Este
estudo tem por objetivo apresentar para reflexão uma pequena coletânea
de pensamentos de Helmut Heinrich Waldemar Schmidt (Hamburgo, 23 de dezembro
de 1918 – Hamburgo, 10 de novembro 2015), um grande alemão
e político do Partido Socialdemocrata da Alemanha. Helmut era considerado
um dos pais do Euro e um dos maiores estadistas do século XX. Era
luterano e foi o quinto chanceler da Alemanha, de 1974 a 1982, tendo servido
brevemente como Ministro das Relações Exteriores, no fim do
seu mandato como chanceler alemão. Até a morte, Helmut permaneceu
um socialdemocrata convicto. Em uma sondagem recente, Helmut foi considerado
o alemão que mais dignificou a imagem da Alemanha no mundo.
Pensamentos
de Helmut Schmidt
Quem quiser alcançar um objetivo
distante terá que dar muitos passos curtos.
Jornalistas
e políticos partilham o triste destino de freqüentemente falar
hoje de coisas que só compreenderão realmente amanhã.
Tem
algo a esconder quem se ressente com as críticas.
Um
sujeito que luta pelo poder é potencialmente perigoso.
Não
importa que tipo de fisionomia a vida lhe mostre. Importa, sim, a fisionomia
com que você encara a vida.
Se
você olhar de perto, você verá que os jornalistas políticos
realmente pertencem mais à classe política e menos ao jornalismo.
Claro,
a energia nuclear tem os seus riscos. Mas, não há poder e
nada no mundo sem riscos, nem mesmo amor.
Os
serviços de inteligência sofrem de duas doenças mentais:
é inevitável que eles tenham que trabalhar em segredo, e isto
deforma a alma. E tendem a acreditar que conhecem os interesses nacionais
muito melhor do que o próprio Governo. Esta última doença
é a razão de eu não confiar neles.
O
Estado de Direito não tem que ganhar ou perder; ele tem que existir.
Nada
é mais importante do que o cuidado pastoral com as pessoas em necessidade.
Para mim, nada é mais importante do que a Teologia.
Uma
sociedade multicultural é uma ilusão dos intelectuais.
O
ritmo normal de qualquer Democracia é o ritmo do caracol.
Não
adianta ficar angurriento;
tudo é lento, muito lento!
Não
adianta ficar cansacento;
tudo é lento, muito lento!
Não
adianta ficar cismarento;
tudo é lento, muito lento!
Não
adianta ficar embirrento;
tudo é lento, muito lento!
Não
adianta ficar lamuriento;
tudo é lento, muito lento!
Não
adianta ficar modorrento;
tudo é lento, muito lento!
Não
adianta ficar morrinhento;
tudo é lento, muito lento!
Não
adianta ficar mulambento;
tudo é lento, muito lento!
Não
adianta ficar quizilento;
tudo é lento, muito lento!
Não
adianta ficar rabugento;
tudo é lento, muito lento!
Não
adianta ficar nebulento;
tudo é lento, muito lento!
Não
adianta ficar flatulento;
tudo é lento, muito lento!
Não
adianta ficar fedorento;
tudo é lento, muito lento!
Não
adianta perder o alento;
tudo é lento, muito lento!
Temos, sim, que tomar tento,
ainda que tudo seja lento!
Também
vamos ser ainda campeões do mundo em gemidos?
Eu
acho que os problemas do mundo e da Humanidade não podem ser resolvidos
sem idealismo. No entanto, eu acredito que devemos ser realistas e pragmáticos
ao mesmo tempo.
Hoje
em dia, o mais importante é aprender a compreender os outros povos.
E não só a sua música, mas, também, a sua filosofia,
a sua atitude e o seu comportamento. Só então é que
as nações poderão se entender.
Um
político que aja sem um fundamento ético-filosófico
corre o risco de cometer muitos erros.1
Qualquer
um que tem visões deve ir ao médico.
Uma
grande coalizão seria um dos piores resultados para o nosso País,
porque não haveria nenhuma possibilidade de mudar o que tem que ser
mudado.2
Leonid
Brezhnev3
era um homem velho, e apesar de sua própria experiência militar
na Segunda Guerra Mundial, ele, por outro lado, não foi muito próximo
dos militares.
O
Presidente Ronald Reagan4
nunca tentou se tornar um especialista em assuntos militares.
Almirantes
e generais querem sempre mais navios e mais armas, e eles levam seus argumentos
onde puderem encontrá-los.
Eu
acho que a questão da superioridade numérica das forças
convencionais russas tem de ser resolvido.
A
palavra-chave é equilíbrio...
Vamos
gastar algum dinheiro, construir mais armas e implantá-las. Esta
é a maneira normal de pensar das forças armadas da América,
da Rússia e de outros países.
Os
franceses ainda acreditam em algumas fórmulas estratégicas
nucleares que herdaram de General De Gaulle.5
Os
líderes políticos normalmente agem fazendo discursos convincentes.
Desconfie
dos políticos que fazem da religião um instrumento. Mantenha
distância dos que misturam política com religião.
Mas,
se as pessoas não tinham tempo, enquanto estudavam para adquirir
conhecimentos gerais, quando, então, elas irão fazer isto?
Se
alguém não tem curiosidade e força aplicada no curso
de sua vida, não se pode ajudá-lo.
Sob
qualquer circunstância, cabe a todos respeito e tolerância com
a cultura dos outros povos.
Políticos
são assim: dizem uma coisa, depois, outra.
A
Alemanha, no meio deste pequeno continente, está numa situação
de merda.
Sobre
a política da União Européia para a crise na Ucrânia:
Uma infantilidade geopolítica.
Para
manter a confiança dos cidadãos na tarefa de proteção
que cabe ao Estado, implica em não libertar terroristas.
O
Freie Demokratische Partei [Partido
Democrático Liberal] quer um afastamento do Estado Social
Democrático em direção a uma sociedade do salve-se
quem puder.
Nós,
sociais-democratas, não abdicamos da liberdade e da dignidade de
cada ser humano. Simultaneamente, não abdicamos da Democracia Representativa,
da Democracia Parlamentar. Estes princípios nos obrigam, hoje, à
solidariedade européia. De certo que a Europa, também no século
XXI, será constituída por Estados Nacionais, cada um com a
sua língua e a sua própria história. Por isto, certamente,
a Europa não se tornará um Estado Federal. Mas, a União
Européia também não pode degenerar numa mera
aliança de Estados. A União Européia tem de se manter
uma aliança dinâmica, em evolução. Não
há em toda a História da Humanidade nenhum exemplo. Nós,
socialdemocratas, temos de contribuir para a evolução passo
a passo desta aliança.
Diálogo
simpático:
Conselho
à nova geração de políticos em uma entrevista
ao jornal Bild, quando celebrou 90 anos de idade: É preciso
ter vontade. E cigarros.
Se
nós, alemães, nos deixássemos seduzir, baseados no
nosso poder econômico, por reivindicar um papel político dirigente
na Europa ou pelo menos desempenhar o papel de primus inter pares [o
primeiro entre seus iguais], então, um número cada
vez maior dos nossos vizinhos resistiria eficazmente. A preocupação
da periferia européia com um centro da Europa demasiado forte regressaria
rapidamente. As conseqüências prováveis de uma tal evolução
seriam atrofiadoras para a União Européia. E a Alemanha cairia
no isolamento... A nossa posição geopolítica central,
mais o papel infeliz no decorrer da História Européia até
meados do século XX, mais a nossa capacidade produtiva atual, tudo
isto exige de todos os Governos alemães uma grande dose de compreensão
dos interesses dos nossos parceiros na União Européia. E a
nossa prestabilidade é indispensável. Nós, alemães,
também não conseguimos sozinhos a grande reconstrução
e capacidade de produção nos últimos seis decênios.
Elas não teriam sido possíveis sem a ajuda das potências
vencedoras ocidentais, sem a nossa inclusão na comunidade européia
e na aliança atlântica, sem a ajuda dos nossos vizinhos, sem
a mudança política na Europa do leste e sem o fim da ditadura
comunista. Nós, alemães, temos razões para estar gratos.
E, simultaneamente, temos a obrigação de nos mostrarmos dignos
da solidariedade através da solidariedade com os nossos vizinhos.
Precisamos
de professores, padres e acadêmicos que possam contribuir com a idéia
de uma ética global mínima, e dos políticos também.
Caso contrário, a era da TV e da Internet globalizada pode nos colocar
em uma era de superficialidade, com mais intolerância e guerra.
Uma
política sem consciência tende para o crime. O esquecimento
de que o Homem não é para a Economia, mas, a Economia para
o Homem fez com que a especulação financeira desembocasse
no ‘Capitalismo de rapina.
Ao
contrário de uma árvore ou de uma estrela, não nos
basta existir; precisamos existir para alguém que nos devolva a nós
mesmos a nossa dignidade e o nosso valor.
O
que hoje esperamos da Igreja é cuidado e consolação,
compaixão com os fracos e pobres, solidariedade com o nosso vizinho
doente.
Desejo
que os alemães entendam que a União Européia tem de
ser concluída, e que nós não podemos nos elevar acima
dela.
Princípios
básicos do Liberalismo na Alemanha: liberdade e tolerância.
Quando
eu nasci, em 1918, a esperança média de vida era 60 anos.
Hoje, está em 80 anos, e vai aumentar. Isto significa que não
podemos continuar a ir para a reforma (aposentadoria) com 58 ou 62 anos.
Vamos ter de trabalhar até os 67, 68, 70 anos. Vamos precisar de
escolas profissionais para que os operários da construção
civil com 50 anos, cujo corpo não permite mais fazer esse tipo de
trabalho, mas, ainda são demasiado jovens para a reforma, comecem
uma nova carreira com computadores, por exemplo. É uma alteração
profunda no mundo profissional, que vamos ter de levar a cabo. E os Estados
Sociais Europeus terão de saber lidar com este desafio.6
O
risco de que a situação se agrave, como em agosto de 1914,
cresce a cada dia.
Eu
diria que, em geral, a Europa tem falta de líderes. Carece de personalidades
à frente dos Estados Nacionais e das instituições européias,
que tenham um domínio suficiente das questões nacionais e
internacionais e que demonstrem uma capacidade de juízo adequado.
É
possível
que algumas das questões controversas entre os EUA e a URSS, tais
como controle de armamentos, direitos humanos e conflitos regionais possam
ser resolvidas no decurso deste ano? A resposta é um rotundo
não. Um ano é muito pouco para se chegar a um acordo.
A
arquitetura de Oscar Niemeyer é deslumbrante, arrebatadora.
As
praias do Nordeste do Brasil são perigosas, porque os cocos podem
cair em sua cabeça.
É
necessário lidar com o Irã como se lida com
qualquer Estado soberano.
Meu
otimismo em relação ao Brasil decorre, em parte, de suas fantásticas
riquezas minerais, do gigantesco potencial agrícola do País
e também da formidável vitalidade de uma população
em média ainda jovem. Alguns obstáculos à caminhada
brasileira existem, mas, podem ser vencidos. Um deles é o desequilíbrio
da riqueza. A diferença atual de padrões de vida entre a costa
brasileira e o interior é tão grande como a que existe entre
Xangai e Sichuan, na China. Se a China for capaz de superar essas contradições
nos próximos decênios, terá um papel poderoso no cenário
mundial. O mesmo vale para o Brasil. A um Brasil mais igualitário
está reservado um papel de liderança.
Quando
digo que o Brasil pode ser uma superpotência, não estou me
referindo apenas à capacidade militar. Do meu ponto de vista, uma
potência mundial é o resultado de vários fatores. O
militar é apenas um deles. Decorre de sua capacidade econômica,
de sua saúde social, da ausência de conflitos internos, do
tamanho do território. Apenas por causa de seu território,
a Rússia já é uma potência, queiramos ou não.
Sem levar em conta suas 10.000 ogivas nucleares. O Brasil não precisa
de armas nucleares, mas, não excluo a possibilidade de que venha
a desenvolvê-las um dia.
Com
a expressão "Capitalismo de rapina", refiro-me especificamente
aos consultores e corretores que fazem as operações de anexação
hostil de empresas, aos intermediários financeiros, aos palpiteiros
de plantão do mercado de capitais, aos plantadores de boatos, enfim,
a todos aqueles que participam dessa ciranda financeira desenfreada, ganhando
rios de dinheiro, sem levar em conta as conseqüências de suas
decisões. Pelo menos metade das grandes fusões do mercado
é malsucedida. Elas são feitas apenas por ganância dos
executivos que chegam para os conglomerados e dizem: "Vejam só,
temos um palpite excelente de como se pode comprar o conglomerado 'a' ou
'b' ". Claro que eles lucram muito e artificialmente com essas transações.
É isto o que entendo por "Capitalismo de rapina". Trata-se
de um desenvolvimento lamentável do Capitalismo, sob o qual se esconde
um impulso doentio para a riqueza fácil.
O
grande poder regulador dos Governos vem sendo exercido com
ações de defesa ambiental. No passado, nem o Estado nem a
iniciativa privada dispunham de competência reguladora sobre este
setor. Agora têm. Até mesmo nos países do Sudeste Asiático
e do Extremo Oriente os Governos vêm impondo medidas ambientais. Este
é um domínio em que a soberania estatal cresce, consolida-se
e aprimora-se em relação a trinta ou vinte anos atrás.
Um
domínio-chave em que os Governos perderam essencialmente o controle
nos últimos vinte a trinta anos é o campo das finanças
internacionais. Neste domínio, se cometem os maiores atentados à
razão e à moral nas manobras especulativas mais baixas. Trata-se
de um campo muito amplo, com aspectos bastante distintos – e falo
aqui menos dos mercados de crédito que da especulação
financeira de curto prazo com papéis, ações e moedas.
A
aliança de interesses contra a globalização é
completamente estéril. É uma aliança contra o óbvio,
feita por aqueles que são contra o que desconhecem inteiramente.
Esses grupos se voltam contra um clichê, a palavra "globalização".
É estranho porque a globalização nem é coisa
nova. Comércio mundial e tráfego internacional existem desde
Marco Polo, Colombo e os armadores de Veneza e Genebra. Desde o início
da idade moderna, a globalização operou uma divisão
internacional do trabalho entre os fornecedores de matérias-primas
e os países da manufatura. Aquilo que se conhece mais recentemente
como globalização já estava muito claro desde a crise
do petróleo, no início dos anos 70. Naquela época,
os políticos inteligentes perceberam que a Economia de seus países
não poderia mais ser conduzida independentemente dos desdobramentos
da Economia Mundial. O que é absolutamente novo é o poder
dos novos atores financeiros. Um poder nada transparente, por sinal
As
autoridades podem modernizar os mecanismos de controle bancário,
supervisionar as operações financeiras e de seguro, estabelecer
novas regras internacionais de conduta nesse setor. Isso é perfeitamente
possível. Já foi feito em outros setores da vida internacionalizada.
Temos uma complexa regulamentação para o transporte marítimo.
Desde o advento da aviação comercial, surgiram também
novas regras de tráfego. Apenas um exemplo: nenhum avião decola
de Frankfurt em direção a Londres se não houver um
lugar preciso para ele aterrissar quando chegar ao Aeroporto de Heathrow.
O transporte aéreo é prova de uma complexa e eficiente regulamentação
internacional. É hora de os países mais desenvolvidos chegarem
a um acordo sobre como controlar o fluxo do dinheiro.
Fluxo
do Dinheiro
Apenas
em uma parcela mínima o desemprego em massa na Europa é conseqüência
da concorrência internacional. A culpa maior é da super-regulamentação
estatal do mercado de trabalho. Há uma inflação de
normas e regulamentos. Apenas a legislação da União
Européia tem 80.000 parágrafos. Este é um dos maiores
obstáculos a um desenvolvimento mais flexível. O Estado de
Bem-estar desempenha também um papel decisivo com seus pesados encargos
sociais. Mas, o ponto mais importante é que o alto nível salarial
e o elevado padrão social dos países europeus implicam naturalmente
altíssimos custos de produção diante dos países
de baixa renda e com baixo padrão de vida. Se os produtos que fazemos
podem ser confeccionados em qualquer outro lugar do mundo com a qualidade
do "made in Germany" e a um preço bem mais baixo, então,
sobram aos europeus apenas duas alternativas. A primeira é se conformar
em achatar seus salários e, no futuro, rebaixar seu padrão
social. A segunda, ainda mais decisiva, é se capacitar para fabricar
coisas que não possam ser produzidas em nenhum outro lugar.
Não tenho nenhuma dúvida
de que o euro será, em alguns anos, uma moeda mundialmente reconhecida.
Em trinta anos, haverá três moedas mundiais: o dólar
americano, o euro e o renminbi chinês. Existe certo ceticismo na opinião
pública de alguns países no momento em que, pela primeira
vez, as pessoas têm de pagar o aluguel, o cigarro ou o café,
enfim, as pequenas coisas do dia-a-dia, não mais em pesetas, francos
ou marcos, mas, em euros. Mas, a maioria vai se acostumar rapidamente com
isso.
Neste
momento, não existe uma clara distribuição de tarefas
e competências entre o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.
Um se imiscui na órbita do outro. E ambos agem apenas em função
da manutenção e da ampliação de seu poder enquanto
organizações. O mesmo vale para o Secretariado Geral das Nações
Unidas. Faltam transparência e controle democrático a estas
organizações. Entretanto, uma democratização
irá ocorrer logo.
Alguns
políticos americanos são muito ligeiros para fazer juízos
de valor sobre tudo e acreditam que aquilo que funciona nos Estados Unidos
deve funcionar em qualquer outro lugar. Provavelmente, esta petulância
perdurará por alguns anos, mas, mais cedo ou mais tarde, os americanos
serão obrigados a reconhecer que a China e a Rússia são
superpotências mundiais, e que o Brasil e a Índia provavelmente
irão integrar esse grupo.
As
Democracias também precisam de liderança.
Helmut
Schmidt