JOAQUIM NABUCO
(Pensamentos)

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Joaquim Nabuco

 

 

 

 

Dados Biográficos

 

 

Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (Recife, 19 de agosto de 1849 – Washington, 17 de janeiro de 1910) foi um político, diplomata, historiador, jurista e jornalista brasileiro, apesar de em Pensées Détachées et Souvenirs, III, ter afirmado: Ciência alguma estudei, língua alguma possuo, ignoro os processos de todas as artes; logo, não sou escritor. Não me filio, em matéria de pensamento, nem aos vertebrados, nem aos articulados, mas aos simples espongiários do grande oceano humano. A exemplo da esponja, não faço senão embeber-me da sua onda, não lhe sentindo o amargor, mas somente a frescura.

 

Nabuco fez seus estudos preparatórios no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Aos 15 anos, publicou a Ode à Polônia, que obteve crítica favorável de Joaquim Maria Machado de Assis (Rio de Janeiro, 21 de junho de 1839 – Rio de Janeiro, 29 de setembro de 1908). Três anos depois, apresentou o drama Os Destinos, que foi assistido pelo Imperador D. Pedro II. Completou o bacharelado pela Faculdade de Direito do Recife, Pernambuco, em 1870. Joaquim Nabuco, tanto quanto Ruy Barbosa de Oliveira (1849 – 1923), ambos Maçons, se opuseram de maneira veemente contra a escravidão, lutando tanto por meio de atividades políticas quanto por meio de seus escritos. Nabuco fez campanha contra a escravidão na Câmara dos Deputados de 1878, e fundou a Sociedade Anti-Escravidão Brasileira. Nabuco, que era um monarquista, conciliava esta posição política com sua posição abolicionista, pois atribuía à escravidão a responsabilidade por grande parte dos problemas enfrentados pela sociedade brasileira. Foi, em grande parte, responsável pela abolição da escravidão em 1888, e teve fundamental atuação na promulgação da Lei Áurea, no Brasil, que, como já tive oportunidade de registrar em um texto anterior, na época, cuidou de transformar o negro presumidamente e mais ou menos em cidadão, mas não efetivamente em gente (como a gente) – o que foi uma deslavada hipocrisia, mas bem ao gosto dos donos do poder, que engoliram a abolição da escravatura de muito mau grado. De passagem, lembro que o trabalho escravo não acabou em nosso País, não se configurando apenas no cerceamento da liberdade. O processo inclui prestidigitação, recrutamento, transporte, alojamento e alimentação. Depois, rapidinho, maus-tratos, fraudes, ameaças, violências física e psicológica e dívidas geométricas e impagáveis. Após a derrubada da monarquia brasileira, com a Proclamação da República, Nabuco se afastou temporariamente da política. Retornou, logo após, e exerceu cargos na área diplomática, tendo servido como embaixador nos Estados Unidos da América (1905 - 1910). Passou muitos anos tanto na Inglaterra quanto na França, onde foi um forte proponente do pan-americanismo, presidindo a conferência de Pan-Americanos de 1906. Seu nome figura entre os fundadores da Academia Brasileira de Letras, fundada no Rio de Janeiro em 20 de julho de 1897, tendo tomado assento na Cadeira que tem por Patrono o médico, poeta, político e diplomata brasileiro Antonio Peregrino Maciel Monteiro (Recife, 30 de abril de 1804 – Lisboa, 5 de janeiro de 1868).

 

Algumas obras: Campanha Abolicionista no Recife; Um Estadista do Império; Minha Formação; A República É Incontestável; Agradecimento aos Pernambucanos; Carta aos Abolicionistas Ingleses; Escravos! Versos Franceses a Epicteto; O Eclipse do Abolicionismo; O Eclipse do Patriotismo; O Erro do Imperador; O Abolicionismo; O Dever dos Monarquistas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cronologia de Joaquim Nabuco

 

 

 

1849, agosto, 19 – Nasceu às 8:30 horas da manhã, em velho sobrado na Rua do Aterro da Boa Vista (atual Rua da Imperatriz Tereza Cristina), filho do futuro senador José Tomás Nabuco de Araújo e de sua esposa, Ana Benigna de Sá Barreto. Era um rebento de estirpe ilustre, de vez que os Nabucos de Araújo eram uma influente família baiana que dava senadores ao Império desde o Primeiro Reinado, e os Paes Barreto se constituíam em uma família de grande influência em Pernambuco, desde o século XVI, estando a ela vinculado Francisco Paes Barreto, último morgado do Cabo e marquês do Recife.

 

1849, dezembro, 8 – Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo foi batizado no Cabo, tendo como padrinhos os senhores do Engenho Massangana, Joaquim Aurélio Pereira de Carvalho e Ana Rosa Falcão de Carvalho. Esta madrinha teria uma grande influência na sua formação, pois muito criança ainda ficou sob seus cuidados quando os pais viajaram para a Corte. Passou a infância em Massangana até a morte da madrinha, tendo contato direto com a escravidão, podendo compreender a sua crueldade e o mal que fazia ao País.

 

1857 – Com a morte de Ana Rosa, transferiu-se para a residência dos pais, no Rio de Janeiro, onde realizou os estudos de nível primário e secundário, este último feito na cidade de Nova Friburgo, em colégio dirigido pelo famoso barão de Tauthphoeus.

 

1866 – Iniciou os estudos de Direito na Faculdade de São Paulo, destacando-se entre os colegas, como orador. Assim, em 2 de abril de 1868, foi o orador que saudou José Bonifácio, o moço, quando este regressou à sua cidade, após perder o lugar de ministro, com a queda do Gabinete Zacarias.

 

1869 – Transferiu-se para a Faculdade de Direito do Recife, onde se aproximou dos seus parentes maternos e de amigos. Escreveu A Escravidão, que permaneceu inédito até 1988, quando foi publicado pela Fundação Joaquim Nabuco, no Recife, e escandalizou a elite local, por defender, em um júri, um escravo negro que assassinara o seu senhor.

 

1870, janeiro, 28 – Diplomou-se no Recife em Ciências Sociais e Jurídicas. Após a formatura retornou ao Rio, tentando advocacia e iniciando-se no jornalismo, em A Reforma, defendendo princípios monárquicos.

 

1872 – Publicou o seu primeiro livro Camões e os Lusíadas, com 294 páginas. Anteriormente publicara dois opúsculos: O gigante da Polônia, em 1864, e O Povo e o Trono, em 1869. Publicou ainda, neste ano, um outro trabalho Le Droit du Meurtre, em homenagem a Renan, que exercia grande influência no seu espírito.

 

1872 – Com o dinheiro obtido com a venda do Engenho Serraria, herdado de sua madrinha, passou um ano na Europa, viajando, fazendo contatos com intelectuais e políticos e se preparando para o futuro.

 

1876, abril, 26 – Obteve o seu primeiro cargo público, o de adido de legação nos Estados Unidos, cargo que lhe proporcionou um melhor conhecimento do país, onde na velhice seria embaixador, contatos e estudos em Nova Iorque (onde viveu a maior parte do tempo) e em Washington.

 

1878 – Foi eleito, graças ao apoio do Barão de Vila Bela, deputado geral pela província de Pernambuco, passando no ano seguinte a participar do Parlamento, com destaque, em face da sua origem, ao valor de sua oratória e da independência frente ao Governo Sinimbu, do seu próprio partido. Ele, ao lado de outros jovens deputados, iniciou então a campanha contra a escravidão, em favor da abolição da escravatura. Nessa legislatura, Nabuco combateu um projeto de exploração do Xingu, defendendo os direitos dos indígenas, e criticou o envio de uma missão governamental à China, visando estimular a migração de chineses que deveriam substituir os escravos nas fainas agrícolas. Nabuco verberou este projeto que classificou de tentativa de mongolização do País.

 

1880 – Comemoração do terceiro centenário de Camões, no Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, tendo Nabuco sido o orador oficial, realizando brilhante discurso.

 

1880, setembro, 7 – Nabuco organizou e instalou, em sua residência, a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, desafiando a elite conservadora da época, que considerava a escravidão uma instituição indispensável ao desenvolvimento do Brasil. Assim, ele aprofundou as divergências com o seu partido, o Liberal, e inviabilizou a sua reeleição.

 

1882, fevereiro, 1º – Derrotado nas eleições para a Câmara dos Deputados, quando disputou um lugar pela Corte, como representante dos abolicionistas, partiu para a Europa, para o que chamou de exílio voluntário. Em Londres, viveu como advogado e jornalista (representante do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro) e escreveu um dos seus principais livros, O Abolicionismo, publicado em 1884.

 

1884 – Realizou a campanha para a eleição, por Pernambuco, à Câmara dos Deputados, defendendo ao lado de José Mariano, a causa do abolicionismo. Seus discursos e conferências foram reunidos no livro A Campanha Abolicionista, publicado em 1885, onde defendeu idéias bastante avançadas. Vitorioso sobre o candidato conservador, Machado Portela, foi, entretanto, expurgado pela Câmara.

 

1885, julho, 7 – O expurgo de Nabuco causou a maior revolta em Pernambuco.

 

1885 – Atuação de Nabuco na Câmara dos Deputados, defendendo o Gabinete Dantas e o seu Projeto de libertação dos sexagenários, apesar de considerá-lo muito moderado. Em seguida à queda de Dantas, ele atacou as modificações feitas ao Projeto pelo novo presidente do Conselho, J. A. Saraiva, que seria transformado em Lei pelo Gabinete Cotejipe, em 28 de setembro.

 

1885, setembro,14 – Nabuco apresentou à Câmara dos Deputados um projeto de lei em favor da federação das províncias, tentando concretizar velha aspiração regionalista brasileira.

 

1886, janeiro, 15 – Nabuco foi derrotado em eleição para a Câmara dos Deputados ao tentar se eleger pelo Recife. Dedicou-se ao jornalismo escrevendo uma série de opúsculos, em que identificou a Monarquia com a escravidão e fez sérias críticas ao Governo. Estes opúsculos se intitulavam O Erro do Imperador, O Eclipse do Abolicionismo e Eleições Liberais e Eleições Conservadoras, publicados em 1886.

 

1887, setembro,14 – Nabuco derrotou Machado Portela em eleição memorável no Recife, quando este, Ministro do Império, tentava confirmar o seu mandato, voltando à Câmara para concluir o seu apostolado em favor da abolição.

 

1888, fevereiro, 10 – Teve audiência particular com o Papa Leão XIII e relatou a luta pelo abolicionismo no Brasil, tendo, possivelmente, influenciado o grande pontífice na elaboração de uma encíclica contra a escravidão.

 

1888, março, 10 – O Gabinete João Alfredo assume o Governo com o propósito deliberado de abolir a escravatura no Brasil. Nabuco, apesar de o Gabinete ser conservador, o apoiou e deu uma grande contribuição à aprovação da Lei Áurea. Em seguida, quando os ressentidos com a abolição se lançaram contra João Alfredo, Nabuco veio em sua defesa, realizando, em 22 de maio de 1889, um dos seus mais memoráveis discursos na Câmara dos Deputados.

 

1889, abril, 28 – Casou-se com Evelina Torres Soares Ribeiro, filha do Barão de Inhoã e fazendeiro em Maricá, na então província do Rio de Janeiro.

 

1889, agosto, 21 – Nabuco foi eleito deputado por Pernambuco, para a última Legislatura do Império, sem ir ao Recife e sem solicitar o apoio do eleitorado. Começava a se desiludir dos processos políticos no País e temia pela queda da Monarquia, a quem era fiel, embora procurasse liberalizá-la e não poupasse críticas à instituição e ao próprio Imperador.

 

1889, novembro, 15 – Proclamação da República e posicionamento de Nabuco em favor da Monarquia, recusando-se, inclusive, apesar de solicitado, a postular uma cadeira na Assembléia Constituinte de 1891. Justificou sua posição no opúsculo Porque Sou Monarquista.

 

1891, junho, 29 – Surgiu o Jornal do Brasil, fundado por Rodolfo Dantas, com a finalidade de bem informar a população e de defender, de forma moderada, a restauração da Monarquia. Nabuco, convidado, tornou-se colaborador desse jornal. Naquela ocasião, lutando pela vida, voltou à advocacia, abrindo escritório em sociedade com o conselheiro João Alfredo. Não foram bem sucedidos na profissão e um ano depois fecharam o escritório.

 

1892 – Viajou à Inglaterra com a família, aí permanecendo por alguns anos. Fazendo um balanço de sua vida, voltou à Igreja Católica, que havia abandonado na juventude, passando a freqüentar as cerimônias religiosas e se confessando, em 28 de maio, na Capela de Nossa Senhora das Dores. Sua comunhão só seria feita no Rio de Janeiro em 22 de dezembro do mesmo ano. O livro Minha Fé, publicado em 1986 pela Fundação Joaquim Nabuco, relata o processo de conversão do ilustre estadista.

 

1895 – No auge das disputas entre monarquistas e republicanos escreveu um opúsculo, O Dever dos Monarquistas, em resposta a outro escrito pelo almirante Jaceguai, favorável ao novo regime intitulado O Dever do Momento.

 

1896, janeiro, 12 – Foi publicado no Jornal do Commercio um manifesto do Partido Monarquista, recém-fundado, tendo como signatários, além de Nabuco, os conselheiros João Alfredo, Lafaiete Pereira, o visconde de Ouro Preto, Afonso Celso e outros.

 

1893/1899 – Período de intensa atividade intelectual de Nabuco. Não aceitando os cargos nem os encargos da República, Nabuco dedicou-se às letras, escrevendo livros e artigos para jornais e revistas. Alguns livros foram escritos inicialmente para publicação de seus capítulos, como artigos, nos jornais e na Revista do Brasil. Estes livros, quase sempre de comentários políticos, foram Balmaceda (publicado em 1895) sobre a guerra civil no Chile e A Intervenção Estrangeira na Revolta de 1893 (publicado em 1896) onde, além de analisar o desenrolar da luta, faz confronto entre Saldanha da Gama, maior líder da Revolta, e Floriano Peixoto, que encarnava a legalidade. Também deste período é Um Estadista do Império (1896), seu principal livro, em que analisa a vida do senador Nabuco de Araújo e a vida política, econômica e social do país durante a atuação do mesmo. Ainda desta época é o seu livro de memórias, intitulado Minha Formação, publicado parcialmente na imprensa e reunido em livro em 1900.

 

1896 – Participou da fundação da Academia Brasileira de Letras, que teve Machado de Assis como seu primeiro presidente e Nabuco como secretário perpétuo.

 

1896, janeiro, 25 – Ingressou no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

 

1899, março, 9 – Aceitou convite do Governo da República para defender o Brasil na questão de limites com a então Guiana Inglesa de que seria árbitro o Rei Victor Emanuel da Itália. Iniciou um processo de afastamento do grupo monarquista e a sua conciliação com a República.

 

1900, março – Morte de Sousa Correia, ministro brasileiro na Inglaterra, provocando o convite do Gabinete do Governo para que Nabuco aceitasse este lugar, passando a ser funcionário da República. Nabuco inicialmente aceitou ser plenipotenciário em missão especial deixando a chefia da legação com o encarregado de negócios.

 

1900, agosto – Aceitou o cargo de chefe da legação em Londres e tornou-se, finalmente, funcionário da República.

 

1900, dezembro – Proferiu, no Rio de Janeiro, em banquete que lhe foi oferecido, discurso considerado como a sua declarada adesão à República.

 

1903 – Publicou-se, em Paris, o livro O Direito do Brasil (primeira parte) em que analisou as razões do Brasil na contenda com a Inglaterra a respeito de uma área territorial fronteiriça com a Guiana Inglesa.

 

1904, junho, 14 – O rei Victor Emanuel, da Itália, deu o laudo arbitral na questão da Guiana Inglesa, dividindo o território disputado em duas partes (3/5 para a Grã-Bretanha e 2/5 para o Brasil) o que foi considerado por todos, inclusive por Nabuco, como uma derrota para o Brasil.

 

1905 – Criada a Embaixada do Brasil em Washington, Nabuco foi nomeado embaixador do Brasil, apresentando suas credenciais ao presidente Theodore Roosevelt, em 25 de maio. Como embaixador em Washington, ligou-se muito ao Governo norte-americano e defendeu uma política pan-americana, baseada na doutrina de Monroe. Também viajou bastante pelos Estados Unidos e proferiu dezenas de conferências em universidades americanas.

 

1906, julho – Organizou a III Conferência Pan-americana, realizada no Rio de Janeiro, com a presença do Secretário de Estado dos Estados Unidos.

 

1910, janeiro, 17 – Faleceu em Washington, como embaixador, após um longo período de doença.

 

 

 

 

Objetivo Deste Estudo

 

 

 

 

Este é mais um estudo da Série Pensadores que estou divulgando, pois o autor ora escolhido – Joaquim Nabuco – além de ter sido o maior abolicionista brasileiro e de ter deixado diversos escritos sobre a escravidão, passeou com elegância e facilidade – e, algumas vezes, de forma divertida e pitoresca – por outros temas que permanecem concertadamente atuais. Então, o que se seguirá são fragmentos de suas reflexões, nos quais, em um ou outro, enfiei en passant um ligeiro comentário pessoal. Como sei que muitos não têm (ou terão) acesso fácil à obra nabuquiana, esta contribuição reproduzirá alguns de seus melhores momentos como pensador, como jurista e como jornalista brasileiro, ainda que, obviamente, não substitua, em nenhum aspecto, as obras originais.

 

 

 

 

 

 

 

 

Alguns Pensamentos de Joaquim Nabuco

 

 

 

O único amor nobre é aquele que liberta.

 

O dinheiro bem empregado substitui quase tudo na sociedade. Adquirem-se para uso próprio as antigas propriedades dos reis de França, como, ao casar, adquirem-se para os filhos séculos de ascendência nobre... O ouro substitui ou consegue tudo, mas apenas exteriormente. Interiormente nada pode. Para a sociedade, parece ser tudo, mas para o Coração é nada. [In Corde loquitur nostro Vox Dei. Em nosso Coração fala a Voz de Deus. Hoje, agora, vou fazer uma afirmação que não registrei em qualquer trabalho anterior: se o Rosacrucianismo coubesse em uma única frase, seria exatamente esta. Então, repetindo: In Corde loquitur nostro Vox Dei.]

 

Para bem gozar a vida, é preciso não evitar o contato com a dor, mas absorvê-la em pequenas doses constantes, a exemplo de Mitridates1 absorvendo veneno. (Grifo meu).

 

Há máquinas de felicidade dispendiosas que funcionam com enorme desperdício, e há outras econômicas, que, com as migalhas da sorte, criam alegria para uma existência inteira.

 

O gênio sem paixão é o asceta da poesia, não é o poeta.

 

Privar um poeta de sua língua é roubar-lhe a metade da alma.

 

Todo autor, nascendo uma geração mais tarde, repudiaria sua obra; não há um que, ao envelhecer não acredite ter progredido sobre sua mocidade. [Aqui, não sei se o verbo repudiar está bem aplicado. Se eu tivesse escrito este parágrafo usaria, talvez, repensar, reconsiderar ou revisar. Quem repudia, repudia in limine. Segundo o Filósofo e Místico Rosacruz Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 – 1716), com quem concordo, a mônada, o ser-no-mundo, só pode se modificar por um princípio interno, mas respeitado o fato de que sempre alguma coisa muda e outra permanece. Todos nós, realmente, como escreveu Nabuco, progredimos sobre a nossa mocidade; mas ninguém chega à idade madura ou à ancianidade rejeitando integralmente tudo o que aprendeu, tudo o que realizou e tudo o que produziu. Por exemplo: Arístocles, conhecido como Platão (428/27 – 347 a.C.), hoje, repudiaria o que escreveu? De cabo a rabo? Harvey Spencer Lewis (1883 – 1939), hoje, repudiaria o que estabeleceu na Antiga e Mística Ordem Rosæ Crucis (AMORC), há mais ou menos um século? Seja como for, coisas que pensei e que escrevi no passado, hoje, eu as abordaria de forma inteiramente distinta. Minha própria tese de doutorado teria sido escrita sob um ângulo totalmente diferente – mais místico, talvez! – ainda que eu não a rejeite.]

 

Desde que comecei a ler Platão, em novembro, não tenho quase lido outra coisa, ou nos próprios 'Diálogos', ou, em comentários e discípulos, como Cícero, Plutarco e outros. E assim será, espero, até o fim da vida.

 

Ninguém pode imaginar como é conduzida a contabilidade das almas. Os cálculos divinos encherão de surpresa o moralista. Muito mérito desconhecido, até de quem o praticou, será inscrito na coluna do crédito. Atos que julgamos meritórios irão para a conta dos nossos débitos. Não podemos conceber o menor princípio do código penal divino. Há, porém, na idéia de que cada um deve ser julgado pela sua própria espécie, um elemento moral que merece abranger o Universo. Um júri de anjos não nos poderia julgar com justiça humana, como nós não julgaríamos com eqüidade culpas de animais.

 

 

 

 

É a imaginação, tocha divina apensa ao espírito do homem, que lhe permite mover-se nas trevas da criação. Assim os peixes das profundezas oceânicas trazem um facho que os ilumina na noite eterna. Sem isto, para que lhes serviriam os olhos? Sem imaginação, que utilidade teria para o homem a inteligência?

 

Não procureis a originalidade. Ela acompanha, o mais das vezes, inteligências medíocres. Só tem direito de ser original quem não procura sê-lo. O gênio não é feito apenas de originalidade. Esta precisa ser a expressão do pensamento ou da aspiração universal. A originalidade, por si só, é qualidade negativa; precisa de se juntar a outra para ter valor; e este valor dependerá da qualidade positiva que a acompanha.

 

Personagem que Deus não cuidou de convocar quando criou o mundo, o crítico faz questão de estabelecer uma hierarquia nas obras de criação e nas obras do espírito humano. Assim geram-se inveja e desprezo, e o desânimo dos maiores, ante injustiças; assim ficam eles à mercê dos seus inferiores, os estéreis. A única estética sadia é a que não cogita de medir impressões produzidas por tipos diferentes, a que coloca no mesmo plano todos os grandes esforços intelectuais da Humanidade, fundindo-os no gênio humano, como as cores se fundem na luz sem sobressair nenhuma.

 

À luta pela vida, que é a lei da Natureza, a religião opõe a caridade, que é a luta pela vida alheia. [Deus caritas est. Vulgata, Primeira Epístola de João, IV, 16.]

 

Vejo muitas consolações para os infelizes; para os felizes nunca as encontrei. [Aqui, os felizes, misticamente, poderiam muito bem ser substituídos pelos iludidos.]

 

 

 

 

Os grandes poetas não parecem completos sem uma mulher que os acompanhe perante a história. Só se compreende que eles tenham inspiração, tendo amor.

 

O reinado da mulher talvez venha um dia a ser realidade, mas será precedido por uma greve geral do amor. O sexo que suportar por mais tempo esta inatividade acabará por triunfar sobre o outro.

 

A obra de arte existe por si só. Admirada, se o povo a sente; solitária, se ele a não compreende, mas sempre a mesma e sempre bela.

 

A história da escravidão africana na América é um abismo de degradação e miséria que se não pode sondar.

 

Não há fealdade na natureza; ela só existe nos nossos olhos.

 

Afirma-se a superioridade dos anglo-saxões. Segundo todas as probabilidades, sem o contato latino, os anglo-saxões ainda estariam nas florestas indígenas, no mesmo estado em que se achavam antes da conquista romana. As raças incapazes de alcançar por elas mesmas a civilização, não são, no quadro básico dos tipos humanos, raças superiores àquela que as poliu. Por outro lado, sem a renovação produzida pelo cruzamento com os povos do Norte, é provável que a civilização latina derivasse inteiramente para o bizantinismo2 ou para formas ainda mais degradantes de vida e de pensamento, donde não se levantaria mais. A dívida do mundo romano para com os Bárbaros é assim tão grande quanto a dos Bárbaros para com os Romanos. É porém demasiado cedo para falar da superioridade das raças do Norte sobre as do Sul.

 

A Cruz pode ser pesada de carregar, mas só Ela equilibra o nosso andar. [Ad Rosam per Crucem; Ad Crucem per Rosam. Non nobis, Domine, non nobis; sed Nomini Tuo da gloriam. Ad ima.]

 

Há pessoas que têm os defeitos de suas qualidades, mas outras têm as qualidades dos seus defeitos. Muita mulher honesta deverá, por exemplo, a virtude à sua falta de encantos; muita gente honesta deverá a lisura à falta de inteligência.

 

A certos corações, só a desgraça poderia dar satisfação completa. Há neles um fundo de lágrimas a que só o sofrimento pode abrir caminho, e, enquanto elas não romperem em desabafo, o efeito interno que produzem e de turbar e azedar. Surgindo a desventura, toda sua atividade é posta em movimento. Homens tornar-se-ão mesmo santos, consagrando-se à contemplação e à caridade. Mulheres serão as viúvas e as mães inconsoláveis; o amor encher-lhes-á o coração – amor absoluto.

 

A escravidão, apesar de hereditária, é a verdadeira mancha de Caim que o Brasil traz na fronte.

 

Evitai de vos observar ao microscópio. Bons olhos, sem vidros, voltados para o que vos cerca é quanto basta.

 

Com que gente andamos metidos! Hoje estou convencido de que não havia uma parcela de amor ao escravo, de desinteresse e de abnegação em três quartas partes dos que se diziam abolicionistas. Foi uma especulação a mais! A prova é que fizeram essa República e depois dela só advogam a causa dos bolsistas, dos ladrões da finança, piorando infinitamente a condição dos pobres. Onde estariam os propagandistas da nova cruzada? (...) Estávamos metidos com financeiros, e não com puritanos, com fâmulos, de banqueiros falidos, mercenários de agiotas etc; tínhamos de tudo, menos sinceridade e amor pelo oprimido. A transformação do abolicionismo em republicanismo bolsista é tão vergonhosa, pelo menos como a do escravagismo.

 

A fatalidade das revoluções é que sem os exaltados não é possível fazê-las, e com eles é impossível governar.

 

O que constitui o gênio e a invenção de uma época ficará sendo a técnica, o lugar-comum, de outra. Uma onda de idéias novas, de frases bem cunhadas, que muito custaram aos seus autores, entra diariamente em circulação, e depressa se torna o palrar inconsciente dos iletrados.

 

O verdadeiro patriotismo é o que concilia a pátria com a Humanidade. [O verdadeiro Patriotismo só poderá acontecer se o ser-no-mundo não mais for patriota exclusiva e egoisticamente em relação à sua terra natal; mas somente quando se tornar um Cidadão Solar, tiver por irmãos todos os seres e sua Pátria for o Universo.]

 

Falo, hoje, no bairro da riqueza do Recife, como domingo passado falei no bairro da miséria. Seja-me permitido dizer que essa riqueza não parece digna de entusiasmo ou de admiração a quem contemplou a riqueza dos povos livres, a quem descobre o contraste das duas e sabe que esse simulacro de opulência com que nos queriam deslumbrar, não exprime senão a miséria e o aviltamento da nação brasileira.

 

O pensamento, apesar de tudo, é uma esterilização. Não há perigo de que ele venha, algum dia, a triunfar sobre a Natureza, que é a Vida.

 

O fato de serem os nossos adversários os homens ricos do País faz com que eles pareçam a maioria, quando são apenas uma fração cuja força provém exatamente do monopólio do trabalho que adquiriram por meio da escravidão. A prova está em que, senhores dos bancos e dos capitais disponíveis do País, possuidores do solo, contando com a magistratura, que é uma classe conservadora, com a cumplicidade do comércio e com todos os recursos que dá o dinheiro em um país pobre, (...) eles não podem abafar a voz da opinião.

 

Os invejosos invejam-se reciprocamente.

 

Senhores, a propriedade não tem somente direitos, tem também deveres. E o estado de pobreza entre nós, a indiferença com que todos olham para a condição do povo, não faz honra à propriedade, como não faz honras aos poderes do Estado. Eu, pois, se for eleito, não separarei mais as duas questões – a da emancipação dos escravos e a democratização do solo. Acabar com a escravidão não nos basta; é preciso destruir a obra da escravidão.

 

A oposição será sempre popular; é o prato servido à multidão que não logra participar no banquete.

 

Não há pensamento mais confortador do que o encerrado nestas palavras citadas por Epicteto: 'Hércules não receava deixar os filhos órfãos, porque sabia que não há órfãos neste mundo'. É grata esta afirmação de que tal privilégio não é só da raça de Hércules.

 

A borboleta nos acha pesados, o pavão malvestidos, o rouxinol roucos, a águia rastejantes. [E Deus deve achar alguns de nós muito chatorebas, porque ficamos a lamuriar e a rogar insistentemente por tudo e por nada – maismaismais... nhenhenhém... quaisquaisquais... falar-falar-falar... pedir-pedir-pedir... – ao invés de agradecermos e de nos colocarmos em disponibilidade para auxiliar os menos afortunados. Arre! Quem tem uma cama para poder dormir confortavelmente é rico. Um terço da vida de todos nós é passada na cama. Dormindo! Logo, uma pessoa que tenha morrido aos 60 anos dormiu 20.]

 

Há mais suicídios no mundo do que imaginamos, mas são suicídios parciais. Muita gente destrói as mais belas porções de si mesmo, e não sua vida... Não há crime maior contra Deus do que o suicídio; mas ninguém diga que seja a degradação máxima do ser humano. [Nesta matéria, meu entendimento, já apresentado e discutido em outros ensaios, é de que todo suicida é um assassino, e todo assassino é um suicida. Não importa se há ou se não há consciência destes dois fatos, até porque a própria Lei da Reciprocidade (vinculada à Lei da Necessidade) não leva em conta a ignorância da coisa praticada, qualquer que seja a coisa praticada, quem quer que seja que a tenha praticado. La Divina Commedia, de il sommo poeta Dante Alighieri (1265 – 1321), é esplendidamente ilustrativa nesta matéria. Se a desde sempre e para sempre Peregrinação se resume em Aprendizado para que haja Manumissão e Serviço, não poderá haver Manumissão e Serviço misturados com ignorância, preconceito et cetera e tal.]

 

 

 

Não há outra solução para o mal crônico e profundo do povo senão uma lei agrária que estabeleça a pequena propriedade, e que vos abra um futuro, a vós e a nossos filhos, pela posse e cultivo da terra. A liberdade sem o trabalho não pode salvar este País da bancarrota social da escravidão, nem tampouco merece o nome de liberdade: é a escravidão da miséria.

 

É a nossos filhos que pagamos a nossa dívida para com os nossos pais.

 

Parece pretensioso o uso do «eu»; no entanto, a forma pessoal é a única que exclui toda a pretensão. Quem a emprega traduz impressões recebidas, não emite sentenças, mas quem se veda o uso do «eu», constitui-se forçosamente num oráculo.

 

A solução para combater a pobreza é o cultivo da terra; é a posse da terra que o Estado deve facilitar aos que quiserem adquiri-la.

 

O reinado da mulher talvez venha um dia a ser realidade, mas será precedido por uma greve geral do amor. O sexo que suportar por mais tempo essa inatividade acabará por triunfar sobre o outro.

 

A escravidão não consentiu que nos organizássemos; e sem o povo as instituições não tem apoio, a sociedade não tem alicerce.

 

Com a escravidão não há governo livre, nem democracia verdadeira; há somente governo de casta e regime de monopólio. As senzalas não podem ter representantes, e a população avassalada e empobrecida não ousa tê-los.

 

A monarquia só poderia voltar com vantagem para o País se os monarquistas se mostrassem mais patriotas do que os republicanos.

 

Se eu morrer amanhã, não levo para o túmulo somente um espírito monarquista e liberal, levo também o coração brasileiro.

 

Eu repito o que dizia meu pai, em 1865: 'Deus não permita que a história deplore a sorte de uma nação nova, cheia de recursos e de vida, mas infeliz por sua culpa.'

 

Há um terreno superior ao das dissensões políticas em que espíritos de igual tolerância, de igual elastério, de igual patriotismo, podem e devem sempre colaborar uns com os outros, no interesse comum do País; esse terreno pertence a 'leaders' de opinião, como Rui Barbosa, alargar cada vez mais, e dar-lhe a força e a consistência do granito.

 

A glória é um processo de apuramento que nunca pára. À medida que a Humanidade envelhece e que as suas recordações se vão amontoando, tornam-se necessárias novas seleções. Séculos inteiros são depurados nesses escrutínios, sem que sobreviva um nome sequer. Um dia, os imortais irão unir-se aos anônimos no esquecimento final.

 

Guardai a dedicação depois de se ter apagado o amor, a veneração depois de ter perdido a fé, a gratidão depois de pagar a dívida, a generosidade depois de retirar a estima. [E a lealdade mesmo depois da mais vil traição, porque a primeira lealdade é do mesmo para consigo.]

 

 

 


 

 

 

Uma Pergunta Final

 

 

 

Um dos fragmentos nabuquianos afirma: A borboleta nos acha pesados, o pavão malvestidos, o rouxinol roucos, a águia rastejantes. Então, deixo a seguinte pergunta múltipla para reflexão: O que nós achamos, realmente, de nós mesmos? Quem somos? De onde viemos? Para onde iremos? Sairemos desta vida piores, iguais ou melhores do que quando entramos?

 

 

 

 

 

 

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Notas:

1. Mitrídates VI (132–63 a.C.), chamado Eupátor Dionísio, também conhecido como Mitrídates, o Grande, foi rei do Ponto de 120 a 63 a.C., na Anatólia, e um dos mais formidáveis e sucedidos inimigos de Roma, havendo enfrentado três dos melhores generais romanos da baixa República. Em português, seu nome também pode ser grafado como Mitridates. Há duas lendas curiosas a respeito de Mitrídates. Supostamente, sua prodigiosa memória lhe permitia falar vinte e cinco línguas, de modo que podia se comunicar com cada soldado de seus grandes exércitos no seu próprio idioma. Devido a esta lenda, certos livros que contêm excertos de muitas línguas chamam-se Mitrídates. A segunda lenda relata que Mitrídates VI procurou se imunizar contra um eventual envenenamento, tomando doses crescentes (mas nunca letais) dos venenos de que tinha conhecimento, até que fosse capaz de tolerar até mesmo uma dose mortal. Alguns chamam esta prática de mitridatismo, ou seja, processo de imunização contra os efeitos de um ou de vários venenos que consiste em ministrar ao paciente doses gradualmente crescentes deste(s) mesmo(s) veneno(s). Conforme a lenda, após ser derrotado por Pompeu, Mitrídates tentou o suicídio por envenenamento, sem efeito devido à sua imunidade. Teria, então, forçado um de seus servos a matá-lo à espada. Esta história é contada na peça Mitrídates (1673), de Racine, e na ópera Mitridate, re di Ponto (1770), de Mozart.

 

2. Aqui, bizantinismo pode ser entendido como estudo da história e da civilização do Império Bizantino ou como tendência a se preocupar com temas complexos e sutis, porém sem importância ou conseqüência prática, especialmente quando há questões mais relevantes a resolver, ou seja, interesse por discussões frívolas ou insignificantes, sem resultado prático. Creio que Nabuco, salvo melhor juízo, se referiu ao segundo caso, pois afirmou que sem a renovação produzida pelo cruzamento com os povos do Norte, é provávael que a civilização latina derivasse inteiramente para o bizantinismo ou para formas ainda mais degradantes de vida e de pensamento, donde não se levantaria mais.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://pt.wikipedia.org/wiki/
Mitr%C3%ADdates_VI_do_Ponto

http://www.citador.iol.pt/pensar.php?
pensamentos=Joaquim_Nabuco&op=7&author=20711

http://pt.wikipedia.org/wiki/Joaquim_Nabuco

http://portalsaofrancisco.com.br/
alfa/joaquim-nabuco/index.php

http://pt.wikisource.org/wiki/
Carta_de_Joaquim_Nabuco_a_Ruy_Barbosa

http://www.pensador.info/autor/Joaquim_Nabuco/

http://www.cervantesvirtual.com/
portal/FBN/biografias/joaquim_nabuco/index.shtml

http://www.dominiopublico.gov.br/

http://www.saindodamatrix.com.br/
archives/2005/05/joaquim_nabuco.html

http://www.culturabrasil.pro.br/
nabuco.htm

http://educaterra.terra.com.br/
voltaire/500br/nabuco.htm

http://www.fundaj.gov.br/
docs/nabuco/jn.html

http://www.fundaj.gov.br/

http://pt.wikiquote.org/wiki/
Joaquim_Nabuco

 

Fundo musical:

O Morro Não Tem Vez (Antonio Carlos Jobim & Vinícius de Moraes)

Fonte:

http://www.beakauffmann.com/mpb_o.php