O mais forte e o mais
violento da prisão: —Vamos brincar de gurufinho.
O porta-voz-puxa-saco-esposa
do mais forte e mais violento:
—Você aí negão. Você vai
ser o gurufinho. Quem quiser brincar com a gente escolhe um peixe. Quem
não quiser, se manda. E não adianta reclamar que pingüim,
baleia, gurufinho etc. não são peixes. O chefe falou que
aqui são. Então são. Quem vai? Eu vou ser o peixe-espada.
Adoro esse peixe!
Detento 1 (o negão):
— O gurufinho está, quem não está é
a baleia...
Detento 2: —
A baleia está, quem não está é a sardinha...
Detento 3: —
A sardinha está, quem não está é o tubarão...
Detento 4: —
O tubarão está, quem não está é o
gurufinho...
Detento 1 (o negão):
— O gurufinho está, quem não está é
o polvo...
Detento 5: —
O polvo está, quem não está é o gurufinho...
Detento 1 (o negão):
— O gurufinho está, quem não está é
o peixe-espada...
Detento 6: —
O peixe-espada está, quem não está é o tubarão...
Detento 4: —
O tubarão está, quem não está é a
moréia...
Detento 7: —
A moréia está, quem não está é a
baleia...
Detento 2: —
A baleia está, quem não está é a raia...
Detento 8: —
A raia está, quem não está é a foca...
Detento 9: —
A foca está, quem não está é o pingüim...
Detento 10: —
O pingüim está, quem não está é a orca...
?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!
O mais forte e o mais
violento da prisão: —
Esqueceu dançou! Quebra ele! A orca errou! Desce o cacete nesse
otário com cara de orca!
O porta-voz-puxa-saco-esposa
do mais forte e mais violento: — Tá eliminado. Vamos
continuar a brincar. Começa aí gurufinho.
Detento 1 (o negão):
— O gurufinho está, quem não está é
o peixe-espada...
Detento 6: —
O peixe-espada está, quem não está é o leão-marinho...
Detento 11: —
O leão-marinho está, quem não está é
o peixe-espada...
Detento 6: —
O peixe-espada está, quem não está é o linguado...
Detento 12: —
O linguado está, quem não está é a sardinha...
Detento 3: —
A sardinha está, quem não está é o peixe-espada...
Detento 6: —
O peixe-espada está, quem não está é a sardinha...
Detento 3: —
A sardinha está, quem não está é o peixe-espada...
Detento 6: —
Vê se pára sardinha; o peixe-espada já falou que
está, quem não está é o cherne...
?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!
O mais forte e o mais
violento da prisão: — Quebra esse cherne!
Esse prego errou também! Desce o cacete nesse otário!
Bate... Bate mais até ficar roxo... Sangra ele...
O porta-voz-puxa-saco-esposa
do mais forte e mais violento: — Tá eliminado. Vamos
continuar a brincar. Começa aí gurufinho.
.....................
Gurufinho
era uma brincadeira(?) de mau gosto
Que era feita nas prisões
do Rio nos anos setenta.1
Esqueceu o peixe escolhido...
surra e desgosto!
O
infeliz que errava ou se esquecia do seu peixe
Levava tanta porrada
que ficava de cor magenta.2
Saía do jogo e
não podia escolher outro peixe.
Lugar
comum: violência gera violência.
Em ambientes como as
prisões
Não há
qualquer complacência.
Nesses lugares se empedram
os corações.
Mas,
será que empedram mesmo?
Ou as criaturas —
desiludidas e sem esperança,
Sem eira nem beira e
vivendo a esmo —
Lá no fundo, têm
um ångström3 de
______
Notas
1. Quem me contou
esse fato foi um delegado da polícia civil, por volta de 1970,
no Bilhar Ideal, no Posto 6, em Copacabana, no Rio de Janeiro (não
sei se ainda se brinca assim nos presídios cariocas).
Esse Bilhar, o Ideal, já não existe mais há décadas,
mas, foi lá que pude assistir, por diversas vezes, o Carne
Frita jogar sinuca.
2. Será que
alguns não esqueciam o seu peixe de propósito? Isso
não é improvável.
3. 1 ångström
= 1,0 x 10–10
m
Como Fazer Um Inferno
E-mail retransmitido
Mensagem original:
Desembargador Eduardo Mayr
(Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro)
Sim, o inferno
existe. Ele é
individual, pessoal e intransferível.
Cada pessoa
carrega o seu onde quer que vá, feito por ela própria,
da mesma forma que carrega o paraíso quando escolheu
a opção oposta.
A receita
para fazer um inferno é simples. As
pessoas nascem sabendo como se faz isso e o fazem sem perceber
que sabem como fazê-lo.
Em todo caso,
para aqueles que ainda não possuem seu inferno, aqui
vai a receita de como montá-lo de forma eficiente e
eficaz:
Comece por
aceitar todas as idéias prontas que surgem. Acredite
que tudo que vem da televisão é verdadeiro.
Minta, minta
bastante.
Nunca, em
hipótese alguma, pare para questionar alguma coisa.
Pensar com
critérios sérios, escolhendo com bom senso,
agindo sinceramente consigo mesmo, são espécies
de contra-receitas para fazer se um inferno. Ou
seja, haverá fracasso na sua criação.
Atenção!
Isto é importante: jamais seja sincero.
Falar demais
e pensar de menos é um aditivo importante no processo.Os
desentendimentos que isso causa podem acelerar sensivelmente
a construção do inferno.
Endividar-se
além das possibilidades de ganho é outro comportamento
importante para obter êxito no pleito. Portanto,
poupança nem pensar.
Ao invés
de se dedicar na tarefa de descobrir as capacidades inatas
em si mesmo, passando apenas a sentir inveja daqueles que
o fazem, é algo que colabora demais na construção
infernal.
Acreditar
naquelas pregações baratas cujo único
objetivo é o saldo de uma conta bancária ajuda
demais. O processo é
mais rápido para aquelas pessoas que emprestam sua
fé para os outros por preguiça de procurarem
elas mesmas a verdade.
Outro componente
infalível na receita é sempre procurar trabalhar
no que não gosta, ou não tentar - ao menos -
descobrir algo para gostar no trabalho que faz.
Acreditar
no que dizem os políticos sem pesquisar se há
alguma verdade ali e depois votar naquele que achar mais simpático,
carismático, eloqüente e, como diria o sábio
povo da roça, escorregadio. Interessante
neste caso é que não haverá colaboração
apenas para a construção do inferno da própria
pessoa que o deseja, mas também, para a coletividade
no entorno.
Sim, existem
pessoas que laboram pela construção de um inferno
coletivo. Mas isso,
na verdade, é apenas uma aglomeração
de infernos próximos. As
guerras acontecem dessa forma. Seus arquitetos são
exímios construtores de inferno.
Outra parte
importante da receita: ignore os conselhos paternos.
Agora existem
ingredientes sutis na receita. Fazem
parte da categoria dos sentimentos.
Cultivar a
indiferença dizendo que nada tem a ver com o problema
que afeta as outras pessoas.
Aceitar o
ciúme como algo normal extrapolando na ilusão
da propriedade sobre o outro e arrasando relacionamentos é
certeza da construção de um inferno bastante
sólido, cuja reversão custará um oceano
de lágrimas.
Ampliar o
repertório de desculpas.
Afinal, aquele
que passa fome faz isso por conta própria. Isso é
algo assim como o rabo do elefante afirmando que não
pertence ao elefante, simplesmente porque não o pode
ver por inteiro. Esta
parte da receita, sozinha, é capaz de montar um inferno
amplo, pois os preteridos da vida sempre acabam por se voltar
indiscriminadamente contra tudo e contra todos. Esse é
o famoso inferno que vem a cavalo.
Deixar as
crianças por si mesmas entregues a toda sorte de vicissitudes
é algo que não apenas ajuda a criar um inferno,
mas faz com que ele se amplie geometricamente como se tivesse
vida própria.
Não
fazer agora o que deve ser feito agora, perdendo o momento
adequado, é algo que auxilia demais. Mesmo
porque, depois, a inutilidade do arrependimento é um
fardo do qual será impossível se livrar. Aliás,
esse é o inferno agregado.
Porém,
se o objetivo é criar o paraíso, apenas inverta
a receita.