COM ELAS OU SEM ELAS?

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Caramba! Veio o rei de copas!

 

 

 

mas vezes,

é ginjinha com elas;

outras vezes,

é ginjinha sem elas.

 

Umas vezes,

é ïwasa'i sem tïpï'oka;

outras vezes,

é só arroz com feijoca.

 

Umas vezes,

é apenas farofa de bolão;

outras vezes,

é sem manteiga no pão.

 

Umas vezes,

é [ba]calhuço com vatatas;1

outras vezes,

são vatatas com vatatas.

 

Umas vezes,

é a influência de Marte;

outras vezes,

é sem tir-te nem guar-te.

 

Umas vezes,

é uma doce bicota de língua;

outras vezes,

não dá – está a doer a íngua.

 

 

Umas vezes,

são os rouxinóis nos beirais;

outras vezes,

são os pregões tradicionais.

 

Umas vezes,

gostamos da Amália Rodrigues;

outras vezes,

damos primazia ao Jair Rodrigues.

 

 

Amália Rodrigues a Dançar o Tiro Liro Liro

 

 

Umas vezes,

oscilamos como um pêndulo;

outras vezes,

não sei o quê como um êmbolo.

 

 

 

 

 

Umas vezes,

meditamos em uma taberna;

outras vezes,

choramos em nossa caverna.

 

Umas vezes,

buscamos a Santa Iniciação;

outras vezes,

não apre[e]ndemos a Lição.

 

Umas vezes,

perseguimos a Santa SOPhIa;

outras vezes,

nos curvamos por uma ninharia.

 

Umas vezes,

olhamos com toda indulgência;

outras vezes,

sentimos uma puta impaciência.

 

Umas vezes,

tratamos muito mal a argila;

outras vezes,

entropigaitamos a gorgomila.

 

Umas vezes,

narcisamo-nos (como o Narciso);

outras vezes,

tudo parece obscuro e impreciso.

 

 

Narciso

Narciso
Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571 – 1610)

 

 

Umas vezes,

achamos que o céu é indiferente;

outras vezes,

cremos, mas de forma intermitente.

 

Umas vezes,

ouvimos a Santa Voz de Deus;

outras vezes,

somos pior que o pior dos ateus.

 

Umas vezes,

decidimos tomar o Vinho;

outras vezes,

somos negrura e desalinho.

 

Umas vezes,

somos justificados devotos;

outras vezes,

descumprimos nossos votos.

 

Umas vezes,

procuramos um campo florido;

outras vezes,

nosso padecimento é dolorido.

 

Umas vezes,

o viver é um jogo monótono;

outras vezes,

nem é isóbaro nem é isótono.

 

Umas vezes,

nos recordamos da mocidade;

outras vezes,

ela não traz qualquer saudade.

 

Umas vezes,

catamos um abrigo seguro;

outras vezes,

ficamos em cima do muro.

 

Umas vezes,

de pé, estamos deitados;

outras vezes,

deitados, sonhamos acordados.

 

Umas vezes,

queremos um prêmio indevido;

outras vezes,

destingimos o que está Tingido.

 

Umas vezes,

dizemos: — Oh! Deus!, não me faltes!

Outras vezes,

dizemos: — Oh! satã!, não me exaltes!

 

Umas vezes,

é a vanidade meio sem remédio;

outras vezes,

é o luto, a angústia e o tédio.

 

Umas vezes,

é o terremoto que rasa;

outras vezes,

é o tsunami que arrasa.

 

 

 

 

Umas vezes,

é o rompimento do dique;

outras vezes,

é a usina que vai a pique.

 

Umas vezes,

é a enchente que assola;

outras vezes,

é o deslize que desola.

 

Umas vezes,

é o incêndio que incendeia;

outras vezes,

 

Umas vezes,

é na base da cachaça;

outras vezes,

é na porrada e na raça.

 

Umas vezes,

é o barco que afunda;

outras vezes,

é o raio do calo na bunda.

 

Umas vezes,

não discernimos funda de bunda;

outras vezes,

confundimos sunda com birunda.

 

Umas vezes,

é o ditador que não sai;

outras vezes,

é a Democracia que cai.

 

 

 

 

Umas vezes,

tremelica mas não cai;

outras vezes,

não cai porque descai.

 

Umas vezes,

é o pecado que alouca;

outras vezes,

é a alma que é mouca.

 

Umas vezes,

invade-nos uma baita aflição;

outras vezes,

nem sequer sentimos tesão.

 

Umas vezes,

amanhecemos de chinelos trocados;

outras vezes,

acordamos muito bem-humorados.

 

Umas vezes,

mijamos de medo do inferno;

outras vezes,

seguimos à risca o Caderno.

 

 

 

 

 

Umas vezes,

o político não tem pressa;

outras vezes,

é o zorro que atravessa.

 

Umas vezes,

é o presidente que mente;

outras vezes,

é o povo que é ausente.

 

Umas vezes,

votamos e nos lembramos;

outras vezes,

sufragamos e olvidamos.

 

Umas vezes,

é o médico que erra;

outras vezes,

é o doente que emperra.

 

Umas vezes,

é uma febrícula terçã;

outras vezes,

é um piriri de manhã.

 

Umas vezes,

é o docente que não sabe;

outras vezes,

é no discente que não cabe.

 

 

Aí em cima sou eu, quando estudava
Desenho Técnico (que nunca entendi)
– e
sem-vergonhamente passei colando!

 

Umas vezes,

é o pai que vive ausente;

outras vezes,

é a mãe que é indiferente.

 

Umas vezes,

estamos mais para pícaro;

outras vezes,

estamos mais para ícaro.

 

Umas vezes,

é a coluna que dói;

outras vezes,

é o remorso que mói.

 

Umas vezes,

é a energia que falta;

outras vezes,

é a inflação em alta.

 

Umas vezes,

é o mercado que oscila;

outras vezes,

é o pandorga que vacila.

 

 

 

Umas vezes,

perdemos nosso emprego;

outras vezes,

não d[o]amos só por apego.

 

Umas vezes,

acordamos bem-dispostos;

outras vezes,

despertamos maldispostos.

 

Umas vezes,

estamos 100% de acordo;

outras vezes,

é inevitável o desacordo.

 

Umas vezes,

sabemos bem o porquê;

outras vezes,

é sem quê nem pra quê.

 

Umas vezes,

é a vida que paralitica;

outras vezes,

é a morte que espinica.

 

Umas vezes,

a encarnação é a convite;

outras vezes,

ela é para ajeitar o apetite.

 

Umas vezes,

si vis pacem para bellum;2

outras vezes,

si vis pacem para pacem.3

 

Umas vezes,

ferimos e assassinamos;

outras vezes,

amamos e fraternizamos.

 

Umas vezes,

talvez sim... Talvez sopas...

Outras vezes,

caramba! Veio o rei de copas!

 

Umas vezes,

o calor acalora e degela;

outras vezes,

o frio congela e enregela.

 

 

 

 

Umas vezes,

queimamos e desfolhamos;

outras vezes,

nos mancamos e ecologizamos.

 

Umas vezes,

atuamos como dementes;

outras vezes,

enfim, somos conscientes.

 

Mas, por vezes,

mesmo já conscientes,

ocorrem reveses...

E ficamos indolentes.

 

 

 

 

 

 

______

Notas:

1. Em mil novecentos do século passado, na época que eu papava os meus irmãos-animais – e adorava! – minha mãe, que era uma tripeira da melhor qualidade, fazia um [ba]calhuço à Gomes de Sá de botar inveja no Gomes de Sá – o gajo que deve ter bolado este modo de preparar o bacalhau. No dia seguinte, com o que sobrava (quando sobrava) ela fazia uns bolinhos de bacalhau maravilhosos. Você prestou atenção no que eu disse? Eram verdadeiros bolinhos de bacalhau; não batatalhuços. Bem, sem criticar ninguém, pois não é o meu feitio, hoje, só de pensar que, no passado, eu comi muitos irmãos-animais, me dá uma tristonha infinita, isto é: tristeza + vergonha! Mas, veja bem: se você usa, na sua dieta, carne animal, não deixe de usar. Comer carne animal longe está de ser pecado; para algumas coisas, apenas atrapalha um pouco. Há, certamente, outros bodes, mas... Zilhões de vezes pior do que comer carne animal é não comer e ter vontade comer. Isto é meio parecido com o celibato imposto pela Igreja Católica aos seus confrades; o sacerdote não pode isto, não pode aquilo, e o resto você sabe. E não se esqueça: o Dezoito (parece que) era vegetariano!

2. Si vis pacem para bellum é uma locução latina que quer dizer: se queres a paz, prepara-te para a guerra. Foi escrita pelo autor romano Publius Flavius Vegetius Renatus, um escritor do Império Romano do século IV d.C. A locução é uma de muitas provenientes do seu livro Epitoma Rei Militaris, que foi provavelmente escrito no ano 390 d.C.

3. Si vis pacem para pacem. Se queres a paz, prepara-te para a paz. É exatamente como disse o jurista, político, diplomata, escritor, filólogo, tradutor e orador brasileiro Ruy Barbosa de Oliveira (Salvador, 5 de novembro de 1849 – Petrópolis, 1º de março de 1923): Não se obtém a paz, senão aparelhando a paz.

 

Observação:

Eu garimpei algumas idéias para compor este texto nos Rubaiyat (plural da palavra persa rubai, e quer dizer quadras, quartetos), de autoria do poeta, matemático e astrônomo iraniano Ghiyath al-Din Abu'l-Fath Umar ibn Ibrahim Al-Nishapuri al-Khayyami (Nishapur, Pérsia, 25 de julho de 1048 – 4 de dezembro de 1131). Para quem não conhece esta obra, uma boa tradução está no endereço:

http://www.alfredo-braga.pro.br/poesia/rubaiyat.html

Música de fundo:

Tiro Liro Liro
Intérprete: Amália Rodrigues

Fonte:

http://www.belita.org/Music/

 

Página da Internet consultada:

http://learningenglishatica.blogspot.com/