MISTICISMO

(A Ciência do Futuro)


Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 


CAPÍTULO I

A Questão do Preconceito

 

O título deste ensaio envolve três palavras geralmente incompreendidas, mal compreendidas ou, pelo menos, compreendidas apenas parcialmente. Muito brevemente, pode-se dizer que não existem diversos misticismos; há um único Misticismo experienciado de muitas formas diferentes e em diversos níveis ou graus. Todas se equivalem, e não se pode afirmar ou querer que uma possa seja melhor do que a outra, e nem que seja necessário que alguém seja um Iniciado para ser um místico. Seriam, por exemplo, os Padres do Deserto1 Iniciados? Não sei realmente. Mas não tenho qualquer dúvida de que todos se auto-Iniciaram. Classicamente, ciência é o corpo de conhecimentos sistematizados que, adquiridos via observação, identificação, pesquisa e explicação de determinadas categorias de fenômenos e fatos, são formulados metódica e racionalmente. E o que é denominado de futuro é o conjunto de acontecimentos objetivos relacionados a um tempo objetivo, acontecimentos esses que poderão ou não acontecer.

Mas, da mesma forma que existe um e apenas um Misticismo, a ciência não poderá ser efetivamente bem-sucedida (como, geralmente, em muitos aspectos, não tem sido) se permanecer desvinculada do Misticismo e se for estruturada apenas em conhecimentos sistematizados adquiridos via observação, identificação e pesquisa. Isso é, no mínimo, parcialismo, e também fonte de dúvidas e de formulações incompletas ou equivocadas. Até hoje, por exemplo, a ciência não sabe exatamente o que é essa coisa que é chamada de energia, e não sabe com precisão como é constituído o átomo.

 

 

E o futuro não pode ser compartimentado de maneira estanque, pois é exatamente a ilusão temporal que cria a estanquidade e separa ou fraciona o inexistente tempo em pedaços, ou seja: o que passou, o que está acontecendo e o que acontecerá ou poderá acontecer. Aliás, por sermos tributários de nossas limitações, costumamos fragmentar as coisas para melhor compreendê-las. Por um lado, isso é útil e necessário; mas por outro, um entrave intransponível para a harmonização cósmica. Um exemplo típico é o preconceito em suas diversas modalidades. Vira-e-mexe, penso e me pergunto se ainda hoje uma prostituta ou um homossexual que procurem amparo em uma habitação de uma comunidade religiosa qualquer seriam ridicularizados e escorraçados. Quanto a isso, já tive oportunidade de dizer que não apóio o homossexualismo e a prostituição, mas compreendo e não julgo. De outra forma, não julgo nada nem ninguém, porque, se por um lado sou um ignorante convicto, por outro, mesmo ignorando muitas coisas, não ignoro que somos todos irmãos em Cristo. Esta convicção não é absolutamente racional; é produto direto de uma compreensão espiritual que lenta, progressiva e definitivamente se estabeleceu em meu Coração.

Então, em virtude dessas lucubrações preliminares, farei um breve parêntese e transcreverei abaixo o texto-reflexão Eu Te Compreendo de autoria de Antônio Roberto Soares. Esse texto está disponibilizado no Departamento de Suprimentos da Grande Loja da Jurisdição de Língua Portuguesa da Ordem Rosacruz – AMORC em forma de um belo CD musicado, e está divulgado na Web em diversos websites. Em alguns é citado o autor, em outros não, o que é lamentável. Ladrão de direitos autorais é uma das pragas da Web que precisa ser firmemente combatida. Porém, o que esses larápios não sabem é que acabam descobertos e desacreditados. A seguir o texto de Antônio Roberto Soares: Eu Te Compreendo.


Eu sei das tuas tensões, dos teus vazios e da tua inquietude. Eu sei da luta que tens travado a procura de Paz. Sei também das tuas dificuldades para alcançá-la. Sei das tuas quedas, dos teus propósitos não cumpridos, das tuas vacilações e dos teus desejos.

Eu te compreendo... Imagino o quanto tens tentado para resolver as tuas preocupações profissionais, familiares, afetivas, financeiras e sociais. Imagino que o mundo, de vez em quando, parece-te um grande peso que te sentes obrigado a carregar. E tantas vezes, sem sentir esforços. Eu conheço as tuas dúvidas, as dúvidas da natureza humana.

Percebo como te sentes pequeno quando teus sonhos acalentados vão por terra, quando tuas expectativas não são correspondidas. E as inseguranças com o amanhã? E aquela inquietação atroz em não saberes se amanhã as pessoas que hoje te rodeiam ainda estarão contigo? De não saberes se reconhecerão o teu trabalho, se reconhecerão o teu esforço. E, por tudo isto, sofres e te sentes como um barco sozinho em um mar imenso e agitado. E não ignoro que, muitas vezes, sentes uma profunda carência de amor. Quantas vezes pensaste em resolver definitivamente os teus conflitos no trabalho ou em casa. E nem sempre encontraste a receptividade esperada ou não tiveste força para encaminhar a tua proposta. Eu sei quanto te dói os teus limites humanos e quanto, às vezes, te parece difícil uma harmonia íntima. E não poucas vezes, a descrença toma conta do teu coração.

Eu te compreendo... Compreendo até tuas mágoas, a tristeza pelo que te fizeram, a tristeza pela incompreensão que te dispensaram, pelas ingratidões, pelas ofensas, pelas palavras rudes que recebeste. Compreendo até as tuas saudades e lembranças. Saudade daqueles que se afastaram de ti, saudade dos teus tempos felizes, saudade daquilo que não volta nunca mais... E os teus medos? Medo de perderes o que possuis, medo de não seres bom para aqueles que te cercam, medo de não agradares devidamente as pessoas, medo de não dares conta, medo que descubram o teu íntimo, medo que alguém descubra as tuas verdades e as tuas mentiras, medo de não conseguires realizar o que planejaste, medo de expressares os teus sentimentos, medo de que te interpretem mal.

Eu compreendo esses e todos os outros medos que tens dentro de ti. Sou capaz de entender também os teus remorsos, as faltas que cometeste, o sentimento de culpa pelos pequenos ou grandes erros que praticaste na tua vida. E sei que, por causa de tudo isso, às vezes te encontras num profundo sentimento de solidão. É quando as coisas perdem a cor, perdem o gosto e te vês envolto numa fina camada de indiferença pela vida. Refiro-me àquela tua sensação de isolamento, como se o mundo inteiro fosse indiferente às tuas necessidades e ao teu cansaço. E, neste estado, és envolvido pelo tédio, e cada ação ou obrigação exige de ti um grande esforço. Sei até das tuas sensações de estares acorrentado, preso. Preso às normas, aos padrões estabelecidos, às rotineiras obrigações: ‘Eu gostaria de... mas eu tenho que trabalhar, tenho que ajudar, tenho que cuidar de, tenho que resolver, tenho que...’

Eu te compreendendo... Compreendo os teus sacrifícios. E a quantas coisas tens renunciado, de quantos anseios tens aberto mão! E sempre acham que é pouco... Pouca coisa tens feito por ti, e tua vida, quase toda ela, tem sido, afinal, dedicada a satisfazer outras pessoas. Sei do teu esforço em ajudar outras pessoas, e sei que isso é a semente de tuas decepções. Sei que, nas tuas horas mais amargas, até a revolta aflora em teu coração. Revolta com a injustiça do mundo, revolta com a fome, com as guerras, com a competição entre os homens, com a loucura dos que detêm o poder, com a falsidade de muitos, com a repressão social e com a desonestidade.

Por tudo isso, carregas um grau excessivo de tensões, de angústia e de ansiedade. Sonhas com uma vida melhor, mais calma, mais significativa. Sei também que tens belos planos para o amanhã. Sei que queres apenas um pouco de segurança, seja financeira ou emocional, e sei que lutas por ela. Mas, mesmo assim, tuas tensões continuam presentes. E tu percebes essas tensões nas tuas insônias ou no sono excessivo, na ausência de fome ou na fome excessiva, na ausência de desejo para o sexo ou no desejo sexual excessivo. O fato é que carregas e acumulas tensões sobre tensões: tensões no trabalho, nas exigências e autoritarismos de alguns, nas condições inadequadas de salário e na inexistência de motivação, nos ambientes tóxicos das empresas, na inveja dos colegas, nos que falam por trás. Tensões na família, nas dependências devoradoras dos que habitam a mesma casa; nos conflitos e brigas constantes onde todos querem ter razão; no desrespeito à tua individualidade, no controle e na cobrança das tuas ações.

Eu te compreendo, e te compreendo mesmo. Mas, apesar de te compreender totalmente, quero te dizer algo muito importante. Escuta agora com o coração o que te vou dizer: Eu te compreendo, mas não te apóio! Tu és o único responsável por todos estes sentimentos. A vida te foi dada de graça e existem em ti remédios para todos os teus males. Se, no entanto, preferes a autocomiseração ao invés de mobilizares as tuas energias interiores, então nada posso te oferecer. Se preferes sonhar com um mundo perfeito, ao invés de te defrontares com os limites de um mundo falho e humano, nada posso te oferecer. Se preferes lamentar teu passado e encontrar nele desculpas para a tua falta de vontade de crescer; se optaste por tentar controlar o futuro, o que jamais controlarás com todas as suas incertezas; se resolveste responsabilizar as pessoas que te rodeiam pela tua incompetência em tratar com os aspectos negativas delas, em nada posso te ajudar. Se trocaste o auto-apoio pelo apoio e reconhecimento do teu ambiente, então nada posso te oferecer. Se queres ter razão em tudo que pensas; se queres obter piedade pelo que sentes; se queres a aprovação integral em tudo que fazes; se escolheste abrir mão de tua própria vida em nome do falso amor, para comprares o reconhecimento dos outros através de renúncias e sacrifícios, nada posso te oferecer. Se entendeste mal a regra máxima - ‘Amar ao próximo como a ti mesmo’ - esquecendo-te de amar a ti mesmo, em nada posso te ajudar.

Se não tens um mínimo de coragem para estar com teus próprios sentimentos, sejam agradáveis ou dolorosos; se não tens um mínimo de humildade para te perdoares pelas tuas imperfeições; se desejas impressionar os outros e angariar a simpatia para teus sofrimentos; se não sabes pedir ajuda e aprender com os que sabem mais do que tu; se preferes sonhar ao invés de viver, ignorando que a vida é feita de altos e baixos, nada posso te oferecer. Se achas que pelo teu desespero as coisas acontecerão magicamente; se usas a imperfeição do mundo para justificar as tuas próprias imperfeições; se queres ser onipotente, quando de fato és simplesmente humano; se preferes proteção à tua própria liberdade; se interiorizaste em ti desejos torturadores; se deixaste se imprimirem em tua mente venenosas ordens de: ‘Apressa- te!’, ‘Não erres nunca!’, ‘Agrada sempre!’; se escolheste atender às expectativas de todas as pessoas; se és incapaz de dar um Não quando necessário, em nada posso te ajudar. Se pensas ser possível controlar o que os outros pensam de ti; se pensas ser possível controlar o que os outros sentem a teu respeito; se pensas ser possível controlar o que os outros fazem; se queres acreditar que existe segurança fora de ti, repito: Eu te compreendo mas, em nome do verdadeiro Amor, jamais poderia te apoiar!

Se recusas buscar no âmago do teu ser respostas para teus descaminhos; se dás pouca importância a teus sussurros interiores; se esqueceste a unidade intrínseca dos opostos em nossa vida terrena; se preferes o fácil e abandonaste a paciência para o Caminho; se fechaste teus ouvidos ao chamado de retorno; se perdeste a confiança a ponto de não poderes entregar tua vida à vontade onipotente de Deus; se não quiseste ver a Luz que vem do Leste; se não consegues encontrar no íntimo das coisas aquele ponto seguro de equilíbrio no meio de todas as tormentas e vicissitudes; se não aceitas a tua vocação de Viajante com todos os imprevistos e acidentes da Jornada; se não queres usar o tempo, o erro, a queda e a morte como teus aliados de crescimento, realmente nada posso fazer por ti.

Se aspiras obter proteção quando o que precisas é liberdade; se não descobriste que a verdadeira liberdade e a autêntica segurança são interiores; se não sabes transformar a frase ‘Eu tenho que...’ na frase ‘Eu quero!’; se queres que o fantasma do passado continue a fechar teus olhos para a infinidade do teu aqui e agora; se queres deixar que o fantasma do futuro te coloque em posição de luta com o que ainda não aconteceu e, provavelmente, não chegará a acontecer; se optaste por tratar a ti mesmo como um inimigo; se te falta capacidade para ver a ti mesmo como alguém que merece da tua própria parte os maiores cuidados e a maior ternura; se não te tratas como sendo a semente do próprio Deus; se desejas usar teus belos planos de mudar, de crescer, de realizar, como instrumentos de autotortura; se achas que é amor o apego que cultivas pelos teus parentes e amigos; se queres ignorar, em nome da seriedade e da responsabilidade, a criança brincalhona que habita em ti; se alimentas a vergonha de te enterneceres diante de uma flor ou de um pôr de sol; se através da lamentação recusas a vida como dádiva e como graça, não posso te apoiar.

Mas, se apesar de todo o sono, queres despertar; se apesar de todo o cansaço, queres caminhar; se apesar de todo o medo, queres tentar; se apesar de toda acomodação e descrença, queres mudar e confiar, aceita agora esta chave para a tua felicidade: a raiz de todas as tuas dificuldades são teus pensamentos negativos. São eles que te levam para as dores das lembranças do passado e para a inquietação do futuro. São esses pensamentos que te afastam da experiência de contato com teu próprio corpo, com o teu presente, com o teu aqui e agora e, portanto, distanciando-te de teu próprio Coração.

Tens presente agora a tua emoção? Tens presente agora o fluxo da tua respiração? Tens presente agora a batida do teu coração? Tens agora a consciência do teu próprio corpo? Este é o passo primordial. Teu corpo é concreto, real, presente, e é nele que o sofrimento deságua, e é a partir dele que se inicia a caminhada para a alegria. Somente através dele se encaminha o retorno à paz.

Jamais resolverás os teus problemas somente pensando neles. Começa do mais próximo, começa pelo corpo. Através dele chegarás ao teu centro, ao teu vazio, àquele lugar onde a semente germina. Através da consciência corporal, galgarás caminhos jamais vistos, entrarás em contato com os teus sentimentos, perceberás o mundo tal como é e agirás de acordo com a naturalidade da vida. Assume o teu corpo e os teus sentimentos, por mais dolorosos que sejam; assume e observa-os. Simplesmente observa-os. Não tentes mudar nada. Sê apenas a tua dor. Presta atenção, não negues a tua dor. Para que fingir estar alegre se estás triste? Para que fingir coragem se estás com medo? Para que fingir amor se estás com ódio? Para que fingir paz se estás angustiado? Não lutes contra teus sentimentos. Fica do teu próprio lado, deixa a dor acontecer como deixas acontecer os bons momentos. Pára; deixa que as coisas sejam exatamente como são. Entra nos teus sentimentos sem os julgar. Não fujas deles, não os evites. Não queiras resolvê-los escapando deles; depois terás de te encontrar com eles novamente. É apenas um adiamento, uma prorrogação. Torna-te presente, por mais que te doa. E, se assim fizeres, algo de muito belo acontecerá!

Assim como a noite veio, ela também se irá, e, então, testemunharás o nascer do dia, pois, à noite o Sol escurece até a meia-noite e, a partir daí, começa um novo dia. Se assim fizeres, sentirás brotar de dentro de ti uma força que desconhecias e te sentirás renovado na esperança, e sentirás a vida entrar em ti. Se assim fizeres, entenderás com o Coração que a semente morre mesmo, totalmente, antes de germinar, e que a morte antecede a vida.

E, se assim fizeres, poderei dizer-te então: Eu te compreendo e tens todo o meu apoio! E verás, com muita alegria, que, justamente agora, já não precisas mais do meu apoio, pois, o que foste buscar dentro de ti, encontraste dentro da tua própria dor!

A Ordem Rosacruz AMORC define misticismo como sendo uma percepção íntima e direta de Deus ou do Cósmico através do Eu, isto é, pelo domínio do subconsciente. Esta definição, à primeira visada, pode levar ao equívoco de se admitir um Deus transcendente, criador. Na tradição metafísica, particularmente no neoplatonismo e na escolástica, o conceito de transcendência implica e impõe que o ser divino apresente um caráter que ultrapassa radicalmente a realidade sensível. Em decorrência da perfeição e da superioridade absolutas desse ser divino prevalece uma relação de soberania, de distância e de inacessibilidade. Particularmente, é a inacessibilidade que alimenta a fé e o medo, pois o que é inacessível ou incompreensível impede qualquer tipo de racionalização ou de dialética, e, pior, impossibilita qualquer tipo de vivência ou experiência mística transracional. A transracionalidade, termo que cunhei para explicar o entendimento que se seguirá, é a experiência mística pessoal e intransferível geralmente em desconformidade com a razão (filosófica ou científica) e com a plausibilidade lógica objetiva humanas. Uma experiência mística transracional ocorre acima da faixa vibratória da razão noética, portanto, é uma experiência Místico-Iniciática.

 

 

 

 

O kantismo, a fenomenologia - em especial o existencialismo - e o teismo têm entendimentos distintos do seja a transcendência. Mas a própria definição Rosacruz é auto-explicativa, pois a percepção íntima e direta de Deus ou do Cósmico deverá e só poderá acontecer através do Eu, isto é, pelo domínio do subconsciente. Esta é deixa que norteará este ensaio, pois, na verdade, existem ou existirão tantos Deuses quantas forem ou quantas vierem a ser as mentes pensantes e raciocinativas. Então, se por um lado existe um e somente um Deus, por outro, existirão tantos Deuses quantos forem os seres-no-mundo2 que pensarem a respeito de Deus. No fundo, isso é o mais puro monoteísmo-ateísmo místico, pois quando o ser-no-mundo deixa de precisar acreditar e de precisar depender de um deus coletivo e deixa também de se preocupar com os deuses dos outros, dá o primeiro passo para a sua própria libertação e para a consecução do seu Mestre-Deus interior. Apesar de sermos todos um, cada um de nós é um Deus in potentia, independente e dependente de todos os Deuses do(s) universo(s). Independente porque cada um de nós é uma unidade autônoma de manifestação da Consciência Cósmica; dependente porque não há lacunas ou vazios no(s) universo(s). Enfim, dependente e independente porque se for possível a realização plena da Consciência Cósmica, essa plena realização só será possível se e quando todos os seres de todo(s) o(s) universo(s) tiverem conquistado essa mesma realização. E assim, a dor de um é a dor de todos; faltando para um, faltará para todos. Esta reflexão é decorrente e está embutida no Primeiro Mandamento, que, a bem da verdade, não necessita de nenhum outro a sucedê-Lo.

Um pouco mais acima foi afirmado que por sermos tributários de nossas limitações, costumamos fragmentar as coisas para melhor compreendê-las. Também foi afirmado que um exemplo típico é o preconceito (em suas diversas modalidades). Então, no que concerne a este ensaio, afirmo com todas as letras, pelo que já foi discutido, que não há preconceito maior, no âmbito do misticismo e fora dele, do que julgar o que quer que seja e quem quer que seja. Quem somos nós? Quando se decide que algo pertence a esta ou a aquela categoria, estamos simplesmente atribuindo um valor a esse algo de acordo com a nossa cultura e de acordo com o nosso entendimento no momento do juízo de valor (julgamento que expressa uma apreciação, uma avaliação ou uma interpretação sobre a realidade). Durante a Idade Média, era praticado o juízo de Deus (ordálio)3, que era o conjunto de provas, fundamentadas em elementos da natureza, a que era submetido um acusado para que fosse decidida sobre a sua culpabilidade, como, de forma similar, a Inquisição também julgou pretensos hereges e pretensos feiticeiros acusados de crimes contra a fé católica e sumariamente os condenou à fogueira. Quantos foram supliciados por essas provações extremas e depois canonizados? Maria Madalena foi promovida de prostituta a Santa. Jeanne d'Arc, 1412-1431, a pequena pastora de Domrémy, foi queimada viva e canonizada em 1920 pelo Papa Bento XV. No que concerne à Inquisição portuguesa, em 1506, Lisboa viu o seu primeiro grande massacre, que deixou um saldo de mortos de 2000 cristãos-novos.4 Desde então, segundo Nuno Guerreiro Josué, a vida intelectual e científica de Portugal desceu a um abismo de intolerância, fanatismo e pureza de sangue. Particularmente acredito que hoje não seja mais assim.

Quando se pensa e se age de acordo com pensamentos preconceituosos (portanto, hipotéticos), como por exemplo que uma escola de misticismo é superior ou mais importante do que outra, que uma fraternidade é mais digna do que outra, ou que alguém só pode ser considerado um místico se tiver uma carteirinha carimbada de uma dada fraternidade, não se está fazendo menos do que faziam os inquisidores da Idade Média que torturaram e queimaram viva Jeanne d'Arc. Isso pode ser amargo de ser engolido, mas é assim que é, queiram os fanáticos ou não, queiram os intolerantes ou não. Estes exemplos não são, portanto, meras fragmentações para melhores compreensões. São preconceitos para maiores locupletações e mantença do poder. Locupletações e mantença do poder, principalmente, por ignorância, egoísmo, crueldade e porque não foi realizado o princípio máximo que deve nortear um Místico: somos todos um. E, antes que me esqueça, porque esses inquisidores (de ontem e de hoje) jamais puderam compreender o significado místico do Primeiro Mandamento. Haverei de repetir essas coisas até ficar sem impressões digitais, rouco ou morrer. Mas, como sei que não vou morrer, quando passar para o lado de lá continuarei a falar para quem quiser ouvir e para quem não quiser ouvir.

No âmbito do Rosacrucianismo, há cerca de doze Ordens Rosacuzes atuando no mundo contemporâneo. Imaginar que uma seja privilegiadamente mais importante do que outra é um preconceito místico retrogressivo, que eu mesmo, no silêncio do meu Coração, extirpei há muito tempo. (Quando me recordo que cheguei a admitir que Harvey Spencer Lewis era mais importante do que Max Heindel, morro de vergonha.). Também é um preconceito místico retrogressivo supor ou admitir, o que é pior, que alguém só possa ser ou só deva ser considerado um místico (ou um Místico) se tiver sido Iniciado nesta ou naquela fraternidade, com carteirinha plastificada, diploma, palavras de passe, sinais de reconhecimento et cetera. Essas firulas eram necessárias no passado; hoje são desnecessárias. São desnecessárias, bem entendido, para mim e segundo o meu pensamento, que nunca escondi de ninguém que sou Rosacruz. Mas, não posso deixar de dizer que respeito e não censuro aqueles que as consideram necessárias, e que não admitem publicamente que são membros desta ou daquela irmandade.

Continuando. No âmbito da Religião Católica, por exemplo, não se pode consentir que o Padre Pio de Pietrelcina (Francesco Forgione), 1887-1968 – que é considerado herdeiro espiritual de São Francisco de Assis e foi o primeiro sacerdote a ter impresso sobre o seu corpo os estigmas da crucifixão tenha sido mais importante do que o papa Pio XII (Eugenio Giuseppe Maria Giovanni Pacelli), 1876-1958. Ainda que recaiam sobre Pio XII pesadas acusações concordatárias (sua ação durante a Segunda Guerra Mundial tem sido alvo de livros, debates e polêmicas), ele teve um papel importante no seio da Religião Católica. Cósmica e carmicamente cada um teve o seu papel e cada um desempenhou esse papel como soube ou como pôde, ainda que, sinceramente, mas sem qualquer juízo de valor, meu Coração bata mais forte e esteja mais próximo do Pio que é Santo do que do Pio que foi papa. Santa Marie Bernard (Bernadette Soubirous), 1844-1879 é um outro exemplo. Durante algum tempo foi tida como mistificadora, trapaceira e impostora na própria Comunidade das Filhas da Caridade de Nevers, na qual foi admitida. Bernadette acabou canonizada em 8 de Dezembro de 1933 e seu corpo permanece até hoje incorrupto, podendo ser visitado no Convento de Nevers.

Milhares de exemplos são mostrados pela História do quanto erramos quando julgamos o que quer que possa ser com os nossos corações de pedra. Então, cometem um erro absurdo e grosseiro todos aqueles que pensam que um cientista por exemplo, Albert Einstein (Ulm, Alemanha, 14 de março de 1879 - Princeton, EUA, 18 de abril de 1955) não possa ser um místico, quanto todos os agnósticos que se referem aos místicos como esquizofrênicos, malucos ou lunáticos. Pior quando os perseguem, já que se pudessem os degolariam. Cometem também um erro absurdo e grosseiro as religiões que são intolerantes com outras religiões ou com as fraternidades místicas e fomentam essa intolerância. Cometem igualmente um erro absurdo e grosseiro os governos que querem impor pela força dos canhões suas idéias democráticas e suas doutrinas de segurança. Ah! Isso é mesmo o absurdo dos absurdos.

Eu já havia concluído este trabalho quando me vieram a cabeça duas perguntas. O que é um místico stricto sensu? O que é um místico lato sensu? Há essa diferença, ou a diferença pensada é proveniente de um hiperpreconceito? O papa João XXIII era um Iniciado e pouca gente sabe disso. Fernando Pessoa era um místico e muita gente só o enxerga como poeta. Recomendo a quem não conhece que procure ler o poema de Pessoa intitulado Eros e Psique. Pessoa tinha razão: em cada um de nós há uma princesa ou um príncipe! Precisamos acordá-los.

 

 


CAPÍTULO II

Misticismo Versus Ciência

 

 

 

Como em todas as atividades humanas, há místicos e iniciados sinceros e insinceros e cientistas sinceros e insinceros. Em decorrência disso, há os honestos e os desonestos, os leais e os traidores, os estudiosos e os malandros ou gazeadores, os tolerantes e os preconceituosos, os que não julgam e os que julgam et cetera. Enfim, há os que realmente são místicos e os que nunca foram e não são, mas que pensam que são. Contudo, isso não é mesmo um privilégio do misticismo; em todas as atividades humanas isso é assim. Revisitando rapidamente a História, lembro que Josef Mengele (Günzburg, 16 de Março de 1911 – Bertioga, 7 de Fevereiro de 1979) foi um médico alemão. Estou dando este exemplo porque, sem perda ou demérito para as outras profissões, coloco a Medicina em primeiro lugar e a considero a mais nobre das atividades humanas. O Talmud está certíssimo: Quem salva uma vida salva o mundo inteiro. Mas, o fato é que, formidolosamente, Mengele acabou ficando conhecido como Todesengel O Anjo da Morte no campo de extermínio de Auschwitz. Foi o responsável direto pela morte de milhares de judeus, além de grupos considerados como uma "praga" para os nazistas. Parafraseando a primeira frase deste capítulo, estou convicto de que em todas as atividades humanas há os que servem ao Bom, ao Belo e ao Bem, e há aqueles que vieram a este mundo para ser instrumentos dos Irmãos das Sombras. Josef Mengele foi um desses.

No capítulo inicial deste ensaio reproduzi e anunciei: a percepção íntima e direta de Deus ou do Cósmico deverá acontecer através do Eu, isto é, pelo domínio do subconsciente. Esta é deixa que está norteando este ensaio, pois, na verdade, existem ou existirão tantos Deuses quantas forem ou quantas vierem a ser as mentes pensantes e raciocinativas. Assim, dando seqüência a estas já longas reflexões, penso que um bom exemplo para se fazer um estudo de caso em relação ao que foi exposto anteriormente é examinar dialeticamente se Albert Einstein pode ou não pode ser considerado um místico. Ora, essa proposta, em si, é absurda. É absurda porque para este tipo de especulação seria necessário que se fizessem inferências a respeito de alguém – no caso, Einstein. Ora, fazer qualquer inferência a respeito do outro já é, em si, um ato julgador, inútil e preconceituoso. Mas, a linha de pensamento que desenvolverei a partir de agora será no sentido de demonstrar o que venho ponderando neste ensaio, isto é: para se ser um místico e/ou se ter um comportamento concertado e espiritual não é necessário que se seja um iniciado ou um místico no sentido geralmente aceito e compreendido, isto é, no sentido convencional. A Peregrinação Iniciática poderá se dar fora dos muros do Templo. Será mais longa? Talvez. Será mais árdua? Não sei. Mas sei que Iniciações podem ocorrer fora do âmbito das Escolas Tradicionais. A própria vida, afinal, não é a maior de todas as Iniciações? Quem nasce morre em uma esfera para ser iniciado em outra, e vice-versa. Logo, se os cientistas do tempo de Einstein sabiam ou se não sabiam se o domínio do que estavam desenvolvendo a respeito do átomo e de suas leis desaguaria ou não na nuclearização do mundo e na supercatástrofe Hiroshima-Nagazaki, não importa agora para o que pretendo lucubrar. Já discuti essa tenebrosa calcinação em outros ensaios. O que admito como veraz é que Einstein nunca desejou que seus trabalhos e suas pesquisas teóricas se transformassem em máquinas e artefatos que assassinassem e destruíssem.

Começarei por reproduzir a Carta de Einstein ao Presidente F. D. Roosevelt de 2 de agosto de 1939 e a própria resposta do Presidente americano. Primeiro, ambas as cartas serão exibidas em inglês; depois, em português.


1 – A Carta de Einstein ao Presidente F. D. Roosevelt:


Albert Einstein
Old Grove Road
Poconic, Long Island
August 2nd, 1939

F. D. Roosevelt
President of the United States
White House
Washington, D.C.

Sir:

Some recent work by E. Fermi and L. Szilard, which has been communicated to me in manuscript, leads me to expect that the element uranium may be turned into a new and important

source of energy in the immediate future. Certain aspects of the situation which has arisen seem to call for watchfulness and if necessary, quick action on the part of the Administration. I believe therefore that it is my duty to bring to your attention the following facts and recommendations.

In the course of the last four months it hás been made probable through the work of Joliot in France as well as Fermi and Szilard in America--that it may be possible to set up a nuclear chain reaction in a large mass of uranium, by which vast amounts of power and large quantities of new radium-like elements would be generated. Now it appears almost certain that this could be achieved in the immediate future.

This new phenomenon would also lead to the construction of bombs, and it is conceivable--though much less certain that extremely powerful bombs of this type may thus be constructed. A single bomb of this type, carried by boat and exploded in a port, might very well destroy the whole port together with some of the surrounding territory. However, such bombs might very well prove too heavy for transportion by air.

The United States has only very poor ores of uranium in moderate quantities. There is some good ore in Canada and former Czechoslovakia, while the most important source of uranium is in the Belgian Congo.

In view of this situation you may think it desirable to have some permanent contact maintained between the Administration and the group of physicists working on chain reactions in America. One possible way of achieving this might be for you to entrust the task with a person who has your confidence and who could perhaps serve in an unofficial capacity. His task might comprise the following:

a) to approach Government Departments, keep them informed of the further development, and put forward recommendations for Government action, giving particular attention to the problem of securing a supply of uranium ore for the United States.

b) to speed up the experimental work, which is at present being carried on within the limits of the budgets of University laboratories, by providing funds, if such funds be required, through his contacts with private persons who are willing to make contributions for this cause, and perhaps also by obtaining co-operation of industrial laboratories which have necessary equipment.
I understand that Germany has actually stopped the sale of uranium from the Czechoslovakian mines which she has taken over.

That she should have taken such early action might perhaps be understood on the ground that the son of the German Under-Secretary of State, von Weizsacker, is attached to the Kaiser-Wilhelm Institute in Berlin, where some of the American work on uranium is now being repeated.

Yours very truly,

Albert Einstein

1 a – A tradução da Carta de Einstein ao Presidente F. D. Roosevelt:

Albert Einstein
Old Grove Road,
Poconic, Long Island
2 de agosto de 1939


F. D. Roosevelt
President of the United States
White House
Washington, D.C.


Senhor Presidente:


Um trabalho recente de E. Fermi e L. Szilard, que me foi enviado em manuscrito, leva-me a supor que o elemento urânio possa vir a ser uma nova e significativa fonte de energia em futuro próximo. Certos aspectos da situação que decorrem parecem exigir cuidado e, se necessário, ação pronta de parte do Governo. Daí porque creio ser minha obrigação trazer à atenção do senhor os seguintes fatos e recomendações.

Nos últimos quatro meses tornou-se provável – através do trabalho de Joliot, na França, bem como de Fermi e Szilard, nos EUA – que seja possível desencadear, numa grande massa de urânio, uma reação nuclear em cadeia que geraria uma enorme quantidade de energia e grandes porções de novos elementos com propriedades semelhantes às do elemento rádio. Agora, está quase certo que isso se possa fazer em um futuro imediato. Neste momento, parece quase certo que tal fato possa ocorrer em futuro próximo.

Este novo fenômeno poderia também levar à construção de bombas, e é de se imaginar – malgrado isso seja bem menos certo – que se possam fabricar, portanto, bombas de extrema potência desse tipo. Uma só dessas bombas, levada em navio e explodida em um porto, talvez possa destruir o porto inteiro com partes da zona vizinha. Entretanto, tais bombas talvez sejam muito pesadas para transporte aéreo.

Os Estados Unidos só têm minérios de urânio de qualidade muito baixa e em quantidades reduzidas. Existe minério de boa qualidade no Canadá e na ex-Thecoslováquia, mas a grande fonte de urânio está no Congo Belga.

Em virtude desta situação, talvez o senhor julgue de bom alvitre que algum contacto permanente se estabeleça entre o Governo e o grupo de físicos que trabalha na reação em cadeia nos EUA. Uma forma possível talvez seja o senhor atribuir essa missão a alguém de sua confiança que poderia, quem sabe, atuar em condição não-oficial. Sua tarefa poderia constar do seguinte:

a) fazer contacto com os ministérios, mantê-los a par de quaisquer novos avanços e recomendar ação governamental, com atenção particularmente voltada para o problema de garantir o suprimento de minério de urânio para os EUA.

b) acelerar as experiências, no momento levadas a efeito sob a limitação dos orçamentos de laboratórios universitários, carreando fundos, se fundos se fizerem necessários, pelo contato com particulares desejosos de contribuir para esta causa, talvez, inclusive, buscando a colaboração de laboratórios industriais que disponham do necessário equipamento.

Entendo que a Alemanha resolveu de fato suspender a venda de urânio das minas tchecas que tomou.

Talvez se compreenda por que haja tomado essa providência inicial pelo fato de o filho do Vice-ministro do Exterior, von Weizsacker, ser ligado ao Instituto Kaiser Wilhelm, de Berlim, onde está sendo repetido parte do trabalho americano em urânio.

Atenciosamente,

Albert Einstein

 

2 – A resposta do Presidente F. D. Roosevelt:

THE WHITE HOUSE
WASHINGTON
October 19, 1939

My dear Professor:

I want to thank you for recent letter and the most interesting and important enclosure.

I found this data of such import that I have convened a Board consisting of the head of the Bureau of Standards and a chosen representative of the Army and Navy to thoroughly investigate the possibilities of your suggestion regarding the element of uranium.

I am glad to say that Dr. Sachs will cooperate and work with this Committee and I feel this is the most practical and effective method of dealing with the subject.

Please accept my sincere thanks.

Very sincerely yours,

(Assina o presidente dos EEUU)

Dr. Albert Einstein,
Old Grove Road,
Nassau Point,
Poconic, Long Island,
New York.

2 a – A tradução da resposta do Presidente F. D. Roosevelt:

THE WHITE HOUSE
WASHINGTON
19 de outubro de 1939

Meu caro Professor:

Desejo agradecer-lhe sua recente carta e o importante e interessantíssimo anexo.

Considerei o assunto de tal seriedade que criei um Conselho composto do diretor do Bureau of Standards e de representantes do Exército e da Marinha para examinar detidamente o que o senhor indica acerca do elemento urânio.

Apraz-me comunicar-lhe que o Dr. Sachs estará cooperando com esse comitê, nele efetivamente trabalhando, pois quer me parecer que esta é a forma mais prática e eficiente para tratar do assunto.

Queira aceitar meus sinceros agradecimentos.

Sinceramente,

(Assina o presidente dos EEUU)

 

Dr. Albert Einstein,
Old Grove Road,
Nassau Point
Poconic, Long Island,
New York

Uma outra carta muito interessante (a última antes de falecer) foi a que Einstein escreveu em 21 de março de 1955 a Vero Besso, filho de seu recém-falecido amigo Michele Besso, apenas vinte e oito dias antes de sua própria morte em 18 de abril do mesmo ano: Eis que, de novo, ele [Besso] me precede um pouco, deixando este estranho mundo. Isto nada significa. Para nós, físicos crentes, esta separação entre passado, presente e futuro não tem senão o valor de uma ilusão, por tenaz que seja. (Negrito e grifo meus).

Ora, Einstein não era um nefelibata. Sabia exatamente com o que estava lidando e tinha muitas dúvidas a respeito de suas conclusões. No ano anterior à sua morte, decepcionado com sucessivos insucessos, escreveu ao mesmo amigo Michele Besso: Admito como perfeitamente plausível que a Física pode não estar fundamentada na noção de campo, isto é, em elementos contínuos. Então, não restará nada da minha obra – incluindo a Teoria da Gravitação – e também praticamente nada da Física Moderna. Mas o seu maior pavor era que a energia nuclear viesse a ser utilizada para fins bélicos, como veio a suceder. Ou essa conclusão a que cheguei é verdadeira ou o que ele escreveu certa feita é uma farsa. Leia-se Albert Einstein: A pior das instituições se intitula Exército. Eu o odeio. Se um homem puder sentir qualquer prazer em desfilar aos sons de música, eu desprezo este homem... Não merece um cérebro humano, já que a medula espinhal o satisfaz. Deveríamos fazer desaparecer o mais depressa possível este câncer da civilização. Detesto com todas as forças o heroísmo obrigatório, a violência gratuita e o nacionalismo débil. A guerra é a coisa mais desprezível que existe. Preferia deixar-me assassinar a participar desta ignomínia.

Ora, quem pensa, diz ou escreve que prefere se deixar assassinar a participar de uma guerra, não é menos do que um grande e consciente místico. Quem pensa, diz ou escreve que o nacionalismo é uma doença infantil, como Einstein disse ou escreveu, não é menos do que um grande e consciente místico. Quem pensa, diz ou escreve que a imaginação é mais importante do que o conhecimento, como Einstein disse ou escreveu, não é menos do que um grande e consciente místico. Quem pensa, diz ou escreve que é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito, como Einstein disse ou escreveu, não é menos do que um grande e consciente místico. Quem pensa, diz ou escreve, sou, na verdade, um viajante solitário, e os ideais que iluminaram meu caminho e que proporcionaram, uma vez ou outra, novo valor para enfrentar a vida foram a beleza, a bondade e a verdade, como Einstein disse ou escreveu, não é menos do que um grande e consciente místico. Quem pensa, diz ou escreve que o direito de todo homem é escutar sua consciência e atuar segundo o que ela lhe dita, como Einstein disse ou escreveu, não é menos do que um grande e consciente místico. Quem pensa, diz ou escreve que o único caminho lógico para a descoberta das leis do Universo é o da intuição, como Einstein disse ou escreveu, não é menos do que um grande e consciente místico. [A citação foi editada]. Quem pensa, diz ou escreve que um cientista raramente se inclinará a crer que o curso dos eventos possa ser influenciado pela oração, ou seja, por um desejo dirigido a um ser sobrenatural, como Einstein disse ou escreveu, não é menos do que um grande e consciente místico. Quem pensa, diz ou escreve que não posso conceber um Deus que recompensa e pune as suas criaturas ou que tem uma vontade do tipo que nós mesmos experimentamos, como Einstein disse ou escreveu, não é menos do que um grande e consciente místico. Enfim, para não ficar cansativo, quem pensa, diz ou escreve que todas as melhores especulações, no âmbito da ciência, brotam de um sentimento religioso profundo... esse tipo de religiosidade que se faz sentir hoje na investigação científica é a única atividade religiosa criativa de nosso tempo, como Einstein disse ou escreveu, não é menos do que um grande, consciente e categórico místico.

Não há nenhuma incompatibilidade entre Misticismo e Ciência, muito pelo contrário. A verdade é que o Misticismo sem a ciência é inútil, e a Ciência sem o Misticismo é perigosa. De que adianta ficar sentado em meditação cantando mantras, se o produto intuitivo da meditação não é transformado em algo útil para a Humanidade? Também não adianta nada, e se adiantar pode ser perigosíssimo, pesquisar e implementar novas tecnologias se essas novas tecnologias forem, sabida e conscientemente, detrimentais à sociedade. Os ditos crimes ecológicos são cometidos porque quem os comete, acima de tudo, não tem qualquer outra percepção além de si próprio, e só age em benefício de si próprio e do grupo ao qual está associado. O que está acontecendo hoje no meio político brasileiro, com raríssimas exceções, é o exemplo que me ocorreu para citar agora. Mensalões? Corruptodutos? Licitações fraudulentas? Panamás? Adianta pouquíssimo fazer pelo social se os exemplos são outros. O que ocorreu recentemente em São Paulo é um exemplo cabal da desordem política na qual está mergulhado o Brasil.5

Em um livro digital que coloquei no ar há algum tempo especulei: Os cientistas-filósofos do milênio que nasceu acabarão por apoiar suas pesquisas e conclusões filosófico-científicas em suportes estritamente éticos, não dispensando, como fizeram até hoje, os segredos da Arte-Ciência e do Esoterismo Iniciático, tendo como meta primacial, portanto insubstituível e inegociável, o Bem da Humanidade. Se estes vinte séculos que se concluíram recentemente, se caracterizaram por um sono vanglorioso e pela produção de teorias e de sistemas incompletos, e até, muitas vezes, inverossímeis, os próximos dois mil anos que se seguirão, talvez, venham, em um primeiro momento, a unificar as várias teodicéias, para, depois, compatibilizá-las com a Ciência e com a Alquimia [Interior]. Enquanto prevalecerem tipos de razão (razão filosófica, razão científica, razão alquímica, razão econômica, razão de Estado etc.), qualquer análise acabará por produzir sempre um absurdo - uma razão irracional - porque qualquer razão isolada, estanque, é incompleta e insubsistente. A razão terá que ceder espaço à Razão Cósmica, e a vontade individual, humana, terá que se submeter (sem perda do livre-arbítrio) à Vontade, como disse Plotino, do Uno-Em-Si [que dorme em cada ser-no-mundo]. Portanto, mais exatamente do Uno-Em-Si-Interior. A Princesa Adormecida, entretanto, está acordando. E o Príncipe que já a está a beijar encontra-se nu e sem adornos. As mais belas jóias e os mais Sagrados Selos de sua autenticidade Ele os traz em seu Coração. Em sua mão direita há um pergaminho com uma espiral no centro da qual, em letras douradas, está inscrita a frase: Eu Sou a Luz. E quando Príncipe e Princesa compreenderem e realizarem a Unidade [e quando os cientistas realizarem essa mesma Unidade], iluminados perceberão que o ser representa, neste Plano, o Centrum & Miraculum Mundi, e que D'US escolheu o melhor para sua eterna morada. É esse D'US-MESTRE-INTERIOR que precisa ser construído por cada um e por todos... E, assim, nascerá uma nova classe de pensadores: os TEOCIENTISTAS. A salvaguarda da Humanidade acontecerá pela (re)aquisição de um conhecimento superior, percebido e difundido primeiramente por Melquisedeque, do qual as Fraternidades Iniciáticas, as Igrejas Ocultas e os remanescentes dos atlantes foram e são fiéis depositários. Utopia? Nem tanto. Acredito que seja possível alcançarmos uma sociedade mais ou menos ideal e fundamentada em leis justas e em instituições político-econômicas verdadeiramente comprometidas com o bem-estar da Humanidade e com a fraternidade. Mas para que isso possa se tornar realidade...

 

Conclusão

 

Recentemente escrevi um poema cujo título é Impressão Digital. Vou transcrevê-lo abaixo

Temos inteira liberdade de escolher:
não fazer coisa com coisa e não ser lá grande coisa
ou procurar Beber na Fonte Sobre-Substancial.
Então, por que se privar da Consciência do Viver?
Por que diariamente ficar esperando a poisa?
Para Viver é necessário uma Impressão Digital.

Miguel Torga conclui o seu poema Liberdade dizendo: — Liberdade que estais em mim,/Santificado seja o vosso nome. A liberdade consentida pelo senso comum longe está de ser a Liberdade de que falou Torga, porque essa liberdade, condescendida pelo senso comum, é prisão. A Alemanha de Hitler consentiu, e pagou o preço. O Brasil aceitou a revolução de 64, e pagou o preço. O mesmo Brasil está consentindo que as maracutaias proliferem, e pagará o preço. O povo americano está consentindo que a política externa dos EEUU seja do jeito que é, e pagará o preço. Refletindo então: por definição, senso comum é, primeiro na filosofia romana, posteriormente no pensamento moderno e no pensamento contemporâneo, o conjunto de opiniões, idéias e concepções que, prevalecendo em um determinado contexto social, se impõem como naturais e necessárias, não evocando, geralmente, reflexões ou questionamentos. Em uma palavra: consenso. Mas, foram os múltiplos consensos que produziram e continuam a produzir os mais variados horrores. O senso comum é, por natureza e por origem, falho, deformado, preconceituoso e inconscientemente autoritário e arbitrário. Ainda que a Luz que vem do Leste seja tão-só iluminante, muitos não a percebem e só enxergam a treva que não poderá jamais vir do Leste. Por isso, às vezes ingenuamente, adotam o senso comum, anuem o absurdo e concordam com o que não entendem. Em sã consciência eu pergunto: alguém pode concordar com o caos que se estabeleceu no Iraque? Com a miséria do Haiti? Com as botas sobre o povo tibetano? Com a fome da África?

Tudo o que foi examinado neste ensaio será, provavelmente, rechaçado por esse senso comum ou por uma parte dele. Mas, como disse Antônio Roberto Soares no seu texto Eu Te Compreendo, justamente agora, já não precisas mais do meu apoio, pois, o que foste buscar dentro de ti, encontraste dentro da tua própria dor! Por que fiz referência à esta passagem? Porque, para compreendermos e nos libertarmos na direção do que intuiu Miguel Torga, precisamos projetar e construir uma Impressão Digital indelével em nosso Coração. Com dor ou sem dor! Essa Impressão Digital será o passaporte para a Vida Eterna, o que não significa que a Peregrinação tenha terminado. Ela não terminará nunca, mas será tanto mais penosa quanto menos determinados formos, e menos iluminada quanto maiores forem nossa ignorância e nossos preconceitos. Mas, seja como for, nem a ciência nem a tecnologia jamais poderão projetar ou fabricar essa Impressão Digital, pois ela só poderá ser edificada em nosso Coração. Por nós e por mais ninguém!

Para concluir, citarei o meu Irmão Frater Vicente Velado: Estejamos sempre atentos para que não se perca a Luz de vista.

 

Rio de Janeiro, 17 de maio de 2006.

 

 

 

______

Notas:

1. O termo Padres do Deserto inclui um grupo influente de eremitas e cenobitas do século IV que se estabeleceu no Deserto Egípcio. Nessas ermidas primitivas e comunidades religiosas se encontram as origens do monaquismo oriental cristão.

2. Ser-no-mundo: no heideggerianismo, constituição necessária e apriorística do ser-aí - o ente humano - que deve ser compreendido em sua inserção na realidade cotidiana, na historicidade e na relação que estabelece com os outros entes.

3. Ordália, ordálio ou sentença divina (do anglo-saxônico ordal = juízo) era um meio de comprovação em litígios particulares e públicos, praticado em quase todas as culturas, especialmente nas indogermânicas. Foi um meio de prova usado em processos penais em Portugal e na generalidade dos países europeus até o século XIII. A Igreja Católica condenou oficialmente esta prática no IV Concílio de Latrão (1215) e ainda pelas Decretais do Papa Gregório IX (1234). A ordália consistia que, na divergência de testemunhos, remetia-se a verdade para o juízo de Deus, ou seja Deus não podia beneficiar o culpado contra o inocente. Em Portugal, os ordálios utilizados foram de dois tipos: o ferro em brasa e o duelo judicial. No primeiro caso, o juiz e um sacerdote aqueciam o ferro, que o acusado era obrigado a segurar. O juiz cobria-lhe a mão com cera, punha-lhe por cima linho ou estopa e enfaixava tudo com um pano. Decorridos três dias, o estado da mão era analisado; se houvesse chaga o réu era considerado culpado e imediatamente condenado. O duelo judicial, a cavalo ou a pé, segundo a classe social dos intervenientes, durava três dias. Após esses dias, o vencido perdia o processo; se não houvesse vencido, perdia quem tinha pedido o desafio. Penso que seja desnecessário comentar que o ordálio foi um recurso encorajador e tenebroso para estimular acusações levianas e interesseiras.

4. Cristão-novo é definido como aquele que é filho ou neto de judeus convertidos ao Catolicismo, ou o que se converteu recentemente a essa religião. O preconceito não termina aí, pois é definido como cristão-velho o cristão (na verdade, católico, porque entendo que Cristianismo seja uma coisa e Catolicismo outra bem diferente) que não foi judeu nem tem antepassados judeus.

5. Atentados do crime organizado contra a polícia (maio de 2006).

Websites consultados:

http://www.padrepio.catholicwebservices.com
/PORTUGUES/PORTUGUES_index.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Pio_XII

http://pt.wikipedia.org/wiki/Bernadette_Soubirous

http://pt.wikipedia.org/wiki/Joana_d'Arc

http://www.mulhernatural.hpg.ig.com.br/trablux/osho2.htm

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ord%C3%A1lio

http://ruadajudiaria.com/index.php?p=171

http://www.padresdodeserto.net/

http://www.dannen.com/ae-fdr.html

http://www.gagneint.com/Final%20site
/Animation/Animation.htm

http://www.ciencia-cultura.com/leitura/Cartas02.html

http://ciencia.tipos.com.br/einstein-v

http://pt.wikipedia.org/wiki/Josef_Mengele

Fundo musical:

Il Mondo

Fonte:

http://www.marilenemusicaetecnologia.
hpg.ig.com.br/page5.html