Ibn 'Arabi
(Pensamentos e Ensinamentos)

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Ibn 'Arabi

 

 

 

Introdução e Objeto do Estudo

 

 

 

Mais de setecentas obras! O homem? Um Religioso andaluz do século XII d.C. chamado Abu 'Abdullah Muhammad ibn 'Ali ibn Muhammad ibn al-'Arabi, mas mais conhecido por Ibn 'Arabi. Este grande místico sufi escreveu mais de setecentas obras! Sabe lá o que é isto? E eu, caríssima-de-pau, resolvi fazer um estudinho (só chamando assim) sobre alguns dos seus pensamentos gnósticos e ensinamentos espirituais.

 

Bem, este despretensioso texto está sendo divulgado para dividir com vocês, com muito prazer, o que estudei. Aproveitm, então, a Cardio Gnosis e a Religio Cordis de Ibn 'Arabi, e vocês irão observar que todos os Iniciados, pertençam a que Corrente Iniciática pertencerem, mutatis mutandis, parecem falar a mesma língua!

 

E assim, caímos na mesma estorinha de sempre: se uma Iridomyrmex humilis não é menos importante do que um Myrmecophaga tridactyla, uma Fraternidade Místico-iniciática ou uma Corrente Iniciática não são nem mais nem menos importantes entre si. Se é assim, o que adianta alguém cismar de estudar berimbau se tem gosto ou queda para reco-reco? Berimbau é melhor do que reco-reco? Reco-reco é melhor do que berimbau? Não; berimbau é berimbau, e reco-reco é reco-reco. Na esfera religiosa, por outro lado, não é para qualquer católico, que admita ter vocação para ser padre, aturar, por exemplo, o rigor da Regula Benedicti, da Ordo Sancti Benedicti – a iniciadora do movimento monacal – escrita por Bento de Núrsia (480 – 547), no século VI, que é um conjunto de preceitos destinados a regular a vivência de uma comunidade monástica cristã, regida por um abade. O espírito da Regula Benedicti resume-se em dois pontos: seu lema Pax e o tradicional Ora et Labora, súmula da vida que cada monge deve levar. Portanto, quem sabe que não suportará viver sob uma regra austera de uma ordem religiosa é melhor, se quer ser padre, que opte por ser secular, isto é, que decida ser incardinado em uma igreja particular. A mesma coisa vale para o Sufismo – a corrente místico-contemplativa do Islã – considerado ilegal pela sharia (o código de leis do Islamismo) de vários países muçulmanos e muito difícil de ser praticado em sua integralidade. Entre outros motivos, é por isto que muitos entram para determinadas irmandades e não agüentam o rojão, desistem e vão procurar um facilitário qualquer. Entretanto, repito: no campo Iniciático, particularmente, o fim de todos os ensinamentos é o mesmo, e não há ordem ou fraternidade mais ou menos isto ou mais ou menos aquilo do que outra. A música tocada por um berimbau ou por um reco-reco é exatamente a mesma.

 

E assim, a título de exemplo, só em termos de manifestações Rosacruzes, presentemente, há, pelo menos, vinte e três irmandades, a saber: Rosicrucian Fellowship, Lectorium Rosicrucianum, Order of the Temple of the Rosy Cross, Corona Fellowship of Rosicrucians, Fraternitas Rosæ Crucis, Societas Rosicruciana in Anglia, Societas Rosicruciana in Civitatibus Fœderatis, Societas Rosicruciana in America, The Hermetic Order of the Golden Dawn, Builders of the Adytum, Ordo Templi Orientis, Collegium Pansophicum, Fraternitas Rosicruciana Antiqua, Ordre Kabbalistique de la Rose Croix, Order of the Temple & the Graal and of the Catholic Order of the Rose-Croix, Ordo Aureæ & Rosæ Crucis, Alchemical Rose-Croix Society, Rose-Croix de l'Orient, The Elder Brothers of the Rose-Croix, Antiquus Arcanæ Ordinis Rosæ Rubæ Aureæ Crucis, Antique Mysticusque Ordo Rosæ Crucis, Ancient Rosæ Crucis e Confraternity Rosæ + Crucis. Mas, a Ordem Rosacruz Arcana, Verdadeira, Eternal e Invisível, que autoriza, inspira e coordena todas estas manifestações Rosacruzes, é uma e somente uma!

 

 

 

Ibn 'Arabi
Breve Biografia

 

 

 

Abu 'Abdullah Muhammad ibn 'Ali ibn Muhammad ibn al-'Arabi, famoso alquimista e poeta do Islã, nasceu em 1165 A.D. na cultura moura de Andaluzia, Espanha, o centro de um extraordinário florescimento e interpenetração de pensamentos judeu, cristão e islâmico, através do qual as grandes obras científicas e filosóficas da Antigüidade foram transmitidas ao Norte da Europa. As realizações espirituais de Ibn 'Arabi floresceram a partir de uma idade precoce, sendo conhecido por sua grande capacidade visionária, além de ser um superlativo professor. Ele viajou extensivamente no mundo islâmico e morreu em Damasco, em 1240 ou 1245 A.D. Ele foi chamado de Muhyi al-Din, o Revificador da Religião e de al- Shaykh al-Akbar, o Maior dos Mestres.

 

Ibn 'Arabi escreveu mais de setecentas obras. Mais ou menos quatrocentas estão disponíveis, incluindo a Fusûs al-Hikam, uma exposição do significado interno da Sabedoria dos profetas na linha judaico/cristã/islâmica (sem dúvida o melhor compêndio da doutrina esotérica de Ibn 'Arabi, nas palavras de Henri Corbin) e a Futûhât al-Makkiyya, uma vasta enciclopédia de conhecimento espiritual que une e distingue as três vertentes da tradição, da razão e da mística introspecção. Escreveu também algumas das melhores poesias em língua árabe. Estes extensos escritos fornecem uma bela exposição da Unidade do Ser – a única e indivisível realidade que simultaneamente transcende e se manifesta em todas as imagens do mundo. Ibn 'Arabi mostrou como o homem, na perfeição, é a imagem completa desta realidade, e como aqueles que realmente conhecem a essência de seu ser conhecem Deus.

 

Ibn 'Arabi sugere uma razão para sua produtividade quase miraculosa. Escreveu 'Arabi: Os influxos de Deus entraram em mim e quase me queimaram vivo. Para encontrar alívio, eu compus os trabalhos sem nenhuma intenção da minha parte. Muitos outros livros eu compus por causa de um comando divino que me foi dado em sonho ou em revelação.

 

Enraizada no Corão, sua obra é universal, aceitando que cada pessoa tem um único caminho para a verdade, que une todos os caminhos em si. Ibn 'Arabi influenciou profundamente o desenvolvimento do Islã desde a sua época, bem como importantes aspectos da filosofia e da literatura do Ocidente. Sua sabedoria tem muito a nos oferecer no mundo moderno em termos de tolerância religiosa e de compreensão quanto ao que significa ser humano. Segundo Ibn 'Arabi, o movimento que sustenta a existência do Universo é o movimento de amor, e se o crente compreende o significado do ditado a cor da água é a cor do recipiente, admite a validade de todas as crenças, reconhecendo Deus em toda forma e objeto de fé.

 

Os ensinamentos de Ibn 'Arabi podem ser resumidos em dez princípios: 1º) ritual constante e pureza moral; 2º) incessante recordação ou invocação de Deus; 3º) eliminação de todos os pensamentos que causam distração; 4º) constante exame da consciência; 5º) revisão diária das próprias ações; 6º) atenção à consciência interna; 7º) abstinência; 8º) vigília; 9º) silêncio; e 10º) humildade.

 

 

 

 

Ibn 'Arabi
Pensamentos e Ensinamentos

 

 

 

O principal para ti é prestar atenção a todo o momento, estar atento ao que chega à tua mente e ao teu Coração. Reflete sobre estes pensamentos e sentimentos. Analisa-os. Tenta controlá-los. Tem cuidado com os desejos do teu ego, salda tuas dívidas para com ele.

 

Tu que a estrela sem cessar contemplas!
Durante o dia, sê meu companheiro!
Oh, tu, que o raio na vigília velas!
Sê, pois, meu companheiro durante a noite!

 

Tem consciência e vergonha frente a Deus. Ele será um bom motivo para estares prudente, vigilante. Tu te preocuparás, então, pelo que estás fazendo, dizendo e pensando, e os pensamentos e sentimentos que sejam feios aos olhos de Deus não poderão estar assentados em teu Coração. Teu Coração, assim, estará a salvo de desejar ações que não estejam de acordo com a vontade de Deus. Valoriza teu tempo; vive o presente. Não vivas imaginariamente ou gastes mal o tempo que dispões. Deus prescreveu um dever, um ato, um culto para cada momento. Aprende qual é e apressa-te para fazê-lo. Primeiro, leva a cabo as ações que Ele estabeleceu como obrigatórias. Logo, realiza o que Ele mandou fazer por meio do exemplo do Profeta. Depois, faz também as ações boas e aceitáveis que Ele deixou para tua livre decisão. Trabalha para servir aos que estejam necessitados. Tudo quanto fizeres, em teus atos de adoração e nas tuas orações, faz com o propósito de te aproximares de teu Senhor. Pensa que cada ação possa ser teu último ato, que cada oração possa ser tua última prostração, que possa ser que não tenhas outra oportunidade. Se assim fizeres, terás um novo motivo para te manteres vigilante e, também, para chegares a ser sincero e verdadeiro. Deus valoriza menos as boas ações feitas inconscientemente e sem sinceridade do que as realizadas consciente e sinceramente.

 

No Levante, o raio contemplou,
e, assim, ficou enamorado do Oriente.
Mas, se houvesse brilhado no poente,
ao Ocidente se haveria encaminhado.

 

Certa vez, Ibn 'Arabi teve uma visão do Profeta, que disse: 'Deus responde tuas preces mais rápido do que tu podes formulá-las!'

 

Saiba que Aquele que é chamado de Allah é Um em Sua Essência, e é tudo através de Seus Nomes.

 

A existência é nada mais do que o Ser de Deus.

 

Quem quer que aspire
a se unir com Meu Ser
ao impossível aspira.

Com ardente desejo
de vê-Lo, atravessei
os páramos desertos.

Chegado ante Sua Presença,
tão-só a mim me achei,
ficando mais confuso.

— Senhor meu! — clamei.
Eis-me aqui, servo Meu,
prontamente respondeu.

Eu Lhe disse: — Não hei achado
senão perplexidade;
vagando, errante sigo.

 

Tudo o que é engendrado na existência é imaginação ('khayal'). Mas, de fato, apenas Ele é Realidade. Quem quer que entenda esta verdade agarra os mistérios do Caminho.

 

Através do Sopro do Todo Misericordioso, aquilo que não pode possivelmente existir vem à existência. A realidade da imaginação é transformada em cada estado, e a manifestação dentro de cada forma. Não há um verdadeiro ser que não aceite a transformação, exceto Deus. Assim não há nada em existência realizada exceto Deus. Em relação a tudo o mais, tudo está na existência imaginal. Assim, tudo o mais que a Essência de Deus é imaginação em processo de mudança. É sob este ponto de vista que todas as coisas no mundo devem ser interpretadas, como se fossem sonhos.

 

A diferença entre imaginação contígua e não-contígua é que a primeira desaparece com o desaparecimento daquele que imagina, e a segunda é um nível ontológico auto-subsistente que, continuamente, age como um receptáculo para significados e espíritos separados, aos quais ela confere formas corpóreas, embora apenas de acordo com suas características específicas. Então, a imaginação contígua deriva da imaginação não- contígua.

 

O Todo se torna materializado de uma forma adequada a cada existente; então, aquela materialização é o Senhor daquela coisa. Mas ninguém O subtrai em relação à Sua Unidade Absoluta.

 

Cada existente no mundo é uma mistura de existência e não-existência ou de luz e sombra situado entre a existência e a não-existência ou entre o bem e o mal. Existência é LLuz; não-existência é sombra. Nós estamos na existência, assim somos abrangidos pelo Bem. Deus – o Ser não-delimitado – é o Completo Bem ('al-khayr almahd').

 

 

A quem o mal pode ser atribuído? Pois o cosmos está nas mãos do Completo Bem, que é o Ser Total. No entanto, o existente possível pode ser previsto como não-existente; na medida em que isto é assim, o mal é atribuído a ele. Pois ele não possui, em sua própria essência, a propriedade do Ser Necessário; assim, o mal lhe sobrevém.

 

Deus nos mostra seu favor através do Nome – o Todo Misericordioso – nos trazendo, assim, para fora do mal, que é a não-existência, para o bem, que é a existência. Assim, desde o princípio, Ele nos confia ao Misericordioso.

 

Através do Amor, Deus voltou Sua Vontade em direção às coisas em seu estado de não-existência... E disse à elas: — Sejam!

 

O Homem Perfeito é o Macrocosmo; o homem individual é o Microcosmo. Deus apenas criou o Cosmos fora do homem para lhe dar um exemplo, de tal forma que o homem possa saber que tudo que está manifesto no Cosmos está dentro dele mesmo, enquanto que ele é a meta... No homem, todos os Nomes Divinos e seus efeitos são mostrados.

 

Através da atividade de sua mente, todo ser humano é capaz de criar em sua imaginação aquilo que não tem existência no mundo externo; esta é a situação na qual todos nos encontramos. Mas, através de sua concentração ('himmah') o Gnóstico cria aquilo que possui existência fora do local de sua concentração contanto que sua concentração continue a preservá-lo.1

 

Sempre que os Gnósticos exercitam sua concentração no mundo, é por causa de um Comando Divino; Eles o fazem porque são compelidos a fazê-lo; não por vontade própria.

 

Os Gnósticos possuem uma relação com a qualidade do conhecimento2 diferente de sua relação com a qualidade do poder. A propriedade do conhecimento possuída pelos Gnósticos não tem inter-relação com o objeto de poder ('al-maqdur'); os Gnósticos se relacionam apenas com o objeto do conhecimento ('al-ma'lum').

 

Qualquer direção que tomem os camelos do Amor, lá estarão minha religião e minha fé.

 

Ninguém O vê a não ser Ele mesmo – nem profeta, nem enviado, nem santo perfeito, nem anjo algum podem conhecê-Lo. Seu Profeta é Ele, e Seu Enviado é Ele, e Sua Palavra é Ele. Ele enviou Ele próprio com Si mesmo para Si.

 

 

O Sopro expirado pelo Compadecido equivale à concessão da existência.

 

Conheço a Alquimia pelo Caminho da Revelação intuitiva; não pelo atalho de um conhecimento aprendido.

 

Para percorrer a distância entre Andaluzia e Jerusalém, – símbolo místico da LLuz e da Certeza – adotei o Islã como montaria, a ascese como nutrição e a renúncia como viático.

 

Deus – o Onipresente e o Onipotente – não está encerrado em nenhum credo nem em nenhuma religião; para onde quer que viremos nosso rosto, ali está o rosto de Deus.

 

Não te apegues exclusivamente a uma religião... pois não conseguirás reconhecer a verdadeira Verdade.

 

Cada qual reza no que acredita; seu Deus é imagem de si mesmo. Ao rezar, honra-se a si mesmo. Por isto, anatematiza as crenças dos outros, o que não faria se fosse justo, porque o desagrado para a religião alheia se apóia na ignorância.

 

Achei o Amor acima da idolatria e da religião. Achei o Amor além da dúvida e da realidade.

 

Quando adquirimos uma quantidade infinitesimal do Amor, nos esquecemos de ser muçulmanos, magos, cristãos ou infiéis.

 

 

 

 

Exceto o Amor – exceto o Amor intenso – não semeio outra semente.

 

Meu Coração se tornou o receptáculo de todas as formas religiosas: é pradaria das gazelas e claustro de monges cristãos; templo de ídolos e Kaaba de peregrinos; Tábuas da Lei e Folhas do Alcorão... Eu professo a Religião do Amor... O Amor é o meu credo e a minha fé.

 

Deus é unidade. A unidade do amor, do amante e do amado. Todo amor é um desejo de união. Todo amor, consciente ou inconsciente, é um amor a Deus. Testemunha esta presença de Deus dentro de ti, da criação de Deus, que nunca cessa. O ato é uma manifestação exterior de fé. O Islã reconhece todos os profetas e mensageiros do mesmo Deus. Aprende a descobrir em cada homem a semente de um desejo por Deus, mesmo que tua crença ainda seja fraca e, algumas vezes, idólatra.

 

Só falo daquilo que experimento.

 

O homem, para o qual a Essência de Deus se oferece ao conhecimento, não vê a Deus; ele apenas vê sua própria forma no espelho de Deus. Não é possível que ele veja a Deus mesmo, apesar de ele poder saber que só pode observar sua própria forma n'Ele.

 

Deus é o espelho no qual olhais a vós mesmos, e vós sois o espelho de Deus, no qual Deus contempla Seus Nomes.

 

É de Deus, portanto, escuta! E é para Deus, portanto, retorna! Quando ouvires o que Ele te concedeu, atenta-te! E, então, com entendimento, distingue os pormenores do discurso inteiro e une-os novamente. E, então, entrega-o àquele que está à sua procura; não o retenha. Esta é a compaixão que se estendeu sobre ti. Portanto, estende-a!

 

Ele se define pela soma de todas as definições possíveis. Ora, as formas do mundo são indefinidas. Não se poderia compreendê-las todas nem conhecer a definição lógica de cada uma, salvo na medida em que elas cabem na definição de determinado microcosmo. Por isto, ignora-se a forma lógica de Deus, visto que esta somente poderia ser conhecida se conhecêssemos a definição de todas as formas, o que é uma impossibilidade. Definir Deus, portanto, não é possível.

 

Aquele que une em seu conhecimento de Deus o ponto de vista da transcendência com o da imanência, e que atribui a Deus os dois aspectos globalmente, conhece-O verdadeiramente, ou seja, conhece-O globalmente, e não distintamente, da mesma forma que o homem se conhece a si mesmo globalmente e não distintamente.

 

Na verdade, não existe união, não existe separação, como não existem afastamento nem aproximação. Só se pode falar de união entre dois fatores; não quando se trata de uma única coisa.

 

Deus não está numa coisa e coisa nenhuma está Nele. Ele era, e com Ele não havia nem depois, nem antes, nem alto, nem baixo, nem proximidade, nem afastamento, nem como, nem onde, nem quando, nem momento, nem instante, nem tempo, nem ser manifesto, nem lugar. E Ele é agora tal como era. Ele é o Único sem unicidade, o Singular sem singularidade. Ele não é composto de um nome e de um nomeado, pois Seu nome é Ele e Seu nomeado é Ele, e não existe nome ou nomeado que não sejam Ele. Ele é o Primeiro sem anterioridade e o Último sem posteridade. Ele é o Aparente sem aparição e o Oculto sem ocultação.

 

É preciso conhecer Deus, mas não é possível lográ-lo nem pela ciência, nem pela inteligência, nem pela imaginação, nem mediante a astúcia, nem pelos sentidos, nem pela visão exterior, nem pela visão interior, nem pela compreensão, nem pelo raciocínio.

 

Tu és Deus e Deus és Tu, sem mediação alguma e sem causa.

 

Praticamente, todos os Iniciados afirmam que a Gnose ou o Conhecimento de Allah vem dado pela extinção da existência e pela extinção desta extinção. Mas esta opinião é falsa. A Gnose não exige a extinção da existência e a extinção desta extinção, porque as coisas não têm nenhuma existência. O que não existe não pode deixar de existir.

 

Derivar o Conhecimento da extinção e da extinção da extinção é uma crença própria de idólatras, pois se admites isto, então, admites que algo distinto de Allah possa gozar de existência. Mas admitir isto é o mesmo que O negar; e, então, és manifestamente culpável de idolatria.

 

Allah é a existência da eternidade sem começo e da eternidade sem fim; Ele é a preexistência... Allah não tem companheiro, nem semelhante nem igual.

 

Todas as coisas, inclusive a alma, são em Allah; além do tempo, além do espaço e além de todo atributo.

 

Alguém que se conheça a si mesmo conhece sua alma; então, conhece o Senhor.

 

Tudo aquilo que tu crês que é distinto de Allah, em realidade, é Allah, ainda que tu não o saibas. Tu O vês, mas não sabes que O vês. Quando fores capaz de compreender que não és distinto de Allah, quando este mistério te for revelado, então compreenderás qual é teu fim, compreenderás que tua extinção não é possível, compreenderás que jamais deixaste de ser e que jamais deixarás de existir. Compreenderás, então, que todos os atributos de Allah são teus atributos, que teu exterior é o Seu, que teu interior é o Seu, que teu começo é o Seu e que teu fim é o Seu. Não há dúvida alguma nem possibilidade de erro nestas coisas: tuas qualidades são as Suas e tua natureza é a Sua. Mas nem por isto Ele se converte em ti ou tu te convertes Nele, pois todas estas coisas são certas sem necessidade de transformação, sem necessidade de diminuição e sem necessidade de aumento algum.

 

O efeito da contemplação da Majestade de Allah, no Coração, também pode provir da Beleza, que é a Beleza da Majestade. O efeito da contemplação da Beleza da Presença Divina é a Majestade da Beleza no Coração. (Grifos meus).

 

Não há nada na existência que não contenha seu oposto compensatório.

 

O Nome é o mesmo que o 'objeto nomeado', quando se olha a Essência; mas o Nome não é o mesmo que o 'objeto nomeado' quando se olha seu significado particular.3

 

Quando se descobre o enigma de uma só partícula, se descobre o mistério de toda a criação, tanto interior como exterior.

 

Quem Me perde Me encontra e quem Me encontrou não Me perde.

 

Se chegasses a descobrir o Arrebatamento ('Ajd'), conhecerias, então, a existência real.

 

O Homem Perfeito – O Perfeito Conhecedor – poderá, se ele quiser, afetar qualquer objeto, concentrando toda a sua energia espiritual na coisa focada. Ele poderá, até mesmo, trazer à existência uma coisa que efetivamente [ainda] não exista. Este extraordinário poder é conhecido como 'himmah', e significa energia espiritual concentrada, ou seja, força criativa do Gnóstico. Um objeto criado por 'himmah' continua a existir apenas enquanto o 'himmah' o mantém existindo. Todavia, o Verdadeiro Conhecimento não permite que o 'himmah' seja exercido livremente, arbitrariamente, irresponsavelmente. E quanto maior o Conhecimento do Conhecedor, menos possibilidade há do livre exercício do 'himmah'.

 

 

'Himmah' Irresponsável

 

'Tajalli' = O que é revelado ao Coração a partir da LLuz Divina.4

 

Toda realidade do mundo é um sinal que nos orienta a uma Realidade Divina, a qual é o ponto de apoio de sua existência e o lugar de seu regresso quando ela chega a seu termo.

 

Deus fez as criaturas como véus. Quem as conhece como tais é conduzido a Ele; quem as toma como reais não alcança Sua Presença... As coisas são, com relação a Deus, como véus; quando desaparecem, fica a descoberto o que existe detrás.

 

Poder sem objeto, generosidade sem alguém que a receba, providente sem alguém a ser provido, ajudante sem alguém para ajudar e compassivo sem ter um objeto de compaixão são realidades de efeitos nulos.

 

O mais básico e primário movimento foi o movimento do mundo, que passou do estado de não-existência, no qual ele estava em repouso, para o estado de existência...5 E o movimento que gera a existência do mundo é um movimento de amor. Isto é claramente indicado pelo Apóstolo quando ele disse: 'Eu era um tesouro escondido e Eu amava ser conhecido.' E o mundo, por sua parte, ama testemunhar a si mesmo na existência como costumava testemunhar este amor no estado arquetípico de repouso. Assim, do ângulo que se considerar, o movimento do mundo de um estado arquetípico de não-existência para uma concreta existência foi um movimento de amor de ambas as partes: do Absoluto e do mundo em si mesmo.

 

O Absoluto – pura Unidade é a Unidade da Essência Divina.

 

Processo criativo Suspiro do Compassivo Hálito do Misericordioso.6

 

Não misture as coisas. Coloque cada coisa onde a realidade a pôs. Não diga 'não existe nada além de Deus', mesmo que seja o caso. Os níveis inteligíveis não distinguem entre 'Ele é como isto' e entre 'Ele é como aquilo'. A entidade é uma, como se diz, mas, em respeito a uma coisa, Ele é isto, e, em respeito a outra coisa, 'Ele é algo diferente.7

 

Quando tu te conheceres, o teu ego ilusório desaparecerá, e tu não serás outro senão Deus.

 

Todas as minhas idas e vindas são em direção ao Todo-Compassivo, para alcançar as presenças da Majestade e da Beleza. Deus mostrou pura misericórdia e absoluta benevolência no dia em que nos chamou dizendo: — Desçam!

 

 

 

 

Diálogo Final

 

 

 

Abre esta Porta pra mim?

Não; toma a Chave.

Mas eu não sei abrir!

Enquanto não tentares, ficarás no escuro.

 

 



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Notas:

1. No caso de Ibn 'Arabi, como explica Seyyed Hossein Nasr, sua fonte primária é seu conhecimento gnóstico recebido em estados de contemplação, possível através da Graça ('Barakah') que recebeu do Profeta durante sua Iniciação no Caminho Sufi.

2. Conhecimento SOPhIa.

3. Nome, aqui, pode ser misticamente entendido como sendo o Sanctum Verbum Dimissum. Sic, in principio erat Verbum Dimissum et Inenarrabile; sic, semper erit Verbum Dimissum et Inenarrabile. Sim, no princípio era o Verbum Dimissum et Inenarrabile; sim, sempre será o Verbum Dimissum et Inenarrabile.

4. LLuz Divina Deus de nosso Coração.

5. Este entendimento é semelhante ao conceito teosófico de mânvântâra (período de tempo do ciclo de existência em que ocorre atividade) e de prâlâya (período de tempo do ciclo de existência em que não ocorre atividade). Mahamânvântâra é o período de atividade do cosmo, seguido de um período de inatividade chamado mahaprâlâya, ambos igual duração, ou seja, com 311.040.000.000.000 anos cada.

6. A compreensão sufi desta tríplice equivalência é: Bendito seja Deus que se torna manifesto incessantemente em cada forma que aparece porque Ele configura constantemente cada coisa que se torna manifesta ou é manifestada.

7. Disto se infere que o preconceito é o filho [de]ge[ne]rado da ignorância.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://macarlo.com/rosacruz/linksrosa.htm

http://www.valdostamuseum.org/
hamsmith/Sufiphysics.html

http://www.alhucemaspress.com/index.php?
option=com_content&view=article&id=1399

http://www.bdtd.ufjf.br/tde_busca/
arquivo.php?codArquivo=481

http://www.sufismouniversal.net/page13.php

http://www.sufismouniversal.net/page3.php

http://www.nasrudin.com.br/citacoes.htm

http://www.reneguenon.net/
TitusSimbolismoEspelho.html

http://www.biblioteca.pucpr.br/tede//
tde_busca/arquivo.php?codArquivo=971

http://www.sbmrj.org.br/historia-andaluzia.htm

http://www.servicioskoinonia.org/agenda/
archivo/portugues/obra.php?ncodigo=241

http://www.scribd.com/doc/26193468/Compendio
-de-Ibn-%E2%80%99Arabi-Por-Roberto-Cattani

http://www.sufismouniversal.net/page17.php

http://www.imagomundi.com.br/
espiritualidade/biogr_ibnarabi.pdf

http://www.fraternidaderosacruz.org/
ibn_arabi.htm

http://www.sertaodoperi.com.br/
poesiasufi/poesia/os_mestres.htm

 

Fundo musical:

Candle in the Wind (Elton John)

Fonte:

http://www.eadcentral.com/