Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

 

Deus [não] manda o frio

conforme o cobertor.

O bochorno, o calor ou o frio

dependem tão-só do Eu–Interior.

 

 

Deus [não] escreve certo

Todos que campeiam no deserto

 

 

Deus [não] ajuda

a quem cedo madruga.

Se a cachola é cava e cabeçuda,

tudo terá que ir à la tartaruga.

 

 

Mandar1, escrever2 e ajudar3

de nós exclusivamente dependem.

Basta cada um se conformar

à Grande Obra e ao Sumo Bem.

 

 

 

 

 

 

 

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Notas:

 

1. Mandar   Vontade.

2. Escrever   Construção.

3. Ajudar   Ação.

 

Música de fundo: Saudosa Maloca

[Saudosa Maloca foi incluída pelo musicólogo brasileiro Ricardo Cravo Albin na coletânea As 14 Músicas do Século XX. Ricardo Cravo Albin é considerado um dos maiores pesquisadores da Música Popular Brasileira. Sua maior obra é o Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, disponível em meio digital, com cerca de sete mil verbetes. No verbete de Adoniran, pode ser lida a seguinte crítica: Se Vinicius de Moraes* [1913 – 1980] tivesse pelo menos lembrado da existência de Adoniran Barbosa, não teria injustamente decretado que São Paulo é o túmulo do samba. A frase não é boba como, ao se ouvir Adoniran, sempre com muito prazer, sente-se nele a síntese do ritmo com todas as características regionais – um samba legitimamente paulistano. Samba rock é assim. Não tem sotaque determinado. Tem assinatura. E a assinatura impressa por Adoniran é inconfundível. Até hoje é difícil encontrar alguma letra do gênero tão divertida quanto as que ele compunha. Adoniran abusava das gírias locais, destruía propositalmente o português e construía situações como poucos. 'Saudosa Maloca e 'O Samba do Arnesto' são exemplos típicos do seu dom de cronista de uma época, que contava histórias saborosas, criativas, com malícia implícita e musicadas de um jeito que tornaram as canções eternas. Não se sabe se, para responder aos puristas chatos sobre a balela do não-samba em São Paulo ou por pura diversão, ele compôs o delirante samba italiano no qual, ao som de cavaquinho, violão, violino, pandeiro e bateria, inventou uma absurda letra no idioma de Dante. Em um outro clássico de sua autoria, 'Trem das Onze' – soberbamente regravado por Gal Costa, que enfatizou toda a beleza da letra e da canção – o também intérprete de voz rouca determinou com pureza e pitadas de humor um caso de amor vivido nas mãos da pobreza. Boêmio incorrigível, mulherengo ao extremo – não havia moça bonita a que ele não se insinuasse – Adoniran Barbosa deixou uma obra de estilo, marcada pela graça e pela sensibilidade como São Paulo e o Brasil merecem.]

* Vinicius de Moraes, poeta essencialmente lírico, o 'Poetinha' (como ficou conhecido) notabilizou-se pelos seus sonetos, forma poética que se tornou quase associada ao seu nome. Conhecido por também ser boêmio inveterado, fumante e apreciador do uísque, Vinicius também era conhecido por ser um grande conquistador. O 'Poetinha' casou-se por nove vezes ao longo de sua vida.

 

Autoria: Adoniran Barbosa

[Cantor, humorista e ator brasileiro (nome artístico de João Rubinato). Valinhos, 6 de agosto de 1910 – São Paulo, 23 de novembro de 1982.]

 

Adomiran Barbosa
Adomiran Barbosa

 

Interpretação: Demônios da Garoa

[Os Demônios da Garoa – grupo musical brasileiro que surgiu em 1940 com o nome de 'Grupo do Luar' foram os grandes intérpretes das composições de Adomiran Barbosa, principalmente os sambas que citavam vários locais da Cidade de São Paulo conhecidos dos paulistanos, como os bairros de Jaçanã (Trem das Onze), do Brás (O Samba do Arnesto) e a Avenida São João (Iracema).

 

Fonte da música de fundo:

http://www.paixaoeromance.com/
50decada/saudosa55/hsaudosa_maloca.htm

 

 

Saudosa Maloca



Si u sinhô num tá lembradu,
dá licença di contá.
Que aqui aonde agora está,
esse adifício arto,
era uma casa véia
– um palacete assobratado.

 

Foi aqui seu moçu,
que eu, Mato Grosso e o Joca
construímus nossa maloca.

 

Mais um dia,
nóis nem pódi si alembrá.
Veio os homes com as ferramentas
– o dono mandô derrubá.

 

Peguemos todas nossas coisas
e fumus pro meio da rua
apreciá a demolição.

 

Qui tristeza qui nóis sentia...
Cada táuba que caía
duía no coração!

 

Mato grosso quis gritá,
mas em cima eu falei:
os homes tá co'a razão;
nóis arranja outro lugá.

 

Só se conformemos
quando o Jocá falou:
Deus dá o frio
conforme o cobertô.

 

E hoje, nóis pega a páia
nas grama du jardim.
E pra isquecê,
nóis cantemos assim:

 

Saudosa Maloca;
Maloca quirida!
Dim dim dondi nós passemos
dias filiz de nossa vida.

 

Saudosa Maloca;
Maloca quirida!
Dim dim dondi nós passemos
dias filiz de nossa vida.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Adoniran_Barbosa

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Vin%C3%ADcius_de_Moraes