IMITAÇÃO DE CRISTO
(Tomás de Kempis, 1380 – 1471)

(Fragmentos escolhidos)

 

 

 

Tomás de Kempis

Tomás de Kempis

 

 

 

Uma colaboração
de
Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Introdução e Objetivo do Texto

 

 

 

O misticismo, na Idade Média, teve um especial impulso com Meister Eckhart (1260 – 1327/8), João Ruysbroeck (1293 – 1381), João Tauler (1300 – 1361), Henrique Suso (1300 – 1365), Gerson (1364 – 1429), Tomás de Kempis (1379/1380 – 1471), Nicolau de Cusa (1401 – 1464) e Dionísio Cartusiano (1402 – 1471).

 

Tomás de Kempis (também conhecido como Tomás de Kempen, Thomas Hemerken, Thomas à Kempis e Thomas von Kempen) foi um monge e escritor místico agostiniano germânico nascido na localidade alemã de Kempten, na Diocese de Cologna, próximo a Düsseldorf, na Renânia, autor do livro devocional De Imitatione Christi (Imitação de Cristo), tido como a mais importante obra da literatura cristã, depois da Bíblia. Filho de um artesão e de uma professora, John e Gertrudes Haemerken, seguiu seu irmão mais velho John Haemerken, e foi estudar em Deventer (1392), na Holanda, centro religioso e sede da Irmandade da Vida Comum, comunidade dedicada ao cuidado e à educação dos pobres. Estudou sob a orientação de Florentius Radewyns, agostiniano e fundador da Congregação de Windesheim. Depois de completar as Humanidades, em Deventer (1399), por recomendação de seu superior, Florêncio Radewyn, procurou admissão entre os Cônegos Regulares de Windesheim, no Monte S. Agnes, perto de Zwolle, mosteiro do qual seu irmão John era o prior. Ingressou no Mosteiro de Agnietenberg, no qual permaneceria por mais de setenta anos e no qual recebeu o hábito de noviço (1406). Ordenou-se (1413), passando a dedicar sua vida à cópia de manuscritos e ao ensino de noviços. Seu primeiro mandato como sub-prior foi interrompido pelo exílio da comunidade de Agnetenberg (1429 – 1432), porém foi eleito como sub-prior novamente (1448).

 

Tomás de Kempis escreveu numerosos textos teológicos e espirituais, tendo como expoente a De Imitatione Christi já citada, obra cuja autoria é ainda controvertida. Este livro, escrito em estilo simples, enfatiza, a vida espiritual, afirma, a comunhão como prática para fortalecer a fé e encoraja uma vida pautada no exemplo de Cristo. Para muitos críticos de literatura, seus textos são provavelmente a melhor representação da devotio moderna, um movimento religioso criado por Gerhard Groote ou Gerardus Magnus, fundador da Irmandade da Vida Comum.

 

Séculos após a morte de Tomás de Kempis, ocorrida em Agnietenberg, Países Baixos, uma esplêndida edição do Opera Omnia foi publicada por Herder sob a apta editoração do Dr. Pohl, em 17 volumes (1902 – 1922). Suas obras têm sido repetidamente republicadas ao longo dos tempos, como De Imitatione Christi (1441), Opera Omnia (1607), Chronicon Montis Sanctæ Agnetis (Antuérpia, 1621), Orações e Meditações da Vida de Cristo e Encarnação e Vida de Nosso Senhor (Londres, 1904, 1907), Crônica dos Cônegos Regulares do Monte S. Agnes (Londres, 1906), Sermões aos Noviços Regulares (Londres, 1907).

 

Este trabalho é uma atualização/ampliação de dois textos anteriores sobre o pensamento kempisiano que divulguei. Da mesma forma, este foi estruturado tendo como base a obra Imitação de Cristo, de Tomás de Kempis.

 

Tomás de Kempis foi muito mais do que um simples religioso, e sua obra, ainda que aparente ter um ordenamento exclusivamente religioso, embute nas entrelinhas conceitos esotéricos e espirituais irredutíveis. Sempre as entrelinhas! Obras como a Imitação de Cristo não devem ser lidas pelas linhas – que, geralmente, não mostram nada. Devem ser, sim, examinadas em seus ocultos escaninhos interlineares. Por exemplo: a afirmação vaidade é sucumbir aos apetites da carne e almejar aquilo pelo que, depois, serás gravemente castigado, lida linear e religiosamente é uma coisa meio aterrorizante; mas, se a advertência serás gravemente castigado for substituída por haveremos de educativamente compensar, a religiosidade indeslindável e o fideísmo punitivo se transformam em Espiritualidade Adequável e Misticismo Illuminativo. Então, na verdade, tudo acaba sendo e se afirmando, para nós, conforme lemos as coisas ou como entendemos as mensagens. Portanto, por exemplo, podemos, por um lado, admitir que os centauros (centauri) existiram de fato como uma raça de seres antropogênicos com o torso e a cabeça humanos e o corpo de cavalo ou, por outro lado, como símbolos arquetípicos daqueles que retrogradaram por sua natureza egoísta e violenta – os homens de sangue.

 

 

Centauro

Centauro pelejando contra um Lápita
(detalhe do Parthenon)

 

Enfim, como a hora e o tempo são encorajadores e propícios, garimpei algumas dessas reflexões Kempisianas e ofereço a todos como fonte de meditação. Para compreendê-las, é preciso isolar (pôr entre parêntesis) as exortações religiosas e aproveitar a essência dessas meditações.

 

 

 

 

Imitação de Cristo
(Reflexões Kempisianas)

 

 

 

'Quem me segue não anda nas trevas, diz o Senhor' (Jo. VIII, 12). São estas as palavras de Cristo, pelas quais somos advertidos que imitemos sua vida e seus costumes, se verdadeiramente queremos ser Illuminados e livres de toda cegueira de Coração.

 

Na verdade, não são palavras elevadas que fazem o homem justo; mas é a vida virtuosa que o torna agradável a Deus. Prefiro sentir a contrição dentro de minha alma a saber defini-la. Se soubesses de cor toda a Bíblia e as sentenças de todos os filósofos, de que te serviria tudo isto sem a caridade e a graça de Deus? 'Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade' (Ecle. I, 2).

 

Vaidade é buscar riquezas perecedoras e nelas confiar. Vaidade é ambicionar honras e desejar posição elevada. Vaidade é sucumbir aos apetites da carne e almejar aquilo pelo que, depois, serás gravemente castigado. Vaidade, desejar longa vida e, entretanto, descuidar-se de que seja boa. Vaidade é só atender à vida presente sem providenciar para a futura. Vaidade é amar o que passa tão rapidamente, e não buscar, pressuroso, a felicidade que sempre dura.

 

Bem-aventurado aquele a quem a Verdade por si mesma ensina, não por figuras e vozes que passam, mas como em si é.

 

Aquele a quem fala o Verbo – o Verbo Único e Eterno se desembaraça de muitas questões.

 

Quanto mais recolhido for cada um e mais simples de Coração, tanto mais sublimes coisas entenderá sem esforço, porque do alto recebe a LLuz da Inteligência.

 

 

 

 

Oh! Como passa depressa a glória do mundo!

 

Insensato é quem põe sua esperança nos homens ou nas criaturas.

 

Enquanto vivermos neste mundo, não poderemos estar sem trabalhos e sem tentações. Por isto, lemos no livro de Jó VII, I: 'É um combate a vida do homem sobre a Terra'. Cada qual, pois, deve estar acautelado contra as tentações, mediante a vigilância e a oração, para não dar azo às ilusões do demônio, que nunca dorme, mas anda por toda parte em busca de quem possa devorar. Não há ninguém tão perfeito e santo, que não tenha, às vezes, tentações, e não podemos ser delas totalmente isentos.

 

O princípio de todas as tentações é a inconstância do espírito e a pouca confiança em Deus; pois, assim como as ondas lançam de uma parte à outra o navio sem leme, assim também as tentações desbaratam o homem descuidado e inconstante em seus propósitos. Humildemos, portanto, nossas almas em qualquer tentação e tribulação porque serão engrandecidos os que são humildes de Coração.

 

Relanceia sobre ti o olhar e guarda-te de julgar as ações alheias. Quem julga os demais perde o trabalho, quase sempre se engana e facilmente peca; mas, examinando-se e julgando-se a si mesmo, trabalha sempre com proveito.

 

Sem paciência não têm grande valor os nossos méritos.

 

De manhã, toma resoluções; à noite, examina tuas ações. Como te houveste hoje em palavras, em obras e em pensamentos?

 

Disse Sêneca: 'Sempre que estive entre os homens menos homem voltei'. Isto experimentamos muitas vezes, quando falamos muito. Mas fácil é calar de todo, do que não tropeçar em alguma palavra. Fácil é também ficar oculto em casa, do que fora dela ter a necessária cautela. Quem, pois, pretende chegar à Vida Interior e Espiritual, importa-lhe que se afaste da turba, com Jesus. Ninguém, sem perigo, se mostra em público, senão quem gosta de se esconder. Ninguém seguramente fala, senão quem gosta de calar. Ninguém seguramente manda, senão o que perfeitamente aprendeu a obedecer. Enfim, não pode haver alegria segura, sem o testemunho de boa consciência.

 

O que poderá ser visto, em parte alguma, estável debaixo do Sol, por muito tempo?

 

'Livrai-me, Senhor, das minhas necessidades' (Sl. XXIV, 17). Ai daqueles que não conhecem as suas misérias! Outra vez ai daqueles que amam esta miserável e corruptível vida! Ó insensatos e duros de Coração, que tão profundamente jazem apegados à Terra, que não gostam senão das coisas carnais. Infelizes! Virá o tempo em que haverão de sentir, muito a contragosto, como era vil e nulo aquilo que amaram.

 

Pela manhã, pensa que não chegarás à noite; à noite não te prometas o dia seguinte. Por isto, anda sempre preparado e vive de tal modo que te não encontre a morte desprevenido. Muitos morrem repentina e inesperadamente; pois na hora em que menos se pensa, virá o Filho do Homem (Lc. XII, 40). Quando chegar a hora derradeira, começarás a julgar mui diferentemente toda a tua vida passada, e doer-te-á muito teres sido tão negligente e remisso.

 

Prepara teu Coração para o Esposo, a fim de que Ele se digne vir e morar em ti.

 

O verdadeiro sábio é aquele que avalia as coisas pelo que são, e não pelo juízo e pela estimação dos outros. Quem sabe andar recolhido dentro de si e ter em pequena conta as coisas exteriores não precisa escolher lugar nem aguardar horas para se dar a exercícios de piedade. O homem interior facilmente se recolhe, pois nunca se entrega de todo às coisas exteriores. Não o estorvam trabalhos externos nem ocupações, às vezes necessárias; mas ele se acomoda às circunstâncias, conforme sucedem. Quem tem o interior ordenado e harmonizado não se deixa influenciar nem se perturba com a criminalidade humana.

 

Primeiro, conserva-te em paz; depois poderás pacificar os outros.

 

Cada um julga segundo seu interior... Quando o homem começa a entibiar, logo anseia as consolações exteriores. Quando, porém, começa deveras a vencer e a andar com ânimo no Caminho de Deus, leves lhe parecem as coisas que antes achava onerosas.

 

Nunca encontrei homem tão religioso e tão devoto que não sofresse, às vezes, a subtração da graça, e que não sentisse o arrefecimento do fervor. Nenhum santo foi tão altamente arrebatado e tão profundamente esclarecido que, antes ou depois, não fosse tentado. Porque não é digno da alta contemplação de Deus quem por Deus não sofreu alguma tribulação. Costuma vir primeiro a tentação, como sinal precursor da próxima consolação; porque aos provados pela tentação é prometido o celeste consolo. 'A quem tiver vencido, diz o Senhor, darei a comer o fruto da Árvore da Vida' (Apc. II, 7).

 

 

 

 

Não devemos almejar uma consolação que nos subtraia a compunção, nem aspirar uma contemplação que nos seduza ao desvanecimento, porque nem tudo o que é sublime é santo, nem tudo o que é agradável é bom, nem todo desejo é puro e nem tudo o que nos deleita agrada a Deus.

 

Ninguém é mais poderoso e mais livre do que aquele que sabe se deixar a si e a todas as coisas, e humildemente se coloca em último lugar.

 

Em morrer para si mesmo [e para as coisas do mundo] está tudo.

 

'Ouvirei o que em mim disser o Senhor meu Deus' (Sl. LXXXIV, 9). Bem-aventurada a alma que ouve em si a Voz do Senhor e recebe de Seus lábios palavras de consolação! Benditos os ouvidos que percebem o sopro do Divino Sussurro e nenhuma atenção prestam às sugestões do mundo! Bem-aventurados, sim, os ouvidos que não atendem às vozes que atroam lá fora, mas à Verdade que os ensina dentro! Bem-aventurados os olhos que estão fechados para as coisas exteriores e abertos para as Interiores! Bem-aventurados aqueles que penetram as Coisas Interiores e se empenham, com exercícios contínuos de piedade, em compreender, cada vez melhor, os Celestes Arcanos. Bem-aventurados os que com gosto se entregam a Deus e se desembaraçam de todos os empenhos do mundo. Fecha as portas dos sentidos para que possas ouvir o que em ti falar o Senhor teu Deus.

 

Quem ama, voa, corre, vive alegre, é livre e sem embaraço. Dá tudo por tudo e possui tudo em todas as coisas porque sobre todas as coisas descansa no Sumo Bem, do qual dimanam e procedem todos os bens. Não olha para as dádivas, mas se eleva acima de todos os bens até Àquele que os concede. O amor, muitas vezes, não conhece limites, mas seu ardor excede a toda medida. O amor não sente peso, não faz caso das fadigas e quer empreender mais do que pode; não se escusa com a impossibilidade, pois tudo lhe parece lícito e possível. Por isto, de tudo é capaz e realiza obras, enquanto o que não ama desfalece e cai. O amor vigia sempre, e até no sono não dorme. Nenhuma fadiga o cansa, nenhuma angústia o aflige, nenhum temor o assusta; mas, qual viva chama, a ardente labareda irrompe para o alto e passa avante. Só quem ama compreende o que é amar. Bem alto soa aos ouvidos de Deus o afeto da alma que diz: — Meu Deus, meu amor! Vós sois todo meu, e eu sou todo vosso!

 

O amor é pronto, sincero, piedoso, alegre e amável; forte, sofredor, fiel, prudente, longânime, viril e nunca busca a si mesmo. Pois, logo que alguém procura a si mesmo, perde o amor. O amor é circunspecto, humilde e reto; não é frouxo, não é leviano, nem cuida de coisas vãs; é sóbrio, casto, constante, quieto, recatado em todos os seus sentidos. O amor é submisso e obediente aos superiores, mas aos próprios olhos é vil e desprezível; devoto e agradecido para com Deus, confia e espera sempre Nele, ainda quando está desconsolado, porque no amor não se vive sem dor.

 

Acautela-te contra a vã complacência e a soberba. Por falta desta vigilância andam muitos enganados e caem, às vezes, em cegueira incurável. A ruína dos soberbos – que loucamente presumem de si próprios sirva-te de cautela e te conserve na virtude da humildade.

 

Se entrar em teu Coração a graça celestial e a verdadeira caridade, não sentirás mais inveja alguma nem aperto em teu Coração. Também não haverá mais lugar para a imodéstia e para a presunção, porque a Divina Caridade tudo vence e multiplica as forças da alma.

 

Não busques uma paz isenta de tentações e de contrariedades; isto é impossível... Qual fumo se desvanecerão os abastados do século; nem lembrança restará de seus prazeres passados. E mesmo, enquanto vivem, não os fruem sem amargura, sem tédio e sem temor, porquanto do próprio objeto de seus deleites muitas vezes lhes vem a dor que os castiga. E é justo que assim lhes suceda: que encontrem amargura e confusão nos gozos que buscam e perseguem desordenadamente.

 

Quão breves, quão falsos, quão desordenados e quão torpes são todos os deleites do mundo! Mas os homens, na embriaguez e na cegueira do espírito, não compreendem; antes, como irracionais, por um diminuto prazer, nesta vida corruptível, dão morte à sua alma.

 

Curto e vão é todo consolo humano; bendita e verdadeira é a consolação que a Verdade nos comunica interiormente.

 

Senhor: dissipe Vossa presença todos os maus pensamentos. Esta é a minha única esperança e consolação: a vós recorrer em toda tribulação, em vós confiar, invocar-vos de todo o Coração, e com paciência aguardar a vossa consolação. Amém.

 

Illuminai-me – ó bom Jesus com a claridade da Luz Interior e dissipai todas as trevas que reinam em meu Coração. Refreai as dissipações nocivas e rebatei as tentações, que me fazem violência. Pelejai valorosamente por mim, e afugentai as más feras essas traiçoeiras concupiscências para que se faça a paz por Vossa virtude, e ressoe perene louvor no templo santo, que é a consciência pura. Mandai aos ventos e às tempestades; dizei ao mar: aplaca-te, e ao tufão: não sopres; e haverá grande bonança. Amém.

 

Desprendei-me e arrancai-me de toda transitória consolação das criaturas, porque nenhuma coisa criada poderá me consolar plenamente ou satisfazer meus desejos. Uni-me Convosco pelo vínculo indissolúvel do amor, porque só Vós bastais a quem vos ama, e sem Vós tudo o mais é vaidade. Amém.

 

Filho: não sejas curioso nem te preocupes com cuidados inúteis. Que tens tu com isto ou aquilo? O que pode te importar saber se fulano é assim ou de outro modo ou se sicrano procede e fala deste ou daquele jeito? Tu não és responsável pelos outros, mas de ti mesmo deves dar conta. Por que, então, te intrometes nisto e naquilo? Não te [pre]ocupes com a sombra de um grande nome, nem com a familiaridade de muitos, nem com a amizade particular dos homens. Tudo isto gera distrações e grande perplexidade ao Coração. Sê cauteloso, vigia na oração e sê humilde em todas as coisas... Não julgues temerariamente as palavras e as obras dos outros nem te intrometas em coisas que não te dizem respeito; deste modo, poderá ser que pouco ou raras vezes te perturbes.

 

Nunca sentir inquietação nem sofrer moléstia alguma do corpo ou do espírito não é próprio da vida presente, senão do estado do eterno descanso. Não julgues, pois, ter achado a verdadeira paz, se não sentires nenhuma aflição; nem que tudo está bem, se não tiveres nenhum adversário, se tudo aparentar estar perfeito, se tudo correr a teu gosto. Nem penses que és grande coisa ou singularmente amado por Deus, se sentes muita devoção e doçura, porque não são estes os sinais pelos quais se conhece o verdadeiro amante da virtude nem consiste nisto o aproveitamento e a perfeição do homem. A perfeição do homem consiste em se oferecer, de todo o Coração, à Divina Vontade, sem buscar o próprio interesse em coisa alguma, nem mesmo as Coisas Eternas. De sorte que, com igualdade de ânimo, devemos dar graças a Deus na ventura e na desgraça, pesando tudo na mesma balança.

 

 

 

 

O comer, o beber, o vestir e outras coisas necessárias ao corpo são um peso para a alma fervorosa. Concedei-me usar com moderação de tais lenitivos, sem me prender a eles com demasiado afeto. Não é lícito rejeitar tudo, pois devemos sustentar a nossa natureza; mas buscar as coisas supérfluas e o que mais delicia, proíbe-o vossa santa lei, porque, de outro modo, a carne se rebelará contra o espírito. Entre estes dois extremos, Senhor, peço-vos que me dirijas e governes na vossa mão, para que não pratique qualquer excesso.

 

Por que te consomes em vã tristeza? Por que te afanas em cuidados supérfluos? Conforma-te... e nenhum dano sofrerás. Se buscares isto ou aquilo, se desejares estar aqui ou ali, por tua comodidade ou teu capricho, nunca estarás quieto nem livre de cuidados, porque em todas as coisas há algum defeito, e em todo lugar algo ou alguém te contrarie.

 

Se praticares a Vida Interior, pouco te importarás com as palavras que voam. É prudente calar-se nas horas de tribulação, volver-se interiormente e não se perturbar com os juízos humanos.

 

Não faças depender tua paz da boca dos homens porque, quer te julguem bem, quer te julguem mal, não serás por isto um homem diferente. Quem não procura agradar os homens nem teme lhes causar desagrado, este, sim, gozará de grande paz. É do amor desordenado e do vão temor que nascem o desassossego do Coração e a distração dos sentidos.

 

Filho: não podes gozar perfeita liberdade, enquanto não renunciares inteiramente a ti mesmo. Em escravidão vivem todos os ricos e egoístas, todos os cobiçosos e todos os curiosos que gostam de vaguear, buscando sempre as delícias dos sentidos e não as de Jesus, o Cristo. Tudo o que não vem de Deus perecerá. Conserva em teu Coração esta breve e profunda sentença: Deixa tudo, e terás sossego. Pondera isto, e, quando o praticares, tudo entenderás.

 

Disse Jesus: Filho, não te fies nos teus afetos atuais, que depressa em outros se mudarão. Enquanto viveres, estarás sujeito ao variável, ainda que não queiras. Ora te acharás alegre, ora triste, ora sossegado ora perturbado, umas vezes fervoroso, outras tíbio, já diligente, já preguiçoso, agora sério, logo leviano. O sábio, porém, e instruído na Vida Espiritual, está acima desta inconstância, não cuidando dos seus sentimentos, nem de que parte sopra o vento da instabilidade, mas concentrando todo o esforço de sua alma no devido e almejado fim. Porque assim poderá permanecer sempre o mesmo e inabalável, dirigindo a Mim, sem cessar, a mira de sua intenção, entre todas as vicissitudes que lhe sobrevierem.

 

O verdadeiro progresso do homem consiste na abnegação de si mesmo, e quem assim se abnegou, goza grande liberdade e segurança. Contudo, o antigo inimigo – o adversário de todo o bem não desiste da tentação, armando dia e noite perigosas ciladas, para ver se pode precipitar algum incauto no laço do seu engano. 'Vigiai e orai, diz o Senhor, para que não entreis em tentação' (Mt. XXVI, 41).

 

Verdadeiramente a vanglória é uma peste maligna e a pior das vaidades porque nos aparta da glória verdadeira e nos priva da graça celestial. Porquanto, desde que o homem agrada a si, desagrada a vós, e quando aspira aos humanos louvores, perde as verdadeiras virtudes. Glória verdadeira, porém, e alegria santa é gloriar-se cada um em Vós e não em si, deleitar-se em Vosso Nome e não na sua própria virtude, não achar deleite em criatura alguma, senão por amor de Vós. Seja louvado o Vosso Nome e não o meu; sejam glorificadas Vossas Obras e não as minhas; exaltado seja o Vosso Santo Nome, e a mim nada se atribua dos louvores humanos. Vós sois minha glória e a alegria do meu Coração. 'Em Vós me gloriarei e exaltarei todo dia, mas, quanto à minha pessoa, de nada me ufano, a não ser das minhas fraquezas' (2 Cor. XII, 5).

 

Jesus: se puseres tua paz em alguma pessoa, por conviver contigo e ser de teu parecer, achar-te-ás inconstante e embaraçado. Mas, se recorreres à Verdade sempre viva e permanente, não te entristecerás pela ausência e morte de um amigo. Em Mim se há de fundar o amor do amigo, e por Mim se há de amar todo aquele que nesta vida te parecer bom e amável. Sem Mim não vale nada, nem durará a amizade; nem é puro e verdadeiro o amor cujos laços Eu não tenha dado. De tal modo deves estar morto para semelhantes afeições dos amigos que, quanto depender de ti, desejes viver sem relações humanas. Quanto mais se chegar o homem para Deus, tanto mais se afastará de todo alívio terreno. E tanto mais alto sobe para Deus, quanto mais baixo desce na sua estimação e mais vil se reputa.

 

Nunca leias a Minha Palavra com o fim de pareceres mais douto ou mais sábio. Aplica-te em mortificar teus vícios porque isto te trará mais proveito do que o conhecimento das mais difíceis questões.

 

Não é puro nem perfeito o que está contaminado de algum interesse próprio.

 

Jesus: Filho, não podes te conservar sempre no desejo fervoroso de todas as virtudes nem perseverar no mais alto grau de contemplação; mas, às vezes, te é necessário, por causa de tua natureza viciada, descer à coisas humildes e carregar, em que te pese, o fardo desta vida corruptível. Enquanto viveres neste corpo mortal, sentirás tédio e angústias do Coração. Convém, pois, que na carne gemas muitas vezes debaixo do seu peso, porque não podes te ocupar dos exercícios espirituais e da contemplação das coisas divinas sem interrupção.

 

Senhor, eu não sou digno da vossa consolação... Que fiz eu, Senhor, para que me désseis alguma consolação celestial? Pequei, Senhor, pequei; tende piedade de mim, perdoai-me!

 

Pela contrição sincera e humilde do Coração nasce a esperança do perdão, reconcilia-se a consciência perturbada, recupera-se a graça perdida, preserva-se o homem da ira futura, em ósculo santo une-se Deus à alma arrependida.

 

Se aspiras galgar as alturas, cumpre-te começar varonilmente e pôr o machado à raiz, para que cortes o secreto e desordenado apego que tens a ti mesmo e a todo bem particular e sensível. Deste vício do amor excessivo e desordenado que o homem tem a si mesmo provém quase tudo o que radicalmente se há de vencer. Vencidos e subjugados os apegos, logo haverá grande paz e tranqüilidade estável. Mas já que poucos tratam de morrer a si mesmos e de se desapegar de si, por isso ficam presos em si mesmos e não se podem erguer, em espírito, acima de si mesmos. A quem, todavia, desejar livremente Me seguir, cumpre-lhe mortificar todos os seus maus e desordenados afetos, e não se prender, com amor apaixonado, a criatura alguma.

 

Filho: observa com diligência os movimentos da Natureza e da Graça, pois muitos são opostos uns aos outros e são tão sutis, que só a custo podem ser discernidos, mesmo por um homem espiritual e interiormente Illuminado. Todos, sim, desejam o bem e intentam algum bem nas suas palavras e obras; por isso se enganam muitos com a aparência do bem. A Natureza é astuta; a muitos atrai, enreda e engana, e não tem outra coisa em mira senão a si mesma. Mas a Graça anda com simplicidade, evita a menor aparência do mal, não usa de enganos e tudo faz puramente por Deus, no qual descansa como em seu último fim.

 

 

 

 

Assim como o não desejar coisa alguma exterior produz paz interior, assim o desprendimento interior de si mesmo causa a união com Deus.

 

'Se queres entrar na Vida, guarda os mandamentos' (Mt. XIX, 17). Se queres conhecer a Verdade, crê em mim. 'Se queres ser perfeito, vende tudo' (Mt. XIX, 21). Se queres ser Meu discípulo, renuncia a ti mesmo. Se queres possuir a Vida Bem-aventurada, despreza a presente. Se queres ser exaltado no céu, humilha-te na Terra. Se queres reinar Comigo, carrega Comigo a Cruz, porque só os servos da Cruz acham o Caminho da Bem-aventurança e da LLuz Verdadeira.

 

 

 

 

Jesus: mais me agradam paciência e humildade nos reveses do que muita consolação e fervor nas prosperidades. Por que te entristece uma coisinha que contra ti disseram? Ainda que fosse maior, não deverias te perturbar. Deixa passar, não é novidade; não é a primeira vez nem será a última, se muito tempo viveres. Mas valoroso és, enquanto não te sucede alguma adversidade. Sabes até dar bons conselhos e acalentar os outros com tuas palavras; mas quando bate, de improviso, à tua porta a tribulação, logo te faltam conselho e fortaleza. Considera tua grande fraqueza, que tantas vezes experimentas nas pequenas coisas. Todavia, é para tua salvação que isto e semelhantes coisas acontecem.

 

Foge do desejo curioso e inútil... Mais pode Deus fazer que o homem compreender.

 

 

 

 

Minha Reflexão Pessoal

 

 

 

Não há – isentos efetivamente –

quereres puramente espirituais.

Se tudo é engravidado na mente,

os quereres sempre serão leigais.

 

Devemos servir e evitar querer.

Aspirar galgar a Santa Altura?

é meio que perder a compostura.

 

Não acontecerá plenitude para um

enquanto não houver para todos.

Poderá haver bendição para um

enquanto não houver para todos?

 

Este é o entendimento do Iniciado:

ou seremos todos ou ninguém será.

É uma quimera que cada Quadrado

possa vir a ter um específico alvará.

 

 

 

 

 

 

 

Páginas da Internet consultadas:

http://renovoblog.blogspot.com/
2009/04/aula-11-avareza.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/
Tom%C3%A1s_de_Kempis

http://pt.wikipedia.org/wiki/Centauro

http://pt.wikipedia.org/wiki/Centauro

http://www.culturabrasil.pro.br/
zip/imitacao.pdf

http://www.sobiografias.hpg.ig.com.br/
ThomKemp.html

 

Canto gregoriano de fundo:

Mandatum Novum do Vobis

Interpretação:

Coro de Monjes del Monasterio Benedictino de Santo Domingo de Silos