Uma
coisa é a idéia de Deus; outra é a necessidade da idéia
de Deus e do próprio Deus. O propósito deste trabalho é
sucintamente discutir estas duas vertentes carcerário-cinerárias
que aprisionam a vontade e retardam a ascensionabilidade da existência
humana.
Compreendendo
a Importância do Estudo
Uma
coisa é certa: para se ter a necessidade da idéia de Deus
e do próprio Deus, de uma forma ou de outra, é preciso que
se tenha engendrado uma idéia qualquer de Deus, que outra coisa não
é do que atribuir ao Deus de nossa concepção comportamentos
e pensamentos característicos do ser humano, particularmente de nossa
cultura pessoal. Uma é dependente da outra e a segunda (necessidade)
não sobrevive sem a primeira (idéia). A idéia de Deus
é, por assim dizer, o afluente que alimenta a necessidade de Deus,
necessidade que engorda à medida que a segurança se transforma
em insegurança, que o bem-estar se transforma em mal-estar e que
a mocidade se transforma em caducidade. E quando a coisa fica preta, não
é raro que alguns troquem um Deus por outro, pois trocar de religião
é meio que trocar de Deus. Mas isto, de certo modo, é bom
e educativo, porque, como disse Maha em um encontro insólito com
Raymond Bernard (1923 – 2006), é
bom que o homem reaja com 'por quês?' diante de certos fenômenos
ou diante dos acontecimentos que não se integram no quadro que sua
compreensão edificou para seu próprio uso. Um por quê
judiciosamente colocado pode abrir o caminho para o conhecimento transcendente...
O fato é que só
se troca de religião – e conseqüentemente de Deus –
quando as respostas para os 'por
quês?' ou não são dadas com o devido
concertamento ou o desconcerto das
respostas não mais satisfaz a imprescindibilidade de
conhecimento. Isto, óbvio, dá na mesma como na mesma dá,
e a pessoa, insatisfeita, como acabei de afirmar, acaba por trocar de religião.
Não é raro, também, que se desencante, e passe a não
ter religião alguma, sem, com isto, necessariamente, se tornar um
ateu. Enfim, nada é mais difícil para o ser humano do que
se libertar de uma imposta idéia de Deus e de sua conseqüente
necessidade.
Primeira
Vertente:
A Idéia de Deus
Religiões
Esta
muito rápida meditação metafísico-filosófica,
inicialmente, pode ser didaticamente dividida em duas metades: os que acreditam
na existência de Deus, e os que não acreditam na existência
de Deus. A partir desta divisão, examinarei apenas a primeira, ou
seja, a idéia de Deus dos que crêem na existência de
um Deus. Isto porque há uma terceira possibilidade: os (poucos) que
sabem que a idéia de Deus ou mesmo a existência de qualquer
Deus (que não seja um ente egregórico fabricado por mentes
afínicas) é uma impossibilidade cósmica.
Ora,
sabidamente, a idéia de Deus de um sique não é a mesma
de um católico, e a idéia de Deus de um muçulmano não
é compatível com a de um judeu. Uma igualdade matemática
simples representativa deste conceito é: m + n religiões =
n + m deuses. O que é certo é que, de maneira geral, todos
admitem determinados atributos muito semelhantes (mas sempre antropomórficos,
isto é, descritos ou concebidos sob forma humana ou com atributos
humanos) para as diversas concepções de Deus. Os mais comuns
são: incriabilidade, indestrutibilidade, eternidade, onissapiência,
onipotência, ubiqüidade, benevolência, simplicidade, diligência,
sobrenaturalidade, providencialidade e, por ser indestrutível e eterno,
ipso facto, Deus apresenta e manifesta existência necessária
ad æternum.
Seja
como for, os estudiosos de todas as teologias atribuem a Deus duas qualificações
básicas: Deus-causa e Deus-bem. Ao conceito de Deus-causa está
atrelada a idéia de criação e, como conseqüência,
o princípio de que a natura naturata1 – o
Universo e as coisas criadas por Deus – só é possível
pela vontade onipotente e pela interveniência consentida (direta ou
indireta) de Deus. Já a vertente Deus-bem garante tudo o que há
de excelente no mundo, particularmente na Terra. Mas, admitindo que isto
seja assim, como separar Deus-causa de Deus-bem, se o bem deriva da própria
causa ou dela é parte inseparável? Esta coisa é meio
que semelhante a dizer que Deus é isto, que Deus é aquilo
et cetera e tal. Ora, se Deus é onipotente, é isto,
é aquilo e é tudo mais (ou tudo menos) que se queira antropomorficamente
imaginar.
Enfim,
sob o aspecto Deus-causa ou Deus-causalidade, três aspectos podem
ser examinados: a) Deus como criador do mundo; b) Deus como criador da ordem
do mundo; e c) Deus como natureza do mundo. Para um religioso Deus é
tudo isto ao mesmo tempo. Ele cria, ordena e tem uma intrínseca e
substancial (ou essencial) relação como o mundo, de modo que
esta relação mesma implica em que o mundo seja entendido como
o prolongamento da vida incognoscível de Deus. E assim, para não
avançar demais, de especulação pseudometafísica
em especulação pseudometafísica, sem base experiencial,
meramente teorética, o ente vai mastigando e fermentando [des]raciocínios
abstratos, sem uma realização interior que confirme ou que
dê sustentação a todas esses pseudoestudos teóricos
baseados predominantemente em exercícios incoerentes de uma desrazão
retrogressiva. Envelhece, fica decrépito, adoenta, mas não
deixa de genuflectir jamais! Depois morre sem ter conhecido sua própria
Luz Interior! Isto tudo é mesmo uma grande lástima. Maha,
em outro diálogo com Raymond Bernard, disse algo mais ou menos assim;
... o homem ainda não
se despojou das vestes despedaçadas de suas concepções
passadas e vive mentalmente em um ciclo morto, enquanto que o ciclo seguinte
já está estabelecido. Então,
que se faça a Luz! Que
se faça a Santa LLuz!
Segunda
Vertente:
A Necessidade da Idéia de Deus
A
necessidade da idéia de Deus é outra coisa. De uma forma geral,
os que acreditam na existência de Deus, acreditam basicamente por
necessidade (mórbida) de acreditar. Acreditam por necessidade interior
inexplicável de acreditar. A grande questão é o que
gera, movimenta e sustém esta ininteligível necessidade. Sinceramente?
Não sei, mas que há uma dose considerável de morbidade,
isto há. Todavia, só posso teorizar, e isto com base, primeiro,
em minha própria vida, pois fui educado na
fé católica e quase acabei padre2,
e, segundo, alicerçado nas observações que faço
das pessoas. Logo, o que se seguirá poderá estar completamente
equivocado. Mas, vou arriscar.
Em
primeiro lugar, ninguém nasce acreditando em Deus. A crença
em Deus – em qualquer Deus – é, normalmente, uma exigência
ou uma injunção familiar. Se o ente nascer em uma família
muçulmana, seu Deus será Allah; se nascer em uma família
judia, será injungido a crer em YHWH (às vezes chamado
ADoNaY ou ainda HaSheM). Rapidamente, é interessante
refletir sobre a palavra AMeN, já que, cabalisticamente,
equivale a 91 (1 + 40 + 50), e é igual à soma de YHVH
e ADoNaY, que equivalem, respectivamente, a 26 (10 + 5 + 6 + 5)
e 65 (1 + 4 + 50 + 10). E, para não ir longe demais, se o ente nascer
em uma família católica, será educado para acreditar
na Trindade de Deus enquanto Pai, Filho e Espírito Santo, na divindade
de Jesus e na salvação através da fé em Jesus,
o Cristo. Praticamente, basta crer nestas três coisas que o céu
está mais ou menos garantido. Há, claro, outras exigências,
mas a base é esta. Em duas palavras: fideísmo acachapante.
Em
segundo lugar, é transmitida e imposta à personalidade em
formação do ente a categoria do medo, e este medo se fundamenta
na existência de um inferno abrasador com um sem-número de
demônios enxofrentos que o atormentarão, per omnia sæcula
saeculorum, se para lá for encaminhado depois da morte. Então,
o medo horrorífico de ir para o inferno, o medo da condenação
eterna e o medo de jamais poder desfrutar da presença de Deus fazem
com que, de maneira quase universal, este mesmo ente não consiga
se desvincular da idéia de Deus que lhe inculcaram desde o berço.
Ficar sem Deus é mais ou menos como saltar de um avião sem
pára-quedas.
Em
terceiro lugar, depois de incorporada uma idéia de Deus qualquer
à personalidade, esta idéia acaba se tornado uma necessidade
psicológica e antropomórfica inamovível ou quase inamovível,
pois, por exemplo, mesmo que um dia o ente venha a ser iniciado em uma fraternidade
mística, levará décadas para que ele se livre da bagulhada
que enfiaram em sua cabeça. Esta necessidade quase irredutível
de crer e de continuar a crer deriva de diversos fatores, mas, talvez, o
principal seja a incapacidade temerosa de o ente mergulhar em seu interior,
em seu Coração Universal, e ali, progressiva e transmutativamente,
começar a perceber que ele é realmente uma Estrela com Luz
própria. Não é que ele maisqueira a ignorância;
ele desconhece sua própria Luz interior. Não é que
ele prefira uma presumida proteção transcendental; ele precisa.
Não é que ele não deseje se livrar de suas antropomorfizações
(Deus-incriado, Deus-indestrutível, Deus-eterno, Deus-onissapiente,
Deus-onipotente, Deus-ubíquo, Deus-benevolente, Deus-singelo, Deus-diligente,
Deus-sobrenatural, Deus-providencial, Deus-pai, Deus-filho, Deus-espírito,
Deus-et cetera); ele não consegue. Não é que
ele não mereça a Iniciação Psíquica da
Compreensão/Libertação; ele não sabe como obtê-la.
No fundo, isto cheira a conspiração. E é mesmo uma
conspiração; conspiração articulada pela Oitava
Esfera et reliqua e da qual muito poucos (mas não tão
poucos assim) conseguem se alforriar. Mas... Um dia... Quem sabe...
E,
indo tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.3
E
assim, para encerrar estas rápidas reflexões, fica a pergunta:
há solução? Sim, há solução para
tudo. Quem não tremeu na base quando chegou a hora de namorar para
valer pela primeira vez? Ora, este não é o caso, mas tentar
se tornar seu próprio Mestre-Deus pode assustar um pouco. Mas se
você quiser dar início a esta Obra, é mais ou menos
simples. Basta começar a desconstruir (desfazer para reconstruir)
tudo aquilo que você acha absurdidade, excentricidade, inverossimilidade,
supersticiosidade, infantilidade e por aí vai, mas que até
agora, seja lá pelo motivo que for, você foi empilhando em
sua consciência e deixando criar teias de aranha e abolorecer. Meta
sinceridade nisto! Depois, e pode ser hoje mesmo, tente ouvir sua Voz Interior.
Faça uma pergunta qualquer ao seu Eu Interior, mas não espere
qualquer resposta. Converse um pouquinho com Ele. Encare com galhardia seus
temores e angústias. Só vocês dois – você
e seu Mestre-Deus interior. Em seguida, apenas relaxe, e repito, não
espere qualquer resposta. Não crie de antemão esta expectativa.
A resposta poderá não vir no momento em que você perguntar;
poderá não vir no dia seguinte. Poderá levar um mês,
um ano, sei lá. No começo, parece que tudo se transformou
mesmo no Big One; mas com paciência e perseverança...
Um dia – Oh!, Bendito Dia! – esta Santa Voz falará: a
Santa Voz do Deus do seu Coração! Isto é tão
certo quanto setenta e dois mais setenta e dois são cento e quarenta
e quatro, tão certo quanto o petróleo que um dia vai acabar
e tão certo como todos os deuses criados pelo homem acabarão
se dissolvendo na eternidade do tempo... Que é tempo e que não
é tempo. Adiar? Por quê? Isto não é regime de
emagrecimento para começar só na segunda-feira. É agora.
É já.
O
Big One da
Mudança Interior
_____
Nota:
1.
A substância e os atributos constituem a natura naturans.
Da natura naturans (Deus) procede o mundo das coisas, isto é,
os modos. Eles são modificações dos atributos, e Barouch
de Spinoza (1632 – 1677) denominou-os de natura naturata
– o Universo e a(s) coisa(s) criada(s).
2.
Já contei esta passagem da minha vida, mas, rapidamente, recordo
que só não me tornei padre porque fui expulso do Seminário.
Eu era traquinas demais para ser padre, e me foi dito que eu não
possuía vocação suficiente para a vida sacerdotal.
Ainda bem, porque espiritualidade – e isto eu sempre tive –
nada tem a ver com escrúpulo religioso!
3.
Eros e Psique, Fernando Pessoa.
Bibliografia:
ABBAGNANO,
Nicola. Dicionário de filosofia. 2ª edição.
Tradução de Alfredo Bosi. São Paulo: Editora Mestre
Jou, 1982.
Páginas
da Internet e Websites consultados:
http://www.mundodosfilosofos.com.br/spinoza.htm
http://classroomclipart.com/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Deus
http://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%A3o
http://ceticismoeciencia.com/religiao/
Fundo musical:
Seven
Years in Tibet
Fonte:
http://www.geocities.com/
Area51/Realm/6070/page16.html