GALILEU GALILEI
(Pensamentos)

 

 

 

Galileu Galilei

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Objetivo do Estudo

 

 

 

Concordo quando é dito que as ciências físicas e naturais, em geral, têm na Renascença a sua maior expressão em Leonardo da Vinci e, sobretudo, em Galileu Galilei; e pelo que diz respeito em especial à Astronomia, em Copérnico e em Kepler. Nesta oportunidade, apresento para reflexão alguns pensamentos de Galileu Galilei – um dos maiores astrônomos da história, um dos principais representantes do Renascimento Científico dos séculos XVI e XVII, a maior expressão da ciência nova e o grande metodólogo da ciência natural, sendo, por isto, considerado o pai da ciência moderna. Galileu sustentava que o modelo copernicano do Heliocentrismo era, de fato, uma descrição verdadeira do mundo, e não apenas uma forma mais cômoda de descrever matematicamente as representações do Universo heliocêntrico de Copérnico. A revolução sistematizada do conhecimento empreendida por Galileu pode ser resumida em dois fatos: 1º) descoberta de uma linguagem apropriada para a ciência; e 2º) descoberta de que as matemáticas são a gramática da Física. O historiador da ciência Alexandre Koyré afirmou que, com Galileu, o movimento emancipou-se, o cosmos desmembrou-se, o espaço geometrizou-se.

 

Galileu foi o primeiro a contestar as afirmações de Aristóteles, que, até aquele momento, havia sido o único a fazer descobertas sobre a Física. Neste período, ele fez a balança hidrostática, que, posteriormente, deu origem ao relógio de pêndulo. A partir da informação da construção do primeiro telescópio, na Holanda, ele construiu a primeira luneta astronômica e, com ela, pôde observar a composição estelar da Via Látea, os satélites de Júpiter, as manchas do Sol e as fases de Vênus. Estes achados astronômicos foram relatados ao mundo através do livro Sidereus Nuntius (Mensageiro das Estrelas), em 1610. Foi através da observação das fases de Vênus, que Galileu passou a enxergar embasamento na visão de Copérnico (Sistema Heliocêntrico – o Sol como centro do Universo).

 

Por sua visão heliocêntrica, o astrônomo italiano teve que, em 1611, ir a Roma, pois estava sendo acusado de professar uma heresia. Condenado, foi obrigado a assinar um decreto do Tribunal da Inquisição no qual declarava que o Sistema Heliocêntrico era apenas uma hipótese. Contudo, em 1632, Galileu voltou a defender este Sistema e deu continuidade aos seus estudos. Reza a lenda que, depois de abjurar, maldizer e detestar seus erros e suas heresias, ao sair do tribunal da inquisição, após sua condenação, Galileu disse a célebre frase: Eppur si muove!, ou seja, contudo, ela se move!, referindo-se à Terra, mais ou menos como está aí embaixo.

 

 

 

 

Como bem resumiu Aires de Almeida, há três tipos de razão que fizeram de Galileu o pai de uma nova forma de encarar a Natureza: em primeiro lugar, deu autonomia à ciência, fazendo-a sair da sombra da Teologia e da autoridade livresca da tradição aristotélica; em segundo lugar, aplicou, pela primeira vez, o novo método – o método experimental defendendo-o como o meio adequado para se chegar ao conhecimento; finalmente, deu à ciência uma nova linguagem, que é a linguagem do rigor, a linguagem matemática. Seja como for, a história de Galileu é um exemplo célebre de como a violação à liberdade de opinião das pessoas pode ser altamente prejudicial ao desenvolvimento das ciências.

 

Todas as Páginas da Internet consultadas, de onde intervalei e cortei pedaços para desenhar este estudo desoriginal, estão listadas ao final. Considero os pesquisadores consultados (citados e não citados) co-autores neste estudo.

 

 

 

DISCORSI E DIMOSTRAZIONI MATEMATICHE

Frontispício dos Discorsi de Galileu

 

 

 

Breve Biografia

 

 

 

Galileu frente ao tribunal da inquisição romana

Galileu frente ao tribunal da inquisição romana
(pintura de Cristiano Banti, 1824 – 1904)
Durante o julgamento de Galileu,
o Cardeal Roberto Bellarmino disse:
Afirmar que a Terra gira em torno do Sol é tão errôneo
quanto afirmar que Jesus não nasceu de uma virgem.

 

 

 

Galileu Galilei, filho mais velho de Vincenzo Galilei e de Giulia Ammannati, foi um físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano que teve um papel preponderante na chamada revolução científica. Nasceu em Toscana, em 15 de fevereiro de 1564, e faleceu em Florença, cego e condenado pela Igreja, longe do convívio público, com quase 78 anos, em 8 de janeiro de 1642, tendo sido enterrado na Capela de Santa Croce. Quase quatro séculos após a sua morte, em 1992, é iniciada a revisão do seu processo, e a mesma Igreja ignorante e preconceituosa que o condenou, revendo o processo, decidiu, em 1999, pela sua absolvição. Meno male!

 

Galileu ensinou nas Universidades de Pisa e de Pádua; a seguir, lecionou em Florença, como matemático e filósofo. Pela sua defesa do sistema astronômico de Copérnico (heliocêntrico) foi para Roma onde foi processado pelo Santo Ofício, que condenou aquele sistema (1616). Galileu, tendo defendido com persistência o supradito sistema, foi processado e condenado novamente em 1633. Passou seus últimos anos de vida na Vila de Arcetri, perto de Florença, onde faleceu em 1642. Entre suas obras, são famosas: O Saggiatore (1623), livro polêmico contra os aristotélicos; o Diálogo Sopra i Due Massimi Sistemi del Mondo (1632), que foi causa do segundo processo; e o Diálogo Delle Scienze Nuove (1638).

 

Como Aristóteles e Tomás de Aquino, Galileu estava convencido de que o conhecimento humano deve se firmar na experiência; mas, diversamente daqueles dois Filósofos que partem da experiência para transcendê-la e construir uma metafísica geral e especial, Galileu ficou no âmbito da própria experiência. Galileu estudava o mundo não para conhecê-lo metafisicamente, isto é, para colher as essências imutáveis das coisas, mas fisicamente, isto é, para colher os fenômenos e suas leis. Tais leis, julgava Galileu, seriam as matemáticas; pois, o Livro da Natureza é escrito com caracteres que são triângulos, quadrados, círculos, esferas, cones, pirâmides e outras figuras matemáticas muito aptas para tal leitura. Daí a explicação matemática dada à Física, resultando, assim, a físico-matemática, o que constituirá o elemento verdadeiramente racional, universal e necessário da ciência moderna, e virá a ser tão fecundo em resultados práticos e técnicos.

 

Para constituir a ciência, portanto, é mister a experiência e a razão, sentido e discurso, como dizia Galileu. Quanto ao procedimento metódico e particular para construir a ciência, Galileu distinguia três momentos principais: a) a observação; b) a hipótese; e c) a experimentação – que é a verificação da hipótese – que irá negá-la ou poderá confirmá-la. A hipótese, se for confirmada experimentalmente, transformar-se-á em lei.

 

 

 

 

A ciência galileana é, por conseguinte, quantitativa, a saber, o seu princípio racional é matemático: é, assim, é uma ciência físico-matemática-mecânica. O que é irredutível à quantidade é considerado como subjetivo, escapando ao alcance e comprovação da físico-matemática, não sendo, portanto, ciência. Galileu considerava objetivas as propriedades geométrico-mecânicas, quais sejam: a figura, o tamanho, a posição, o movimento, o número – que serão mais tarde chamadas qualidades primárias; ao passo que considera subjetivas (transformação das objetivas por obra dos nossos órgãos sensoriais) as propriedades qualitativas, quais sejam: a cor, o som, o sabor, o frio, o calor – que serão mais tarde denominadas de qualidades secundárias.

 

Com Galileu, começa a tendência da Filosofia moderna que se estenderá até meados do século XX – tendo se manifestado clara e particularmente nos Racionalismos de Descartes, Spinoza e Leibniz – de reduzir a Metafísica à Física, pelo esforço de explicar tudo matematicamente e considerar a ordem matemática como a ordem ideal da realidade. Pretensão e esforço, em certos casos, utópicos, porquanto não se podem reduzir à qualquer quantidade, por exemplo, a Essência de Espírito e a Alma Cósmica, e nem sequer os elementos qualitativo-subjetivos da realidade empírica. Como reduzir, por exemplo, no caso dos elementos qualitativo-subjetivos da realidade empírica como o bem, o amor e a beleza à uma quantidade numérica qualquer? Será mister, portanto, que a ciência moderna, mesmo no seu aspecto racional-matemático, adquira consciência da sua limitação, permanecendo entre os limites da experiência, não pretendendo se tornar Metafísica, enquanto apenas ciência pura. Há coisas que jamais poderão ser compreendidas e realizadas pelo simples exercício da razão.

 

No processo instaurado contra Galileu, de um lado, há uma sólida e muito bem estruturada Teologia, que se julgava, sem razão, conexa necessariamente com a ciência da época; de outro lado, há uma ciência prodigiosa, que, libertariamente, tentava se pôr em contradição com a Teologia tradicional e em conexão com a nova Filosofia humanista e imanentista. A tudo isto, acrescenta-se, por parte da Igreja Católica, o temor da crítica demolidora, que teve tão grave manifestação no livre exame protestante e nos Cinco Solas1 – temor confirmado pela interpretação da Sagrada Escritura, por parte de Galileu, para ajustá-la à nova Astronomia. Como bem resumiu Hilton Japiassu, na obra A Revolução Científica Moderna, assim como Sócrates foi condenado por corromper a juventude de seu tempo, Galileu teria que ser condenado, pois ninguém mais do que ele – no melhor dos sentidos semeou o terrorismo intelectual e a corrupção da inteligência. Por tudo isto, creio que se compreenderá, então, historicamente, ainda que não se concorde ou se apóie, o processo equivocado e a condenação injustificada de Galileu. Mas Albert Einstein não ficou calado em relação a isto, sentenciando: As proposições deduzidas através da lógica pura são completamente nulas em relação à realidade. E Galileu, por ter percebido esta verdade, e por tê-la instigado no mundo da ciência, tornou-se o pai da física moderna, na verdade, o pai da ciência moderna.

 

Enfim, pense como se pense, a ciência não pode continuar a existir em contraste nem com a Filosofia nem a Teologia, e vice-versa; conseqüentemente, podemos e devemos (tentar) compor e (tentar) harmonizar a Filosofia e a Teologia com a(s) nova(s) ciência(s). Como bem disse João Paulo II (1920 – 2005) no discurso à Pontifícia Academia das Ciências por ocasião do primeiro centenário do nascimento de Albert Einstein, a colaboração entre religião e ciência moderna resulta em vantagem para uma e para outra, sem violar de nenhum modo as suas autonomias respectivas. E não esqueçamos de que os Antigos Mistérios e a Eterna Arqueometria eram uma coisa só! Por isto, diziam os Alquimistas: Quando o Três e o Quatro se abraçam, transformam-se em um Cubo, que vem a ser, quando desenvolvido, o veículo e o número da Vida – o PAI-MÃE SETE. E, por isto, como sentenciou Edward George Bulwer-Lytton (1803 – 1873), The Power of the Coming Race está oculto no VRIL, que só poderá ser conhecido se e quando a justiça se manifestar perfeitamente no Mundo da Concretização, pois esta perfeita justiça, conforme entendeu o autor supracitado, emana forçosamente da perfeição de conhecimento para a conceber, da perfeição de amor para a querer e da perfeição de poder para a concretizar.

 

 

 

 

 

 

Principais Realizações de Galileu

 

 

 

• Inventou a balança hidrostática.

• Criou o compasso geométrico e militar.

• Foi o primeiro a contestar as idéias de Aristóteles, que afirmou: a velocidade de um corpo em queda é razão direta de seu peso.2

• Descobriu que a massa não influi na velocidade da queda dos corpos.

• Inventou o pulsilogium, um instrumento para diagnóstico médico destinado a medir a pulsação dos pacientes.

• Concebeu o termo-baroscópio para medir a pressão atmosférica.

• Bolou a luneta astronômica.

 

 

Luneta de Galileu

Luneta de Galileu

 

 

 

Cronologia

 

 

 


1564 -
Nasce em Pisa, em 15 de fevereiro, Galileu Galilei. Nasce Shakespeare.

1575 a 1577 - Estuda em Florença.

1581 a 1585 - De volta a Pisa, estuda Medicina, sem concluir o curso. Em 1584, inicia seus estudos de Matemática. Em 1585, abandona a universidade sem obter grau.

1589 a 1592 - Torna-se professor de Matemática em sua cidade natal, Pisa.

1592 a 1610 - Ocupando a cátedra de Matemática no Studio de Padua, realiza vários estudos e experiências sobre o problema de queda dos corpos e inventa diversos instrumentos. Em 1600, é publicada o Mysterium Cosmographicum, de Kepler. Condenação e morte de Giordano Bruno. Em 1607, escreve a Defesa Contra as Calúnias e Imposturas de Baldesar Capra. Em 1609, aperfeiçoa o telescópio.

1610 - Publica o Sidereus Nuncius (Mensageiro das Estrelas), obra que obteve grande repercussão na Europa. Nela, Galileu divulga o resultado de suas observações com o telescópio, afirmando, por exemplo, a existência de montanhas na Lua e de quatro satélites em torno de Júpiter. Retorna a Florença.

1610 a 1632 - Prossegue com suas observações astronômicas, polemizando intensamente com seus opositores. Critica abertamente a Física Aristotélica e o Sistema Cosmológico de Ptolomeu. Em 1612, publica o Discurso Sobre as Coisas que Estão Sobre a Água e História e Demonstrações Sobre as Manchas Solares. O dominicano Lorini denuncia a doutrina de Copérnico como herética. Em 1615, Lorini aponta Galileu ao Santo Ofício. Galileu recebe, em 1616, uma advertência formal da Inquisição, que condena as teorias sobre o movimento da Terra e proíbe o ensino do Sistema Heliocêntrico de Copérnico. Neste ano, escreve o Discurso Sobre o Fluxo e o Refluxo do Mar. É convocado para depor perante o cardeal Belarmino. Um decreto da Sagrada Congregação do Índex proíbe a Doutrina de Copérnico. Galileu retorna a Florença em junho.

1623 - Inicia o Diálogo Sobre os Dois Maiores Sistemas do Mundo.

1632 - Publica, em fevereiro, em Florença, o Diálogo Sobre os Dois Maiores Sistemas do Mundo, criticando de novo o sistema aristotélico e defendendo Copérnico. Cinco meses depois, o livro é proibido pela Igreja Católica. Em outubro, recebe ordem para se apresentar em Roma.

1633 - Inicia-se, em 12 de abril, o processo contra Galileu. Em 22 de junho, o cientista é obrigado a abjurar suas convicções. Condenado à cárcere privado, vai para Arcetri e retoma seus estudos de Mecânica.

1638 - Após algumas tentativas frustradas, publicam-se, na Holanda, o Discurso Sobre Duas Novas Ciências, redigidos na prisão. Galileu já está completamente cego, mas segue suas investigações.

1642 - Em 8 de janeiro, morre Galileu, em Arcetri, com 78 anos.

 

 

 

Discurso do Papa João Paulo II
à Pontifícia Academia das Ciências
Por Ocasião do Primeiro Centenário
Do Nascimento de Albert Einstein

(10 de Novembro de 1979)

 

 

 

Veneráveis Irmãos
Excelência
Senhoras, Senhores

 

1. Agradeço vivamente a Vossa Excelência, Senhor Presidente, as palavras calorosas e dedicadas que me dirigiu no princípio do seu discurso e alegro-me também consigo como ainda com os Senhores Dirac e Weisskopf, ambos membros ilustres da Pontifícia Academia das Ciências, por esta comemoração solene do centenário do nascimento de Albert Einstein. A Sé Apostólica quer também prestar a Albert Einstein a homenagem que lhe é devida pela contribuição eminente que trouxe ao progresso da ciência, quer dizer, ao conhecimento da verdade, presente no mistério do Universo. Sinto-me plenamente solidário com o meu Predecessor Pio XI e com os que lhe sucederam na Cátedra de Pedro, convidando os membros da Pontifícia Academia das Ciências, e todos os sábios com eles, a fazerem «progredir, cada vez mais nobre e intensamente, as ciências, sem nada lhes pedir a mais; isto porque, neste excelente propósito e neste nobre labor, consiste a missão de servir a verdade, da qual nós os encarregamos...» (Motu proprio In multis solaciis, de 28 de Outubro de 1936, sobre a Pontifícia Academia das Ciências: AAS 28, 1936, p. 424).

2. A investigação da verdade é a tarefa fundamental da ciência. O investigador, que se move nesta primeira vertente da ciência sente toda a fascinação das palavras de Santo Agostinho: «Intellectum valde ama» (Santo Agostinho, Epist. 120, 3, 13; PL 33, 459), «ama muito a inteligência» e a função que lhe é própria, de conhecer a verdade. A ciência pura é um bem, digno de ser muito amado, porque ela é conhecimento e, portanto, perfeição do homem na sua inteligência. Antes mesmo das suas aplicações técnicas, deve ela ser honrada por si mesma, como parte integrante da cultura. A ciência fundamental é bem universal, que todos os povos devem poder cultivar em plena liberdade de qualquer forma de servidão internacional ou de colonialismo intelectual. A investigação fundamental deve ser livre diante dos poderes político e econômico, que hão-de cooperar para o desenvolvimento dela, sem a deter na sua criatividade nem a fazer servir aos próprios interesses. Como toda a outra verdade, a verdade científica não tem, com efeito, de dar contas senão a si mesma e à Verdade Suprema – que é Deus, criador do homem e de todas as coisas.

3. Na sua outra vertente, volta-se a ciência para as aplicações práticas, que encontram o pleno desenvolvimento nas diversas tecnologias. Na fase das suas realizações concretas, a ciência é necessária à Humanidade para satisfazer as justas exigências da vida e vencer os diferentes males que a ameaçam. Não há dúvida de que a ciência aplicada prestou e prestará ao homem serviços imensos, contanto que seja, ao menos um tanto, inspirada pelo amor, regulada pela sabedoria e acompanhada pela coragem que a defende contra a ingerência indevida de todos os poderes tirânicos. A ciência aplicada deve aliar-se à consciência para que, no trinômio ciência-tecnologia-consciência, seja servida a causa do verdadeiro bem do homem.

4. Infelizmente, como tive ocasião de dizer na minha encíclica Redemptor Hominis «o homem de hoje parece estar sempre ameaçado por aquilo mesmo que produz... E nisto parece consistir o capítulo principal do drama da existência humana contemporânea» (Redemptor Hominis, 15). O homem deve sair vitorioso deste drama que ameaça degenerar em tragédia, e há-de encontrar a sua realeza autêntica sobre o mundo e o pleno domínio sobre as coisas que ele produz. Na hora atual, como eu escrevia na mesma encíclica «o sentido essencial desta 'realeza' e deste 'domínio' do homem sobre o mundo visível, que lhe foi confiado como tarefa pelo próprio Criador, consiste na prioridade da ética, no primado da pessoa sobre as coisas e na superioridade do espírito sobre a matéria» (Ibid. 16). Esta superioridade tripla se mantém na medida em que se conserva o sentido da transcendência do homem sobre o mundo e de Deus sobre o homem. Exercendo a sua missão de guarda e advogada de uma e de outra transcendência, a Igreja julga ajudar a ciência a conservar a sua pureza ideal na vertente da investigação fundamental, e a desempenhar o seu serviço em favor do homem na vertente das suas aplicações práticas.

5. A Igreja reconhece de boa vontade, por outro lado, ter beneficiado da ciência. É a esta, entre outras, que é preciso atribuir o que o Concílio disse a propósito de certos aspectos da cultura moderna: «As condições novas afetam igualmente a própria vida religiosa... O desenvolvimento do espírito crítico purifica-a de uma concepção mágica do mundo e de reminiscências supersticiosas, e exige uma adesão cada vez mais pessoal e ativa à fé, o que faz que sejam numerosos aqueles que atingem um sentido mais vivo de Deus» (Gaudium et Spes, 7). A colaboração entre religião e ciência moderna resulta em vantagem para uma e para outra, sem violar de nenhum modo as suas autonomias respectivas. Do mesmo modo que a religião exige a liberdade religiosa, a ciência reivindica legitimamente a liberdade da investigação. O Concílio Ecumênico Vaticano II, depois de reafirmar, com o Concílio Vaticano I, a justa liberdade das artes e das disciplinas humanas no campo dos seus princípios, reconhece solenemente «a autonomia legítima da cultura e em particular a das ciências» (Ibid. 59). Ao se realizar esta comemoração solene de Einstein, desejaria confirmar de novo as declarações do Concílio sobre a autonomia da ciência no seu trabalho de investigação sobre a verdade inscrita na criação pelo dedo de Deus. Cheia de admiração pelo gênio do grande sábio em que se revela a marca do Espírito Criador, a Igreja, sem intervir de qualquer modo, por um juízo que não lhe pertence formular, sobre a doutrina relativa aos grandes sistemas do Universo, propõe-na, todavia, à reflexão de teólogos para descobrir a harmonia que existe entre a verdade científica e a verdade revelada.

6. Senhor Presidente: disse Vossa Excelência com muita razão no seu discurso que Galileu e Einstein caracterizaram uma época. A grandeza de Galileu é de todos conhecida, como a de Einstein, mas diferentemente deste, que nós honramos hoje diante do Colégio Cardinalício no palácio apostólico, o primeiro muito teve que sofrer — não poderíamos escondê-lo — da parte de homens e de organismos da Igreja. O Concílio Vaticano reconheceu e deplorou certas intervenções indevidas: «Seja-nos permitido lamentar — está escrito no número 36 da constituição conciliar Gaudium et Spes — certas atitudes que existiram até entre os próprios cristãos, por não terem entendido suficientemente a legítima autonomia da ciência. Fontes de tensões e de conflitos, elas levaram muitos espíritos a pensar que ciência e fé se opõem». A referência a Galileu está expressa claramente na nota relativa a este texto, que cita o volume Vita e Opere di Galileo Galilei, de Mons. Pio Paschini, editado pela Pontifícia Academia das Ciências. Indo além desta tomada de posição do Concílio, desejo que teólogos, sábios e historiadores, animados por espírito de sincera colaboração, aprofundem o exame do caso de Galileu e, num reconhecimento leal dos erros de qualquer lado que tenham vindo, façam desaparecer as desconfianças que este assunto opõe ainda, em muitos espíritos, a uma concórdia frutuosa entre ciência e fé, entre a Igreja e o mundo. Dou todo o meu apoio a esta tarefa, que poderá honrar a verdade da fé e da ciência, e abrir a porta a futuras colaborações.

7. Seja-me permitido, Senhores, submeter à vossa atenção e reflexão alguns pontos que me parecem importantes para colocar de novo na sua verdadeira luz a questão de Galileu, em que as concordâncias entre religião e ciência são mais numerosas, e, sobretudo, mais importantes, do que as incompreensões de que nasceu o conflito áspero e doloroso que se prolongou durante os séculos seguintes. Aquele, que é chamado a justo título fundador da Física moderna, declarou explicitamente que as duas verdades, de fé e de ciência, não podem nunca se contradizer, «procedendo igualmente do Verbo divino a Escritura santa e a natureza – a primeira como ditada pelo Espírito Santo, a segunda como executora fidelíssima das ordens de Deus», segundo ele escreveu na carta ao Padre Benedetto Castelli em 21 de dezembro de 1613 (Edição nacional das obras de Galileu, vol. V, pp. 282-285). O Concílio Vaticano II não se exprime diferentemente; retoma mesmo expressões semelhantes quando ensina: «A investigação metódica, em todos os campos do saber, se é realizada de modo verdadeiramente científico e conforme às normas morais, não será nunca contrária à fé, porque as realidades temporais e as realidades da fé têm a sua origem no mesmo Deus» (Gaudium et Spes, 36). Galileu manifesta na sua investigação científica a presença do Criador que o estimula, que se antecipa às suas intuições e as ajuda, operando no mais profundo do seu espírito. A propósito da invenção da luneta astronômica, escreve no princípio do Sidereus Nuncius, recordando algumas das suas descobertas astronômicas: «Quae omnia ope Perspicilli a me excogitati divina prius illuminante gratia, paucis abhinc diebus reperta, atque observata fuerunt» (Sidereus Nuncius, Venetiis apud Thomam Baglionum, MDCX, fol. 4). «Tudo isto foi descoberto e observado nestes últimos dias, graças ao 'telescópio' que inventei, depois de ser iluminado pela graça divina». A confissão galileana da iluminação divina no espírito do sábio encontra eco no texto já citado da Constituição conciliar da Igreja no mundo contemporâneo: «Quem, com perseverança e humildade, se esforça por penetrar nos segredos da realidade, é conduzido, embora sem o saber, como que pela mão de Deus» (Loc. cit.). A humildade, sobre que insiste o texto conciliar, é virtude do espírito, necessária tanto para a investigação científica como para a adesão à fé. A humildade gera clima favorável ao diálogo entre o crente e o sábio, invoca a iluminação de Deus, já conhecido ou ainda desconhecido, mas amado, num caso como noutro, por aquele que investiga humildemente a verdade.

8. Galileu formulou normas importantes de caráter epistemológico, que se mostram indispensáveis para pôr de acordo a Escritura sagrada e a ciência. Na sua carta à Grã-duquesa mãe, da Toscana, Cristina de Lorena, reafirma a verdade da Escritura: «A Sagrada Escritura não pode nunca mentir, sob condição, entretanto, de que seja penetrado o seu verdadeiro sentido, que — não julgo poder ser negado — está muitas vezes oculto e é diferentíssimo daquele que parece indicar o simples significado das palavras» (Edição nacional das obras de Galileu, vol. V, p. 315). Galileu introduz o princípio de uma interpretação dos livros sagrados, que vai além do sentido literal, mas é conforme ao intento e ao tipo de exposição que são próprios de cada um deles. É necessário, como afirma, que «os sábios que a expõem mostrem os sentidos verdadeiros dela». O magistério eclesiástico admite a pluralidade das regras de interpretação da Sagrada Escritura. Ensina expressamente, de fato, com a encíclica Divino Afflante Spiritu de Pio XII, a presença de gêneros literários diferentes nos livros sagrados e, portanto, a necessidade de interpretações conformes ao caráter de cada um deles. As concordâncias diversas que recordei não resolvem sozinhas todos os problemas da questão de Galileu, mas contribuem para criar um ponto de partida favorável para a solução honrosa deles, um estado de alma propício à solução honesta e real de velhas oposições. A existência desta Pontifícia Academia das Ciências, à qual Galileu foi de alguma maneira associado por meio da instituição antiga, que precedeu aquela de que hoje fazem parte sábios eminentes, é sinal visível que mostra aos povos, sem qualquer forma de discriminação racial ou religiosa, a harmonia profunda que pode existir entre as verdades da ciência e as verdades da fé.

9. Além da fundação da vossa Academia pontifícia por Pio XI, o meu predecessor João XXIII desejou que a Igreja contribuísse para promover o progresso científico e para o recompensar, instituiu a medalha de Pio XI. Em conformidade com a designação feita pelo Conselho da Academia, tenho o prazer de conferir esta alta distinção a um jovem investigador, o Doutor António Paes de Carvalho, cujos trabalhos de busca fundamental trouxeram contributo importante ao progresso da ciência e ao bem da Humanidade.

10. Senhor Presidente e Senhores Acadêmicos: diante dos Eminentíssimos Cardeais aqui presentes, do Corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé, dos ilustres sábios e de todas as personalidades que assistem a esta sessão acadêmica, desejava eu declarar que a Igreja universal, a Igreja de Roma unida a todas as que há no mundo, atribui grande importância à função da Pontifícia Academia das Ciências. O título de pontifícia, atribuído a esta Academia, significa, não o ignorais, o interesse e o apoio da Igreja que se manifestam sob formas bem diversas, sem dúvida, das do antigo mecenatismo, mas não menos profundas e eficazes. Como escreveu o insigne e saudoso Presidente da vossa Academia, Monsenhor Lemaitre: «Precisaria a Igreja da ciência? Certamente que não; a cruz e o evangelho bastam-lhe. Mas ao cristão nada de humano é alheio. Como poderia a Igreja se desinteressar da mais nobre das ocupações estritamente humanas: a busca da verdade?» (O. Godard, M. Heller, Les Relations Entre la Science et la Foi Chez Georges Lemaître, Pontificia Academia Scientiarum Commentarii, vol. III, n. 21, p. 7) . Nesta Academia, que é vossa e minha, colaboram sábios crentes e não crentes, colaboram concordando na busca da verdade científica e no respeito das crenças alheias. Seja-me permitido citar ainda aqui uma página luminosa de Monsenhor Lemaître: «Ambos (o sábio crente e o sábio não-crente) se esforçam por decifrar o palimpsesto multiplamente imbricado da Natureza, em que os vestígios das diversas épocas da longa evolução do mundo se foram cobrindo e confundindo. O crente possui, talvez, a vantagem de saber que o enigma tem solução, que a escrita subjacente é afinal obra de um Ser Inteligente, portanto que o problema apresentado pela Natureza foi posto para ser resolvido, e que a sua dificuldade é, sem dúvida, proporcionada à capacidade presente ou futura da Humanidade. Isto não lhe dará talvez novos recursos na investigação, mas contribuirá para o conservar neste são otimismo, sem o qual um esforço suportado não pode se manter muito tempo» (O.c., p. 11). Desejo a todos este otimismo são, de que fala Monsenhor Lemaître, otimismo que vai buscar a sua origem misteriosa, mas real, no Deus em que pusestes a vossa fé ou no Deus desconhecido para o qual tende a verdade que é o objeto das vossas investigações iluminadas. A ciência que professais, Senhores Acadêmicos e Senhores Sábios, no campo da investigação pura como no da investigação aplicada, oxalá ajude a Humanidade, com o apoio da religião e em concordância com ela, a encontrar o caminho da esperança e a atingir o fim último da paz e da fé.

 

 

 

Pensamentos de Galileu

 

 

 

 

Carta de Galileu Galilei
a Fortunio Liceti
a em Pádua

 

 

Muito Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor

 

 

A gratíssima de Vossa Senhoria muito Ilustríssima e Excelentíssima de 7 do corrente mês, repleta de termos corteses e afetuosíssimos, foi-me entregue hoje; e, não tendo eu outro tempo para responder além das poucas horas que restam até a noite, para não adiar a resposta por mais uma semana, procuro satisfazer a esta obrigação, ainda que sucintamente, mas com puras e simples palavras. Quanto àquilo que Vossa Senhoria Excelentíssima deseja enormemente junto comigo, a saber, que nas disputas da ciência sejam observados aqueles termos mais corteses e modestos que convêm a matéria tão veneranda, qual é a sagrada Filosofia, dou-lhe minha palavra de não me afastar nem mesmo um dedo de seu estilo ingênuo e honrado; e para fazê-lo, usarei os mesmos títulos, atributos e louvores de honradez para com sua pessoa, que ela emprega humanamente para comigo; ainda que muito mais para sua pessoa que para comigo, e muito mais excelentes, seriam necessários; mas sua singular cortesia não me permitiu usar maiores.

É-me grato saber que V. Sa. Exma. juntamente com muitos outros, segundo afirma, tenham-me como averso à Filosofia peripatética,b porque isto me dá a ocasião de liberar-me de tal pecha (pois assim a considero) e de mostrar quanto eu sou no íntimo admirador de um tão grande homem, como o é Aristóteles. Contentar-me-ei com o pouco tempo de que disponho para acenar com brevidade aquilo que penso com mais tempo poder mais ampla e manifestamente declarar e confirmar.

Estimo (e creio que Vossa Senhoria também estime) que ser verdadeiramente peripatético, isto é, filósofo aristotélico, consista principalíssimamente em filosofar em conformidade com os ensinamentos aristotélicos, procedendo com aqueles métodos e com aquelas suposições e princípios verdadeiros nos quais assenta o discurso científico, supondo aquelas informações gerais, das quais se desviar seria um grandíssimo defeito. Dentre estas suposições, está tudo aquilo que Aristóteles nos ensina em sua Dialética, concernente ao nos tornarmos precavidos no evitar as falácias do discurso, dirigindo-o e adestrando-o a bem silogizar e deduzir das premissas concedidas a necessária conclusão; e tal doutrina se refere à forma do corretamente argumentar. Quanto à esta parte, creio ter aprendido das inumeráveis demonstrações matemáticas puras, nunca falazes, tal segurança no demonstrar, que, se não jamais, pelo menos raríssimas vezes eu tenha no meu argumentar caído em equívocos. Até aqui, portanto, eu sou peripatético. Dentre as maneiras seguras de conseguir a verdade está a de antepor a experiência a qualquer discurso, assegurando-nos que nele, pelo menos ocultamente, não esteja contida a falácia, não sendo possível que uma experiência sensível seja contrária ao verdadeiro; e este é também um preceito estimadíssimo por Aristóteles, e há muito anteposto ao valor e à força da autoridade de todos os homens do mundo, da qual Vossa Senhoria mesma admite que não só não devemos ceder à autoridade dos outros, mas devemos negá-la a nós mesmos, toda vez que encontramos que o sentido nos mostra o contrário. Ora, Excelentíssimo Senhor, seja dito aqui, com sua boa paz, que me parece que estou sendo julgado como contrário ao filosofar peripatético por aqueles que se servem erradamente do acima referido preceito, puríssimo e seguríssimo, isto é, que pretendem que o bem filosofar seja o receber e sustentar qualquer que se queira das afirmações e proposições escritas por Aristóteles, a cuja absoluta autoridade se submetem, e para a manutenção da qual se induzem a negar experiências sensíveis ou a dar estranhas interpretações aos textos de Aristóteles, para esclarecimento e limitação dos quais, muito freqüentemente, farão dizer ao próprio Filósofo outras coisas não menos extravagantes, e certamente distanciadas da sua imaginação. Não é absurdo que um grande artífice tenha preceitos seguríssimos e perfeitíssimos na sua arte, e que, por vezes, ao operar, erre em algum particular; como, por exemplo, que um músico ou um pintor, possuindo os verdadeiros preceitos da arte, produza, na prática, alguma dissonância ou inadvertidamente algum erro de perspectiva. Eu, portanto, porque sei que tais artífices não apenas possuíam os verdadeiros preceitos, mas eles próprios haviam sido seus inventores, vendo qualquer falha em alguma de suas obras, devo considerá-la como bem feita e digna de ser sustentada e imitada, em virtude da autoridade de seus autores? A isto, certamente, não prestarei meu assentimento. Quero acrescentar por ora apenas isto: que estou certo de que, se Aristóteles retornasse ao mundo, receber-me-ia entre seus seguidores, em virtude de minhas poucas contradições, embora bastante concludentes, muito mais do que muitíssimos outros que, para sustentar cada um de seus ditos como verdadeiros, vão ciscando em seus textos conceitos que jamais lhes teriam passado pela mente. E quando Aristóteles visse as novidades descobertas recentemente no céu, onde afirmou ser ele inalterável e imutável, porque nenhuma alteração havia ali sido vista até agora, indubitavelmente ele, mudando de opinião, diria agora o contrário: que bem se percebe que, enquanto diz ser o céu inalterável porque aí não haviam sido vistas alterações, diria agora ser alterável, porque alterações aí se percebem. A hora se faz avançada, e entraria num pélago imenso, se quisesse produzir tudo aquilo que em tal ocasião passou-me muitas vezes pela mente; por isso, deixá-lo-ei para outra ocasião.

Quanto ao me ter Vossa Senhoria Excelentíssima atribuído opiniões que não são minhas, isto pode ter acontecido tendo tomado algumas que me são atribuídas por outros, mas nunca escritas por mim: como, por exemplo, que, por afirmação do filósofo Lagalla, eu considere ser a luz corpórea; enquanto nesse mesmo autor e no mesmo lugar escreve-se que eu sempre confessei ingenuamente não saber que coisa seja a luz; e também o tomar meus, como resoluta e primariamente, alguns dos pensamentos relatados pelo Sr. Mário Guiducci, quando poderia acontecer que eu não tivesse neles parte alguma, ainda que me considere honrado de que se acredite que tais conceitos são meus, pois os estimo verdadeiros e nobres.

Quanto a ter porventura parecido prolixo no responder às suas objeções, não lhe atribuo um mínimo senão, nem por sombra de indignação em Vossa Senhoria Excelentíssima, nem tampouco de imperfeição em mim, a não ser enquanto com menor tédio do leitor teria podido exprimir os meus sentidos; mas minha natural rudeza ao declarar-me faz que, às vezes, eu transborde onde não queria; além de que, pela nossa combinada liberdade filosófica e amigável, seja lícito dizer amavelmente, quando ela se comparasse à multiplicidade e prolixidade das oposições que Vossa Senhoria faz à minha única proposição do candor lunar expressa em pouquíssimas frases; quando se comparasse, digo, ao comprimento de minhas respostas; talvez não encontrasse que a proporção entre as suas afirmações e as minhas seja menor que a proporção entre as frases de minha carta e as frases que suas afirmações contêm. Mas isto são miuçalhas que não devem ser tomadas senão como brincadeira.

Compraz-me enormemente que aplauda meu pensamento de colocar em outra textura as minhas respostas, enviando-as a Vossa Senhoria, onde terei oportunidade de não exagerar utilizando termos de reverência ao seu nome, ainda que eu esteja certo de dever ser amplamente superado em doutrina pelo seu elevado engenho. Poderia perfeitamente acontecer que o meu infortúnio, de ter que me servir dos olhos e da pena de outros, para muito tédio do escritor, prolongasse por mais dias aquilo que em outros tempos por mim mesmo teria terminado em poucos dias, e Vossa Senhoria, em virtude da rapidez e da vivacidade de seu engenho, em poucas horas. Viva feliz e concede-me sua boa graça, por mim estimada e prezada como fortuna favorável; e que o Senhor lhe dê prosperidade.

 

Arcetri, 15 de setembro de 1640.

 

 

 

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Notas referentes à esta carta:

a. Fortunio Liceti (1577 – 1657), também conhecido como Fortunius Licetus, foi um cientista italiano. Nasceu em Rapallo, um município da cidade de Gênova, tendo se graduado e doutorado em Filosofia e Medicina.

b. Peripatetismo = aristotelismo. A Escola peripatética foi um círculo filosófico da Grécia Antiga que basicamente seguia os ensinamentos de Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.), o fundador. Fundada em c.336 a.C., quando Aristóteles abriu a primeira escola filosófica no Liceu em Atenas, durou até o século IV. Os peripatéticos (ou os que passeiam) eram discípulos de Aristóteles, em razão do hábito do Filósofo de ensinar ao ar livre, caminhando enquanto lia e dava preleções, por sob os portais cobertos do Liceu, conhecidos como Perípatoi, ou sob as árvores que o cercavam. A Escola sempre teve uma orientação empírica – em oposição à Academia Platônica, muito mais especulativa. Tal característica se acentua quando Teofrasto (372 a.C. – 287 a.C.), sucessor de Aristóteles, assume a direção. O mais famoso membro da Escola peripatética, depois de Aristóteles, foi Estratão de Lampsaco, que incrementou os elementos naturais da Filosofia de Aristóteles e adotou uma forma de ateísmo.


 

 

 

 

 

 

O conhecimento de tudo o que nos cerca deve derivar somente das sensatas experiências e das demonstrações necessárias; somente a Natureza é mestra.

 

Em vez de ser uma mancha esbranquiçada no firmamento, a Via Láctea é formada por uma incontável multidão de estrelas amontoadas.

 

As estrelas fixas superam em mais de dez vezes as estrelas conhecidas.

 

A superfície da Lua não é perfeitamente lisa, livre de desigualdades, nem exatamente esférica; mas, tal qual a superfície da própria Terra, diversa por toda parte, com montanhas elevadas e vales profundos.

 

Júpiter é circundado por quatro luas, nunca vistas desde o começo do mundo.

 

O movimento é a causa do calor.

 

A Natureza, apesar de ser surda e insensível aos nossos desejos, e apesar de produzir os seus efeitos mediante formas impensáveis por nós, traz, no seu interior, uma ordem e uma estrutura harmoniosa – do tipo geométrico.

 

 

 

 

As estrelas não têm contornos definidos e circulares. São como chamas que brilham, vibram e cintilam. Já os planetas se apresentavam sob a forma de pequenos globos redondos, uniformemente iluminados.

 

Vênus mostra fases como as da Lua.

 

Devida a duas pequenas luas opostas, bem próximas à superfície do planeta, Saturno exibe uma protuberância na altura do equador.

 

As manchas solares são exalações da própria superfície do Sol.

 

A ciência humana, de maneira nenhuma, nega a existência de Deus. Quando considero quantas e quão maravilhosas coisas o homem compreende, pesquisa e consegue realizar, então, reconheço claramente que o espírito humano é obra de Deus – e a mais notável.

 

Em carta à grã-duquesa Cristina de Lorena, dirigida à mãe de Cosimo II, Galileu escreveu: A Sagrada Escritura e a Natureza vêm, todas as duas, da Palavra Divina. Mas, enquanto a Bíblia, acomodando-se à inteligência do comum dos homens, fala, na maioria dos casos e com razão, a partir das aparências, e emprega termos que não são destinados a expressar a verdade absoluta, a Natureza se conforma, rigorosa e invariavelmente, às leis que lhe foram dadas. Não se pode, apelando aos textos das Escrituras, colocar em dúvida um resultado manifestamente adquirido por observações seguras e provas suficientes.

 

Sem piedade com Aristóteles, Galileu escreveu: O ridículo da opinião de Aristóteles é mais claro do que a luz. Quem vai acreditar, por exemplo, que se duas esferas de chumbo forem largadas da órbita da Lua, sendo uma cem vezes maior do que a outra, a maior chegue à Terra em uma hora, enquanto a menor leva cem horas no seu movimento? Ou se duas pedras forem lançadas ao mesmo tempo de uma torre alta, tendo uma o dobro do tamanho da outra, quem vai acreditar que a mais pequena vá a meio do caminho quando a grande está a chegar ao chão?

 

Se observarmos um objeto, não particularmente pesado, a cair de uma certa altura, tal como uma bola de lã, uma pena ou algo semelhante, veremos que, de início, ele se move lentamente, mas que pouco depois passa a ter movimento uniforme. A razão porque tal acontece de forma mais clara para as coisas mais leves, é que as coisas, quando se começam a mover, sofrem uma força contrária, de grandeza igual ao seu próprio peso. Se as coisas forem pouco pesadas, então a força contrária será pequena, sendo esta força rapidamente anulada; e quando é anulada, o objeto passará a andar com movimento uniforme. É mais fácil observar a uniformidade do movimento de uma coisa que se mova devagar do que de uma coisa que cai muito rapidamente. Mas, uma vez que a força contrária a vencer na queda de coisas pesadas é enorme, é necessário um grande intervalo de tempo para a anular; neste tempo, uma vez que elas se movem muito rapidamente, descerão um espaço grande. Como não temos à disposição os ditos grandes espaços nos quais os corpos pesados deviam ser largados, não admira que se uma pedra cair apenas da altura de uma torre pareça acelerar durante todo o tempo até chegar ao chão, uma vez que este espaço e tempo pequenos não serão suficientes para anular toda a força contrária.

 

O livro do mundo está escrito em linguagem matemática.

 

Gravem-se os benefícios no bronze e as injúrias no ar.

 

Aplicar-se em grandes invenções, iniciando pelos mínimos detalhes, não é uma tarefa para mentes comuns; descobrir que maravilhas se escondem em coisas triviais e infantis é um trabalho para talentos super-humanos.

 

A tradição e a autoridade dos antigos sábios não são fontes de conhecimento científico.

 

A única maneira de compreender a Natureza é experimentando.

 

Fazer ciência é comprovar através da experiência.

 

A maior sabedoria que existe é a de alguém se conhecer a si próprio.

 

Para constituir a ciência é mister a experiência e a razão, sentido e discurso.

 

Quanto menos alguém entende, mais quer discordar.

 

A dúvida é a mãe da invenção.

 

Penso que na discussão dos problemas da natureza deveríamos começar não pelas escrituras, mas, antes, pelas experiências e pelas demonstrações.

 

A condição natural dos corpos não é o repouso, mas o movimento.

 

Falar obscuramente qualquer um sabe; com clareza, raríssimos.

 

Digamos que existem dois tipos de mentes poéticas: uma apta a inventar fábulas e outra disposta a crer nelas.

 

Mais fácil me foi encontrar as leis com que se movem os corpos celestes, que estão a milhões de quilômetros, do que definir as leis do movimento da água que escoa frente aos meus olhos.

 

Não há poder de controle sobre o Universo maior do que o poder que nos controla.

 

Acredito que os filósofos voam como as águias e não como pássaros pretos. É bem verdade que as águias, por serem raras, oferecem pouca chance de serem vistas e muito menos de serem ouvidas, e os pássaros pretos, que voam em bando, param em todos os cantos enchendo o céu de gritos e rumores, tirando o sossego do mundo.

 

Não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou de sentidos, razão e intelecto pretenda que não os utilizemos.

 

A Filosofia está escrita nesse grande livro – o Universo que permanece continuamente aberto.

 

Mais cedo ou mais tarde, a verdade aparecerá e prevalecerá.

 

Tenho, na verdade, os anos que me restam de vida, porque os já vividos não os tenho mais.

 

Os jesuítas, tendo finalmente conhecido a verdade dos novos planetas, estão, há dois meses, em contínuas observações, as quais prosseguem; e as temos comparado com as minhas, e seus resultados correspondem.

 

Não se pode ensinar alguma coisa a alguém; pode-se apenas auxiliar a descobrir por si mesmo.

 

A Filosofia encontra-se escrita neste Grande Livro que continuamente se abre perante os nossos olhos – isto é, o Universo que não pode ser compreendido antes de se entender a língua e de se conhecer os caracteres com que está escrito. Ele está escrito em língua matemática, e os caracteres são triângulos, circunferências, e outras figuras sem cujos meios é impossível entender humanamente as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto.

 

Não sou religioso. Respeito todas as crenças, mas os religiosos não têm nenhum respeito pelas pessoas sem fé. Quando digo que não tenho religião, acham que sou imoral. É como se eu tivesse parte com o diabo. Quando tinha dez anos, fiz a Primeira Comunhão. A professora de catecismo dizia que não pode morder a hóstia, porque um menino na França havia mordido a hóstia e havia saído sangue pela boca. Fiquei com aquilo na cabeça. Na Primeira Comunhão eu não tive coragem, mas, uma semana depois, um tio fez bodas de prata e houve uma missa. Aí fui lá receber a hóstia, voltei para o meu lugar e mastiguei. Não saiu nada e eu virei ateu naquele momento. A partir daí, sempre que ouvia as aulas de religião no colégio, pensava que aquilo podia ser mentira. E quando você começa a fazer isto com a religião é devastador, porque é uma questão de fé; religião não admite racionalidade.

 

Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado por causa destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio.

 

Tudo isto foi descoberto e observado nestes últimos dias, graças ao telescópio que inventei, depois de ser iluminado pela graça divina.

 

Nunca encontrei uma pessoa tão ignorante que não pudesse ter aprendido algo com sua ignorância.

 

Eu nunca pude entender, Ilustríssimo Senhor, de onde se originou o fato de que tudo aquilo que dos meus estudos achei conveniente publicar, para agradar e servir aos outros, tenha encontrado em muitas pessoas uma certa animosidade em diminuir, defraudar e desprezar aquele pouco valor que, se não pela obra, ao menos pela minha intenção, eu esperava merecer.

 

Conhecer a si próprio é o maior saber.

 

Certamente, é prejudicial para as almas, por desacreditarem no que é provado, transformar o que é provado em uma heresia.

 

A Matemática é o alfabeto com o qual Deus escreveu o Universo.

 

Mede o que é mensurável e torna mensurável o que não o é.

 

A verdade é filha do tempo; não da autoridade.

 

Nada que se diga ou foi dito merece estatuto de dogma irrestrito.

 

Duas verdades nunca se podem contradizer.

 

Todas as verdades são fáceis de perceber depois de terem sido descobertas; o problema é descobri-las.

 

A Sagrada Escritura não pode nunca mentir, sob condição, todavia, de que seja penetrado o seu verdadeiro sentido, que — não julgo poder ser negado — está muitas vezes oculto e é diferentíssimo daquele que parece indicar o simples significado das palavras.

 

 

 

Terceiro Livro dos Reis, X, 14: E o peso de Ouro, que era levado a Salomão todos os anos era de Seiscentos e Sessenta e Seis talentos de Ouro. É aqui que está a Sabedoria.

 

Apocalipse de João, XIII, 18: Quem tiver Inteligência [a chave cabalístico-arqueométrica], calcule o número da besta. Porque ele é o Número do Homem; e o Número dela é Seiscentos e Sessenta e Seis.

 

 

 

 

 

Parece-me que aqueles que tentam provar uma afirmação confiando simplesmente no peso da autoridade agem muito absurdamente.

 

Está instaurada a dúvida.
A metódica dúvida epistemológica.
Neste mundo, a Terra não está no centro
e nenhum saber é saber completo.
Seja bem-vinda era da razão.
Não há que se temer a revisão.
Nada que se diga ou que foi dito
merece estatuto de dogma irrestrito.
Cuidado com a verdade
que se pretende
maior que a realidade,
pois, os fatos são os fatos
e fluem diante de nós,
que, estupefatos,
assistimos ao espetáculo.

 

Quando deixarei de me maravilhar para realmente começar a conhecer?

 

As duas verdades, de fé e de ciência, não podem nunca se contradizer, procedendo igualmente do Verbo Divino a Escritura Santa e a Natureza – a primeira como ditada pelo Espírito Santo, a segunda como executora fidelíssima das ordens de Deus.

 

Eppur si muove!

 

 

 

 

 

 

 

Eu Penso assim:

 

 

 

Ao(s) Universo(s) não interessa

o que tu desejas ou o que eu quero.

Querela? Logomaquia? Lero-lero?

O que desapressa? O que apressa?

 

 

 

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Nota:

1. A Reforma Protestante foi um movimento reformista cristão – iniciado no século XVI por Martinho Lutero (1483 – 1546) – que, através da publicação de suas 95 teses, protestou contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica, propondo uma reforma no Catolicismo. As postulações fundamentais da Reforma Protestante são conhecidas como os Cinco Solas, que são os princípios fundamentais da Reforma. Os Cinco Solas são: 1º) Sola Fide (somente a Fé); 2º) Sola Scriptura (somente a Escritura); 3º) Solus Christus (somente Cristo); 4º) Sola Gratia (somente a Graça); e 5º) Soli Deo Gloria (Glória somente a Deus).

2. O físico Pierre Lucie afirmou: A Física Aristotélica não é ciência. Embora partindo de uma doutrina que pode ou não parecer razoável, ela é incapaz de deduzir objetivamente, rigorosamente, conseqüências verificáveis pela experiência. É ainda menos capaz de prever fenômenos ainda não observados, sendo, conseqüentemente, estéril. Ainda assim não faltou a Aristóteles o espírito científico. Faltou-lhe, sim, o método. Já Leonardo da Vinci afirmava que aqueles que se entregam à prática sem ciência são como o navegador que embarca em um navio sem leme nem bússola. A prática deve sempre se fundamentar na boa teoria. Antes de fazer de um caso uma regra geral, experimente-o duas ou três vezes e verifique se as experiências produzem os mesmos efeitos. Nenhuma investigação humana pode ser considerada verdadeira ciência, se não passa por demonstrações matemáticas.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://cienciasatodahora.blogspot.com/
2008/09/histria-de-galileu-galilei.html

http://www.portalsaofrancisco.com.br/
alfa/galileu-galilei/galileu-galilei-5.php

http://nautilus.fis.uc.pt/

http://64.233.163.132/

http://galileu.globo.com/fixos/
quem_foi_galileu.html

http://www.zenite.nu/

http://www.mundovestibular.com.br/

http://www.fortunecity.com/
tatooine/servalan/272/galileu.htm

http://www.suapesquisa.com/
biografias/galileu/

http://members.ozemail.com.au/
~slacey/space.htm

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%
C3%A7%C3%A3o_cient%C3%ADfica

http://mnemosyne.blog-city.com/
nova_linguagem.htm

http://ler.letras.up.pt/uploads/
ficheiros/1853.pdf

http://fisica.cdcc.usp.br/
Cientistas/GalileuGalilei.html

http://www.searadaciencia.ufc.br/
cientistas/galileu.htm

http://blogummagumma.blogspot.com/2009/08/
pensamentos-ateistas-7-galileu-galilei.html

http://www.pensador.info/
autor/Galileu_Galilei/

http://www.citador.pt/citacoes.php?
cit=1&op=7&author=1020&firstrec=0

http://pt.wikiquote.org/wiki/Galileu_Galilei

http://www.ditados.com.br/autor.asp?
autor=Galileu%20Galilei

http://www.vatican.va/
holy_father/john_paul_ii/

http://www.mundodosfilosofos.com.br/
galileu.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/
Galileu_Galilei

http://www.ronaud.com/frases-
pensamentos-citacoes-de/galileo-galilei

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Fortunio_Liceti

http://www.scientiaestudia.org.br/
revista/PDF/01_01_05_Galileu.pdf

http://pt.wikipedia.org/wiki/Teofrasto

http://pt.wikipedia.org/wiki/
Escola_peripat%C3%A9tica

http://www.frazz.com.br/
autor.html/Galileu_Galilei-2964

http://frases.netsaber.com.br/
busca_up.php?l=&buscapor=Galileu%20Galilei

http://www.pensador.info/
frases_de_galileu_galilei
/

http://www.frasesfamosas.com.br/
de/galileu-galilei.html

http://www.sitequente.com/
frasesde/galileugalilei.html

 

Canto Gregoriano de fundo:

Agnus Dei

Fonte:

http://www.tocamp3.com/baixar/canto-gregoriano/