Os
que decidem sobre o amanhã devem avaliar o impacto no futuro.
A
sociedade consumista é a inimiga da Terra.
Queremos
eliminar os sofrimentos, as doenças? A idéia é maravilhosa,
mas talvez não seja de todo benéfica em longo prazo. Existe
o perigo de comprometermos assim o futuro de nossa espécie.
Desde
o nascimento, o homem carrega o peso da gravidade em seus ombros. É
aparafusado à Terra. Mas, o homem só tem que afundar embaixo
da superfície e estará livre.
Sobre
a água, o homem pode voar em qualquer direção –
para cima, para baixo, de lado – apenas sacudindo a sua mão.
Sob a água, o homem se torna um arcanjo.
O
mar é o esgoto universal.
O
mar não é o esgoto universal!
A eliminação dos vírus
é uma idéia nobre, mas acarreta enormes problemas. Entre o
ano 1 e o ano 1400, a população praticamente não mudou.
Por meio de epidemias, a Natureza compensou os excessos de natalidade com
os excessos de mortalidade...
Quando
um homem, pela razão que seja, tem a oportunidade de levar uma vida
extraordinária, não tem o direito de guardá-la para
si próprio.
Provavelmente,
foi feito mais dano à Terra no século XX do que em toda a
história anterior da Humanidade.
Se não morrêssemos,
não apreciaríamos a vida como o fazemos.
Se
formos lógicos, o futuro será deveras incerto. Mas nós
somos mais do que lógicos. Somos seres humanos: temos fé,
esperança, espiritualidade e podemos trabalhar.
Se
quisermos salvar a Humanidade, teremos de salvar os oceanos.
A
Terra é o único planeta do sistema solar no qual a água
existe em quantidade apreciável, pois cobre cerca de sete décimos
da superfície do Globo. Mas essa água, onde a vida surgiu
pela primeira vez e da qual todos os organismos ainda dependem para sobreviver,
foi-nos dada de uma vez por todas: não haverá mais. A
História recordará a nossa água como um período
de crise em que o homem, o principal causador de toda a poluição,
pôs em perigo o meio ambiente, incluindo o mar, sustentáculo
da vida. Ao permitir que os resíduos industriais sejam lançados
aos oceanos e recusando-se a aceitar um rigoroso controle internacional
dos direitos de pesca, o homem impede o aparecimento de gerações
futuras. As
ilhas, lugares que desde sempre fascinaram a espécie humana, também
são afetadas. Elas têm salvaguardando e preservado uma extraordinária
diversidade de vida vegetal e animal, tendo sido o seu isolamento o fator
que as transformou em um último refúgio para numerosos peixes,
corais e outras criaturas marinhas. Hoje em dia até estes oásis
estão ameaçados. No
entanto, apesar de ser acusada de causadora de todos os males do mundo moderno,
a tecnologia é, na realidade, a melhor arma da Humanidade contra
a poluição, que tantas vezes nos apresenta como preço
do progresso. Na verdade, não são os avanços científicos
e industriais que ameaçam o homem e a Natureza, mas, sim, a maneira
errada e inconsciente como a Humanidade aplica as suas conquistas tecnológicas.
Tenho
esperanças de que um maior profundo conhecimento do mar, de que há
milênios os homens recebem sabedoria, inspire mais uma vez os pensamentos
e as ações que preservarão o equilíbrio da Natureza
e permitirão a conservação da própria vida.
A realidade nunca está longe
dos sonhos.
Não
sei por que amo o mar. É físico. Quando você mergulha,
começa a se sentir um anjo. É a liberação do
peso.
O
futuro da civilização depende da água. Imploro a todos:
compreendam isto.
Ao
falar da influência do homem sobre o meio ambiente, não podemos
esquecer de que também fazemos parte dele.
H2O:
dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio. Água.
Uma substância muito comum na face da Terra, mas um raro líquido
no resto do sistema solar. A solução salina do mar flui nas
veias do homem e – é isto uma coincidência ou parte do
plano da Natureza? – 70 por cento do corpo do homem é água,
a mesma proporção que a superfície da Terra. Nós
temos uma grande pergunta hoje: nosso Planeta pode sustentar em relativo
conforto somente um ou dois bilhões de pessoas, mas existem mais
de quatro bilhões de pessoas na Terra hoje! E a população
do mundo continua acrescer todo dia. O mar pode ajudar o homem a sobreviver?
Eu acredito que sim. O mar é vasto e tem muitos elementos essenciais
para a vida: nossa comida, nossa energia, nossos minerais. Em nosso mundo
fragmentado, o mar é o grande unificador. Ele é a única
esperança do homem. O homem tem problemas sérios, e a palavra-chave
para resolver estes problemas é unidade. Nós somos todos parte
da pirâmide da vida e nós nos tornamos mais interdependentes
todos os dias. Eu creio em cooperação universal. Nós
estamos todos no mesmo barco. Este barco é a astronave Terra, uma
jóia azul na noite do espaço, bonita e gloriosa com o fluído
da vida – o mar.
O
toque da água me fascina todo o tempo.
Na
vida, há dois fluidos vitais: a água e o dinheiro. Você
deve usar os dois.
Hoje
em dia, o ser humano apenas tem ante si três grandes problemas que
foram ironicamente provocados por ele próprio: a superpovoação,
o desaparecimento dos recursos naturais e a destruição do
meio ambiente. Triunfar sobre estes problemas, vistos sermos nós
a sua causa, deveria ser a nossa mais profunda motivação.
Os
mares são o cinto de segurança de vida neste Planeta. A vida
nasceu no mar e está umbilicalmente ligada à água.
Ecologia
não é política. Sua defesa deve fazer parte dos programas
de todos os partidos, e não somente de um.
A visão de uma medusa –
um delicado domo transparente de cristal pulsando – sugeriu-me, de
forma irresistível, que a vida é água organizada.
Cristal
de Água
HOMENAGEM
À JACQUES COUSTEAU
José
Lutzenberger
Folha de São Paulo, 1997
Publicado logo após seu falecimento
Durante
a preparação da Conferência ECO-92, conversei
longamente com Cousteau, em Brasília. Raras vezes em minha
vida encontrei pessoa tão profundamente preocupada com as
calamidades ecológicas que a atual cultura consumista prepara,
já para as crianças e jovens de hoje, sem falar das
gerações futuras. Preocupava-se com a cegueira da
grande maioria e estava revoltado com o imediatismo dos poderosos
em governos e tecnocracia. Sua avançada idade não
o impedia se engajar com força e aceitar sacrifícios
pessoais.
Em
setembro de 1993 voltamos a nos encontrar, em Stuttgard, na Alemanha.
Estávamos participando de um dos eventos mais lindos e comoventes
que jamais presenciei. Era uma "Reunião de Cúpula
de Crianças". Tinham entre 8 e 14 anos e vinham de toda
a Europa, Leste e Oeste. Além de muitos jogos, esportes,
canções em todos os idiomas, com o hino lema "Wir
Sind Eine Welt" (Somos um Mundo só), as crianças,
todas escolhidas entre as melhores de suas classes, convocavam e
questionavam políticos e tecnocratras importantes, deles
cobrando o cinismo, as omissões e o descaso ecológico.
Era incrível o nível de informação,
a perspicácia e o sarcasmo desta infância, mesmo de
meninas e garotos de 8 anos.
Lá
estava Cousteau entre os assessores convidados pelas crianças,
adorado por elas. Ele armou barraca própria para promover
a idéia que já lançara em 1992 e que não
foi aceita pelos governos que participaram da Conferência.
Para complementar a Declaração dos Direitos Humanos,
aprovada quase unanimemente em 1948, com abstenção
apenas da então União Soviética, da Arábia
Saudita e da África do Sul, Cousteau queria uma nova declaração,
uma Declaração dos Direitos das Gerações
Futuras!
Desde
a infância, Cousteau fazia parte daquelas pessoas, infelizmente
tão raras, que mantêm diálogo intensivo com
a Natureza. Entrou na Marinha porque gostava do mar, mas não
conseguiu se satisfazer com as atividades meramente militares. Cedo
abandonou a carreira para se dedicar de corpo e alma ao fascínio
do mundo marinho.
Foi
o primeiro a explorar o mundo submerso e soube mostrá-lo
ao grande público. Inventou a máscara, 'snorkel' e
pé-de-pato, desenvolveu o aqualung e câmaras especiais
para fotografia subaquática. Com seu filho Philippe, que,
tristemente, perdera em acidente aéreo, com seu Catalina,
na embocadura do Tejo, em Lisboa, e que foi sepultado em abismo
marinho, fez os primeiros grandes filmes que mostravam a profusão
de vida nos recifes de corais dos mares tropicais. Estes estão
entre os ecossistemas mais belos e preciosos deste castigado planeta
vivo – um mundo de estonteante beleza, de colorido deslumbrante,
com incrível riqueza de formas, comportamentos e multifacetadas
complementações, com diversidade biológica
comparável à das florestas tropicais úmidas
e igualmente vulneráveis.
Aprofundou
sempre mais as suas observações e descidas. Desenvolveu
submarinos e equipamentos fotográficos e de TV até
para as tremendas pressões das trincheiras abismais, onde
se observa em ação os mecanismos da deriva dos continentes
com suas erupções submarinas.
Com
suas invenções conseguiu montar um império
industrial com ramificações em vários continentes.
Seus lucros sempre foram reinvestidos em novas observações
e pesquisas. Desde a primeira ajuda financeira que lhe foi dada
por um empresário britânico, o que lhe possibilitou
adquirir o barco Calypso, ele quase sempre conseguiu se autofinanciar.
Sempre viveu modestamente; seu grande gozo era a aventura do mar.
Com
o passar dos anos, o que via em toda a parte levou-o a se preocupar
sempre mais com os estragos ecológicos. Chegou mesmo a se
arrepender de sua própria contribuição indireta
a alguns destes estragos. Com a popularização dos
equipamentos de mergulho surgiram no mundo milhões de caçadores
submarinos. É triste ver como a maioria dos que mergulham
só pensam em tirar troféu. Pessoalmente, fiz mergulho
e fotografia debaixo d'água durante década e meia,
quando vivia no Caribe. Nunca empunhei arpão, mas não
me faltou vontade de fazê-lo, não contra as inocentes
e encantadoras criaturas do coral, mas contra os caçadores
que espetavam tudo o que viam pela frente.
Mas
Cousteau chegou a se preocupar com a globalidade dos estragos que
hoje cometemos na água, na terra e no ar; chegou à
visão holística de nosso Planeta como sistema vivo,
com sua bio-geo-fisiologia. Tornou-se um dos mais poderosos ambientalistas.
Foi com este intento que fez sua famosa expedição
à Amazônia. A expedição suscitou inicialmente
protestos de alguns que suspeitavam fins escusos. São muito
comuns, especialmente entre políticos, as pessoas que não
conseguem entender que alguém possa agir de maneira desinteressada,
simplesmente por idealismo.
Em
um
mundo em que já não se encontra praia limpa nem na
mais remota das ilhas, onde recifes inteiros de corais estão
hoje mortos, outros morrendo pela poluição, onde os
que não estão sendo avariados pela contaminação,
estão sendo vandalizados para a obtenção de
'souvenirs' para turistas, ou em que as espécies mais raras
e peculiares são caçadas vivas para aquaristas, num
mundo assim, em que nem o Pico do Everest escapa do lixo, em que
até os oceanos árticos têm sua fauna dizimada
pela pesca brutal e sem controle, é lógico que Cousteau
tenha sofrido grande angústia e desespero, o que demonstrava
claramente em suas conversas e publicações.
Ele
refletia muito profundamente sobre quais as verdadeiras causas de
nossa atual agressividade e do poder destruidor diante da Natureza.
A campanha de assinaturas por uma Declaração dos Direitos
das Gerações Futuras era apenas parte de seus esforços.
Com os ecólogos de pensamento mais profundo compartilhava
a convicção de que nosso atual desastre é de
fundo filosófico-religioso. Dava-se conta que a atual forma
de sociedade industrial é uma religião fanática,
que no mundo vê apenas um repositório infinito de recursos,
de matérias-primas e de espaços a serem conquistados,
de sistemas vivos a serem dominados, demolidos ou eliminados. Esta
religião precisa ser trocada, e muito rapidamente, por outra,
por uma nova, na realidade muito velha, visão holística.
Por uma atitude de veneração pelo grande processo
da Sinfonia da Evolução Orgânica, da qual somos
apenas parte, um processo estupendo que transformou nosso Planeta
no maravilhoso sistema vivo que é, em contraste total com
os demais planetas de nosso sistema solar, todos mortos.
Se
a Humanidade conseguir atingir um desenvolvimento sustentável,
se conseguir sobreviver ao próximo século, restabelecendo
harmonia com a Criação, Cousteau será venerado
como um dos grandes profetas que prepararam a transição.
|
_____
Nota:
1. Cada
uma das duas datas do ano em que o Sol atinge o maior grau de afastamento
angular do equador, no seu aparente movimento no céu, e que são
21 ou 23 de junho (solstício de inverno no hemisfério sul
e de verão, no hemisfério norte) e 21 ou 23 de dezembro (solstício
de verão no hemisfério sul e de inverno, no hemisfério
norte).
2. Os
gases do efeito estufa são substâncias gasosas que absorvem
parte da radiação infravermelha, emitida principalmente pela
superfície terrestre, e dificultam seu escape para o espaço.
Isto impede que ocorra uma perda demasiada de calor para o espaço,
mantendo a Terra aquecida. O efeito estufa é um fenômeno natural
que acontece desde a formação da Terra, e é necessário
para a manutenção da vida no Planeta, pois sem ele a temperatura
média da Terra seria 33°C mais baixa, impossibilitando a vida
tal como a conhecemos hoje. O aumento dos gases estufa na atmosfera têm
potencializado este fenômeno natural, causando um aumento da temperatura
(fenômeno denominado mudança climática). O Protocolo
de Kyoto estabelece que as emissões de sete gases devem ser reduzidas.
São eles: CO2 (Dióxido
de Carbono), N2O (Óxido Nitroso),
CH4 (Metano), CFCs (Clorofluorcarbonetos),
HFCs (Hidrofluorcarbonetos), PFCs (Perfluorcarbonetos) e SF6
(Hexafluoreto de Enxofre).
3. Nós
não herdamos a Terra dos nossos pais; nós a emprestamos das
nossas crianças.
(Ditado indígena).
Páginas
da Internet consultadas:
http://somostodosum.ig.com.br/
clube/produtos.asp?id=00943
http://www.cousteau.org/
http://www.fgaia.org.br/texts/t-cousteau.html
http://www.aqualandia.com.br/
site/aqualandia_cousteau.html
http://veja.abril.com.br/020797/p_110.html
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/
arquivos/449-2.pdf?PHPSESSID=2009071412071141
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gases_do_efeito_estufa
http://www.amora.cap.ufrgs.br/amadis_amora
_projetos/paginas/projeto_269/calend.htm
http://www.cienciahoje.pt/index.php?
oid=21960&op=all
http://www.ibc.gov.br/
http://pichacoesciberespaciais.blogspot.com/
2009/06/amazonia-por-jacques-cousteau-01.html
http://www.proverbia.net/
citasautor.asp?autor=1290
http://www.portalinho.com/
tags/Jacques%20Cousteau
http://www.dezpropaganda.com.br/
blog/?p=1618
http://pt.wikiquote.org/wiki/
Jacques-Yves_Cousteau
http://pt.wikipedia.org/wiki/
Jacques-Yves_Cousteau
http://www.leonardofialho.com/
wordpress/archives/300
http://www.marceloeiras.com.br/frases.htm
Música
de fundo:
Ta Paidiá
tou Peiraiá
Compositor: Manos Hadjidakis
Intérprete: Nana Mouskouri
Fonte:
http://www.charles50tao.com.br/
diversas_internacionais_IV.htm
Observação:
A música
e a letra são de autoria de Manos Hadjidakis. O título original
(Ta Paidiá tou Peiraiá), cuja tradução
é As Crianças de Pireu, não faz qualquer menção
ao domingo em nenhuma parte da canção. Pireu é uma
cidade que inclui o principal porto da Grécia. Faz parte da região
metropolitana de Atenas e situa-se na Baía de Falera.