Todos os interesses da razão, tanto da razão especulativa quanto da razão prática, se resumem a três questões: 1ª) O que posso saber? 2ª) O que devo fazer? 3ª) O que posso esperar? [In: Crítica da Razão Prática (em alemão, Kritik der Praktischen Vernunft), obra de autoria do filósofo Immanuel Kant.]

 

 

 

 

— O que posso saber,
se não leio um único livro grosso
e não estudo coisíssima nenhuma,
se me apraz ser analfabeto e imitador,
se nego apenas por negar
o que não sei e o que não entendo,
se passo o dia inteiro
dedilhando meu smartphone,
me envenenando e envenenando os outros,
se sou o campeão das news,
se o pouco que (não) sei
– diferente do Demétrio Magnoli –
leio nas redes sociais,
se engulo sem mastigar,
se admito sem raciocinar,
se arremedo sem me pejar,
se me ajoelho sem pestanejar,
se não me esforço para mudar,
se, entra dia e sai noite
e sai noite e entra dia,
continuo na mesmíssima inana
e na mesmíssima inana continuo,
se não passo da cepa torta,
se vivo a trouxe-mouxe sem eira nem beira,
se, enfim, não dou a menor bola
para porríssima nenhuma
de nenhuma porríssima?

 

 

— O que devo fazer,
se, há muito, muito tempo,
o leme do meu navio quebrou,
perdi a minha bússola
e a noite não amanhece?

 

 

 

 

— O que posso esperar,
se não sei quem sou
nem quero saber,
se não sei de onde vim
nem quero saber,
se não sei o que estou fazendo aqui
nem quero saber,
e se não sei para onde irei
nem quero saber,
e, cego, surdo e mudo
– como maria-vai-com-as-outras,
delirante, pau-mandado e inocente útil –
como um cagalhão boiando no mar,
me deixo levar e conduzir
por bêbadas e paralíticas,
que são mais cegas, mais surdas e mais mudas do que eu?
Sei lá, mas, acho que nem o Freud nem o Jung,
com toda a sabedoria psiquiátrica monumental
que eles tinham, conseguiriam explicar nada disto.