O 
    misticismo, na Idade Média, teve um especial impulso com Meister Eckhart 
    (1260 – 1327/8), João Ruysbroeck (1293 – 1381), João 
    Tauler (1300 – 1361), Henrique Suso (1300 – 1365), Gerson (1364 
    – 1429), Tomás de Kempis (1379/1380 – 1471), Nicolau de 
    Cusa (1401 – 1464) e Dionísio Cartusiano (1402 – 1471).
   
  Tomás 
    de Kempis (também conhecido como Tomás de Kempen, Thomas Hemerken, 
    Thomas à Kempis e Thomas von Kempen) foi um monge e escritor místico 
    agostiniano germânico nascido na localidade alemã de Kempten, 
    na Diocese de Cologna, próximo a Düsseldorf, na Renânia, 
    autor do livro devocional De 
    Imitatione Christi (Imitação de Cristo), tido como 
    a mais importante obra da literatura cristã, depois da Bíblia. 
    Filho de um artesão e de uma professora, John e Gertrudes Haemerken, 
    seguiu seu irmão mais velho John Haemerken, e foi estudar em Deventer 
    (1392), na Holanda, centro religioso e sede da Irmandade da Vida Comum, comunidade 
    dedicada ao cuidado e à educação dos pobres. Estudou 
    sob a orientação de Florentius Radewyns, agostiniano e fundador 
    da Congregação de Windesheim. Depois de completar as Humanidades, 
    em Deventer (1399), por recomendação de seu superior, Florêncio 
    Radewyn, procurou admissão entre os Cônegos Regulares de Windesheim, 
    no Monte S. Agnes, perto de Zwolle, mosteiro do qual seu irmão John 
    era o prior. Ingressou no Mosteiro de Agnietenberg, no qual permaneceria por 
    mais de setenta anos e no qual recebeu o hábito de noviço (1406). 
    Ordenou-se (1413), passando a dedicar sua vida à cópia de manuscritos 
    e ao ensino de noviços. Seu primeiro mandato como sub-prior foi interrompido 
    pelo exílio da comunidade de Agnetenberg (1429 – 1432), porém 
    foi eleito como sub-prior novamente (1448). 
   
  Tomás 
    de Kempis escreveu numerosos textos teológicos e espirituais, tendo 
    como expoente a De 
    Imitatione Christi já citada, obra cuja autoria é 
    ainda controvertida. Este livro, escrito em estilo simples, enfatiza, a vida 
    espiritual, afirma, a comunhão como prática para fortalecer 
    a fé e encoraja uma vida pautada no exemplo de Cristo. Para muitos 
    críticos de literatura, seus textos são provavelmente a melhor 
    representação da devotio 
    moderna, um movimento religioso criado por Gerhard Groote ou Gerardus Magnus, 
    fundador da Irmandade da Vida Comum.
   
  Séculos 
    após a morte de Tomás de Kempis, ocorrida em Agnietenberg, Países 
    Baixos, uma esplêndida edição do Opera 
    Omnia foi publicada por Herder sob a apta editoração 
    do Dr. Pohl, em 17 volumes (1902 – 1922). Suas obras têm sido 
    repetidamente republicadas ao longo dos tempos, como De 
    Imitatione Christi (1441), Opera 
    Omnia (1607), Chronicon 
    Montis Sanctæ Agnetis (Antuérpia, 1621), Orações 
    e Meditações da Vida de Cristo e Encarnação e 
    Vida de Nosso Senhor (Londres, 1904, 1907), Crônica 
    dos Cônegos Regulares do Monte S. Agnes (Londres, 1906), 
     Sermões aos 
    Noviços Regulares (Londres, 1907).
   
  Este 
    trabalho é uma atualização/ampliação de 
    dois textos anteriores sobre o pensamento kempisiano que divulguei. Da mesma 
    forma, este foi estruturado tendo como base a obra Imitação 
    de Cristo, de Tomás de Kempis. 
   
  Tomás 
    de Kempis foi muito mais do que um simples religioso, e sua obra, ainda que 
    aparente ter um ordenamento exclusivamente religioso, embute nas entrelinhas 
    conceitos esotéricos e espirituais irredutíveis. Sempre as entrelinhas! 
    Obras como a Imitação 
    de Cristo não devem ser lidas pelas linhas – que, 
    geralmente, não mostram nada. Devem ser, sim, examinadas em seus ocultos 
    escaninhos interlineares. Por exemplo: a afirmação 
    vaidade é sucumbir aos apetites da carne e almejar aquilo pelo que, 
    depois, serás gravemente castigado, lida 
    linear e religiosamente é uma coisa meio aterrorizante; mas, se a advertência 
    serás 
    gravemente castigado for 
    substituída por haveremos de 
    educativamente compensar, a religiosidade indeslindável e o 
    fideísmo punitivo se transformam em Espiritualidade Adequável 
    e Misticismo Illuminativo. 
    Então, na verdade, tudo acaba sendo e se afirmando, para nós, 
    conforme lemos as coisas ou como entendemos as mensagens. Portanto, por exemplo, 
    podemos, por um lado, admitir que os centauros (centauri) 
    existiram de fato como uma raça de seres antropogênicos com o 
    torso e a cabeça humanos e o corpo de cavalo ou, por outro lado, como 
    símbolos arquetípicos daqueles que retrogradaram por sua natureza 
    egoísta e violenta – os  
    homens de sangue.
   
   
  
  Centauro 
    pelejando contra um Lápita
    (detalhe do Parthenon)
  
   
  Enfim, 
    como a hora e o tempo são encorajadores e propícios, garimpei 
    algumas dessas reflexões Kempisianas e ofereço a todos como 
    fonte de meditação. Para compreendê-las, é preciso 
    isolar (pôr entre parêntesis) as exortações religiosas 
    e aproveitar a essência dessas meditações. 
   
   
   
   
  Imitação 
    de Cristo
    (Reflexões Kempisianas)
   
   
   
  'Quem 
    me segue não anda nas trevas, diz o Senhor' (Jo. VIII, 12). São 
    estas as palavras de Cristo, pelas quais somos advertidos que imitemos sua 
    vida e seus costumes, se verdadeiramente queremos ser Illuminados e livres 
    de toda cegueira de Coração. 
   
  Na 
    verdade, não são palavras elevadas que fazem o homem justo; 
    mas é a vida virtuosa que o torna agradável a Deus. Prefiro 
    sentir a contrição dentro de minha alma a saber defini-la. Se 
    soubesses de cor toda a Bíblia e as sentenças de todos os filósofos, 
    de que te serviria tudo isto sem a caridade e a graça de Deus? 'Vaidade 
    das vaidades, e tudo é vaidade' (Ecle. I, 2).
   
   
    Vaidade é buscar riquezas perecedoras 
    e nelas confiar. 
    Vaidade é ambicionar honras e desejar posição elevada. 
    Vaidade é sucumbir aos apetites da carne e almejar aquilo pelo que, 
    depois, serás gravemente castigado. Vaidade, desejar longa vida e, 
    entretanto, descuidar-se de que seja boa. Vaidade é só atender 
    à vida presente sem providenciar para a futura. Vaidade é amar 
    o que passa tão rapidamente, e não buscar, pressuroso, a felicidade 
    que sempre dura. 
   
  Bem-aventurado 
    aquele a quem a Verdade por si mesma ensina, não por figuras e vozes 
    que passam, mas como em si é. 
   
  Aquele 
    a quem fala o Verbo – o 
    Verbo Único e Eterno 
    – 
    se desembaraça 
    de muitas questões. 
   
  Quanto 
    mais recolhido for cada um e mais simples de Coração, tanto 
    mais sublimes coisas entenderá sem esforço, porque do alto recebe 
    a LLuz da Inteligência.
   
   
   
    
    
   
   
  Oh! 
    Como passa depressa a glória do mundo!
   
  Insensato 
    é quem põe sua esperança nos homens ou nas criaturas. 
    
   
  Enquanto 
    vivermos neste mundo, não poderemos estar sem trabalhos e sem tentações. 
    Por isto, lemos no livro de Jó VII, I: 'É um combate a vida 
    do homem sobre a Terra'. Cada qual, pois, deve estar acautelado contra as 
    tentações, mediante a vigilância e a oração, 
    para não dar azo às ilusões do demônio, que nunca 
    dorme, mas anda por toda parte em busca de quem possa devorar. Não 
    há ninguém tão perfeito e santo, que não tenha, 
    às vezes, tentações, e não podemos ser delas totalmente 
    isentos. 
   
  O 
    princípio de todas as tentações é a inconstância 
    do espírito e a pouca confiança em Deus; pois, assim como as 
    ondas lançam de uma parte à outra o navio sem leme, assim também 
    as tentações desbaratam o homem descuidado e inconstante em 
    seus propósitos. Humildemos, portanto, nossas almas em qualquer tentação 
    e tribulação porque serão engrandecidos os que são 
    humildes de Coração. 
   
  Relanceia 
    sobre ti o olhar e guarda-te de julgar as ações alheias. Quem 
    julga os demais perde o trabalho, quase sempre se engana e facilmente peca; 
    mas, examinando-se e julgando-se a si mesmo, trabalha sempre com proveito.
   
  Sem 
    paciência 
    não têm grande valor os nossos méritos.
   
  De 
    manhã, toma resoluções; à noite, examina tuas 
    ações. Como te houveste hoje em palavras, em obras e em pensamentos?
   
  Disse 
    Sêneca: 
    'Sempre que estive entre os homens menos homem voltei'. Isto experimentamos 
    muitas vezes, quando falamos muito. Mas fácil é calar de todo, 
    do que não tropeçar em alguma palavra. Fácil é 
    também ficar oculto em casa, do que fora dela ter a necessária 
    cautela. Quem, pois, pretende chegar à Vida Interior e Espiritual, 
    importa-lhe que se afaste da turba, com Jesus. Ninguém, sem perigo, 
    se mostra em público, senão quem gosta de se esconder. Ninguém 
    seguramente fala, senão quem gosta de calar. Ninguém seguramente 
    manda, senão o que perfeitamente aprendeu a obedecer. Enfim, não 
    pode haver alegria segura, sem o testemunho de boa consciência. 
   
  O 
    que poderá ser visto, em parte alguma, estável debaixo do Sol, 
    por muito tempo? 
   
  'Livrai-me, 
    Senhor, das minhas necessidades' (Sl. XXIV, 17). Ai daqueles que não 
    conhecem as suas misérias! Outra vez ai daqueles que amam esta miserável 
    e corruptível vida! Ó insensatos e duros de Coração, 
    que tão profundamente jazem apegados à Terra, que não 
    gostam senão das coisas carnais. Infelizes! Virá o tempo em 
    que haverão de sentir, muito a contragosto, como era vil e nulo aquilo 
    que amaram. 
   
  Pela 
    manhã, pensa que não chegarás à noite; à 
    noite não te prometas o dia seguinte. Por isto, anda sempre preparado 
    e vive de tal modo que te não encontre a morte desprevenido. Muitos 
    morrem repentina e inesperadamente; pois na hora em que menos se pensa, virá 
    o Filho do Homem (Lc. XII, 40). Quando chegar a hora derradeira, começarás 
    a julgar mui diferentemente toda a tua vida passada, e doer-te-á muito 
    teres sido tão negligente e remisso. 
   
   
    Prepara teu Coração para 
    o Esposo, 
    a fim de que Ele se digne vir e morar em ti. 
   
  O 
    verdadeiro sábio é 
    aquele que avalia as coisas pelo que são, e não pelo juízo 
    e pela estimação dos outros. Quem sabe andar recolhido dentro 
    de si e ter em pequena conta as coisas exteriores não precisa escolher 
    lugar nem aguardar horas para se dar a exercícios de piedade. O homem 
    interior facilmente se recolhe, pois nunca se entrega de todo às coisas 
    exteriores. Não o estorvam trabalhos externos nem ocupações, 
    às vezes necessárias; mas ele se acomoda às circunstâncias, 
    conforme sucedem. Quem tem o interior ordenado e harmonizado 
    não se deixa influenciar nem se perturba com a criminalidade humana. 
    
   
  Primeiro, 
    conserva-te em paz; depois poderás pacificar os outros. 
   
  Cada 
    um julga segundo seu interior... Quando o homem começa a entibiar, 
    logo anseia as consolações exteriores. Quando, porém, 
    começa deveras a vencer e a andar com ânimo no Caminho de Deus, 
    leves lhe parecem as coisas que antes achava onerosas. 
   
  Nunca 
    encontrei homem tão religioso e tão devoto que não sofresse, 
    às vezes, a subtração da graça, e que não 
    sentisse o arrefecimento do fervor. Nenhum santo foi tão altamente 
    arrebatado e tão 
    profundamente esclarecido 
    que, antes ou depois, não fosse tentado. Porque não é 
    digno da alta contemplação de Deus quem por Deus não 
    sofreu alguma tribulação. Costuma vir primeiro a tentação, 
    como sinal precursor da próxima consolação; porque aos 
    provados pela tentação é prometido o celeste consolo. 
    'A quem tiver vencido, diz o Senhor, darei a comer o fruto da Árvore 
    da Vida' (Apc. II, 7).
   
   
   
    
    
   
   
  Não 
    devemos almejar uma consolação que nos subtraia a compunção, 
    nem aspirar uma contemplação que nos seduza ao desvanecimento, 
    porque nem tudo o que é sublime é santo, nem tudo o que é 
    agradável é bom, nem todo desejo é puro e nem tudo o 
    que nos deleita agrada a Deus. 
   
  Ninguém 
    é mais poderoso e mais livre do que aquele que sabe se deixar a si 
    e a todas as coisas, e humildemente se coloca em último lugar. 
   
  Em 
    morrer para si mesmo 
    [e 
    para as coisas do mundo]  está tudo.
   
  'Ouvirei 
    o que em mim disser o Senhor meu Deus' (Sl. LXXXIV, 9). Bem-aventurada a alma 
    que ouve em si a Voz do Senhor e recebe de Seus lábios palavras de 
    consolação! Benditos os ouvidos que percebem o sopro do Divino 
    Sussurro e nenhuma atenção prestam às sugestões 
    do mundo! Bem-aventurados, sim, os ouvidos que não atendem às 
    vozes que atroam lá fora, mas à Verdade que os ensina dentro! 
    Bem-aventurados os olhos que estão fechados para as coisas exteriores 
    e abertos para as Interiores! Bem-aventurados aqueles que penetram as Coisas 
    Interiores e se empenham, com exercícios contínuos de piedade, 
    em compreender, cada vez melhor, os Celestes Arcanos. Bem-aventurados os que 
    com gosto se entregam a Deus e se desembaraçam de todos os empenhos 
    do mundo. Fecha as portas dos sentidos para que possas ouvir o que em ti falar 
    o Senhor teu Deus. 
   
  Quem 
    ama, voa, corre, vive alegre, é livre e sem embaraço. Dá 
    tudo por tudo e possui tudo em todas as coisas porque sobre todas as coisas 
    descansa no Sumo Bem, do qual dimanam e procedem todos os bens. Não 
    olha para as dádivas, mas se eleva acima de todos os bens até 
    Àquele que os concede. O amor, muitas vezes, não conhece limites, 
    mas seu ardor excede a toda medida. O amor não sente peso, não 
    faz caso das fadigas e quer empreender mais do que pode; não se escusa 
    com a impossibilidade, pois tudo lhe parece lícito e possível. 
    Por isto, de tudo é capaz e realiza obras, enquanto o que não 
    ama desfalece e cai. O amor vigia sempre, e até no sono não 
    dorme. Nenhuma fadiga o cansa, nenhuma angústia o aflige, nenhum temor 
    o assusta; mas, qual viva chama, a ardente labareda irrompe para o alto e 
    passa avante. Só quem ama compreende o que é amar. Bem alto 
    soa aos ouvidos de Deus o afeto da alma que diz: — Meu Deus, meu amor! 
    Vós sois todo meu, e eu sou todo vosso! 
   
  O 
    amor é pronto, sincero, piedoso, alegre e amável; forte, sofredor, 
    fiel, prudente, longânime, viril e nunca busca a si mesmo. Pois, logo 
    que alguém procura a si mesmo, perde o amor. O amor é circunspecto, 
    humilde e reto; não é frouxo, não é leviano, nem 
    cuida de coisas vãs; é sóbrio, casto, constante, quieto, 
    recatado em todos os seus sentidos. O amor é submisso e obediente aos 
    superiores, mas aos próprios olhos é vil e desprezível; 
    devoto e agradecido para com Deus, confia e espera sempre Nele, ainda quando 
    está desconsolado, porque no amor não se vive sem dor. 
   
  Acautela-te 
    contra a vã complacência e a soberba. Por falta desta vigilância 
    andam muitos enganados e caem, às vezes, em cegueira incurável. 
    A ruína dos soberbos – que loucamente presumem de si próprios 
    – 
    sirva-te de cautela 
    e te conserve na virtude da humildade. 
   
  Se 
    entrar em teu Coração a graça celestial e a verdadeira 
    caridade, não sentirás mais inveja alguma nem aperto em teu 
    Coração. Também não haverá mais lugar para 
    a imodéstia e para a presunção, porque a Divina Caridade 
    tudo vence e multiplica as forças da alma. 
   
  Não 
    busques uma paz isenta de tentações e de contrariedades; isto 
    é impossível... Qual fumo se desvanecerão os abastados 
    do século; nem lembrança restará de seus prazeres passados. 
    E mesmo, enquanto vivem, não os fruem sem amargura, sem tédio 
    e sem temor, porquanto do próprio objeto de seus deleites muitas vezes 
    lhes vem a dor que os castiga. E é justo que assim lhes suceda: que 
    encontrem amargura e confusão nos gozos que buscam e perseguem desordenadamente. 
    
   
  Quão 
    breves, quão falsos, quão desordenados e quão 
    torpes são 
    todos os deleites do mundo! Mas os homens, na embriaguez e na cegueira do 
    espírito, não compreendem; antes, como irracionais, por um diminuto 
    prazer, nesta vida corruptível, dão morte à sua alma. 
    
   
  Curto 
    e vão é todo consolo humano; bendita e verdadeira é a 
    consolação que a Verdade nos comunica interiormente.
   
   
    Senhor: dissipe Vossa presença 
    todos os maus pensamentos. Esta é a minha única esperança 
    e consolação: a vós recorrer em toda tribulação, 
    em vós confiar, invocar-vos de todo o Coração, e com 
    paciência aguardar a vossa consolação. Amém.
   
   
    Illuminai-me – ó bom Jesus 
    – 
    com a claridade da 
    Luz Interior e dissipai todas as trevas que reinam em meu Coração. 
    Refreai as dissipações nocivas e rebatei as tentações, 
    que me fazem violência. Pelejai valorosamente por mim, e afugentai as 
    más feras – 
    essas traiçoeiras 
    concupiscências – 
    para que se faça 
    a paz por Vossa virtude, e ressoe perene louvor no templo santo, que é 
    a consciência pura. Mandai aos ventos e às tempestades; dizei 
    ao mar: aplaca-te, e ao tufão: não sopres; e haverá grande 
    bonança. Amém. 
    
   
  Desprendei-me 
    e arrancai-me de toda transitória consolação das criaturas, 
    porque nenhuma coisa criada poderá me consolar plenamente ou satisfazer 
    meus desejos. Uni-me Convosco pelo vínculo indissolúvel do amor, 
    porque só Vós bastais a quem vos ama, e sem Vós tudo 
    o mais é vaidade. Amém. 
   
  Filho: 
    não sejas curioso nem te preocupes com cuidados inúteis. Que 
    tens tu com isto ou aquilo? O que pode te importar saber se fulano é 
    assim ou de outro modo ou se sicrano procede e fala deste ou daquele jeito? 
    Tu não és responsável pelos outros, mas de ti mesmo deves 
    dar conta. Por que, então, te intrometes nisto e naquilo? Não 
    te [pre]ocupes com a sombra de um grande nome, nem com a familiaridade de 
    muitos, nem com a amizade particular dos homens. Tudo isto gera distrações 
    e grande perplexidade ao Coração. Sê cauteloso, vigia 
    na oração e sê humilde em todas as coisas... Não 
    julgues temerariamente as palavras e as obras dos outros nem te intrometas 
    em coisas que não te dizem respeito; deste modo, poderá ser 
    que pouco ou raras vezes te perturbes.
   
   
    Nunca sentir inquietação 
    nem sofrer moléstia alguma do corpo ou do espírito não 
    é próprio da vida presente, senão do estado do eterno 
    descanso. Não julgues, pois, ter achado a verdadeira paz, se não 
    sentires nenhuma aflição; nem que tudo está bem, se não 
    tiveres nenhum adversário, se tudo aparentar estar perfeito, se tudo 
    correr a teu gosto. Nem penses que és grande coisa ou singularmente 
    amado por Deus, se sentes muita devoção e doçura, porque 
    não são estes os sinais pelos quais se conhece o verdadeiro 
    amante da virtude nem consiste nisto o aproveitamento e a perfeição 
    do homem. A perfeição do homem consiste em se oferecer, de todo 
    o Coração, à Divina Vontade, sem buscar o próprio 
    interesse em coisa alguma, nem mesmo as Coisas Eternas. De sorte que, com 
    igualdade de ânimo, devemos dar graças a Deus na ventura e na 
    desgraça, pesando tudo na mesma balança. 
   
   
   
    
    
   
   
  O 
    comer, o beber, o vestir e outras coisas necessárias ao corpo são 
    um peso para a alma fervorosa. Concedei-me usar com moderação 
    de tais lenitivos, sem me prender a eles com demasiado afeto. Não é 
    lícito rejeitar tudo, pois devemos sustentar a nossa natureza; mas 
    buscar as coisas supérfluas e o que mais delicia, proíbe-o vossa 
    santa lei, porque, de outro modo, a carne se rebelará contra o espírito. 
    Entre estes dois extremos, Senhor, peço-vos que me dirijas e governes 
    na vossa mão, para que não pratique qualquer excesso.
   
   
    Por que te consomes em vã tristeza? 
    Por que te afanas em cuidados supérfluos? Conforma-te... e nenhum dano 
    sofrerás. Se buscares isto ou aquilo, se desejares estar aqui ou ali, 
    por tua comodidade ou teu capricho, nunca estarás quieto nem livre 
    de cuidados, porque em todas as coisas há algum defeito, e em todo 
    lugar algo ou alguém te contrarie. 
   
  Se 
    praticares a Vida Interior, pouco te importarás com as palavras que 
    voam. É prudente calar-se nas horas de tribulação, volver-se 
    interiormente e não se perturbar com os juízos humanos. 
   
  Não 
    faças depender tua paz da boca dos homens porque, quer te julguem bem, 
    quer te julguem mal, não serás por isto um homem diferente. 
    Quem não procura agradar os homens nem teme lhes causar desagrado, 
    este, sim, gozará de grande paz. É do amor desordenado e do 
    vão temor que nascem o desassossego do Coração e a distração 
    dos sentidos.
   
  Filho: 
    não podes gozar perfeita liberdade, enquanto não renunciares 
    inteiramente a ti mesmo. Em escravidão vivem todos os ricos e egoístas, 
    todos 
    os cobiçosos 
    e todos 
    os 
    curiosos que gostam 
    de vaguear, buscando sempre as delícias dos sentidos e não as 
    de Jesus, o Cristo. Tudo o que não vem de Deus perecerá. Conserva 
    em teu Coração esta breve e profunda sentença: Deixa 
    tudo, e terás sossego. Pondera isto, e, quando o praticares, tudo entenderás.
   
  Disse 
    Jesus: Filho, não te fies nos teus afetos atuais, que depressa em outros 
    se mudarão. Enquanto viveres, estarás sujeito ao variável, 
    ainda que não queiras. Ora te acharás alegre, ora triste, ora 
    sossegado ora perturbado, umas vezes fervoroso, outras tíbio, já 
    diligente, já preguiçoso, agora sério, logo leviano. 
    O sábio, porém, e instruído na Vida Espiritual, está 
    acima desta inconstância, não cuidando dos seus sentimentos, 
    nem de que parte sopra o vento da instabilidade, mas concentrando todo o esforço 
    de sua alma no devido e almejado fim. Porque assim poderá permanecer 
    sempre o mesmo e inabalável, dirigindo a Mim, sem cessar, a mira de 
    sua intenção, entre todas as vicissitudes que lhe sobrevierem.
   
   
    O verdadeiro progresso do homem consiste 
    na abnegação de si mesmo, e quem assim se abnegou, goza grande 
    liberdade e segurança. Contudo, o antigo inimigo – o adversário 
    de todo o bem – 
    não desiste 
    da tentação, armando dia e noite perigosas ciladas, para ver 
    se pode precipitar algum incauto no laço do seu engano. 'Vigiai e orai, 
    diz o Senhor, para que não entreis em tentação' (Mt. 
    XXVI, 41). 
   
  Verdadeiramente 
    a vanglória é uma peste maligna e a pior das vaidades porque 
    nos aparta da glória verdadeira e nos priva da graça celestial. 
    Porquanto, desde que o homem agrada a si, desagrada a vós, e quando 
    aspira aos humanos louvores, perde as verdadeiras virtudes. Glória 
    verdadeira, porém, e alegria santa é gloriar-se cada um em Vós 
    e não em si, deleitar-se em Vosso Nome e não na sua própria 
    virtude, não achar deleite em criatura alguma, senão por amor 
    de Vós. Seja louvado o Vosso Nome e não o meu; sejam glorificadas 
    Vossas Obras e não as minhas; exaltado seja o Vosso Santo Nome, e a 
    mim nada se atribua dos louvores humanos. Vós sois minha glória 
    e a alegria do meu Coração. 'Em Vós me gloriarei e exaltarei 
    todo dia, mas, quanto à minha pessoa, de nada me ufano, a não 
    ser das minhas fraquezas' (2 Cor. XII, 5). 
   
  Jesus: 
    se puseres tua paz em alguma pessoa, por conviver contigo e ser de teu parecer, 
    achar-te-ás inconstante e embaraçado. Mas, se recorreres à 
    Verdade sempre viva e permanente, não te entristecerás pela 
    ausência e morte de um amigo. Em Mim se há de fundar o amor do 
    amigo, e por Mim se há de amar todo aquele que nesta vida te parecer 
    bom e amável. Sem Mim não vale nada, nem durará a amizade; 
    nem é puro e verdadeiro o amor cujos laços Eu não tenha 
    dado. De tal modo deves estar morto para semelhantes afeições 
    dos amigos que, quanto depender de ti, desejes viver sem relações 
    humanas. Quanto mais se chegar o homem para Deus, tanto mais se afastará 
    de todo alívio terreno. E tanto mais alto sobe para Deus, quanto mais 
    baixo desce na sua estimação e mais vil se reputa. 
   
  Nunca 
    leias a Minha Palavra com o fim de pareceres mais douto ou mais 
    sábio. Aplica-te 
    em mortificar teus vícios porque isto te trará mais proveito 
    do que o conhecimento das mais difíceis questões. 
   
  Não 
    é puro nem perfeito o que está contaminado de algum interesse 
    próprio.
   
   
    Jesus: Filho, não podes te conservar 
    sempre no desejo fervoroso de todas as virtudes nem perseverar no mais alto 
    grau de contemplação; mas, às vezes, te é necessário, 
    por causa de tua natureza viciada, descer à coisas humildes e carregar, 
    em que te pese, o fardo desta vida corruptível. Enquanto viveres neste 
    corpo mortal, sentirás tédio e angústias do Coração. 
    Convém, pois, que na carne gemas muitas vezes debaixo do seu peso, 
    porque não podes te ocupar dos exercícios espirituais e da contemplação 
    das coisas divinas sem interrupção. 
   
  Senhor, 
    eu não sou digno da vossa consolação... Que fiz eu, Senhor, 
    para que me désseis alguma consolação celestial? Pequei, 
    Senhor, pequei; tende piedade de mim, perdoai-me! 
   
  Pela 
    contrição sincera e humilde do Coração nasce a 
    esperança do perdão, reconcilia-se a consciência perturbada, 
    recupera-se a graça perdida, preserva-se o homem da ira futura, em 
    ósculo santo une-se Deus à alma arrependida. 
   
  Se 
    aspiras galgar as alturas, cumpre-te começar varonilmente e pôr 
    o machado à raiz, para que cortes o secreto e desordenado apego que 
    tens a ti mesmo e a todo bem particular e sensível. Deste vício 
    do amor excessivo e desordenado que o homem tem a si mesmo provém quase 
    tudo o que radicalmente se há de vencer. Vencidos e subjugados os 
    apegos, 
    logo haverá grande paz e tranqüilidade estável. Mas já 
    que poucos tratam de morrer a si mesmos e de se desapegar de si, por isso 
    ficam presos em si mesmos e não se podem erguer, em espírito, 
    acima de si mesmos. 
    A quem, todavia, desejar livremente Me seguir, cumpre-lhe mortificar todos 
    os seus maus e desordenados afetos, e não se prender, com amor apaixonado, 
    a criatura alguma. 
   
  Filho: 
    observa com diligência os movimentos da Natureza e da Graça, 
    pois muitos são 
    opostos uns aos outros 
    e são tão sutis, que só a custo podem ser discernidos, 
    mesmo por um homem espiritual e interiormente Illuminado. Todos, sim, desejam 
    o bem e intentam algum bem nas suas palavras e obras; por isso se enganam 
    muitos com a aparência do bem. A Natureza é astuta; a muitos 
    atrai, enreda e engana, e não tem outra coisa em mira senão 
    a si mesma. Mas a Graça anda com simplicidade, evita a menor aparência 
    do mal, não usa de enganos e tudo faz puramente por Deus, no qual descansa 
    como em seu último fim.
   
   
   
    
    
   
   
  Assim 
    como o não desejar coisa alguma exterior produz paz interior, assim 
    o desprendimento interior de si mesmo causa a união com Deus.
   
   
    'Se queres entrar na Vida, guarda os 
    mandamentos' (Mt. XIX, 17). Se queres conhecer a Verdade, crê em mim. 
    'Se 
    queres ser perfeito, vende tudo' (Mt. XIX, 21). Se queres ser Meu discípulo, 
    renuncia a ti mesmo. Se queres possuir a Vida Bem-aventurada, despreza a presente. 
    Se queres ser exaltado no céu, humilha-te na Terra. Se queres reinar 
    Comigo, carrega Comigo a Cruz, porque só os servos da Cruz acham o 
    Caminho da Bem-aventurança e da LLuz Verdadeira.