Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

Estephanyo Thennenbbaumm Wajtylo é um judeu polonês singular. Especialmente, ele sempre se sentiu muito honrado com seu último nome de família, e costuma brincar dizendo que se a letra a do seu sobrenome Wajtylo tivesse sido permutada com a letra o, ele poderia muito bem passar por parente do antigo Cardeal-Arcebispo de Cracóvia, Karol Józef Wojtyla, que viria a se tornar o primeiro papa não-italiano em 455 anos e o primeiro de origem polonesa, tendo sido entronizado em 22 de outubro de 1978 com o nome de João Paulo II (Ioannes Paulus PP. II) e falecido em 2 de abril de 2005.

 

Estephanyo nasceu 'milagrosamente' no finalzinho da Segunda Guerra, em janeiro de 1945, no sul da Polônia, no Campo de Auschwitz III (Monowitz) – utilizado como campo de trabalho escravo para a empresa IG Farben, tendo iniciado suas operações escravocratas em maio de 1942. A intervalos regulares, muito bem planejados, o pessoal médico de Auschwitz II (Birkenau) fazia revisões sanitárias a fim de enviar os doentes e os débeis às câmaras de gás de Birkenau, inferno onde foram executados mais de um milhão de judeus e ciganos. Foi em uma dessas sistemáticas limpezas sanitárias que o pai de Estephanyo foi escolhido para ser assado em Birkenau.

 

 

Auschwitz

Visão de Auschwitz no inverno

 

 

Quando a guerra acabou, Estephanyo só tinha uns poucos meses de vida. Seu pai morrera seis meses antes, e ele foi educado apenas pela mãe, a única parente que sobrara do Holocausto Nazi. Para encurtar a história e parar de falar nessas desgraceiras sobejamente conhecidas, dez anos depois de encerrada a Guerra, Estephanyo e sua mãe emigraram para o Brasil e foram morar em Parada de Lucas, um bairro do Rio de Janeiro. O tempo passou, e ele, depois de se naturalizar brasileiro, acabou se formando em Medicina e se tornando um excelente médico ginecologista. Sempre bem-humorado e esparramando uma permanente e contagiante alegria, costuma dizer que trabalha onde os outros se divertem. Mas, tirante esta gracinha ginecológica, ele é considerado um excelente especialista no estudo e na prática da Ginecologia. Todas as suas pacientes são encantadas com ele e costumam chamá-lo carinhosamente de Dr. Faninho.

 

Mas, uma coisa não lhe sai da cachola: há muitos anos, quer porque quer se confessar com um padre católico. Por quê? Nem ele sabe! Talvez seja por causa do seu último nome de família, que é muito semelhante ao do Papa falecido. Vai ver que em uma encarnação passada tenha sido católico. A verdade é que não há uma explicação coerente. Objetivamente não há. Mas, o que se passa na alma das pessoas ninguém sabe, e, geralmente, nem elas. Foram anos para tomar a decisão de se confessar. Exatamente no dia em que completou 63 anos, tomou a decisão de se confessar. Foi a uma igreja e, em estado de mais profunda contrição, se ajoelhou no confessionário e disse ao Padre confessor: — Estou aqui para me confessar.

 

 

 

 

O Padre confessor: — Meu filho, há quanto você não se confessa?

 

Estephanyo: — Santo Padre, eu nunca me confessei. Sou judeu. Mas preciso me confessar porque estou fazendo, hoje, 63 anos, e isto significa que estou completando nove ciclos de sete anos. Uma vitória que deve ser comemorada com uma confissão. Quando eu fizer 77 anos, pretendo me confessar de novo! Não sei se será com o senhor, mas escolherei um padre à altura. Do senhor, Santo Padre, eu tive as melhores referências de santidade.

 

O Padre: — Ahn! Compreendo! 63 anos! Uma longa vida! Parabéns pelo seu aniversário... Então o senhor é judeu? Foi por isto que o senhor me chamou Santo Padre. Entenda: Santo Padre é o Romano Pontífice, sucessor de Pedro e perpétuo e visível princípio-fundamento da unidade católica na Terra, quer dos Bispos, quer da multidão dos fiéis. Atualmente, o Santo Padre é o nosso querido Papa Bento XVI, sucessor de João Paulo II. Eu sou um simples padre redentorista, membro da Congregação do Santíssimo Redentor, fundada em Nápoles, em 1732, por Santo Afonso Maria de Liguori, também conhecida como Congregação dos Redentoristas, e que hoje se faz presente em 73 países. Santo Afonso dizia que a Santa Missa era a melhor e a mais bela coisa que existe na Igreja aqui na Terra. O senhor deveria assistir a uma Missa.

 

Ótimo! — disse Estephanyo — Para mim está tudo bem. Melhor ainda é que o senhor é um redentorista e poderá redimir meus pecados. Quanto a assistir à uma Missa, prometo que assistirei com a maior devoção. Mas, agora, eu preciso me confessar e ser absolvido dos meus pecados.

 

Isso não é bem assim — disse o padre. Como posso ouvir sua confissão e absolvê-lo se o senhor, que é judeu, não foi batizado, não fez a Primeira Comunhão, não crê na conceição imaculada de Maria, não professa fé em Jesus Cristo, bendito seja, não admite a Santíssima Trindade, não reconhece a infalibilidade papal, sempre que se pronuncia 'ex cathedra', não admite o segundo advento de Cristo, quando será completada a obra de redenção e posterior instauração de um reino de justiça, et cetera e tal? Isto não tem o menor cabimento. É mais ou menos como o senhor, que é judeu, pedir uma 'fatwa' a um Mufti, que é, como presumo que o senhor saiba, um acadêmico islâmico a quem é reconhecida a capacidade de interpretar a Lei Islâmica ('Charia') e a capacidade de emitir 'fataawa'. O senhor há de convir que isto não é plausível. Fique sabendo que o Profeta Muhammad – que a Paz e a Bênção de Deus estejam com ele disse: Aquele que emite 'fataawa' sem ter o conhecimento necessário vai ter de arcar com o fardo daquele para quem ele dirigiu a 'fatwa'. 'Mutatis mutandis', penso que, no caso de um padre católico, como eu, a coisa seja mais ou menos assim. Como posso ouvir a sua confissão e, depois, lhe dar a absolvição?

 

Obrigado por todas essas explicações, mas deixe isso tudo para lá, padre. Vamos negociar. O senhor ouve o que eu tenho para dizer, e depois me dá uma penitenciazinha para eu me sentir aliviado. Arrependido dos meus pecados eu já estou.

 

Combinemos o seguinte: — disse o padre. Você me conta o que quiser, mas não podemos chamar isto de Confissão. Depois resolveremos a questão da sua penitência. Está bem assim?

 

Melhor do que isso, padre redentorista, só goiabada com meleca.

 

O Padre confessor sentiu-se levemente nauseado e eructou involuntariamente. Solenemente disse: Então, vamos começar. Mas, por favor, sem mais porcarias. Eu sou sensível e posso vomitar em cima do senhor.

 

Pode deixar prometeu Estephanyo. Meu primeiro pecado é uma espécie de mania que aprendi com um judeu português muito meu amigo. Ele me ensinou a colocar dois copos no criado-mudo, junto à cabeceira da minha cama. Um com água e outro sem água.

 

Espantado, o padre questionou: — Um com água e outro vazio? E por quê?

 

Com toda gravidade, Estephanyo respondeu: — Porque, durante a noite, eu tanto posso ter sede como posso não ter. Se me der sede, pego o copo com água e bebo. Se não me der sede, pego o copo sem água, olho para ele, e não bebo. Depois, volto a dormir. Acho que o pecado está em que, quando não bebo a água do copo com água, de manhã, eu a jogo fora. Com tanta gente por aí sem ter água para beber... Depois que adotei esta prática noturna ando muito preocupado. Isto é pecado?

 

Hum! — reticenciou o padre. Isto não está enquadrado na lista de pecados que eu conheço. Está mais para mania, como o senhor mesmo disse, ou esbanjamento do que para um pecado propriamente dito. Conte outra coisa mais pesada. Depois de 63 anos de vida, o senhor deve ter feito coisas inenarráveis.

 

Mais pesada? Só se for o que eu fiz com a Sara, minha mulher, há uns dois meses. Um dia, só de implicância, de manhãzinha, troquei a dentadura dela com a minha. Nos copos, o senhor sabe. Ela – pobrezinha! – nem reparou. Depois que ela colocou a dentadura na boca, a boca ficou torta, deformada mesmo. Até o nariz entortou! Ela tentou tirar, mas a dentadura não saía de jeito algum; parecia que havia sido colada com araldite. Choramingando, me pediu para ajudar. Eu, fingindo estar irritado, mas, por dentro, me divertindo com a cena, disse: 'Como é que eu vou ajudar? Não sou dentista; sou ginecologista. Porra, Sara! Tudo que entra tem que sair. Pega um alicate, arranca fora essa perereca daí e vê se pára com esse choramingo'. Depois, a consciência doeu e eu me arrependi amargamente; fiquei chorando pelos cantos por quase um mês, escondido, para minha mulher não ver. Mas o senhor nem imagina como isto acabou. Foi preciso chamar uma unidade do Corpo de Bombeiros para resolver o problema dentadural da Sara. E mais do que isso: foi indispensável o empenho salvador de três bombeiros-popeyes: o primeiro popeye – um negão que mais parecia um armário – segurou firme a minha Sara por trás, o que me deu um certo ciúme; o segundo popeye afagava e confortava a minha Sara pelo lado; e o terceiro popeye, que mais parecia o Arnold Schwarzenegger, arrancou a porrete a dentadura pela frente. Horror dos horrores! Quando a operação arranca-dentadura acabou, a boca da minha Sara parecia a beiçola vermelhuda de uma chimpanzé fêmea no cio. Quem olhasse para ela só via beição. Um verdadeiro horror, padre, em nada a dever aos filmes de terror do Bela Lugosi, do Boris Karloff, do Peter Cushing, do Peter Lorre, do Vincent Price, do Christopher Lee e do nosso Zé do Caixão! Um horrorífico horror! Sei que não mereço, mas que Deus me perdoe! Eu nunca falei para ela que troquei as dentaduras de propósito. Fiquei com cagaço de que ela ficasse furiosa e cometesse um maridocídio. Isto, como o senhor pediu, é ou não é um pecado pesado, Santo Padre? Perdão, Santo Papa. Quero dizer, perdão rabi. Oh!, não! Perdão padre redentorista. Agora sim. Ufa!

 

 

 

 

 

 

Angu-de-caroço

Srª Sara Wajtylo bem loguinho depois do baita caroçame
que transformou suas beiças em duas grandes beiçolas
rubras semelhantes às de uma chimpanzé fêmea no cio.

 

 

O padre mastigou pensamentos, e disse: — Eu não lhe pedi nada; mas acho que isso também não é pecado. Não está na lista. Mas que foi uma putérrima sacanagem que o senhor fez com a sua Sara, isto, sem sombra de dúvida, foi. Ainda bem que o senhor se arrependeu à vera, porque se tivesse se arrependido à brinca o arrependimento não teria valido lhufas. Aliás, claro, arrependimento à brinca pode ser tudo, menos arrependimento. Conte outro episódio... e vê se capricha.

 

Outro? Então vou contar só mais um. Depois o senhor me dá uma penitenciazinha para eu me sentir aliviado. Não sei se isto que vou lhe contar é pecado, porque tudo que lhe conto o senhor diz que não está na lista. Mas, foi lá no consultório. Outro dia. Com uma paciente que me apareceu por lá. Era uma senhora de uns oitenta e poucos anos. A macróbia, viúva há vinte anos, me disse que deu para ter uns sonhos eróticos escabrosos, e me perguntou se fazia mal se masturbar. Eu disse que não; que ela poderia, se quisesse, se masturbar de montão. Ora padre, na idade dela ter vontade de se masturbar é uma bênção. O senhor não acha que eu fiz bem?

 

Eu não acho nada — disse padre. Estou aqui só para ouvir. E o que aconteceu?

 

A velha morreu. Não sei se foi de masturbação ou do coração. Mas fiquei com a consciência pesada. E agora? O que eu faço? O senhor me perdoa? O senhor pode absolver meus pecados, apesar de nunhum deles constar da sua lista? Isto tudo está me incomodando muito, e agora dei para ficar com insônia.

 

O Padre Confessor pensou... pensou... pensou... e finalmente disse: — Sabe de uma coisa? Eu é que, agora, vou fazer uma confissão à vera ao senhor, que é judeu; se o senhor fosse católico, eu, provavelmente, não me sentiria confortável para fazer estas revelações e dar estas explicações. Contudo... Eu fui ordenado há trinta anos e nunca vi confissão auricular resolver o problema de ninguém ou ajudar quem quer que seja a mudar um comportamento atravessado ou detrimentoso. Em geral, com raras exceções, o que tenho observado nestes anos de sacerdócio é que as pessoas se confessam, comungam e, depressinha, voltam a incorrer nos mesmos erros e a cometer os mesmos pecados. Há, aí, digamos, um certo mau-caratismo infantil, simplesmente porque, no fundo, as pessoas pensam que podem pecar à vontade porque acham que basta ajoelhar e confessar; que os pecados, como em um passe de mágica, serão absolvidos e os problemas estarão catolicamente resolvidos. Só que não há um mágico que possa fazer este tipo de mágica.

 

 

O mágico que não pode fazer a mágica que nós queremos!

 

 

É com muita tristeza que lhe digo: a coisa não é assim, e a Igreja Católica, que eu tanto amo e da qual jamais me desligarei, sabe muito bem que a coisa não é assim; só que não explica adequadamente aos fiéis que professam a Religião Católica como a coisa real e efetivamente é. Nos primórdios do Cristianismo, os Cristãos Iniciados sabiam como isto funciona; só os catecúmenos não tinham acesso integral às Leis mais elevadas do Universo. Depois de muito estudar e meditar sobre esta intrincada matéria, cheguei à conclusão de que ninguém pode perdoar ninguém. De nada. Se isto fosse assim, tudo seria muito simples. E penso que Jesus, bendito seja, não incluiu a confissão auricular em seus ensinamentos; isto foi enfiado na Santa Bíblia posteriormente, como muitas outras coisas. Eu, como padre, me recuso a admitir, como está escrito no Evangelho de São João XX, 23, que Jesus, bendito seja, tenha dito: 'Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos'. Ora, isto só pode ter sido acrescentado posteriormente para apertar e favorecer ainda mais o poder temporal da minha Santa Madre Igreja. Hoje, ela não consegue se livrar desta excrescência. Quem tem autorização para perdoar? Autorização autorizada por quem? E pior: quem tem autorização para reter? Autorização autorizada por quem? Mas, a Igreja está mudando... Seja como for, o senhor faça o seguinte: dê um passeio pela praia, molhe os pés e converse consigo mesmo, com a sua consciência, com o seu Deus-Eu Interior. Se o senhor crê que possa haver um Deus, Ele também está dentro do Senhor. Eu penso que seja mais ou menos assim. Pergunte-se o porquê de o senhor ser tão sacanocraticamente sacana. Quem sabe o senhor encontra a resposta em seu interior, compreende e pára com essas travessuras. Afinal, o senhor já está com 63 anos! Mas melhor do que eu para ajudá-lo, um bom psicólogo poderá lhe ser mais útil. Agora, a sua penitência é contar à sua mulher a sacanice da troca proposital das dentaduras que o senhor fez. O senhor se sentirá aliviado, e ela, se o ama, certamente compreenderá e o perdoará. Esta é a melhor confissão que o senhor poderá fazer. Quando nos confessamos a quem ofendemos estamos nos libertando! Não se esqueça disto enquanto viver.

 

Padre, obrigado pela aula magna só para mim. Mas, infelizmente isto não posso fazer. A minha Sara morreu há uma semana.

 

Lamento muito sua perda. Então — ponderou o padre — o jeito mesmo é correr rapidinho para um bom psicólogo ou dançar um tango português.

 

Tango português? Essa não! Há quanto tempo o senhor não dança, padre? Isso não existe. Prefiro uma dança judaica, mas estou de luto!

 

 

 

Caveirão Dançarino

 

 

 

Fundo musical:
Edelweiss
Música: Richard Rodgers
Letra: Oscar Hammerstein II
Intérprete: Julie Andrews

Fonte:
http://www.umnovoencontromusical.com/filmes.htm

 

Observação 1:

A animação em flashO mágico que não pode fazer a mágica que nós queremos! – foi editada a partir de uma imagem digital disponibilizada no Website Magic & Comedy abaixo referenciado. Logo, o Website Magic & Comedy mantém os mesmos direitos legais e autorais sobre a animação em flash. O endereço do Website é:

http://www.pjweber.com/order.html

 

Observação 2:

A animação em flash do Caveirão Dançarino foi editada a partir de um GIF animado disponibilizado no Website abaixo referenciado. Logo, o web desiner que produziu o GIF animado mantém os mesmos direitos legais e autorais sobre a animação em flash. O endereço do Website é:

http://matt001laaaaaaaaa.tripod.com/

 

 

 

 

 

 

 

Quando nos confessamos
a quem ofendemos
estamos nos libertando!