O GUARDA-NOTURNO
Um
guarda-noturno trabalhava em uma empresa especializada em lapidação
de diamantes. Era funcionário dessa conceituada empresa há
23 anos, e trabalhava todas as noites, segundo a opinião de todos
os seus colegas, com empenho, exação e lealdade.
Na
manhã de uma quarta-feira, antes de voltar para casa, ele pediu
para falar urgentemente com o presidente da empresa, que costumava chegar
ao trabalho às 7 horas. Imediatamente atendido, contou ao presidente
que tivera um sonho naquela noite. Disse-lhe que sonhara que o avião
que ele iria tomar no dia seguinte para Paris sofreria um acidente aéreo,
cairia no mar e todos os passageiros e tripulantes morreriam no desastre.
O
presidente, que tinha verdadeiro pavor de avião e que, além
disso, era muito supersticioso, assustado com a informação
do seu funcionário, decidiu cancelar o vôo.
Dois
dias mais tarde, na sexta-feira pela manhã, a manchete principal
dos jornais e a notícia que abria os telejornais era a queda
do jumbo em que o presidente da empresa viajaria para a Cidade Luz,
em pleno Oceano Atlântico. Até aquele momento não
havia notícia de sobreviventes. O desastre havia sido pavoroso.
O
presidente logo que chegou à empresa, imediatamente mandou chamar
o guarda-noturno – que já estava informado do acidente
– agradeceu efusivamente o aviso que lhe salvara a vida e, a seguir,
sem dar nenhuma explicação, despediu-o da empresa. O guarda-noturno,
sem compreender a atitude do presidente, arrasado, principalmente depois
de ter salvo a vida do seu presidente, retirou-se do gabinete e dirigiu-se
para o departamento de pessoal.
A pergunta é: Por que
o guarda-noturno foi demitido da empresa? Se você não conseguiu
chegar a uma conclusão, a resposta está no final do texto.
A
estória acima, obviamente, não aconteceu, mas é
educativa no sentido de que embute na própria narrativa o motivo
que levou o presidente da empresa em se decidir pela demissão
do seu antigo colaborador.
Da
mesma forma, os livros tidos e respeitados como sagrados, os contos
esotéricos, as monografias místicas etc. escondem nas
entrelinhas, de maneira velada – e, às vezes, cifrada –
ensinamentos que os desatentos não percebem. Por outro lado,
muitos têm o mau hábito de, sem qualquer esforço
dialético, entender as coisas ao pé da letra.
Se os textos, necessariamente, ocultam, a preguiça e o preconceito
podem motivar muitos dissabores e até desgraças irremediáveis.
A história não se cansa de nos ensinar isso. É
sobre esse tema que refletirei neste despretensioso ensaio com três
exemplos conhecidos.
1º Exemplo
Bíblia
Sagrada, Evangelho de João, XI - Ressurreição
de Lázaro
Disse
Jesus: — Lázaro: sai para fora — E, imediatamente,
como narra João, saiu o que estivera 'morto', porque,
como já havia anunciado Jesus, a enfermidade de Lázaro
não era de 'morte', mas para que que se fizesse a primeira
'compreensão' (),
degrau iniciático para fosse (seja) alcançada a Sabedoria
(). Cumpriu-se
a sentença de Sócrates: Só é útil
o Conhecimento que nos torna melhores. Lázaro não
estava morto quando foi misticamente 'ressuscitado'. Este trecho
do Evangelho de João (e não importa se o fato
ocorreu da forma como foi relatado, e nem mesmo se ocorreu) alude simbolicamente
a um tipo de Iniciação na qual o Iniciado jazia como se
morto estivesse – em profunda letargia – por três
dias e meio (84 horas), e ressurgia como um homem renovado. Daí
o ensinamento místico-esotérico: para Nascer
para a Vida,
é necessário Morrer
para a vida.
Sobre
esse tema, há um pensamento de Michel Eyguem de Montaigne (1533-1592)
extremamente esclarecedor: É mais negócio interpretar
as interpretações do que as próprias coisas, e
há mais livros sobre livros do que sobre outros assuntos. Só
fazemos entreglosar-nos [entregloser]. É mais ou
menos como disse Xenófanes de Cólofon: A opinião
reina em tudo.
De
certa forma fora do contexto do que me propus a examinar neste ensaio,
o dramático acidente que ocorreu na usina nuclear de Chernobyl,
em Pripiat, na ex-União Soviética, em 1986, também
serve como exemplo. Depois da explosão do reator número
4, na madrugada fatídica de 26 de Abril de 1986, a radiação
varreu tudo. A Cidade, depois da explosão do reator, teve que
ser evacuada e o acidente inutilizou uma área equivalente a um
Portugal e meio, ou seja, 140.000 quilômetros quadrados. Mas,
o que provocou o acidente? Simplesmente prevaleceu sobre seus colegas
a opinião absurda do engenheiro-chefe da Usina que estava
encarregado pelo Sistema de fazer um teste na potência do reator.
Contrariando temerariamente as normas de segurança obrigou que
os testes fossem realizados absurdamente fora dos limites de segurança
estabelecidos no manual de funcionamento do reator. Seus auxiliares,
muito mais preparados do que ele, apesar de terem insistido e argumentado
de que o teste não deveria ser realizado naquelas condições,
foram sistematicamente humilhados durante a verificação,
e, com receio de perderem o emprego e as mordomias e de serem enviados
para a Sibéria, cederam. O resultado foi um desastre pavoroso
de todos conhecido. Opinião + vaidade + desejo de ser
promovido no Partido + autoritarismo + incompetência + não-sei-o-quê
foram os ingredientes daquele horripilante desastre nuclear, no qual
a opinião de um homem perturbado emocionalmente prevaleceu
arbitrariamente sobre a dos demais. E é exatamente dessa forma
que também prevalecem os múltiplos fanatismos. Vira-e-mexe
também me lembro de Fernando e Isabel – o rei e a rainha
de Castela e de Leão – do Papa Sixto IV e de Tomás
Esquizofrênico-Assassino de Torquemada, o Inquisidor-mor
para todos os territórios dos católicos Fernando e Isabel.
E também dos espoliadores-coalizadores e dos inquisidores-terroristas
de hoje. No fundo, são todos instrumentos e sócios dos
Irmãos das Sombras.
|
Chernobyl,
em Pripiat
ex-União Soviética
|
84 = 8
+ 4 = 12
12 =
1 + 2 = 3
3
= 1
2º Exemplo
Disse
Pai John: ... sou como um homem sentado debaixo de uma grande árvore,
que vê bestas selvagens e serpentes vindo contra ele em grande
número. Quando não pode mais, ele corre, sobe na árvore,
e se salva. É a mesma coisa comigo; sento-me em minha cela e
estou consciente de pensamentos maus vindo contra mim; e quando não
tenho mais forças contra eles, busco refúgio em Deus pela
oração, e sou salvo do inimigo. As bestas selvagens
e as serpentes não são as bestas selvagens e as serpentes.
São as nossas tentações e os os nossos demônios
interiores. São realmente muitos e em grande número.
Sentar-se em uma cela é isolar-se para meditar; é também
afastar-se das ofertas mundanas; e é também entrar no
castelo não expugnável para combater o bom combate contra
as bestas selvagens e contra as serpentes que engendramos e partejamos
conscientemente e inconscientemente. E refugiar-se em Deus é
permitir que o Deus já parcialmente construído e em perpétua
construção em nosso coração possa Falar
em Silêncio.
O
inimigo jamais será definitivamente vencido, pois não
poderá jamais ser expulso de nosso interior. O místico
sabe que é assim, e por isso não teme o inimigo. Com ele
convive, mas o traz sob domínio, sob controle. Por isso, recentemente,
escrevi em um texto que divulguei:
1º - Não
apóio nenhuma forma de violência, ainda que, no passado,
eu tenha sido, em um certo sentido, imoderado.
2º - Não
apóio nem a vingança nem a retaliação, ainda
que, no passado, eu tenha, em um certo sentido, retaliado.
3º - Não
apóio nenhuma forma de assassinato, nem mesmo em legítima
defesa, ainda que, no passado, em um certo sentido, eu tenha tido alguns
pensamentos homicidas.
Uma
das belezas do Misticismo é que os Místicos sabem que
o Trabalho é interminável. Não existe um paraíso
eterno e muito menos um inferno permanente. Essas construções
são nossas. Simbolicamente, o místico carrega dois baldes:
o primeiro contém o Bem, a Beleza, Justiça e a Humildade
— o cimento, a pedra, a areia e a água com os quais constrói
diariamente seu Mestre-Deus interior e pratica a solidariedade e o bem;
o segundo contém apenas água, com a qual vai apagando
o fogo invertido dos seus equívocos, das suas tentações,
das suas cobiças, dos seus desejos, das suas paixões e
dos seus desalentos. Esses baldes jamais poderão ser comprados,
negociados ou recebidos milagrosamente; são adquiridos pelo Mérito
e pelo Trabalho. Por acaso alguém já
viu um ioiô funcionar sem um barbante? Portanto, o correto é:
Homo est Deus et Diabolus. E a Serpente tanto
pode simbolizar as trevas como a LLuz.
3º Exemplo
Na
Surata de Abertura do Alcorão Sagrado está
escrito: Bismillahi Al-Rahman Al-Rahim... Ihdina Siráta
al mustaquim... Em Nome de Deus, O Clemente, O Misericordioso...
Guia-nos à Senda Reta... Mesmo o mais abominável dos homens
não está definitivamente condenado. O primeiro passo para
a reconciliação é o arrependimento absolutamente
sincero. Não por medo; não porque um Deus possa perdoar
quem se arrepende; não por qualquer pensamento hipotético;
não porque alguém pertence a uma ou a outra confissão
religiosa. Não. Mas pela compreensão dos erros cometidos.
Essa é a primeira chave.
Simbolicamente
há duas sendas: a da esquerda e a da Direita (a Senda Reta Alcorânica);
a que conduz para baixo e a que Eleva; a que dissolve e a que Liberta
e Illumina. No momento
inicial — ontem, hoje ou amanhã — quando uma vela
é acesa na caverna do nosso desespero-ignorância, o primeiro
impulso é clamar por Deus — construção pensamentar
simbólica do Bem, da Beleza, da Justiça da Clemência
e da Misericórdia. Em um dado momento de nossa Pereginação
pela dualidade compreende(re)mos que os Deuses foram criações
humanas para servir de paradigma para as categorias acima, e para outras
como a Humildade, a Solidariedade, a Tolerância, a Força,
a Vontade etc., e, infelizmente, também para outras como a vingança,
a punição, a retaliação, o julgamento etc.
Então, não mais clama(re)mos por Deus para fazer justiça
e para sermos guiados à Senda Reta. Passa(re)mos nós mesmos
a construir essa Senda Reta e augura(re)mos para que todos construam
suas Sendas Retas pessoais. Em última instância, somos,
individual e coletivamente, os responsáveis por tudo. E, historicamente,
não há um único Estado neste Planeta que não
tenha sido construído, em algum momento, sobre a dor e sobre
o sangue. Somos todos responsáveis!
Por
isso, nenhuma religião pode ser desqualificada no que tem de
mais belo: incentivo à crença na existência de um
Ente Supremo como causa, fim ou lei universal, primeiro portal para
a compreensão de que esse Ente Supremo está em nós
como causa e como efeito, como começo e como fim e como lei indissociável
e inerente à Lei Una, Perpétua, Imutável, Autônoma
e Imparcial.
O
Profeta Muhamma
(que a Paz e a Bênção estejam com Ele), da mesma
forma que Issa-Jesus (que a Paz e a Bênção estejam
com Ele) e outros Altos Iniciados, não podiam, na época
em que se manifestaram neste Plano, dar à Humanidade o que ela
não estava preparada para receber. Assim falaram por parábolas
— narrativas alegóricas que encerram preceitos religiosos
ou morais, especialmente as encontradas na Bíblia Sagrada e no
Sagrado Acorão — e usaram imagens e fatos da época
que muitos ainda insistem em compreendê-las em seu sentido literal,
ainda que tais fatos e tais imagens, em muitos casos, não se
apliquem mais no mundo contemporâneo.
Por
isso, repito: assassinar é suicidar-se; suicidar-se
é assassinar. Ou será que alguém pode
admitir que um Alto Iniciado ou Profeta possam ter recomendado e ter
estimulado qualquer tipo de matança em nome do que quer que seja?
Nem a Bíblia (particularmente o Segundo Testamento)
nem o Corão (particularmente a Surata de Abertura) autorizam
essa ilação.
Infelizmente,
tanto no Ocidente quanto no Oriente, muitos pensam que sim. O que restará,
por exemplo, do Iraque depois de tanto sangue? Eu só consigo
enxergar o fim do conflito que se abateu sobre o Iraque, se e quando
as forças ditas de coalizão tirarem suas botas e seus
tanques de lá. Esse conceito arbitrário e preconceituoso
de eixo do mal poderá levar o mundo a um impasse, e
já ceifou a vida de milhares de seres humanos apenas porque possuem
outra cultura e outra religião. É claro que por trás
de tudo isso está o petróleo iraquiano. Quem sabe, de
repente, possa acontecer um milagre e todo aquele petróleo seque
de uma hora para a outra. Eu não tenho a menor dúvida
de que se isso pudesse mesmo acontecer os coalizadores sairiam de lá
em cinco minutos. O investimento não iria mais valer a pena.
Por outro lado, nada disso justifica o terrorismo e a matança
de civis. Assassinar é suicidar-se; suicidar-se é
assassinar.
Em minha ilusão
fraterna fico imaginando que poderia ser agora, por exemplo, que a potência
nuclear Índia poderia se reconciliar com a potência nuclear
Paquistão, ajudando empenhadamente esse País
em virtude do terremoto devastador (7,6 graus na Escala Richter) que
se abateu sobre a região da fronteira entre o Paquistão
e a Índia (com epicentro na região montanhosa da Cachemira
paquistanesa), ontem, madrugada de sábado, 8 de Outubro de 2005,
com reflexos na Índia, no Afeganistão e em Bangladesh.
Até agora já se sabe que morreram mais de 30.000 pessoas.
_
_ _ _ _
_ _
Resposta:
Se o funcionário é um guarda-noturno, e se teve um sonho
à noite, é porque estava dormindo no serviço! Por
esse motivo, o presidente da empresa resolveu demiti-lo.
Websites
Consultados
http://www.quixote.tv/index.htm
http://www.islam101.com/art/bismillah.html
http://educar.sc.usp.br/licenciatura/1999/cher.html
http://oglobo.globo.com/online/ciencia/default.asp?2