(IN)DIFERENCIAÇÃO
SAMSARA–NIRVANA

E A QUESTÃO DA MEDITAÇÃO

                                                                   

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

Samsara
Encadeamento de causas e efeitos que conduz à dor e ao sofrimento.

 

Música de fundo: AUM
Fonte:

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No Budismo, a não-diferenciação entre samsara (existência cíclica, perambulação, encadeamento de causas e efeitos) e nirvana é denominada Essência de Néctar para Bom Mérito. Na verdade – samsara e nirvana – são meros reflexos da mente mortal do ente. As múltiplas formas de compreensão e/ou de percepção de um objeto qualquer (ou de muitos objetos) fazem parte da realidade compulsória da vida neste Plano, e isto ocorrerá até que o ser alcance a libertação da prisão dos seus próprios sentidos, o que não é possível, nem de forma permanente nem de modo integral, enquanto houver (e for necessária) a manifestação no Plano da Dualidade – o Plano Terra, por exemplo – e houver dependência das coisas da Terra, dependência essa manifestada por um triângulo 'samsárico' arrasador: ambição, fanatismo e lubricidade.

É contado que o Buda certa vez perguntou aos seus monges: — O que vocês acham que é maior: a água nos grandes oceanos ou as lágrimas que vocês derramaram nessa perambulação? Com base nesse conceito, Thanissaro Bhikkhu pergunta: — Quando você pensa em todo o sofrimento incorrido para manter apenas uma pessoa vestida, alimentada, abrigada e saudável – o sofrimento tanto daqueles que têm que pagar por essas necessidades, bem como daqueles que labutam ou morrem na sua produção – você verá o quão explorador [e devorador] pode ser mesmo o mais rudimentar processo de construção de mundos. De qualquer forma, tudo é Um, tudo é Mente (sem qualquer conotação panteísta), e o processo duplo de devoração (anabolismo + catabolismo) faz parte da peregrinação e da busca da LLUZ. Mas essa devoração precisa encerrar seu ciclo (egoísmo-preguiça) para cada ser que almeje alcançar a Illuminação (ou a ascensão a um Plano mais elevado), porque o processo devorante implica, minimamente, em compensações para cada devoração praticada – qualquer que seja ela. Ainda que para tudo que aconteça exista um motivo plausível e uma Lei Cósmica subjacente ordenadora, renunciar, por hipótese, a um presumido direito em favor de outrem é um ato manumissor e de incomparável grandeza. Este é um tema muito interessante para reflexão. Por isso, devo repetir: TUDO É UM. Mesmo e outro são ilusões dos sentidos.

É muito difícil (talvez seja mesmo impossível) uma independência completa das ilusões da existência fenomenal. Os intercondicionamentos próprios da dualidade nada mais são do que ilusão, e aquilo que é entendido como Mente Cósmica é um algo incriado e destituído, portanto, de uma causa primeira e de uma finalidade em si, não podendo, esse algo, ipso facto, ser dissolvido ou destruído e mesmo integralizado pela consciência do ser. Essa impossibilidade de percepção integral da Consciência Cósmica é, possivelmente, a maior agrura da encarnação, ainda que percepções parciais sejam possíveis. Mas, qualquer qualificativo à Ela emprestado é falho na origem.

Nesse sentido, de forma equivalente, a dupla classificação (coisificação) samsara-nirvana é também uma arquitetação-ilusão da mente, sendo o próprio mal e o próprio bem criações poderosas da mente objetiva oriundos de conceitos a priori ou a posteriori de estados vibratórios que o ser pensa conhecer, a eles atribuindo distintos valores de acordo com a cultura que possui em um dado momento. Ter a coragem de sacrificar o próprio filho já foi considerado uma coisa boa (e que ainda hoje é citado como exemplo de de fé e de confiança), como é considerado uma coisa boa, hoje, para certos grupos, combater, condenar e discriminar, por exemplo, o feminismo e o homossexualismo, ou, da mesma forma, invadir, dominar, assassinar e espoliar povos soberanos.

O fato é que, acima e além da própria meditação não existe propriamente um estado meditativo, porque não há em que meditar nem por que meditar. A VIDA é. O próprio ato de meditar é, em si, preliminarmente, uma forma de pensamento, um direcionamento para uma finalidade que, anterior e objetivamente, classificamos como bom, útil, unificador, desejável, reintegrador, fraterno, espiritual etc. Eu diria que o ato de meditar é um estágio intermediário (útil, desejável e necessário), ponte para o estado não-meditativo no qual é realizado in totum (mas, episodicamente) que tudo é Um. Se o Iniciado alcançar este estado, ainda que efemeramente, perceberá que realmente não há em que meditar nem por quê meditar nesse estado de consciência. Esse mergulho, por assim dizer, é de tal forma impessoal e isento de categorias, que ainda que a individualidade seja mantida a personalidade não tem como se manifestar.

Assim, os conceitos de infinito e finito, de ilimitado e limitado e de absoluto e relativo são, em última instância, construções mentais duvidosamente necessárias para expressarmos condições que estão além dessas mesmas categorias. Por isso, não poderemos jamais explicar a Mente com a mente, e quando tentamos atribuir qualquer valor a qualquer coisa que identificamos como existente ou provavelmente existente, então, aparecem, por exemplo, as distinções e as realizações objetivas (quiméricas e polarizadas) entre samsara e nirvana, entre mal e bem, entre aversão e paixão, entre errado e certo, entre guerra e paz, entre a noite e o dia, entre a morte e a vida (ou entre a vida e a morte). E também a confusão inconciliável entre concentração e meditação.

Como ensina um sábio budista: Primeiro obtenham a certeza de que tudo que percebem é só Mente. Então, percebam que toda a mente e todas as percepções são ilusórias, e entendam que isto é uma ilusão que só aparece por causa das ligações. Depois de terem percebido que os significados destas ligações de suporte estão separadas de todo limite expressável, percebam a certeza de não confiar em qualquer estado natural; assim é a Visão. Mas, ainda assim, não nos desvincularemos totalmente dos padrões que construímos para operar neste Plano. E esses padrões são, muitas vezes, as causas dos nossos infortúnios e dos infortúnios que causamos aos outros.

 

 

Tentarei, a seguir, com alguns modelos, explicar ou desenhar o real procedimento da autêntica e necessária meditação como eu consigo compreender. Comparativa e semelhantemente, a meditação deverá acontecer, smj, como se fosse um cristal (ou muitos microcristais) de sal (cloreto de sódio) se dissolvendo lentamente em água, ou como se fora um cubo de gelo se fundindo (derretendo) em água ou, ainda, analogamente a várias gotas de água caindo no mar. Elas continuariam água (H2O), mas não seriam mais gotas. Nós, normalmente, não percebemos a existência, por exemplo, do dedão do pé direito nem do cotovelo esquerdo. Mas, se pensamos em qualquer um dos dois passamos a perceber que existem. Essa é a dificuldade ou o obstáculo que deve ser ultrapassado no processo meditativo: não pensar, não avaliar e não classificar. Contrapor, por hipótese, o amor ao ódio ou o viável ao inviável no ato de meditar é também um equívoco da razão especulativa. A própria idéia dual de vacuidade/unidade é um obstáculo para o sucesso do alcançamento da Unidade (ou de um de seus estágios de realização ou de percepção) na meditação. Na autêntica meditação não há qualquer forma de desejo ou de comando. As animações a seguir resumem estes conceitos, mas se prestam também para recordar a possibilidade real de dissolução após a transição, já que a Reencarnação é uma Lei Cósmica que não se cumpre necessariamente para todos os entes. Precisamos, todos nós, examinar com todo empenho o verdadeiro significado da palavra MÉRITO. E, como tem enfatizado o Frater +Vicente Velado, FRC, Iniciado do Sétimo Grau do Faraó e Abade Especial da Ordo Svmmvm Bonvm para o Terceiro Mundo: Estejamos sempre atentos para que não se perca a Luz de vista. Este pensamento está alinhado com a observação do poeta, escritor e filósofo grego Nikos Kazantzakis (1883-1957) que nos adverte que somos seres espirituais experienciando vivências humans, e não seres humanos tendo fortuitas e descontroladas experiências espirituais ou místicas. Com calma, observe as cinco animações abaixo. Todas estão vinculadas à meditação. Não esqueça, contudo, de que o processo meditativo não significa indiferença, amorfismo ou inexistência de aprendizado. Muito pelo contrário!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Como conclusão deste despretensioso folheto, acredito que o grande e multifacetado problema que se afigura nos processos meditativos é, no mínimo, a união de quatro vontades ou atitudes equivocadas: vaidade, egoísmo, autoritarismo e direcionabilidade. Pela vaidade achamos que somos onipotentes; pelo egoísmo pensamos que somos seres especiais ou escolhidos; pelo autoritarismo admitimos que nossa vontade deverá sempre prevalecer; e pela direcionabilidade queremos atuar, quando na autêntica meditação não pode existir qualquer forma de desejo. Quatro equívocos que a nada levam. Quando levam (e acabam levando mesmo), levam ao desconforto educativo de nada alcançar ou de aprender pela dor que a Primeira Regra de Ouro para a libertação/ascensão/illuminação é a Humildade.

Retornando a Thanissaro Bhikkhu, acompanho sua reflexão quando afirma que temos que nos esforçar para estancar nossas ‘samsar-izações’. Mas não as estancaremos sem compreendê-las e sem dominar nosso Corpo Astral. Somos efetivamente os arquitetos e os construtores de nossos infernos pessoais (e dos outros), porque, geralmente, queremos e optamos pelo que é transitório e detrimentoso, e não pelo que é eterno e libertador. Mas, há uma Caminhada disponível para os Corações pressurosos!

E mais, diz Thanissaro: Quando você aprende as habilidades necessárias para parar de criar os seus próprios mundos de sofrimento, você poderá compartir essas habilidades com os outros para que eles possam parar de criar os deles. Ao mesmo tempo, você nunca mais terá que se alimentar dos mundos dos outros, portanto, você estará reduzindo o fardo deles também. Por isso, acredito, o Amor é o prerrequisito fundamental para que samsara possa ser minimizado, vencido e ultrapassado. Quando nos afastamos do Centro – do Eterno Amor Impessoal – mergulhamos nas trevas de nossa ignorância-ilusão. Mas, aprenderemos, certamente, que somos todos UM. De alguma forma teremos que aprender, pois não há reencarnação, inferno ou purgatório que nos ensine o que devemos (e teremos que) aprender por nós mesmos.

E, para concluir, vou deixar uma imagem para reflexão. Imagine uma pessoa que tirou uma fotografia digital e que vá ao visor digital da máquina para ver o resultado. A foto só será guardada e eventualmente revelada se o operador achar que vale a pena. Se resolver que a foto não ficou boa – que não valeu a pena ela é apagada do chip (arquivo digital) e é trocada por outra que valha a pena (ou que, potencialmente, possa vir a valer a pena).

 

Você  não  é  um  ser  humano  que  está  tendo  uma  experiência  espiritual.  Você  é  um  ser  espiritual  que  está  tendo  uma  experiência  humana.    (Nikos  Kazantzakis).

 

 

 

 

PRINCIPAIS WEBSITES CONSULTADOS

http://www.acessoaoinsight.net/caminho_liberdade/ciclo_de_renascimentos.htm

http://www.acessoaoinsight.net/arquivo_textos_theravada/samsara.htm

http://jchemed.chem.wisc.edu/JCESoft/CCA/CCA3/MAIN/ENTROPY/PAGE1.HTM