Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Cobrinha Serelepe

 

 

 

 

Falar não é tão-somente cavaquear,

exprimir por meio de palavras, dialogar,

anunciar, jogar conversa fora, ensinar,

locar o pavilhão auricular alheio, pregar.

 

Em casos específicos, falar é: perverter,

insinuar, disseminar manias e bolorências.

Certas vezes, agimos assim sem perceber.

Isto poderá medrar afligentes sofrências!

 

Condensação dessa coisa: inoculação.

Quando falamos, estamos inoculando,

e, sem querer, às vezes, envenenando.

 

Cada existência, cada encarnação,

acima de tudo, deve ser respeitada.

Bostejar? É melhor não dizer nada.

 

 

Zé Bocão

 

 

 

 

Observação 1:

Escrevi este sonetinho-avisamento em virtude de uma certa mistureba de preocupação + irritação + tristeza que tem eventualmente oprimido minha alma. Ao 'controlerremotear' a telinha de vinte polegadas do aparelho Sony receptor de imagens televisionadas que mora aqui em casa, lá muito de vez em quando (muito mais para de quando em quando do que para de vez em vez), costumo ver, ligeira e circunstancialmente, geralmente de madrugada, com uma certa melancolia irritadiça, certos ninguéns* eletrônicos, que se acham alguéns iluminados, pregando alucinadamente e aos berros (sempre de forma ameaçadora) a pequenas multidões, com a esquizofrênica intenção de convencê-las das coisas mais estapafúrdias, excêntricas, bizarras, doidivanas, adoidadas, ilógicas, disparatadas e incoerentes a respeito de Deus, da vida, da morte, do céu, do inferno, do maligno (que alguns ninguéns também chamam de inimigo), do depois, da eternidade etc. Se esses pregadores de meia-pataca soubessem o mal que estão fazendo costurariam os lábios e fariam voto de silêncio perpétuo.

Já por diversas vezes afirmei que somos responsáveis por tudo. Ora, somos responsáveis também por aquilo que dizemos. A intenção, ainda que nobre, quando é, pode ser doentia e contagiosa; e isto é dangerosíssimo. Quando esses bangalafumengas dizem, por exemplo, que uma pessoa que está resfriada está possuída por um demônio da gripe, ou que outra que está com dor aqui ou ali é porque há um sacana de um diabo dolorífero fazendo doer ali ou aqui, isto é mais do que um horror: é uma miséria completa. O infeliz que ouve isso – e acredita – passa a ver satanases em tudo e a devanear que qualquer faniquito é obra do maligno. Isso é mesmo uma miséria completa.

O que, por exemplo, irá pensar um crédulo que temporariamente esteja acometido de uma crise de flatulência e que creia inapelavelmente nessas babaquices? Certamente irá logo imaginar que está cheio, abarrotado, saturado, repleto, do intestino até a caixa óssea que contém e protege o encéfalo, de demônios de peidos. E, fantasticamente, pensará o crédulo, que quanto mais alto e mais fedorento for o gás emitido pela abertura cirúrgica da luz intestinal para a superfície externa do corpo, mais podre e mais algazarrão será o raio do demônio-borborigmo peidão encarcerado. E por aí vai.

Para quem conhece Matéria Médica Homeopática sabe que, dependendo do caso e dos sintomas, pode-se usar Argentum nitricum 5ª, Carbo vegetabilis 5ª ou 30ª, Lycopodium clavatum 30ª, Ferula assafoetida 12ª, Valeriana officinalis 1ªx, Melaleuca cajuputi 3ª, Spartium scoparium 3ªx, Raphanus sativus 5ª, Antimonium crudum , Nux moschata et cetera. Detalhe: para flatos muito fétidos, Rhus glabra 1ª é tiro e queda. No Guia de Medicina Homeopática, 22ª edição, do Dr. Nilo Cairo está escrito: Quando gases e fezes são muito fétidos, Rhus glabra tira-lhes o mau cheiro. O que o Dr. Nilo Cairo omitiu, coisa que não deveria ter feito, é que não há demônio que resista à ação limpante do Rhus carolinense ou Rhus elegans, que são os dois outros nomes deste santo remédio para quem sofre dessa coisa de cocô e gases fedorentos. Agora, se a criatura não ficar curada, de jeito nenhum, com esses medicamentos homeopáticos – raio que a parta – eu me rendo: deve ser demônio mesmo. Do brabo! Fazer o quê?

Mas, com sinceridade: essas coisas que eu abordei, penso que com airosidade e bom humor, podem ter algum cabimento? Por mínimo que seja? Como é possível que alguém acredite nesse treco absurdante de demônio ceratinoso da unha encravada, demônio fedegoso-odorifumante do mau hálito, demônio hipertrófico da hipergênese das papilas, demônio hemorroidal da dilatação das veias varicosas do ânus e da parte inferior do reto, demônio assanhado-sem-vergonha do órgão genital masculino dos vertebrados superiores? Est modus in rebus. Em tudo convém medida. Principalmente naquilo que concerne ao espiritual.

Vou concluir misturando dois provérbios: Quanto maior a nau, maior a tormenta; quem brinca com fogo faz xixi na cama. O que eu pretendi com esse mélange nem eu sei.

* Ninguéns no sentido de desconhecimento total das Leis elementares, básicas, que regem o Kosmos. Quanto ao resto, são meus irmãos.

 

 

 

 

Observação 2:

A animação em flash da Cobrinha Serelepe foi produzida a partir do desenho de Mauricio de Sousa que ilustra a crônica O Que Estão Fazendo Com o Meu Veneno? O desenho e a crônica estão disponibilizados na página:

http://www.monica.com.br/
mauricio/cronicas/cron249.htm

 

Observação 3:

A animação em flash do Zé Bocão foi produzida e editada a partir do desenho disponibilizado na página:

http://www.kevadamson.com/
illustrations/illustrator-22j.htm

 

Observação 4:

A animação em flash Você Está Realmente Ouvindo? foi produzida e editada a partir do desenho disponibilizado na página:

http://ohrm.cc.nih.gov/
train/customerservice/tip5.htm

 

Observação 5:

Você quer se divertir um pouquinho? Desopilar a little bit? Então, se não apontou o mouse para todas as animações deste rascunho, exceto o título, está esperando o quê? Aponte já. Isto é uma ordem hilariante. Rir é melhor remédio.

 

Muitíssima atenção:

A velha senhora aí embaixo tem um recadinho para você. Aponte o mouse bem para a pontinha do nariz desta simpática micróbia, e ouça o que ela tem para lhe dizer. Desculpe, não foi intencional. Eu quis dizer: desta simpática macróbia. Até porque ela não é um makróbios e o que ela ensina é uma coisa muito séria.

 

 

Você Está Realmente Ouvindo?

 

 

Música de fundo:

Singing In The Rain (música: Nacio Herb Brown; letra: Arthur Freed)

Fonte:

http://www.fortunecity.com/
tinpan/pettruciani/35/