OS DEUSES

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

Pensamentos de Juliano

 

 

Flavius Claudius Iulianus

Flavius Claudius Iulianus

 

 

 

A cultura espiritual é a prole da mente racional, e não a mera eloqüência, e uma mente racional procura discernir o bem do mal, a beleza da feiúra. Um indivíduo que ensina uma coisa e acredita em outra é, ao mesmo tempo, inculto e desonesto. Quase todo mundo encontrará falhas lamentáveis em si mesmo, mas, práticas ambivalentes como uma política é algo intolerável. Tampouco neste relato eu os obrigo a mudar de crença.

 

Eu lhes dou a opção de ou não ensinar o que não acreditam ou, se ensinam, que o façam honestamente, e não louvem os antigos enquanto condenam suas crenças. Uma vez que os professores vivem através dos escritos dos antigos, fazer de outra forma seria uma admissão de que fariam qualquer coisa por algumas dracmas.

 

O mundo inteligível é completamente uno, existente antes de todo o tempo, e ele combina todas as coisas no Um. Também não é todo nosso mundo um organismo completamente vivo, através de toda a pletora da alma e da inteligência, perfeito, e perfeito em todas as suas partes? No meio do caminho entre estas duas perfeições uniformes, existe a perfeição uniforme do Sol Soberano, Hélio, estabelecido entre os Deuses Intelectuais... Pois ele aperfeiçoa algumas formas, outras ele cria, ou adorna, ou desperta para a vida, e não existe nem mesmo uma só coisa que, fora do poder criativo derivado do Sol Soberano, possa vir à luz e nascer.

 

 

 

 

Nem Paulo se atreveu a dizer que Jesus era Deus, nem tão pouco Mateus, nem Lucas, nem Marcos... Parece que nem João atreveu a dizê-lo.

 

O conhecimento de Deus se dá entre os homens não por aprendizado, mas, por natureza.

 

Se o criador imediato do Universo fosse o que anuncia Moisés, nós outros temos opiniões melhores sobre ele, ao supor que é o pai comum do todo, e que há outros deuses nacionais que estão subordinados a ele e são como delegados do rei, administrando cada um de forma diferente sua província... Convém, pois, crer que o deus dos hebreus não é o criador de todo o Universo e que não exerce sua autoridade sobre todas as coisas, senão, que mais bem há que crer, como disse, que está restrito e tem um império limitado junto com os demais deuses.

 

Diga-me, pois, qual é a causa de os celtas e de os germanos serem valorosos, os gregos e os romanos em geral políticos e humanitários e, ao mesmo tempo, firmes e belicosos, os egípcios mais inteligentes e engenhosos, inábeis para a guerra e afeminados os sírios e, ao mesmo tempo, inteligentes, exaltados, vãos e bons para aprender? Assim, pois, se estas diferenças se hajam feito cada vez maiores e mais importantes sem intervenção de uma providência maior e mais divina, para que vamos nos esforçar inutilmente e render culto a quem não vela em absoluto por nós? Com efeito, ele não se ocupa nem de nossas vidas, nem das nossas características nem dos nossos costumes, nem do nosso bom governo e nem de nossas instituições políticas, todavia, convém que recebe honras de nossa parte? Em absoluto.

 

Os filósofos nos ordenam imitar os deuses na medida do possível, e esta imitação está na contemplação dos seres. Que isto se produza sem paixão e se baseie na liberação da paixão, creio que é evidente... Pois, na medida em que nos mantivermos livres de paixões e dispostos à contemplação dos seres, nesta medida nos faremos iguais a Deus.

 

As igrejas cristãs – normalmente construídas sobre túmulos de mártires – não passam de sujos jazigos e ossários. Os galileus nada mais fizeram a não ser encher o mundo de túmulos e sepulturas.

 

Por que abandonar os Deuses que foram realmente honrados pelos antepassados da Grécia e de Roma e honrar apenas uma Divindade do deserto semita?

 

Fazer por zelo tudo o que está ao seu alcance é, na verdade, uma prova de piedade. A piedade é o dever religioso com os Deuses e com a Pátria.

 

A primeira coisa que devemos ensinar é a reverência aos Deuses. Porque é apropriado que nós façamos o nosso serviço aos Deuses como se Eles próprios estivessem presentes em nós e nos contemplassem, e, mesmo que não sejam vistos por nós, podem dirigir o Seu olhar, que é mais poderoso do que qualquer luz, tão longe quanto os nossos pensamentos mais profundos.

 

 

 

Carta de Juliano
à População de Alexandria, em 362

 

 

Se o vosso fundador tivesse sido um dos galileus, homens que transgrediram a sua própria lei e pagaram por isso como mereciam, uma vez que escolheram viver em desafio à lei e introduziram uma nova doutrina e ensinamento, mesmo assim não seria razoável da vossa parte exigir o retorno de Athanásio. Mas, sendo as coisas como são, e tendo sido Alexandre o fundador da vossa Cidade e Serapis, o vosso Deus padroeiro, juntamente com a Sua consorte a Virgem, a Rainha de todo o Egito, Isis... não me refiro à parte saudável da cidade, mas à parte que está adoecida pela audácia de falar em nome do todo.

Estou estarrecido de vergonha, afirmo-o pelos Deuses, ó homens de Alexandria, por pensar que um só alexandrino possa admitir ser um galileu. Os antepassados dos genuínos hebreus foram escravos dos egípcios há muito tempo, mas, nestes dias, homens de Alexandria, vocês que conquistaram os Egípcios – pois o vosso fundador foi o conquistador do Egito – submetem-se, apesar das vossas tradições sagradas, em voluntária escravidão a homens que reduziram a nada os ensinamentos dos seus ancestrais. Não tendes por isso nenhuma memória daqueles dias felizes de antigamente, quando todo o Egito estava em comunhão com os Deuses e nós usufruíamos daí muitos benefícios. Mas, aqueles que apenas ontem introduziram entre vós esta nova doutrina, digam-me, que benefícios é que trouxeram à Cidade? O vosso fundador era um homem respeitador dos Deuses, Alexandre da Macedônia, de maneira nenhuma, por Zeus, uma dessas pessoas, nem sequer se parecia nada com os hebreus, os quais se mostraram por seu turno muito superiores aos galileus. Não, Ptolomeu, filho de Lagus, provou ser mais forte do que os Judeus, enquanto Alexandre, se tivesse tido de enfrentar os Romanos, tê-los-ia feito lutar arduamente, até a eles, pela supremacia. E que dizer dos Ptolomeus que sucederam ao vosso fundador e cuidaram da vossa Cidade desde os seus primeiros anos, como se fosse a sua própria filha? Não foi certamente pelos sermões de Jesus que eles lhe aumentaram o renome, nem pelos ensinamentos dos galileus, detestados dos Deuses, que aperfeiçoaram a sua administração da qual ela usufrui e à qual deve a sua presente boa fortuna.

Em terceiro lugar, quando nós, Romanos, nos tornamos seus donos e a tiramos das mãos dos Ptolomeus, que a governavam mal, Augusto visitou a vossa cidade e fez o seguinte discurso aos vossos cidadãos: «Homens de Alexandria, absolvo a cidade de toda a culpa, pela minha reverência pelo poderoso Deus Serapis, e também pelo bem-estar do próprio povo e o grande renome da Cidade. Mas, há uma terceira razão para a minha boa vontade para convosco, e essa é o meu camarada Areius.» Este Areius era um concidadão vosso e um amigo familiar de César Augusto, filósofo de profissão.

Estas são, então, resumindo, as bênçãos atribuídas pelos Deuses Olímpicos à vossa Cidade em particular, e eu estou a deixar de lado muitas porque levaria muito tempo a descrevê-las. Mas, as bênçãos que são concedidas pelos Deuses, visíveis a todos, todos os dias, não apenas a poucas pessoas ou a uma só raça, ou a uma só cidade, mas, a todo o mundo ao mesmo tempo, como podem vocês não as conhecer? Estarão insensíveis aos raios que descem de Helios [Sol]? Ignoram que o Verão e o Inverno Dele vêm? Ou que todos os tipos de vida animal e vegetal provêm Dele? E não percebem que grandes bênçãos a Cidade recebe Dela que é gerada de e por Ele, até Selene [Lua], que é criador de todo o Universo? No entanto, vocês têm a audácia de não adorar nenhum destes Deuses. E pensam que aquele que nem vocês nem os vossos pais alguma vez viram, nem sequer Jesus, merece a categoria de Deus – o Verbo. Mas, o Deus que desde tempos imemoriais toda a Humanidade contemplou e adorou, e do Qual o culto derivou, isto é, o poderoso Helios, a imagem viva inteligível do Seu Pai, com alma e inteligência, causa de todo o bem... Se tomarem atenção à minha admoestação, irão se aproximar, pelo menos, um pouco da verdade. Não irão se afastar do caminho certo, se derem atenção a alguém que até o seu vigésimo ano andou pelo vosso caminho, mas, que, desde há doze anos, andou nesta via de que falo, pela graça dos Deuses.

Portanto, se vos agradar me obedecer, irão me dar alegria. Mas, se preferirem perseverar na superstição e nos ensinamentos de homens maus, pelo menos concordem em não ansiar por Atanásio. Em qualquer caso, há muitos dos seus alunos que podem confortar esses comichosos ouvidos vossos que anseiam por ouvir palavras ímpias. Só desejo que, juntamente com Atanásio, a maldade da sua ímpia escola tenha sido suprimida. Mas, tal como as coisas estão, vocês têm uma boa multidão deles e não precisam de se preocupar. Qualquer homem que vocês elejam da multidão não será em nada inferior àquele pelo qual anseiam, em qualquer aspecto, para o ensinamento das escrituras. Mas, se fizeram estes pedidos porque são tão apreciadores da sutileza geral de Atanásio – fui informado de que o homem é um traste esperto – então deveis saber que por esta mesma razão foi ele banido da cidade. Porque um intrometido é por natureza inadequado para liderar o povo. Mas, se este líder nem sequer é um homem, mas apenas um desprezível fantoche, como este grande personagem que pensa que está a arriscar a cabeça, isto constitui seguramente um sinal de desordem. Por conseguinte, para que nada desse gênero possa acontecer convosco, tal como há muito dei ordens para que ele saísse da cidade, digo agora que ele se vá embora do Egito.

Que isto seja proclamado aos meus cidadãos de Alexandria.

 

 

Filantropia1 (Amor) + (Homem). Amor desinteressado à Humanidade; zelar pelo bem da Humanidade.

 

Realmente, nunca haverá de aparecer um orador tão talentoso que possa descrever a beleza superando aquela que resplandece no rosto dos Deuses.

 

Os homens devem ser ensinados e conquistados pela razão, e não por golpes, insultos e castigos corporais.

 

Aqueles que estão no erro... são objetos de pena e não de ódio.

 

Ninguém deve ser arrastado para os altares a contragosto.

 

Para onde estamos fugindo? Vocês não sabem que a fuga nunca traz segurança, mas, revela a insensatez de um esforço inútil?2

 

Abster-se de fazer alguma coisa não deve depender da maneira de pensar da multidão, mas, por ser rejeitado, inadmitido, pela razão e pelo nosso Deus Interior.

 

Uma condição melhor sempre deriva de uma condição pior.

 

 

 

 

Eu não me alinho entre aqueles que desprezam os mitos, e estou longe de rejeitar os que por eles têm reverência. Freqüentemente, Platão transmitia uma séria lição em seus mitos.

 

A Natureza ama esconder seus segredos, e ela não revela a Verdade Essencial dos Deuses arremessando palavras estéreis aos ouvidos dos profanos.

 

Os animais selvagens não são tão perigosos para os homens, como os católicos são uns para os outros.

 

Todos os que agora encontram a sua salvação devem isto à Filosofia de Sócrates.3


______

Notas:

1. O vocábulo filantropia, proposto por Juliano, surgiu como alternativa ao conceito de caridade católica. (Não uso o termo caridade cristã por entender que o Cristianismo seja inteiramente diferente dos diversos Catolicismos hoje existentes, uma vez que a caridade cristã é inteiramente categórica e as caridades católicas são completamente hipotéticas). Entretanto, a palavra filantropia parece ter sido cunhada, há 2.500 anos, pelo dramaturgo grego da Grécia Antiga Ésquilo (Elêusis, cerca de 525/524 a.C. – Gela, cerca de 456/455 a.C.), no seu Prometeu Acorrentado. Segundo o mito, Prometeu salvou os homens primitivos da destruição que Zeus lhes tinha vaticinado, dando-lhes a conhecer o fogo e o otimismo. Prometeu fez isto porque amava a Humanidade. Era um filantropo. Segundo a cultura grega, é este amor pela Humanidade que está na origem de toda a civilização.

2. Uns fogem; outros dormem. Então, neste caso, fugir é sinônimo de dormir.

3. Talvez, exagerando um pouco, quanto a isto, depois de Platão tudo é citação.

 

Observação:

Flávio Cláudio Juliano (em latim: Flavius Claudius Iulianus; Constantinopla, 331 – Maranga, atual Samarra, 23 de junho de 363) foi um imperador romano, que reinou desde o ano 361 até a sua morte, dois anos depois. Foi o último imperador pagão do mundo romano, e, por isto, ficou conhecido na História como o Apóstata, por não professar a fé católica em um período em que o Catolicismo já era aceito e até incentivado por seus antecessores, desde Constantino I. Homem de notável formação intelectual e um Instrutor da Humanidade, Juliano foi um Imperador que não usou violência contra seus oponentes, que entendeu o Império e que amou seu povo. Conquistou um lugar no coração humano que a história reescrita não poderia apagar completamente. O profundo sentimento que ele suscitou em muitos, em vários níveis da sociedade, talvez seja mais bem capturado na inscrição simples que sobrevive em Pérgamo: Senhor do mundo, Mestre da Filosofia, governante venerando, piedoso Imperador, sempre vitorioso Augusto, disseminador da Liberdade Republicana.

 

 

 

 

 

 

 

Tantos deuses, tantas crenças

e não sei quantas zil doenças...

A centúria passa, e novas cores

repintam os morféticos horrores...

 

Verde-cinza vira amarelo-claro,

mas, pouco muda o despreparo.

Do motor a vapor à eletricidade,

foi se aperfeiçoando a maldade.

 

Da escravidão à globalização,

do arco às armas de destruição,

da cicuta aos com gás matados,

da Bastille aos Guantamizados.

 

Mas, há um ponto de inflexão

em que a curva muda a direção!

Aí, deveremos optar: melancolia

ou Vida, Bem, Beleza e Alegria.

 

Na verdade, a mudança é agora

ou poderemos perder a 12ª Hora.

Uns confogem, outros dormitam,

alguns acordam e se capacitam!

 

 

 

Ponto de Inflexão

 

 

 

Observação 1:

Guantamizados Neologismo que criei para designar os enemy combatants (combatentes inimigos) – eufemismo usado pelo Governo Americano para tentar se esquivar de garantir os direitos estabelecidos pela Convenção de Genebra relativos ao Direito Humanitário Internacional encarcerados na Guantanamo Bay Naval Base (Base Naval da Baía de Guantânamo), sem acusação formada, sem processo constituído e sem direito a julgamento. Na verdade, a Prisão de Guantânamo – usada pelos Estados Unidos por mais de um século e transformada em 2002 em prisão militar (depois dos diabólicos ataques de 11 de Setembro de 2001) – é um buraco negro do qual os americanos ainda não conseguiram se livrar. Eu torço para que eles consigam, e acabem logo com aquela porqueira.

 

Observação 2:

No Nuctemeron (o Dia – LLuz – que emerge da noite – trevas), obra esotérico-iniciática do século I a. C., atribuída a Apolônio de Tiana, que foi um Instrutor da Humanidade, está escrito sobre a 12ª Hora: Aqui, pelo Fogo, se realizam as obras da Eterna LLuz. Oh!, Deuses de todos os Corações! Que todos possam conhecer e realizar a 12ª Hora.

 

Música de fundo:

Guantanamera
Composição: José Martí & Josito Fernandez
Interpretação: The Sandpipers

Fonte:

http://mp3skull.com/mp3/
the_sandpipers_guantanamera.html

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.estadao.com.br/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Nuctemeron

http://pt.wikipedia.org/wiki/Motor_a_vapor

http://www.goodreads.com/author/quotes/
1279123.Flavius_Claudius_Julianus

http://www.philosopherzone.com/
flavius-claudius-julianus-quotes/

http://www.al.sp.gov.br/StaticFile/
integra_sessao/032aSS110819.htm

http://www.publico.pt/

http://gladio.blogspot.com.br/2013/06/
em-memoria-de-juliano-grande-vulto-do.html

http://www.30giorni.it/articoli_
supplemento_id_22121_l6.htm

http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/rbhr/
conflito_politico_religioso_no_seculo_iv.pdf

http://www.teosofia.levir.com.br/inst-039.php

http://pt.wikipedia.org/wiki/Juliano_(imperador)

 

Direitos autorais:

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