Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 


O Invejoso

 

 

Eu não entendo e não sei definir a inveja.1

Poderá ser rancor pelo sucesso de estoutro?

Um certo tipo de agror pela dita de aqueloutro?

Estuporação que mói, estupidifica e peja?

 

Sei que a inveja pode tomar feição de zelotipia

ou poderá se tornar até fascinantemente criativa.2

Tudo vai de como é remastigada a cariva

e de como é administrada a cuca em maresia.

 

Dizem que a inveja pode se tornar inovadora,

ou, de fato, ser (auto)destrutiva ou patológica;

mas, tendo ou não função estruturante, é ilógica.3

 

Mas, para que a inveja possa ser transformadora

só há um caminho: Mérito que não revira!4

 

 

 

Inveja

 

 

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Notas:

1. É admitido que a inveja é o desejo por atributos, posses, status e habilidades de outra pessoa. Costuma não ser, necessariamente, associada a um objeto; sua característica mais típica é a comparação desfavorável (para o invejoso) de uma qualidade ou circunstância, em determinado momento, de uma pessoa em relação a outra. Por isso, a inveja – que não deixa de ser um sentimento de inferioridade, e, no limite, um complexo – é tida como a arma (inócua, na maioria das vezes) dos patologicamente incompetentes. Minha mãe morreu aos 87 anos dizendo que jamais houvera sentido uma dor de cabeça; nunca soube o que era uma cabeça doendo. Hoje, com 61 anos incompletos, eu, por outro lado, não sei o que é a inveja e como alguém pode invejar. Esses conceitos, para mim, são os que estão dicionarizados, o que, absolutamente, não me envaidece e não implica em que eu não tenha tido outras inconfessáveis fraquezas, e que, ainda, para minha vergonha e tristeza, não agasalhe outras debilidades, das quais ainda não consegui me livrar nesses tais de 61 anos incompletos.

2. Entretanto, a inveja, no fundo, no fundo, nunca é boa.

3. Segundo Carlos Amadeu Botelho Byington – médico psiquiatra, analista, supervisor pedagógico e membro fundador da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica (SBPA) – a inveja, como função estruturante, forma a consciência com a vontade de ter o que os outros já possuem. Através da inveja, conscientizamos o nosso desejo, o que é um importante estímulo para buscarmos crescer e conquistar. Por ser uma função estruturante tão importante no desenvolvimento da cultura, a inveja é também muito desestabilizadora e, por isso, foi sempre temida, cerceada e considerada má pelos partidários da manutenção do 'statu quo'. Isso aconteceu no mito da gênese, no conceito de pecado original e na psicanálise, onde ela foi até mesmo equiparada ao instinto de morte por Melanie Klein... A inveja, como todas as demais funções estruturantes, pode ser boa ou má, criativa ou defensiva, dependendo do que fazemos com ela. Seguindo criativamente nossa inveja, nós nos conhecemos e nos realizamos. Deixando de segui-la e usando-a para atacar os outros que a motivam, a tornamos destrutiva e somos por ela envenenados na estagnação. Mas, penso que, mesmo podendo ter (ou não) função estruturante, é ilógica, enfermiça, achacadiça, arrenegada e valetudinária.

4. Então, nessa circunstância, penso que já não exista mesmo mais qualquer tipo de inveja. Na verdade, a inveja, para os que são invejosos, precisa ser in Corde transmutada. Não adianta nada, por hipótese, um místico invejar Max Heindel, Harvey Spencer Lewis, Papus ou Helena Petrovna Blavatsky, como se isso tivesse qualquer cabimento ou adiantasse alguma coisa (ainda que, pela distância, nestes casos, a inveja esteja inconscientemente e possivelmente mais para admiração do que para outra coisa); com nossas limitações, o máximo que poderemos fazer é tentar imitá-los naquilo que fizeram de bom para a Humanidade, ainda que qualquer imitação – por melhor e mais bem-intencionada que possa ser – não seja conveniente ou recomendável. Essa coisa de imitar e de seguir o exemplo é meio complicada. Imagine um fanho meter na cachimônia de tentar imitar o Pavarotti ou um maneta querer tocar piano como o Richard Clayderman! Em política, imitar gerou mais desastres do que coisas boas; e em misticismo isso é uma verdadeira tragédia, pois, por exemplo, em um piscar de olhos não se pode, por imitação ou por seguir o exemplo, ser promovido de neófito a hierofante ou a avatar. O amarelo não vira violeta por simples querença ou imitação. Seja como for, só há um caminho para um sincero e honesto Peregrino: o mérito que não revira! Então, não posso concordar inteiramente com Carlos Byington; como está escrito na nota nº 2, a inveja, no fundo, no fundo, nunca é boa. Acredito, sim, como afirmou Byington, que a inveja seja mesmo desestabilizadora e que conduza, em última instância, ao envenenamento da alma e à estagnação.

 

Observações:

1ª - A animação de O Invejoso foi produzida a partir da fotografia digital disponibilizada em:

http://home.earthlink.net/~dsshell/id3.html

2ª - A animação da Inveja foi produzida a partir da fotografia digital disponibilizada em:

http://www.dalila.telesveras.nom.br/
PoesiasdaCaixaPecados.htm

 

Música de fundo:

Faz Parte do Meu Show (Cazuza)

Fonte:

http://www.midinet.com.br/alfa/c/01mid.asp