Dor
Física x Dor Emocional
Martha Medeiros*
O
maior medo do ser humano, depois do medo da morte, é o medo
da dor. Dor física: um corte, uma picada, uma ardência,
uma distenção, uma fratura, uma cárie. Dor
que só cessa com analgésico, no caso de ser uma dor
comum, ou com morfina, quando é uma dor insuportável.
Mas é a dor emocional a mais temível, porque essa
não tem medicamento que dê jeito.
Uma
vez, conversando com uma amiga, ficamos nessa discussão por
horas: o que é mais dolorido, ter o braço quebrado ou
o coração? Uma pessoa que foi rejeitada pelo seu amor
sofre menos ou mais do que quem levou vinte pontos no supercílio?
Dores absolutamente diferentes. Eu acho que dói mais a dor
emocional, aquela que sangra por dentro. Qualquer mãe preferiria
ter úlcera para o resto da vida do que conviver com o vazio
causado pela morte de um filho.
As
estatísticas não mentem: é mais fácil
ser atingida por uma depressão do que por uma bala perdida.
Existe médico para baixo astral? Psicanalistas. E remédio?
Anti-depressivos. Funcionam? Funcionam, mas não com a rapidez
de uma injeção, não com a eficiência de
uma cirurgia. Certas feridas não ficam à mostra. Acabar
com a dor da baixa-estima é bem mais demorado do que acabar
com uma dor localizada.
Parece
absurdo que alguém possa sofrer num dia de céu azul,
na beira do mar, numa festa, num bar. Parece exagero dizer que alguém
que leve uma pancada na cabeça sofrerá menos do que
alguém que for demitido. Onde está o hematoma causado
pelo desemprego, onde está a cicatriz da fome, onde está
o gesso imobilizando a dor de um preconceito? Custamos a respeitar
as dores invisíveis, para as quais não existem prontos-socorros.
Não adianta assoprar que não passa.
Tenho
um respeito tremendo por quem sofre em silêncio, principalmente
pelos que sofrem por amor. Perder a companhia de quem se ama pode
ser uma mutilação tão séria quanto a sofrida
por Lars Grael, só que os outros não enxergam a parte
que nos falta, e por isso tendem a menosprezar nosso martírio.
O próprio iatista terá sua dor emocional prolongada
por algum tempo, diante da nova realidade que enfrenta. Nenhuma fisgada
se compara à dor de um destino alterado para sempre.
Fonte:
http://www.pensador.info/
instabilidade_emocional/
Dor
Física x Dor Emocional
Martha Medeiros
Trancar
o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói.
Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé
doem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói
morder a língua, dói cólica, cárie e pedra
no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão
que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade
do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do
pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que
nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando
se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Dóem
essas saudades todas.
Mas
a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade
da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até
da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele
no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia
ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você
podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas
sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra
uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade
é não saber. Não saber mais se ele continua se
gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando
o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você
deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista
como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria,
se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar
na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele
continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele
continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua
pescando, se ela continua lhe amando.
Saudade
é não saber. Não saber o que fazer com os dias
que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas
que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas
diante de uma música, não saber como vencer a dor de
um silêncio que nada preenche.
Saudade
é não querer saber. Não querer saber se ele está
com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro,
se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber
de quem se ama, e, ainda assim, doer.
Fonte:
http://www.pensador.info/
autor/Martha_Medeiros/
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Martha
Medeiros é uma jornalista e escritora brasileira. É
colunista do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, e de O Globo, do Rio
de Janeiro.