que sempre tem
o caráter de tentativa, consiste em uma teoria, em uma hipótese,
em uma conjectura. As várias teorias rivais são comparadas
e discutidas criticamente, a fim de se identificar suas deficiências;
os resultados permanentemente cambiantes e sempre inconcludentes desta discussão
crítica formam o que poderia ser denominado a ciência do momento.
Quatro
maneiras de submeter uma teoria à prova: a) comparação
de conclusões; b) investigação da lógica da
teoria; c) comparação com outras teorias; e d) confirmação
pelas experiências.
Aquilo
que sempre prometeu um paraíso na Terra nunca produziu nada além
de um inferno.
Os
enunciados científicos serão válidos se puderem ser
intersubjetivamente submetidos a um teste.
Enquanto
que a Lógica da Descoberta tem muito pouca coisa para aprender com
a Psicologia da Pesquisa, esta tem muito que aprender com aquela.
Só
a experiência pode decidir acerca da verdade ou falsidade de um enunciado
científico.
Não
existe uma história da Humanidade; só há muitas histórias
de todos os tipos de aspectos da vida humana.
O
critério de demarcação inerente à lógica
indutiva, isto é, o dogma positivista do significado, é equivalente
ao requisito de que todos os enunciados da ciência empírica
(ou todos os enunciados 'significativos') são suscetíveis
de ser finalmente decididos, com relação à sua verdade
ou falsidade; diremos que eles devem ser decidíveis de modo conclusivo.
Isto significa que sua forma deve ser tal que deve ser logicamente possível
tanto verificá-los como falseá-los.
Como
a Ciência Evolui?
(Tradução:
Pedro Galvão)
1. O Objetivo da Ciência
Sugiro
que o objetivo da ciência é encontrar explicações
satisfatórias para aquilo que consideramos precisar de
uma explicação. Por explicação (ou
explicação causal) entendo um conjunto de enunciados
em que uns descrevem o estado de coisas a ser explicado (o 'explicandum')
enquanto que os outros, os enunciados explicativos, formam a explicação
no sentido estrito da palavra (o 'explicans' do 'explicandum').
A
questão “Que tipo de explicação pode
ser satisfatória?” conduz à seguinte resposta:
uma explicação em termos de leis universais falsificáveis
e testáveis e de condições iniciais. E uma
explicação deste tipo será mais satisfatória
quanto mais testáveis forem essas leis e quanto melhor tiverem
sido testadas. (Isto também se aplica às condições
iniciais.)
Desta
maneira, a conjectura de que o objetivo da ciência é
encontrar explicações satisfatórias nos conduz
à idéia de melhorar o grau com que as explicações
são satisfatórias, melhorando o seu grau de testabilidade;
isto significa avançar para teorias com um conteúdo
cada vez mais rico e com graus de universalidade e de precisão
cada vez mais elevados. Isto está, sem dúvida, inteiramente
de acordo com a prática efetiva das ciências teóricas.
Podemos
chegar fundamentalmente ao mesmo resultado também de outra
maneira. Se o objetivo da ciência é explicar, então
é também seu objetivo explicar o que até aqui
foi aceito como 'explicans'; por exemplo, uma lei da Natureza. Deste
modo, o objetivo da ciência se renova constantemente a si
próprio. Podemos prosseguir para sempre, avançando
para explicações com um nível de universalidade
cada vez mais elevado.
2.
Profundidade
Sugiro que as nossas leis
ou as nossas teorias devem ser universais, isto é, devem
fazer asserções sobre o mundo — sobre todas
as regiões espaço-temporais do mundo. Sugiro, para
além disso, que as nossas teorias façam asserções
sobre propriedades estruturais ou relacionais do mundo, e que as
propriedades descritas em uma teoria explicativa devam ser, em algum
sentido, mais profundas do que aquelas a explicar. Acredito que
esta expressão 'mais profundas' resiste a qualquer tentativa
de análise lógica exaustiva, mas ainda assim é
um guia para as nossas intuições.
No
entanto, parece haver uma espécie de condição
suficiente para a profundidade ou para graus de profundidade, que
pode ser logicamente analisada. Vou tentar explicar isto com a ajuda
de um exemplo da história da ciência.
É
do conhecimento geral que a Dinâmica de Newton realizou uma
unificação da Física terrestre de Galileu e
da Física celeste de Kepler. Diz-se freqüentemente que
a Dinâmica de Newton pode ser induzida a partir das Leis de
Galileu e de Kepler, e se chegou mesmo a dizer que pode ser estritamente
deduzida a partir delas. Mas isto não é verdade; de
um ponto de vista lógico, a Teoria de Newton, em rigor, contradiz
tanto a Teoria de Galileu como a de Kepler (embora, obviamente,
estas últimas teorias possam ser obtidas como aproximações
logo que tenhamos à nossa disposição a Teoria
de Newton). Por esta razão, é impossível derivar
a Teoria de Newton a partir da de Galileu, da de Kepler ou de ambas,
seja por dedução ou por indução, pois
nem uma inferência dedutiva nem uma inferência indutiva
podem avançar de premissas consistentes para uma conclusão
que contradiz formalmente as premissas de que partimos.
É
importante notar que das Teorias de Galileu ou de Kepler não
obtemos o menor indício sobre como estas teriam que ser ajustadas
— que falsas premissas teriam que ser abandonadas ou que condições
teriam que ser estipuladas — se tentássemos avançar
a partir delas para outras teorias com uma validade mais geral,
como a de Newton. Só depois de estarmos na posse da Teoria
de Newton poderemos descobrir se, e em que sentido, as teorias anteriores
podem ser suas aproximações. Podemos exprimir este
fato resumidamente dizendo que, embora do ponto de vista da Teoria
de Newton as de Galileu e de Kepler sejam aproximações
excelentes a certos resultados newtonianos específicos, não
podemos dizer que a Teoria de Newton seja, do ponto de vista das
outras duas teorias, uma aproximação aos seus resultados.
Tudo isto mostra que a Lógica, seja ela dedutiva ou indutiva,
nunca pode realizar o passo que vai destas teorias à Dinâmica
de Newton. Só a imaginação pode realizar este
passo. Logo que ele tenha sido realizado, podemos dizer que os resultados
de Galileu e de Kepler corroboram a nova teoria.
Aqui,
no entanto, não estou tão interessado na impossibilidade
da indução como no problema da profundidade e, no
que diz respeito a este problema, podemos de fato aprender algo
a partir do nosso exemplo. A Teoria de Newton unifica a de Galileu
e a de Kepler mas, longe de ser uma mera conjunção
dessas duas teorias, que desempenham o papel de explicanda em relação
à de Newton, corrige-as ao mesmo tempo que as explica. A
tarefa explicativa original era a dedução dos resultados
anteriores, mas esta tarefa é abandonada, porque não
se deduzem os resultados anteriores, deduzindo-se algo melhor no
seu lugar: novos resultados que, sob as condições
específicas dos velhos resultados, aproximam-se muito deles
numericamente ao mesmo tempo em que os corrigem.
Penso
que, sempre que nas ciências empíricas uma nova teoria
com um nível de universalidade mais elevado explica com sucesso
uma teoria anterior corrigindo-a, temos um indício seguro
de que a nova teoria penetrou mais fundo do que as teorias anteriores.
Evolução Científica
|
O
princípio indutivista dos positivistas do Círculo de Viena
não proporciona conveniente sinal diferenciador do caráter
empírico não-metafísico de um sistema teorético;
em outras palavras, consiste em não proporcionar adequado critério
de demarcação.
Gostava
de criar a moda da modéstia intelectual, do pensamento constante
naquilo que ignoramos. Era esta a nova moda que eu queria lançar
entre os intelectuais.
Só
devemos nos sacrificar por ideais.
Até
os nossos dias, a história da sociedade é a história
da luta de classes.
Por
razões estritamente lógicas, é impossível predizer
o curso da história.
Pode
ser que eu esteja errado e que você esteja
certo, mas, talvez, com algum esforço nos aproximaremos da verdade.
É
impossível falar de uma tal maneira que não se possa ser mal
compreendido.
É
preciso estar contra o que já foi pensado e também contra
a tradição, da qual não se pode prescindir, porém,
na qual não se pode confiar integralmente.
A
razão não é todo-poderosa. É uma trabalhadora
obstinada, ponderadora, cautelosa, crítica e cruel, sempre disposta
a ouvir, a discutir e a se arriscar.
O
crescimento do conhecimento depende por completo da existência de
desacordo.
Sempre abordamos tudo á luz
de uma teoria preconcebida... O cientista normal, a meu juízo, foi
mal preparado. O cientista normal, descrito por Kuhn, foi mal ensinado.
Foi ensinado com espírito dogmático: é uma vítima
da doutrinação. Aprendeu uma técnica que se pode aplicar
sem que seja preciso perguntar a razão pela qual pode ser aplicada.
A
ciência será sempre uma busca, nunca um descobrimento real.
É uma viagem; nunca uma chegada.
A
história da ciência, como a de todas as idéias humanas,
é uma história de sonhos irresponsáveis, de obstinações
e de erros. No entanto, a ciência é uma das poucas atividades
humanas, talvez a única, na qual os erros são sistematicamente
criticados, e, amiúde, ao longo do tempo, corrigidos.
A
verdadeira ignorância não é ausência de conhecimento,
mas a recusa de os adquirir.
Para mim, buscar a simplicidade e
a lucidez é um dever moral de todos os intelectuais. A falta de clareza
é um pecado e a
presunção um
crime.
O
que caracteriza o homem de ciência não é o conhecimento
ou a posse de verdades irrefutáveis, mas a busca desinteressada e
incessante da verdade.
A
ciência pode ser descrita como a arte de simplificação
sistemática.
Você
pode escolher qualquer nome para os dois tipos de Governo. Eu, pessoalmente,
denominei de Democracia aquele
que pode ser removido sem violência; ao outro, chamei de tirania.
Poderemos
nos tornar verdadeiros criadores do nosso destino quando deixarmos de pensar
em nós mesmos como profetas.
A
tarefa mais importante de um cientista é certamente contribuir para
o avanço de sua área de conhecimento. A segunda tarefa mais
importante é escapar da visão estreita de uma especialização
excessiva, interessando-se ativamente por outros campos em busca do aperfeiçoamento
pelo saber – que é a missão cultural da ciência.
A terceira tarefa é estender aos demais a compreensão de seus
conhecimentos, reduzindo ao mínimo o jargão científico,
do qual muitos de nós temos orgulho. Um orgulho deste tipo é
compreensível. Mas ele é um erro. Deveria ser nosso orgulho
ensinar a nós mesmos, da melhor forma possível, a sempre falar
tão simplesmente, claramente e despretensiosamente quanto possível,
evitando como uma praga a sugestão de que estamos de posse de um
conhecimento que é muito profundo para ser expresso de maneira clara
e simples. Esta, é, eu acredito, uma das maiores e mais urgentes
responsabilidades sociais dos cientistas. Talvez a maior. Porque esta tarefa
está intimamente ligada à sobrevivência da sociedade
aberta e da Democracia. Uma sociedade aberta (isto é, uma sociedade
baseada na idéia de não apenas tolerar opiniões dissidentes,
mas de respeitá-las) e uma Democracia (isto é, uma forma de
Governo devotado à proteção de uma sociedade aberta)
não podem florescer, se a ciência se torna propriedade exclusiva
de um conjunto fechado de cientistas. Eu acredito que o hábito de
sempre declarar tão claramente quanto possível nosso problema
assim como o estado atual de discussão deste problema faria muito
em favor da tarefa importante de fazer a ciência – isto é,
as idéias científicas –
ser melhor e mais
amplamente compreendida.
Trabalhe mais pela eliminação
das maldades concretas do que pela realização do bem imaginário.
Não
é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário,
é o seu ser social que lhe determina a consciência.
O
caminho do inferno está pavimentado de boas intenções.
Os
filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras;
o que importa é modificá-lo.
A
religião é o suspiro da criança acabrunhada, o coração
de um mundo sem coração, assim como também o espírito
de uma época sem espírito. Ela é o ópio do povo.
Tradição
mitológica e tradição religiosa: Temos,
creio eu, de admitir que as novas histórias que eles [os
filósofos gregos] puseram no lugar das antigas eram fundamentalmente
mitos – tal como as outras o eram. Mas há duas coisas acerca
delas que convém realçar. Em primeiro lugar, essas histórias
não eram meras repetições ou reformulações
das antigas, mas continham novos elementos. Mas o segundo e mais importante
aspecto é este: os filósofos gregos inventaram uma nova tradição
– a tradição de adotar uma atitude crítica em
relação aos mitos, a tradição de os discutir;
a tradição de não apenas contar um mito, mas também
de o ver posto em causa por aquele a quem foi contado. Ao narrar o seu mito,
eles estavam, por seu turno, prontos para ouvir o que o seu interlocutor
dele pensava – admitindo, com isso, a possibilidade de o outro ter,
talvez, uma explicação melhor do que eles. Estava-se perante
algo que nunca antes havia acontecido. Nascera uma nova forma de interrogar.
Juntamente com a explicação – o mito – surgia
a pergunta: ‘Será que me pode dar uma explicação
melhor?’. E outro filósofo podia responder: ‘Posso sim’.
Ou então, podia dizer: ‘Não sei se lhe posso dar uma
explicação melhor, mas posso lhe dar uma muito diferente que
serve igualmente bem. Estas duas explicações não podem
ser ambas verdadeiras, por isto deve haver algo aqui que não está
certo. Não podemos simplesmente aceitar estas duas explicações.
Nem temos qualquer razão para aceitar apenas uma delas. Queremos
realmente saber mais sobre esse assunto. Temos de o discutir melhor. Temos
de ver se as nossas explicações justificam aquilo que já
conhecemos, e até alguma outra coisa que nos tenha até aqui
escapado’. A minha tese é a de que aquilo a que chamamos de
‘Ciência’ se distingue dos mitos mais antigos, não
por ser algo mais distinto de um mito, mas por surgir acompanhada por uma
tradição de segunda ordem – a tradição
de discutir criticamente o mito. (...) Esta atitude de segunda ordem era
a atitude crítica ou argumentativa. Foi, segundo penso, uma coisa
nova, e continua ainda a ser o aspecto fundamental da tradição
científica. Se compreendermos isto, assumiremos uma atitude totalmente
diferente em relação a um bom número de problemas do
método científico. Compreenderemos que, em um certo sentido,
e tal como a religião, a Ciência é uma criadora de mitos.
Dir-me-eis: ‘Mas os mitos científicos são tão
diferentes dos mitos religiosos!’ Certamente que são diferentes.
Mas por que o são? Porque, se adotarmos esta atitude crítica,
os nossos mitos se tornam realmente diferentes. Modificam-se; e se modificam
no sentido de nos ir dando uma explicação cada vez mais aperfeiçoada
do mundo e das diferentes coisas que nele podemos observar.
Educação
é aquilo que a maior parte das pessoas recebe, muitos transmitem
e poucos possuem.
O
dinheiro é a essência alienada do trabalho e da existência
do homem; a essência o domina e ele a adora.
O
Deus-dinheiro
As
revoluções são a locomotiva da história.
Os
homens fazem a sua própria história, mas não o fazem
como querem. A tradição de todas as gerações
mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.
Por
que a simplicidade da linguagem foi tão importante para os pensadores
iluministas? Porque o verdadeiro pensador iluminista, o verdadeiro racionalista,
nunca pretendeu convencer ninguém a fazer nada. Não, nem sequer
desejou convencer ninguém; tinha permanentemente consciência
de que poderia estar errado. Acima de tudo, valorizava demasiado a independência
intelectual dos outros para querer convencê-los em questões
importantes. Preferia provocar a contradição, preferivelmente
sob a forma de crítica racional e disciplinada. Não procurava
convencer, mas despertar – desafiar os outros a formar opiniões
livres. Uma das razões de o pensador iluminista não querer
convencer ninguém de nada é a seguinte: ele sabia que, fora
do estreito campo da Lógica, e talvez da Matemática, nada
pode ser provado.
Creio
que todos os amantes da paz e da vida civilizada deveriam trabalhar para
esclarecer o mundo quanto à impraticabilidade e à desumanidade
deste famoso – ou deverei dizer tristemente célebre? –
'princípio da autodeterminação nacional', que, neste
momento, degenerou no mais puro horror do terrorismo étnico.
É
absolutamente verídico ser possível que alguns
problemas – a poluição do ar, por exemplo – necessitem
de uma legislação específica. Há adoradores
ideológicos do denominado livre mercado (ao qual, obviamente, devemos
muito) que pensam que tal legislação que limite a Economia
de mercado é um passo perigoso no caminho da escravidão. Mas
isso é um disparate ideológico.
Devemos
viver de modo que os nossos netos tenham uma vida melhor do que a nossa
– e não apenas no sentido econômico.
A
Igreja e o Papa acabarão por ceder, em especial se houver razões
éticas convincentes. Estou a pensar em coisas como a violação
ou o nascimento de crianças infectadas com AIDS, ou aquelas que,
em alguns países, vêm ao mundo sem ter praticamente quaisquer
oportunidades de vida. É um crime não ajudar essas crianças
impedindo o seu nascimento.
As
crianças não desejadas se encontram em risco, e refiro-me
a um risco moral. As pessoas que não as desejam deveriam ter os meios
para as evitar. Os meios já existem – estou a pensar na pílula
abortiva.
Nem
sempre os cientistas de renome têm razão. Não estou
a afirmar que estejam errados – apenas que muitas vezes sabem menos
do que pensam.
A
Teologia não é outra coisa além de falta de fé.
Todo
o mundo se surpreende de que um chinês possa ser de duas religiões:
confucionista em algumas ocasiões e budista em outras. Se isto é
verdade quanto à China, não sei; também ignoro se,
na verdade, estas duas atitudes são realmente incompatíveis.
Mas não pode haver dúvida de que fato análogo é
verdadeiro em relação ao Ocidente, e que as duas atitudes
em questão são incompatíveis. Um realismo científico
baseado no mecanismo se conjuga com uma crença estável no
mundo dos homens e dos animais superiores como constituídos de organismos
autodeterminados. Esta incompatibilidade radical na base do pensamento moderno
responde, em grande parte, pelo que há de dúbio e instável
em nossa civilização.
O
determinismo científico requer a capacidade de prever qualquer acontecimento
com qualquer grau de precisão que se deseje, desde que nos sejam
dadas condições iniciais suficientemente precisas. É
evidente que temos de explicar suficientemente de uma maneira tal que nos
privemos do direito de alegar – todas as vezes que falhemos nas nossas
previsões – que nos foram dadas condições iniciais
que não eram suficientemente precisas.
Qualquer
definição satisfatória de determinismo científico
terá de se basear no princípio (da determinabilidade) de que
podemos calcular a partir da nossa tarefa de previsão (em conjunção
com as nossas teorias, é claro) o grau de precisão exigido
das condições iniciais.
Para certos fins, pode ser útil
trabalhar com um princípio de determinabilidade um tanto mais forte,
a que chegamos nos referindo à precisão dos resultados de
medições possíveis, a partir das quais as condições
iniciais podem ser calculadas, e não à precisão das
condições iniciais. Assim, neste sentido mais forte, uma tarefa
de previsão pode não ser determinável por não
podermos determinar a partir dela (e da teoria) o grau de precisão
requerido de medições possíveis em que possamos basear
nossas previsões.
De
um modo bastante geral, podemos dizer que, se bem que o nosso conhecimento,
e, com ele, a nossa capacidade de prever, possa aumentar continuamente em
uma determinada área, este fato, por si mesmo, nunca pode ser usado
como argumento a favor da idéia de que algo como o determinismo científico
se verifica nesta área. É que o nosso conhecimento pode aumentar
continuamente sem se aproximar deste gênero muito especial de conhecimento
que satisfaz o princípio da determinabilidade.
Em nossos dias, a pesquisa social
apresenta uma urgência prática que supera até a da pesquisa
sobre o câncer.
Bons
testes eliminam teorias erradas; e continuamos vivos para conjecturar novamente.
Nenhum
argumento racional terá um efeito racional sobre um homem que não
quer adotar uma atitude racional.
Sempre
que uma teoria pareça a você como a única possível,
tome isto como um sinal de que você não entendeu a teoria nem
o problema que se pretendia resolver.
Os falsificacionistas de Copérnico estavam
equivocados
quando insistiram na idéia aristotélica e ptolomaica
de que a Terra é o centro do Universo.
Todos
nós nos lembramos de quantas guerras religiosas foram travadas em
nome do amor e da ternura. Quem esqueceu de quantos corpos foram queimados
vivos com o intuito de salvar as almas do fogo eterno do inferno?
A
luta contra a miséria evitável deve ser um objetivo reconhecido
de política pública, enquanto o aumento da felicidade deve
ser deixado, em grande parte, à iniciativa privada.
Só
uma sociedade aberta poderá libertar os poderes críticos do
homem.
Mais
pessoas são mortas por estupidez do que por maldade.
A
busca por um mundo melhor – como a investigação do nosso
meio ambiente – é (se eu estiver correto) um dos mais antigos
e mais importante de todos os instintos.
Não
permita que seus sonhos de um mundo maravilhoso o afaste das reivindicações
dos homens que sofrem aqui e agora. Nossos companheiros precisam da nossa
ajuda; nenhuma geração deve ser sacrificada para o bem das
gerações futuras.
Nós,
os intelectuais, temos feito o mal mais terrível por milhares de
anos. Assassinatos em massa em nome de uma idéia, de uma doutrina,
de uma teoria, de uma religião... Tudo isto são invenções
nossas: invenções dos intelectuais.
Costuma-se
afirmar que um debate só é possível entre pessoas que
têm uma linguagem comum, e desde que sejam aceites determinados pressupostos
básicos comuns. Eu acho que isto é um erro. Tudo o que é
necessário para aprender com um parceiro em uma discussão
é a prontidão, que inclui o desejo genuíno de entender
o que ele pretende dizer. Se esta disposição estiver presente,
a discussão será tanto mais frutífera quanto mais o
'background' do parceiro for diferente.
Eu
sou contra olhar a Lógica como uma espécie de jogo. Alguém
poderia pensar que é uma questão de escolha ou de convenção
lógica que se adota. Não concordo com esta visão.
Não
devemos olhar a ciência como um 'corpo de conhecimento', mas, sim,
como um sistema de hipóteses, isto é, como um sistema de suposições
ou de antecipações que, em princípio, não podem
ser justificadas.
Como
muitas vezes as pessoas pensam, a irrefutabilidade não é uma
virtude de uma teoria.
Os
méritos da ciência não decorrem apenas dos resultados
práticos por ela alcançados, mas sobretudo pelo seu conteúdo
informativo e pela sua capacidade de libertar as nossas mentes de velhas
crenças, velhos preconceitos e velhas certezas, oferecendo-nos, em
seu lugar, novas conjecturas e audaciosas hipóteses.
Minha
tese é que o que chamamos de 'ciência' se diferencia dos mitos
mais antigos, não por ser algo diferente de um mito, mas por ser
acompanhada por uma segunda ordem tradição: a de discutir
criticamente o mito. Em um certo sentido, a ciência é um mito,
tanto quanto o é a religião.
O
crescimento do nosso conhecimento é o resultado de um processo semelhante
ao que Darwin chamou de 'seleção natural' – isto é,
a seleção natural de hipóteses. Nosso conhecimento
consiste, em cada momento, daquelas hipóteses que mostraram sua aptidão
(comparativa) em sobreviver até agora em sua luta pela existência,
uma luta competitiva que elimina aquelas hipóteses que são
incapazes.