Pensamentos
de Juliano
Flavius
Claudius Iulianus
A
cultura espiritual é a prole da mente racional,
e não a mera eloqüência, e uma mente racional
procura discernir o bem do mal, a beleza da feiúra. Um indivíduo
que ensina uma coisa e acredita em outra é, ao mesmo tempo,
inculto e desonesto. Quase todo mundo encontrará falhas lamentáveis
em si mesmo, mas, práticas ambivalentes como uma política
é algo intolerável. Tampouco neste relato eu os obrigo
a mudar de crença.
Eu
lhes dou a opção de ou não ensinar o que não
acreditam ou, se ensinam, que o façam honestamente, e não
louvem os antigos enquanto condenam suas crenças. Uma vez
que os professores vivem através dos escritos dos antigos,
fazer de outra forma seria uma admissão de que fariam qualquer
coisa por algumas dracmas.
O
mundo inteligível é completamente uno, existente antes
de todo o tempo, e ele combina todas as coisas no Um. Também
não é todo nosso mundo um organismo completamente
vivo, através de toda a pletora da alma e da inteligência,
perfeito, e perfeito em todas as suas partes? No meio do caminho
entre estas duas perfeições uniformes, existe a perfeição
uniforme do Sol Soberano, Hélio, estabelecido entre os Deuses
Intelectuais... Pois ele aperfeiçoa algumas formas, outras
ele cria, ou adorna, ou desperta para a vida, e não existe
nem mesmo uma só coisa que, fora do poder criativo derivado
do Sol Soberano, possa vir à luz e nascer.
Nem
Paulo se atreveu a dizer que Jesus era Deus, nem tão pouco
Mateus, nem Lucas, nem Marcos... Parece que nem João atreveu
a dizê-lo.
O conhecimento de Deus se
dá entre os homens não por aprendizado, mas, por natureza.
Se
o criador imediato do Universo fosse o que anuncia Moisés,
nós outros temos opiniões melhores sobre ele, ao supor
que é o pai comum do todo, e que há outros deuses
nacionais que estão subordinados a ele e são como
delegados do rei, administrando cada um de forma diferente sua província...
Convém, pois, crer que o deus dos hebreus não é
o criador de todo o Universo e que não exerce sua autoridade
sobre todas as coisas, senão, que mais bem há que
crer, como disse, que está restrito e tem um império
limitado junto com os demais deuses.
Diga-me,
pois, qual é a causa de os celtas e de os germanos serem
valorosos, os gregos e os romanos em geral políticos e humanitários
e, ao mesmo tempo, firmes e belicosos, os egípcios mais inteligentes
e engenhosos, inábeis para a guerra e afeminados os sírios
e, ao mesmo tempo, inteligentes, exaltados, vãos e bons para
aprender? Assim, pois, se estas diferenças se hajam feito
cada vez maiores e mais importantes sem intervenção
de uma providência maior e mais divina, para que vamos nos
esforçar inutilmente e render culto a quem não vela
em absoluto por nós? Com efeito, ele não se ocupa
nem de nossas vidas, nem das nossas características nem dos
nossos costumes, nem do nosso bom governo e nem de nossas instituições
políticas, todavia, convém que recebe honras de nossa
parte? Em absoluto.
Os
filósofos nos ordenam imitar os deuses na medida do possível,
e esta imitação está na contemplação
dos seres. Que isto se produza sem paixão e se baseie na
liberação da paixão, creio que é evidente...
Pois, na medida em que nos mantivermos livres de paixões
e dispostos à contemplação dos seres, nesta
medida nos faremos iguais a Deus.
As igrejas cristãs
– normalmente construídas sobre túmulos de mártires
– não passam de sujos jazigos e ossários. Os
galileus nada mais fizeram a não ser encher o mundo de túmulos
e sepulturas.
Por
que abandonar os Deuses que foram realmente honrados pelos antepassados
da Grécia e de Roma e honrar apenas uma Divindade do deserto
semita?
Fazer
por zelo tudo o que está ao seu alcance é, na verdade,
uma prova de piedade. A piedade é o dever religioso com os
Deuses e com a Pátria.
A
primeira coisa que devemos ensinar é a reverência aos
Deuses. Porque é apropriado que nós façamos
o nosso serviço aos Deuses como se Eles próprios estivessem
presentes em nós e nos contemplassem, e, mesmo que não
sejam vistos por nós, podem dirigir o Seu olhar, que é
mais poderoso do que qualquer luz, tão longe quanto os nossos
pensamentos mais profundos.
Carta
de Juliano
à População de Alexandria, em 362
Se
o vosso fundador tivesse sido um dos galileus, homens
que transgrediram a sua própria lei e pagaram por
isso como mereciam, uma vez que escolheram viver em desafio
à lei e introduziram uma nova doutrina e ensinamento,
mesmo assim não seria razoável da vossa
parte exigir o retorno de Athanásio. Mas, sendo
as coisas como são, e tendo sido Alexandre o fundador
da vossa Cidade e Serapis, o vosso Deus padroeiro, juntamente
com a Sua consorte a Virgem, a Rainha de todo o Egito,
Isis... não me refiro à parte saudável
da cidade, mas à parte que está adoecida
pela audácia de falar em nome do todo.
Estou estarrecido
de vergonha, afirmo-o pelos Deuses, ó homens de
Alexandria, por pensar que um só alexandrino possa
admitir ser um galileu. Os antepassados dos genuínos
hebreus foram escravos dos egípcios há muito
tempo, mas, nestes dias, homens de Alexandria, vocês
que conquistaram os Egípcios – pois o vosso
fundador foi o conquistador do Egito – submetem-se,
apesar das vossas tradições sagradas, em
voluntária escravidão a homens que reduziram
a nada os ensinamentos dos seus ancestrais. Não
tendes por isso nenhuma memória daqueles dias felizes
de antigamente, quando todo o Egito estava em comunhão
com os Deuses e nós usufruíamos daí
muitos benefícios. Mas, aqueles que apenas ontem
introduziram entre vós esta nova doutrina, digam-me,
que benefícios é que trouxeram à
Cidade? O vosso fundador era um homem respeitador dos
Deuses, Alexandre da Macedônia, de maneira nenhuma,
por Zeus, uma dessas pessoas, nem sequer se parecia nada
com os hebreus, os quais se mostraram por seu turno muito
superiores aos galileus. Não, Ptolomeu, filho de
Lagus, provou ser mais forte do que os Judeus, enquanto
Alexandre, se tivesse tido de enfrentar os Romanos, tê-los-ia
feito lutar arduamente, até a eles, pela supremacia.
E que dizer dos Ptolomeus que sucederam ao vosso fundador
e cuidaram da vossa Cidade desde os seus primeiros anos,
como se fosse a sua própria filha? Não foi
certamente pelos sermões de Jesus que eles lhe
aumentaram o renome, nem pelos ensinamentos dos galileus,
detestados dos Deuses, que aperfeiçoaram a sua
administração da qual ela usufrui e à
qual deve a sua presente boa fortuna.
Em
terceiro lugar, quando nós, Romanos, nos tornamos
seus donos e a tiramos das mãos dos Ptolomeus,
que a governavam mal, Augusto visitou a vossa cidade e
fez o seguinte discurso aos vossos cidadãos: «Homens
de Alexandria, absolvo a cidade de toda a culpa, pela
minha reverência pelo poderoso Deus Serapis, e também
pelo bem-estar do próprio povo e o grande renome
da Cidade. Mas, há uma terceira razão para
a minha boa vontade para convosco, e essa é o meu
camarada Areius.» Este Areius era um concidadão
vosso e um amigo familiar de César Augusto, filósofo
de profissão.
Estas são,
então, resumindo, as bênçãos
atribuídas pelos Deuses Olímpicos à
vossa Cidade em particular, e eu estou a deixar de lado
muitas porque levaria muito tempo a descrevê-las.
Mas, as bênçãos que são concedidas
pelos Deuses, visíveis a todos, todos os dias,
não apenas a poucas pessoas ou a uma só
raça, ou a uma só cidade, mas, a todo o
mundo ao mesmo tempo, como podem vocês não
as conhecer? Estarão insensíveis aos raios
que descem de Helios [Sol]?
Ignoram que o Verão e o Inverno Dele vêm?
Ou que todos os tipos de vida animal e vegetal provêm
Dele? E não percebem que grandes bênçãos
a Cidade recebe Dela que é gerada de e por Ele,
até Selene [Lua],
que é criador de todo o Universo? No entanto, vocês
têm a audácia de não adorar nenhum
destes Deuses. E pensam que aquele que nem vocês
nem os vossos pais alguma vez viram, nem sequer Jesus,
merece a categoria de Deus – o Verbo. Mas, o Deus
que desde tempos imemoriais toda a Humanidade contemplou
e adorou, e do Qual o culto derivou, isto é, o
poderoso Helios, a imagem viva inteligível do Seu
Pai, com alma e inteligência, causa de todo o bem...
Se tomarem atenção à minha admoestação,
irão se aproximar, pelo menos, um pouco da verdade.
Não irão se afastar do caminho certo, se
derem atenção a alguém que até
o seu vigésimo ano andou pelo vosso caminho, mas,
que, desde há doze anos, andou nesta via de que
falo, pela graça dos Deuses.
Portanto, se vos
agradar me obedecer, irão me dar alegria. Mas,
se preferirem perseverar na superstição
e nos ensinamentos de homens maus, pelo menos concordem
em não ansiar por Atanásio. Em qualquer
caso, há muitos dos seus alunos que podem confortar
esses comichosos ouvidos vossos que anseiam por ouvir
palavras ímpias. Só desejo que, juntamente
com Atanásio, a maldade da sua ímpia escola
tenha sido suprimida. Mas, tal como as coisas estão,
vocês têm uma boa multidão deles e
não precisam de se preocupar. Qualquer homem que
vocês elejam da multidão não será
em nada inferior àquele pelo qual anseiam, em qualquer
aspecto, para o ensinamento das escrituras. Mas, se fizeram
estes pedidos porque são tão apreciadores
da sutileza geral de Atanásio – fui informado
de que o homem é um traste esperto – então
deveis saber que por esta mesma razão foi ele banido
da cidade. Porque um intrometido é por natureza
inadequado para liderar o povo. Mas, se este líder
nem sequer é um homem, mas apenas um desprezível
fantoche, como este grande personagem que pensa que está
a arriscar a cabeça, isto constitui seguramente
um sinal de desordem. Por conseguinte, para que nada desse
gênero possa acontecer convosco, tal como há
muito dei ordens para que ele saísse da cidade,
digo agora que ele se vá embora do Egito.
Que isto seja proclamado
aos meus cidadãos de Alexandria.
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Filantropia1
(Amor)
+
(Homem). Amor
desinteressado à Humanidade; zelar pelo bem da Humanidade.
Realmente,
nunca haverá de aparecer um orador tão talentoso que
possa descrever a beleza superando aquela que resplandece no rosto
dos Deuses.
Os
homens devem ser ensinados e conquistados pela razão, e não
por golpes, insultos e castigos corporais.
Aqueles que estão
no erro... são objetos de pena e não de ódio.
Ninguém
deve ser arrastado para os altares a contragosto.
Para
onde estamos fugindo? Vocês não sabem que a fuga nunca
traz segurança, mas, revela a insensatez de um esforço
inútil?2
Abster-se
de fazer alguma coisa não deve depender da maneira de pensar
da multidão, mas, por ser rejeitado, inadmitido, pela razão
e pelo nosso Deus Interior.
Uma
condição melhor sempre deriva de uma condição
pior.
Eu
não me alinho entre aqueles que desprezam os mitos, e estou
longe de rejeitar os que por eles têm reverência. Freqüentemente,
Platão transmitia uma séria lição em
seus mitos.
A
Natureza ama esconder seus segredos, e ela não revela a Verdade
Essencial dos Deuses arremessando palavras estéreis aos ouvidos
dos profanos.
Os
animais selvagens não são tão perigosos para
os homens, como os católicos são uns para os outros.
Todos
os que agora encontram a sua salvação devem isto à
Filosofia de Sócrates.3
______
Notas:
1. O vocábulo
filantropia, proposto por Juliano, surgiu como alternativa ao conceito
de caridade católica. (Não uso o termo caridade cristã
por entender que o Cristianismo seja inteiramente diferente dos
diversos Catolicismos hoje existentes, uma vez que a caridade cristã
é inteiramente categórica e as caridades católicas
são completamente hipotéticas). Entretanto, a palavra
filantropia parece ter sido cunhada, há 2.500 anos, pelo
dramaturgo grego da Grécia Antiga Ésquilo (Elêusis,
cerca de 525/524 a.C. – Gela, cerca de 456/455 a.C.), no seu
Prometeu Acorrentado. Segundo o mito, Prometeu salvou os
homens primitivos da destruição que Zeus lhes tinha
vaticinado, dando-lhes a conhecer o fogo e o otimismo. Prometeu
fez isto porque amava a Humanidade. Era um filantropo. Segundo a
cultura grega, é este amor pela Humanidade que está
na origem de toda a civilização.
2. Uns fogem;
outros dormem. Então, neste caso, fugir é sinônimo
de dormir.
3. Talvez, exagerando
um pouco, quanto a isto, depois de Platão tudo é citação.
Observação:
Flávio
Cláudio Juliano (em latim: Flavius Claudius Iulianus; Constantinopla,
331 – Maranga, atual Samarra, 23 de junho de 363) foi um imperador
romano, que reinou desde o ano 361 até a sua morte, dois
anos depois. Foi o último imperador pagão do mundo
romano, e, por isto, ficou conhecido na História como o
Apóstata, por não professar a fé
católica em um período em que o Catolicismo já
era aceito e até incentivado por seus antecessores, desde
Constantino I. Homem de notável formação intelectual
e um Instrutor da Humanidade, Juliano foi um Imperador que não
usou violência contra seus oponentes, que entendeu o Império
e que amou seu povo. Conquistou um lugar no coração
humano que a história reescrita não poderia apagar
completamente. O profundo sentimento que ele suscitou em muitos,
em vários níveis da sociedade, talvez seja mais bem
capturado na inscrição simples que sobrevive em Pérgamo:
Senhor do
mundo, Mestre da Filosofia, governante venerando, piedoso Imperador,
sempre vitorioso Augusto, disseminador da Liberdade Republicana.
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