Demasiadamente
tarde, conheci a boa consciência, no trabalho alternado das imagens
e dos conceitos, duas boas consciências, que seria a do pleno dia
e a que aceita o lado noturno da alma.
Várias
vezes, nos diferentes trabalhos consagrados ao espírito científico,
nós tentamos chamar a atenção dos filósofos
para o caráter decididamente específico do pensamento e do
trabalho da Ciência moderna. Pareceu-nos cada vez mais evidente, no
decorrer dos nossos estudos, que o espírito científico contemporâneo
não podia ser colocado em continuidade com o simples bom senso.
Todo
conhecimento é uma resposta a uma pergunta.
Todo
conhecimento é polêmico. Antes de se constituir, deverá
destruir as construções passadas e abrir lugar a novas construções.
É este movimento dialético que constitui a tarefa da nova
Epistemologia.
As
imagens imaginadas são, antes, sublimações dos arquétipos
do que reproduções da realidade.
A
água anônima sabe todos os segredos. A mesma
lembrança sai de todas as fontes.
Que
amargor há no Coração de um ser que a doçura
corrói?
Só
pode ficar duro [insensível]
quem se concentra apenas em si, quem maltrata os próprios ímpetos,
ou seja, todos os impulsos do vegetalismo verde e tenro.
O
animal é a vida cotidiana. O vegetal, a vida anual. O mineral, a
vida secular, a vida que se conta em milênios.
O
homem é a criação do desejo e não a criação
da necessidade.1
A
imaginação2
não é mais do que a pessoa arrebatada nas coisas.
É
preciso que a imaginação seja demasiada para que o pensamento
a tenha bastante.3
O
pensamento puro deve começar por uma recusa da vida. O primeiro pensamento,
claro, é o pensamento do nada.4
Compreendemos
a Natureza resistindo-lhe.
A
conquista do supérfluo provoca uma excitação espiritual
superior à conquista do necessário.
Não
há uma verdade fundamental; apenas há erros fundamentais.
Quem
acha sem procurar é quem longamente buscou sem encontrar.
Imaginar
é subir um tom na realidade.
Com
os seres vivos, parece que a Natureza se exercita no artificialismo. A vida
destila e filtra.
Face
à realidade, o que julgamos saber claramente ofusca o que deveríamos
saber.
O
real nunca é aquilo em que se pode acreditar, mas, é sempre
aquilo em que deveríamos ter pensado.
Não
se encontra o espaço. É sempre necessário construí-lo.
Para
ser feliz, é necessário pensar na felicidade do outro.
A
linguagem está nos postos de comando da imaginação.
A
morte é, em primeiro lugar, uma imagem, e permanece
uma imagem. Só pode ser consciente em nós caso se exprima,
e só se pode exprimir por metáforas.
As
grandes paixões são preparadas em grandes devaneios.
A
razão humana e o raio do elétron são
apenas resumos estatísticos.
Pelas
suas técnicas prodigiosas, o homem ultrapassa, ao que parece, os
contextos do seu próprio pensamento.
Que
sempre existam almas para as quais o amor seja também o contato de
duas poesias, a convergência de dois devaneios. O amor, enquanto amor,
nunca termina de se exprimir, e se exprime tanto melhor quanto mais poeticamente
é sonhado. Os devaneios de duas almas solitárias preparam
a magia de amar. Um realista da paixão verá aí apenas
fórmulas evanescentes. Mas, não é menos verdade que
as grandes paixões se preparam em grandes devaneios. Mutilamos a
realidade do amor quando a separamos de toda a sua irrealidade.
Entre
a imagem e o conceito, nenhuma síntese. Tampouco esta filiação,
sempre dita, jamais vivida, pela qual os psicólogos fazem o conceito
emergir da pluralidade das imagens. Quem se entrega com todo o seu espírito
aos conceitos, com toda a sua alma às imagens, sabe bem que os conceitos
e as imagens se desenvolvem em linhas divergentes da vida espiritual.
Para
ensinarmos um aluno a inventar precisamos lhe mostrar que ele já
possui a capacidade de descobrir.5
Conheço
uma tristeza com cheiro de abacaxi.
A
princípio, os eixos da Ciência e da Poesia são inversos.
Tudo o que a Filosofia pode esperar é tornar a Ciência e a
Poesia complementares, uni-las como dois contrários bem feitos. É
preciso, portanto, opor ao espírito poético expansivo o espírito
científico taciturno.
Um
homem é um homem na medida em que ele é um super-homem.6
Um homem deve ser definido pela soma das tendências que o leva a superar
a condição humana.
Uma
página em branco dá o direito de sonhar.
Eu
sou um sonhador de palavras, de palavras escritas.
Ao
ser apresentado à cultura científica, o espírito nunca
é jovem. É mesmo muito antigo, pois tem a idade dos seus preconceitos.
Estamos
no século da imagem. Para o bem ou pra o mal, sofreremos mais do
que nunca a ação da imagem.
A
escada que leva até um sótão sempre sobe e nunca desce,
como sempre desce e nunca sobe a de um porão.
A
retitude da razão não é congênita.
Nada
é evidente. Nada é dado. Tudo deve ser construído.
Uma
experiência bem realizada é sempre positiva.7
Uma
experiência científica é uma experiência que contradiz
a experiência comum.
Um
poema é um conjunto de imagens.
Fui
Andando...
Fui
andando pela estrada...
Em cada rosto,
tudo e nada.
Como elétrons
numa piscina,
em cada esquina,
uma sina.
No
fim... Não encontrei o fim.
Cada um em seu
palanquim.
Voltei a caminhar
na estrada...
No povão,
só percebi maçada!
E
o tempo passou, passando...
E a estrada
foi encompridando...
E a expectativa
dos expectantes
permaneceu igual
como dantes.
Na
escuridão de cada solidão,
uma sensação
de tudo em vão.
Em cada bramido desatendido,
um oculto rancor por
ter crido.
|
As
imagens não são conceitos. Não se separam em sua significação.
Precisamente tendem a ultrapassar sua significação.
A
verdadeira poesia tem a função de despertar.
A
poesia é um dos destinos da expressão.
As
idéias são refinadas e multiplicadas pelo comércio
das mentes.
O
subconsciente murmura sem parar. E é por ouvir estes murmúrios
que acabamos ouvindo a verdade.
As
palavras do mundo querem fazer sentenças.
As
idéias são inventadas apenas para corrigir
o passado.
Mesmo
o menor acontecimento na vida de uma criança é um evento para
as crianças do mundo e, portanto, um evento mundial.
Um
ser privado da função do irreal é tão neurótico
quanto um ser privado da função do real.
A
Ciência é a Estética da inteligência.
Se
me pedissem para nomear os benefícios principais de uma casa, eu
diria: abriga os devaneios, protege o sonhador e permite sonhar em paz.
Um
tipo especial de beleza nasce na linguagem, da linguagem e para a linguagem.
Devemos
sempre manter uma conexão com o passado, e, ainda, incessantemente
nos afastarmos dele.8
O
homem é um ser de imaginativo.
Como
um fogo esquecido, a infância pode se incendiar novamente dentro de
nós.9
Provavelmente, dois
meios filósofos nunca farão o que um metafísico inteiro
pode fazer.
Quando
a imagem é nova, o mundo também é novo.
Devemos
ouvir os poetas.
A
imagem poética existe para além da causalidade.
O
ar é a própria substância da nossa liberdade –
a substância da alegria sobre-humana. A alegria aérea é
liberdade.
A
imagem poética é uma saliência súbita
na superfície da psique.
Em
suma, é preciso confessar que existem dois tipos de leitura: a leitura
em 'animus' e a leitura em 'anima'. Não sou o mesmo homem quando
leio um livro de idéias, em que o 'animus' deve ficar vigilante,
pronto para a crítica, pronto para a réplica, ou um livro
de poesia, em que as imagens devem ser recebidas em uma espécie de
acolhimento transcendental dos dons. Ah!, para fazer eco a este dom absoluto,
que é uma imagem de poeta, seria necessário que nossa 'anima'
pudesse escrever um hino de agradecimento! O 'animus' lê pouco; a
'anima', muito. Não é raro o meu 'animus' repreender-me por
ler demais. Ler, ler sempre, melíflua paixão da 'anima'. Mas,
quando, depois de haver lido tudo, entregamo-nos à tarefa, com devaneios,
de fazer um livro, o esforço cabe ao 'animus'. É sempre um
duro mister, esse de escrever um livro. Somos sempre tentados a limitar-nos
a sonhar.
Imaginar
será sempre mais do que viver.
Simplificar
é sacrificar. Simplificar é o equivalente inverso da explicação
que, por sua vez, não teme a prolixidade.
A
substância é dotada do ato de nos tocar. Ela nos toca assim
como a tocamos, dura ou suavemente.
O
mundo é minha provocação. Compreendo o mundo porque
o surpreendo com minhas forças incisivas, com minhas forças
dirigidas, na exata hierarquia de minhas ofensas.
A
memória sonha; o devaneio lembra.
Existe
um sentido em falar de análise poética do homem. Os psicólogos
não sabem tudo. Os poetas trazem outras luzes a respeito do homem.
As
intimidades do sujeito e do objeto se t(r)ocam entre si.
A
conquista é lenta. A derrota é breve. O desejo lentamente
formado se desfaz em um instante.
Ver
e mostrar estão fenomenologicamente em violenta antítese.
O
devaneio na criança é um devaneio materialista. A criança
é materialista por natureza. Seus primeiros sonhos são os
sonhos das substâncias orgânicas.
Como
o nosso pensamento exprime ações tanto virtuais como reais,
ele encontra seu ponto culminante no momento exato da decisão. Em
particular, não há sincronia alguma entre a idéia,
o pensamento de agir e o desenvolvimento efetivo da ação.
A concentração de uma ação em um instante decisivo
constitui, assim, ao mesmo tempo, a unidade e o absoluto desta ação.
O gesto acabará, então, da maneira que puder, entregue como
está a mecanismos subalternos não-vigiados; para o comportamento
temporal o que importa é começar o gesto, ou melhor, permitir
que ele comece. Toda ação é nossa graças a este
consentimento.
A
maneira pela qual amamos uma substância, pela qual lhe enaltecemos
a qualidade, manifesta uma reatividade em todo o nosso ser. A qualidade
imaginada nos revela a nós mesmos como sujeito qualificante.
Será
sempre preciso buscar a qualidade na adesão total do sujeito que
se envolve a fundo naquilo que imagina.
Quando
a felicidade de imaginar prolonga a felicidade de sentir, a qualidade se
propõe como uma acumulação de valores – um sensualismo
fervilhante, ousado, ébrio de inexatidão.
Para
além do panorama oferecido à visão tranqüila,
a vontade de olhar se alia a uma imaginação inventiva que
prevê uma perspectiva do oculto, uma perspectiva das trevas interiores
da matéria.
Nada
nos é plena e definitivamente dado, nem mesmo nós a nós
mesmos.
O
espírito científico é essencialmente uma retificação
do saber, um alargamento dos quadros do conhecimento.
Entre
o conhecimento comum e o conhecimento científico a ruptura nos parece
tão nítida que estes dois tipos de conhecimento não
poderiam ter a mesma filosofia. O Empirismo é a Filosofia que convém
ao conhecimento comum. O Empirismo encontra aí sua raiz, suas provas,
seu desenvolvimento. Ao contrário, o conhecimento científico
é solidário com o Racionalismo, e, quer se queira ou não,
o Racionalismo está ligado à Ciência, o Racionalismo
reclama fins científicos. Pela atividade científica, o Racionalismo
conhece uma atividade dialética que prescreve uma extensão
constante dos métodos.
Quando
se procuram as condições psicológicas do progresso
da Ciência, logo se chega à convicção de que
é em termos de obstáculos que o problema do conhecimento científico
deve ser colocado. E não se trata de considerar obstáculos
externos, como a complexidade e a fugacidade dos fenômenos, nem de
incriminar a fragilidade dos sentidos e do espírito humano: é
no âmago do próprio ato de conhecer que aparecem, por uma espécie
de imperativo funcional, lentidões e conflitos. É aí
que mostraremos causas de estagnação e até de regressão,
detectaremos causas de inércia às quais daremos o nome de
obstáculos epistemológicos. O conhecimento do real é
luz que sempre projeta algumas sombras. Nunca é imediato e pleno.
O real nunca é o que se poderia achar, mas é sempre o que
se deveria ter pensado. No fundo, o ato de conhecer se dá contra
um conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos, superando
o que, no próprio espírito, é obstáculo à
espiritualização.
Seguir
sendo um estudante deve ser o voto secreto de um professor.10
Saber
é ser capaz de ensinar.
É
irracional obedecer a uma lei antes de estamos convencidos da racionalidade
desta lei.
Não
se pode reter sem compreender.11
A
razã0 só poderá conhecer o que logrou apreender [experienciar].
E, contudo, para pensar, em primeiro lugar, há muitas coisas que
desaprender.
Enfim,
o primeiro princípio da educação científica,
no reino intelectual, parece-me aquele ascetismo, que é o pensamento
abstrato. Sozinho, ele pode nos conduzir a dominar o conhecimento experimental.
Quanto
mais difícil é uma tarefa, mais ela é educadora.
A
complexidade é necessária, pois tudo que é fácil
de ensinar é inexato, pobre, superficial e vago.
A
simplicidade não é um estado de coisas, mas um estado de alma.
Não somos simples porque acreditamos, mas porque acreditamos é
que somos simples.
A
verdade é filha da discussão e não da simpatia.
A
Ciência se opõe absolutamente à opinião. A opinião
pensa mal. Não pensa: traduz necessidades em conhecimento. Não
se pode basear nada na opinião: antes de tudo, é preciso destruí-la.
Ela é o primeiro obstáculo a ser superado.
O
problema do erro nos parece mais importante do que o problema da verdade.
Ou melhor: só encontraremos uma solução possível
para o problema da verdade quando afastarmos erros cada vez mais refinados.