por
Dalmo
Dallari
A
Imprensa
Quando
a imprensa afirma que um ato de autoridade foi inconstitucional
ou ilegal deve apontar qual o artigo da Constituição
ou da lei que foi desrespeitado, para permitir aos destinatários
da notícia sua própria avaliação e uma
possível reação bem fundamentada. De modo geral
a ofensa à Constituição e às leis é
sempre grave, num Estado Democrático de Direito. A par disso,
toda a cidadania tem o direito de controlar a legalidade dos atos
das autoridades públicas e para tanto precisa estar bem informada.
Um caso atual e patente de
imprecisão nas informações está dificultando
ou distorcendo a avaliação dos acontecimentos de Honduras.
Grande parte da imprensa brasileira apresenta o presidente deposto
Manuel Zelaya como vítima inocente de golpistas, mas quase
nada tem sido informado sobre os aspectos jurídicos do caso.
Uma omissão importante,
que vem impedindo uma avaliação bem fundamentada dos
acontecimentos, é o fato de não ter sido publicada
pela imprensa a fundamentação constitucional precisa
da deposição de Zelaya, falando-se genericamente em
"golpistas" sem informar quem decidiu tirá-lo da
presidência, por que motivo e com qual fundamento jurídico.
Esses elementos são indispensáveis para a correta
avaliação dos fatos.
Alternância Obrigatória
Com efeito, noticiou a imprensa
que a Suprema Corte de Honduras ordenou que o Exército destituísse
o presidente da República. É surpreendente e suscita
muitas indagações a notícia de que ele foi
deposto pelo Exército por ordem da Suprema Corte. Pode parecer
estranha a obediência do Exército ao Judiciário
para a execução de tarefa que afeta gravemente a ordem
política, o que, desde logo, recomenda um exame mais cuidadoso
das circunstâncias, para constatar se o que ocorreu em Honduras
foi mais um caso de golpe de Estado.
É necessária
uma análise atenta, para saber de onde vem a força
da Suprema Corte para ordenar a deposição de um presidente
eleito e ser obedecida pelo Exército. A par disso, é
importante procurar saber por que motivo e com que base jurídica
a Suprema Corte tomou sua decisão e ordenou ao Exército
que a executasse.
Segundo o noticiário
dos jornais, o presidente deposto havia organizado um plebiscito,
consultando o povo sobre sua pretensão de mudar a Constituição
para que fosse possível a reeleição do presidente
da República, sendo oportuno observar que este seria o último
ano do mandato presidencial de Zelaya.
Ora, está em vigor
em Honduras uma lei, aprovada pelo Congresso Nacional, proibindo
consultas populares 180 dias antes e depois das eleições
– e estas estão convocadas para o mês de novembro.
Foi com base nessa proibição que a consulta montada
por Zelaya foi declarada ilegal pelo Poder Judiciário.
Um dado que deve ser ressaltado
é que a Constituição de Honduras estabelece
expressamente, no artigo 4º, que a alternância no exercício
da Presidência da República é obrigatória.
Pelo artigo 237 o mandato presidencial é de quatro anos,
dispondo o artigo 239 que o cidadão que tiver desempenhado
a titularidade do Poder Executivo não poderá ser presidente
ou vice-presidente no período imediato.
Informações Incompletas
Outro ponto de extrema relevância
é que a Constituição hondurenha não
se limita a estabelecer a proibição de reeleição,
mas vai mais longe. No mesmo artigo 239, que proíbe a reeleição,
está expresso que quem contrariar essa disposição
ou propuser sua reforma, assim como aqueles que o apóiem
direta ou indiretamente, cessarão imediatamente o desempenho
de seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez
anos para o exercício de qualquer função pública.
Reforçando essa proibição,
dispõe ainda a Constituição, no artigo 374,
que não poderão ser reformados, em caso algum, os
artigos constitucionais que se referem à proibição
de ser novamente presidente. Essa é uma cláusula pétrea
da Constituição.
Foi com base nesses dispositivos
expressos da Constituição que a Suprema Corte considerou
inconstitucional a consulta convocada pelo presidente da República
e fez aplicação do disposto no artigo 239, afastando-o
do cargo.
Note-se que a Constituição
é omissa quanto ao processo formal para esse afastamento,
o que deve ter contribuído para um procedimento desastrado
na hora da execução. Tendo em conta que o respeito
à Constituição é fundamental para a
existência do Estado Democrático de Direito, não
há dúvida de que Zelaya estava atentando contra a
normalidade jurídica e a democracia em Honduras. A falta
de informações completas e precisas sobre a configuração
jurídica está contribuindo para conclusões
apressadas que desfiguram a realidade.