O GURUFINHO

 

 

Gurufinho

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Música de fundo: Under The Sea

Fonte: http://www.geocities.com/TimesSquare/Battlefield/4636/midi.htm

 

Em um instituto prisional...

 

 

 

 

O mais forte e o mais violento da prisão: Vamos brincar de gurufinho.

O porta-voz-puxa-saco-esposa do mais forte e mais violento: Você aí negão. Você vai ser o gurufinho. Quem quiser brincar com a gente escolhe um peixe. Quem não quiser, se manda. E não adianta reclamar que pingüim, baleia, gurufinho etc. não são peixes. O chefe falou que aqui são. Então são. Quem vai? Eu vou ser o peixe-espada. Adoro esse peixe!

Detento 1 (o negão): — O gurufinho está, quem não está é a baleia...

Detento 2: — A baleia está, quem não está é a sardinha...

Detento 3: — A sardinha está, quem não está é o tubarão...

Detento 4: — O tubarão está, quem não está é o gurufinho...

Detento 1 (o negão): — O gurufinho está, quem não está é o polvo...

Detento 5: — O polvo está, quem não está é o gurufinho...

Detento 1 (o negão): — O gurufinho está, quem não está é o peixe-espada...

Detento 6: — O peixe-espada está, quem não está é o tubarão...

Detento 4: — O tubarão está, quem não está é a moréia...

Detento 7: — A moréia está, quem não está é a baleia...

Detento 2: — A baleia está, quem não está é a raia...

Detento 8: — A raia está, quem não está é a foca...

Detento 9: — A foca está, quem não está é o pingüim...

Detento 10: — O pingüim está, quem não está é a orca...

 

?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!

 

O mais forte e o mais violento da prisão: Esqueceu dançou! Quebra ele! A orca errou! Desce o cacete nesse otário com cara de orca!

O porta-voz-puxa-saco-esposa do mais forte e mais violento: — Tá eliminado. Vamos continuar a brincar. Começa aí gurufinho.

Detento 1 (o negão): — O gurufinho está, quem não está é o peixe-espada...

Detento 6: — O peixe-espada está, quem não está é o leão-marinho...

Detento 11: — O leão-marinho está, quem não está é o peixe-espada...

Detento 6: — O peixe-espada está, quem não está é o linguado...

Detento 12: — O linguado está, quem não está é a sardinha...

Detento 3: — A sardinha está, quem não está é o peixe-espada...

Detento 6: — O peixe-espada está, quem não está é a sardinha...

Detento 3: — A sardinha está, quem não está é o peixe-espada...

Detento 6: — Vê se pára sardinha; o peixe-espada já falou que está, quem não está é o cherne...

 

?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!?!

 

O mais forte e o mais violento da prisão: Quebra esse cherne! Esse prego errou também! Desce o cacete nesse otário! Bate... Bate mais até ficar roxo... Sangra ele...

O porta-voz-puxa-saco-esposa do mais forte e mais violento: — Tá eliminado. Vamos continuar a brincar. Começa aí gurufinho.

 

.....................

 

 

 

 

Gurufinho era uma brincadeira(?) de mau gosto

Que era feita nas prisões do Rio nos anos setenta.1

Esqueceu o peixe escolhido... surra e desgosto!

 

O infeliz que errava ou se esquecia do seu peixe

Levava tanta porrada que ficava de cor magenta.2

Saía do jogo e não podia escolher outro peixe.

 

Lugar comum: violência gera violência.

Em ambientes como as prisões

Não há qualquer complacência.

Nesses lugares se empedram os corações.

 

Mas, será que empedram mesmo?

Ou as criaturas — desiludidas e sem esperança,

Sem eira nem beira e vivendo a esmo —

Lá no fundo, têm um ångström3 de  

 

 

 

 

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Notas

1. Quem me contou esse fato foi um delegado da polícia civil, por volta de 1970, no Bilhar Ideal, no Posto 6, em Copacabana, no Rio de Janeiro (não sei se ainda se brinca assim nos presídios cariocas). Esse Bilhar, o Ideal, já não existe mais há décadas, mas, foi lá que pude assistir, por diversas vezes, o Carne Frita jogar sinuca.

2. Será que alguns não esqueciam o seu peixe de propósito? Isso não é improvável.

3. 1 ångström = 1,0 x 10 –10 m

 


Como Fazer Um Inferno

E-mail retransmitido

Mensagem original: Desembargador Eduardo Mayr
(Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro)

 

Sim, o inferno existe. Ele é individual, pessoal e intransferível.

Cada pessoa carrega o seu onde quer que vá, feito por ela própria, da mesma forma que carrega o paraíso quando escolheu a opção oposta.

A receita para fazer um inferno é simples. As pessoas nascem sabendo como se faz isso e o fazem sem perceber que sabem como fazê-lo.

Em todo caso, para aqueles que ainda não possuem seu inferno, aqui vai a receita de como montá-lo de forma eficiente e eficaz:

Comece por aceitar todas as idéias prontas que surgem. Acredite que tudo que vem da televisão é verdadeiro.

Minta, minta bastante.

Nunca, em hipótese alguma, pare para questionar alguma coisa.

Pensar com critérios sérios, escolhendo com bom senso, agindo sinceramente consigo mesmo, são espécies de contra-receitas para fazer se um inferno. Ou seja, haverá fracasso na sua criação.

Atenção! Isto é importante: jamais seja sincero.

Falar demais e pensar de menos é um aditivo importante no processo.Os desentendimentos que isso causa podem acelerar sensivelmente a construção do inferno.

Endividar-se além das possibilidades de ganho é outro comportamento importante para obter êxito no pleito. Portanto, poupança nem pensar.

Ao invés de se dedicar na tarefa de descobrir as capacidades inatas em si mesmo, passando apenas a sentir inveja daqueles que o fazem, é algo que colabora demais na construção infernal.

Acreditar naquelas pregações baratas cujo único objetivo é o saldo de uma conta bancária ajuda demais. O processo é mais rápido para aquelas pessoas que emprestam sua fé para os outros por preguiça de procurarem elas mesmas a verdade.

Outro componente infalível na receita é sempre procurar trabalhar no que não gosta, ou não tentar - ao menos - descobrir algo para gostar no trabalho que faz.

Acreditar no que dizem os políticos sem pesquisar se há alguma verdade ali e depois votar naquele que achar mais simpático, carismático, eloqüente e, como diria o sábio povo da roça, escorregadio. Interessante neste caso é que não haverá colaboração apenas para a construção do inferno da própria pessoa que o deseja, mas também, para a coletividade no entorno.

Sim, existem pessoas que laboram pela construção de um inferno coletivo. Mas isso, na verdade, é apenas uma aglomeração de infernos próximos. As guerras acontecem dessa forma. Seus arquitetos são exímios construtores de inferno.

Outra parte importante da receita: ignore os conselhos paternos.

Agora existem ingredientes sutis na receita. Fazem parte da categoria dos sentimentos.

Cultivar a indiferença dizendo que nada tem a ver com o problema que afeta as outras pessoas.

Aceitar o ciúme como algo normal extrapolando na ilusão da propriedade sobre o outro e arrasando relacionamentos é certeza da construção de um inferno bastante sólido, cuja reversão custará um oceano de lágrimas.

Ampliar o repertório de desculpas.

Afinal, aquele que passa fome faz isso por conta própria. Isso é algo assim como o rabo do elefante afirmando que não pertence ao elefante, simplesmente porque não o pode ver por inteiro. Esta parte da receita, sozinha, é capaz de montar um inferno amplo, pois os preteridos da vida sempre acabam por se voltar indiscriminadamente contra tudo e contra todos. Esse é o famoso inferno que vem a cavalo.

Deixar as crianças por si mesmas entregues a toda sorte de vicissitudes é algo que não apenas ajuda a criar um inferno, mas faz com que ele se amplie geometricamente como se tivesse vida própria.

Não fazer agora o que deve ser feito agora, perdendo o momento adequado, é algo que auxilia demais. Mesmo porque, depois, a inutilidade do arrependimento é um fardo do qual será impossível se livrar. Aliás, esse é o inferno agregado.

Porém, se o objetivo é criar o paraíso, apenas inverta a receita.