Os
acidentes existem somente para nossas mentes, percepção e
saber limitados.
Existe
uma meta, mas não há caminho; o que chamamos caminho não
passa de hesitação.1
O
que é a riqueza? Para um, uma velha camisa já é riqueza.
Outro é pobre com dez milhões. A riqueza é algo completamente
relativo e insatisfatório. No fundo, não passa de uma situação
peculiar.
Todos
os erros humanos são decorrentes da impaciência – uma
interrupção prematura de um trabalho metódico.
Existem
dois principais pecados humanos, a partir dos quais derivam todos os outros:
impaciência e indiferença. Por causa da impaciência fomos
expulsos do Paraíso; por causa da indiferença não podemos
voltar.
Desde que alberguemos uma única
vez o mal, este não volta a se dar ao trabalho de pedir que lhe concedamos
a nossa confiança.
Crer-se
no progresso não significa que já tenha tido lugar qualquer
progresso.2
...
não
os faziam esquecer, mas os lembrar da obrigação de continuar
buscando...
Só
o cansaço os acalmava e os tornava mutuamente gratos.
... depois de muitos anos, talvez
já ancião, ele fica sabendo da rejeição, fica
sabendo que está tudo perdido e que sua vida foi inútil...
Quando,
certa manhã, Gregor Samsa acordou de sonhos intranqüilos, encontrou-se
em sua cama metamorfoseado em um inseto monstruoso. Estava deitado sobre
suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça,
viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas, no topo
do qual a coberta, prestes a deslizar de vez, ainda mal se sustinha. Suas
inúmeras pernas, lastimavelmente finas em comparação
com o volume do resto do corpo, tremulavam desamparadas diante de seus olhos.
Reflexões
calmas, inclusive as mais calmas, ainda são melhores do que as decisões
desesperadas.
Toda
a educação assenta nestes dois princípios: primeiro,
repelir o assalto fogoso das crianças ignorantes à verdade,
e, depois, iniciar as crianças humilhadas na mentira, de modo insensível
e progressivo.
É
como se alguém tivesse de subir cinco degraus de escada, e uma segunda
pessoa apenas um degrau, mas que, pelo menos para ela, é tão
alto quanto aqueles cinco degraus juntos. O primeiro vai vencer não
só os cinco degraus, mas, também, centenas e milhares de outros.
Terá levado uma vida ampla e muito fatigante, porém, nenhum
dos degraus que subiu terá sido para ele tão importante como,
para o segundo, aquele degrau único, que não só pôde
subir, como passar por cima.
Entre muitas outras coisas, tu eras,
para mim, uma janela através da qual podia ver as ruas. Sozinho não
o podia fazer.
Em
última análise, parece-me que deveríamos ler apenas
livros que nos mordam e firam. Se o livro que estamos a ler não nos
desperta violentamente, como uma pancada na cabeça, para que nós
haveremos de nos dar o trabalho de o ler? Um livro tem que ser como a picareta
para o mar gelado dentro de nós. É isto que penso.
O
Pensador – Franz Kafka
Só
podia encontrar a felicidade, se conseguisse subverter o mundo, para o fazer
entrar no verdadeiro, no puro, no imutável.
E,
como levava uma existência divina, Deus o tomou para Si; ninguém
o viu mais.
Para
um peixe em um aquário: Agora,
posso olhar para ti em paz; não te como mais.
De um certo ponto adiante não
há mais retorno. Este é o ponto que deve ser alcançado.
Quem
possui a faculdade de ver a Beleza não envelhece.
O
tempo é teu capital; tens de o saber utilizar. Perder tempo é
estragar a vida.
A
única coisa que temos de respeitar, porque ela nos une, é
a língua.3
Não
é necessário sair de casa. Permaneça em sua mesa e
ouça. Não apenas ouça, mas espere. Não apenas
espere, mas fique sozinho em silêncio. Então, o mundo se apresentará
desmascarado. Em êxtase, se dobrará sobre os seus pés.
As
sereias, porém, possuem uma arma ainda mais terrível do que
seu canto: seu silêncio.
Você
não sabe a energia que reside no silêncio!
Tudo
acontece como se meu combate espiritual se passasse em uma clareira. Penetro
na floresta, nada encontro; e a fraqueza logo me força a sair de
lá. Freqüentemente, quando deixo a floresta, ouço, ou
creio ouvir, os cliques de armas usadas em uma guerra.
Se
estou condenado, não estou somente condenado à morte, mas,
também, a me defender até a morte.4
Quando
eu começava a fazer alguma coisa que não te agradava e tu
me ameaçavas com o fracasso, então, o respeito pela tua opinião
era tão grande, que, com ele, o fracasso se tornava inevitável.
É
bom quando nossa consciência sofre grandes ferimentos, pois isto a
torna mais sensível a cada estímulo.
Os
bons vão ao passo certo; os outros, ignorando-os inteiramente, dançam
à volta deles a coreografia da hora que passa.
Deixem
dormir o futuro como merece. Se o acordarem antes do tempo, teremos um presente
sonolento.5
A
verdade é tudo aquilo que o homem precisa para viver; não
pode ganhar nem comprar dos outros.
A
verdade é aquilo que todo o homem precisa para viver e que ele não
pode obter nem adquirir de ninguém. Todo o homem deve extraí-la
sempre nova do seu próprio íntimo, caso contrário ele
se arruína. Viver sem verdade é impossível. A verdade
é talvez a própria vida.
Todo
homem deve produzir a verdade
sempre no seu
íntimo, se não ele se arruína.
São
sedutoras as vozes da noite...
Viver
sem a verdade é impossível; mas não exagere o culto
da verdade.
Não
há um único homem no mundo que não tenha mentido muitas
vezes e com razão.
Estou
aqui. Mais do que isto não sei.
Deve-se
ler para fazer perguntas.
O
espírito só se liberará quando deixar de ser um suporte.
A
incitação à guerra é um dos meios de sedução
mais eficazes do mal.
A
história dos homens é um instante entre dois passos de um
caminhante.
Os
pontos de vista da arte e da vida são diferentes, ainda que no mesmo
artista.
A
dor é o elemento positivo deste mundo, e também o único
vínculo entre este mundo e o positivo em si.6
Quem
procura não acha; mas quem não procura é achado.
O
mal conhece o bem; mas o bem não conhece o mal.
O
gesto de amargura do homem é, com freqüência, só
o petrificado assoreamento de um menino.
A
Literatura é sempre uma expedição à verdade.
Todo
o conhecimento – a totalidade de perguntas e respostas – se
encontra no cachorro.
Não
desesperes, nem sequer pelo fato de que não desesperas. Quando tudo
parece findo, surgem novas forças. Isto significa que vives.
Há
esperanças, só não para nós.
Desenho
de Franz Kafka
(Será,
por acaso, desesperança?)
Na
luta entre alguém e o mundo, há que fazer parte do mundo.
A
solidariedade é o sentimento que melhor expressa o respeito pela
dignidade humana.
Em
sua luta contra o resto do mundo, aconselho que você se coloque ao
lado do resto do mundo.
Os
homens se tornam maus e culpados porque falam e agem sem antever os resultados
de suas palavras e atos.7
Todas
as revoluções se evaporam, deixando para trás apenas
a lama de uma nova burocracia.
O
possuir não existe. Existe somente o ser: esse ser que aspira, até
o último alento, até à asfixia.
O
caminho verdadeiro passa por uma corda que não está estendida
no alto, mas, sim, sobre o chão. Parece disposta mais para fazer
tropeçar do que para que cada um siga o seu rumo.
Nossas
autoridades, até onde as conheço, e só conheço
seus níveis mais baixos, não buscam a culpa na população;
mas, conforme consta na lei, são atraídas pela culpa. Esta
é a lei.
...
culpada é a organização, culpados são
os altos funcionários. Não me deixo subornar. Fui empregado
para espancar; por isto, espanco.
Mostre-me
o caminho. Eu vou errá-lo. Aqui, há tantos caminhos!
K:
– Mas eu não sou culpado. É um equívoco. Como
é que um ser humano pode ser culpado? Aqui somos todos seres humanos,
tanto uns como outros.
O sacerdote:
– É verdade. Mas é assim que os culpados costumam falar.
A
lógica, na verdade, é inabalável; mas ela não
resiste a uma pessoa que quer viver.
Na
luta entre você e o mundo, aposte no mundo.8
A
vida é espantosamente curta.9
A
fraqueza fundamental do homem não é nada que ele não
possa vencer, desde que não possa aproveitar a vitória. A
juventude vence tudo – a impostura, a astúcia mais dissimulada
– mas não há ninguém que possa deter, no vôo,
a vitória, torná-la viva, porque, então, a juventude
terá deixado de existir. A velhice não ousa tocar na vitória,
e a nova juventude, atormentada pelo novo ataque que se desencadeia imediatamente,
deseja a sua própria vitória. É assim que o diabo sem
ser vencido, nunca é aniquilado.
As
forças do homem não são concebidas como uma orquestra.
No homem, é necessário que todos os instrumentos toquem constantemente
com toda a sua força. Não foram destinados a ouvidos humanos,
e não dispõem da duração de uma noite de concerto,
durante a qual cada instrumento pode esperar para se fazer valer. Por vezes,
parece que as coisas serão assim: tu tens tal tarefa a cumprir, dispões
de tantas forças quantas são necessárias para a levar
a bom termo (nem muito, nem muito pouco; sem dúvida, é necessário
te concentrares, mas não tens que estar ansioso), com bastante tempo
teu e boa vontade para o trabalho, onde está o obstáculo ao
êxito da imensa tarefa? Não percas tempo em procurá-lo;
talvez não exista.
Ninguém
pode exigir o que no fundo lhe é prejudicial. Se tal é na
verdade a aparência, pelo menos do homem tomado isoladamente –
e é, talvez esta a aparência que oferece sempre – isto
se explica por alguém no homem procurar qualquer coisa que, sem dúvida,
é útil a alguém, mas que lesa gravemente um segundo
alguém, mais ou menos chamado a julgar o caso. Se o homem se tivesse
colocado desde o princípio – e não somente desde o julgamento
– ao lado do segundo alguém, o primeiro alguém teria
se extinguido, e com ele a exigência.
Se
não cessas de correr, marulhando no ar tépido com as tuas
mãos como natatórios, olhando furtivamente tudo diante de
que passas no meio-sono apressado, acontecer-te-á, também,
um dia, deixar passar diante de ti o carro. Se te mantiveres firme, pelo
contrário, com o poder do teu olhar fazendo crescer as raízes
em profundidade e em comprimento, nada, então, te poderá eliminar,
em virtude não das raízes, mas da força do teu olhar
que escruta. Será, então, que verás o longínquo
imutavelmente obscuro de onde nada pode surgir, a não ser precisamente
uma vez este carro que rola para ti, que se aproxima, cada vez maior, e
que, no próprio instante em que entras em tua casa, enche o mundo
enquanto mergulhas nele como uma criança no banco acolchoado de uma
diligência que corre através da tempestade e da noite.
Teoricamente,
só há uma possibilidade perfeita de felicidade: acreditar
no indestrutível em si sem a ele aspirar. O indestrutível
é um; cada indivíduo o é ao mesmo tempo que é
comum a todos; daí este laço indissolúvel entre os
homens, que é sem exemplo.
É necessário
sofrer igualmente todos os sofrimentos que nos cercam. Todos nós,
não temos um corpo, mas um crescimento, e este nos conduz através
de todas as dores, seja sob que forma for. Do mesmo modo que a criança,
através de todos os estádios da vida, se desenvolve até
à velhice e até à morte (e cada estádio parece,
no fundo, inacessível ao precedente, quer seja desejado ou receado),
do mesmo modo nos desenvolvemos (não menos solidários da Humanidade
do que de nós próprios) através de todos os sofrimentos
deste mundo. Para a justiça não há, nesta ordem de
coisas, lugar algum, não mais do que para o receio dos sofrimentos
ou para a interpretação do sofrimento como um mérito.
Ninguém,
aqui, gera mais do que a sua possibilidade espiritual de viver. Pouco importa
que dê a aparência de trabalhar para se alimentar, para se vestir
etc.; com cada bocada visível uma invisível lhe é estendida,
com cada vestimenta visível, uma invisível vestimenta. Está
nisto a justificação de cada homem. Parece fundamentar a sua
existência com justificações ulteriores, mas esta é
apenas a imagem invertida que oferece o espelho da Psicologia; de fato erige
a sua vida sobre as suas justificações. É verdade que
cada homem deve poder justificar a sua vida (ou a sua morte, o que vem dar
no mesmo); e não pode se furtar a esta tarefa.
Se
me diverte — disse K. — é só porque me dá
oportunidade de ver o caos ridículo que decide, quem sabe, a existência
de um homem.
As
minhas interrogações servem apenas de aguilhão para
mim mesmo. Só quero ser estimulado pelo silêncio que se ergue
à minha volta como resposta derradeira. «Até quando
conseguirás suportar o fato de que o mundo dos cães, tal como
demonstram cada vez com mais evidência as tuas pesquisas, está
para sempre votado ao silêncio? Até quando conseguirás
suportar esta idéia?» Esta, esta é que é a verdadeira
grande interrogação da minha vida, uma interrogação
perante a qual as outras interrogações se tornam totalmente
insignificantes. Uma interrogação que diz respeito apenas
a nós próprios e a mais ninguém. Infelizmente, posso
responder a esta interrogação com mais facilidade do que às
interrogações específicas: agüentarei, provavelmente,
até o meu fim natural. A serenidade da velhice irá formando
uma resistência cada vez maior a todas as interrogações
inquietantes. Tudo indica que hei de morrer em silêncio e rodeado
de silêncio, na verdade até de forma específica, e antevejo
isto com uma certa tranqüilidade. Um coração admiravelmente
resistente, pulmões que é impossível ficarem fracos
prematuramente, foram-nos dados a nós, cães, como que por
ironia. Assim, sobrevivemos a todas as interrogações, inclusive
àquelas que colocamos a nós próprios, como autênticas
fortalezas de silêncio que somos.
Se
caminhasses em um terreno plano, se tivesses a boa vontade de caminhar,
e destes, apesar disto, passos à retaguarda, então, tratar-se-ia
de um caso desesperado; mas, como sobes um pendor tão escarpado,
como tu próprio visto de baixo, os passos para trás só
podem ser provocados pela natureza do terreno, e não tens que desesperar.
Eu
luto mais do que os outros. A maior parte luta com sonhos...
A
submissão tem medo de modificações, dos que querem
‘continuar’...
Sou
um criado, mas não há trabalho para mim. Sou medroso e não
me ponho em evidência. Nem sequer me coloco em fila com os outros,
mas isto é apenas uma das causas de minha falta de ocupação.
Também é possível que minha falta de ocupação
nada tenha a ver com isso; o mais importante é, em todo caso, que
não sou chamado a prestar serviço. Outros foram chamados e
não fizeram mais gestões que eu; e, talvez, nem mesmo tenham
tido alguma vez o desejo de serem chamados, enquanto que eu o senti, às
vezes, muito intensamente. Assim permaneço, pois, no catre, no quarto
de criados, o olhar fixo nas vigas do teto. Durmo, desperto e, em seguida,
torno a adormecer.
Todas
essas alegorias apenas querem significar que o inexeqüível é
inexeqüível...
Diante
da Lei está um guarda. Vem um homem do campo e pede para entrar na
Lei. Mas o guarda diz-lhe que, por enquanto, não pode lhe autorizar
a entrada. O homem considera, e pergunta se poderá entrar mais tarde.
— 'É possível' – diz o guarda. — 'Mas não
agora!'. Então, o guarda se afasta da porta da Lei, aberta como sempre,
e o homem curva-se para olhar lá dentro.
Ao ver tal, o guarda ri-se e diz: — 'Se tanto te atrai, experimenta
entrar, apesar da minha proibição. Contudo, repara: sou forte.
E ainda assim sou o último dos guardas. De sala para sala estão
guardas cada vez mais fortes, de tal modo que não posso sequer suportar
o olhar do terceiro depois de mim'.
O homem do campo não esperava tantas dificuldades. A Lei havia de
ser acessível a toda a gente e sempre, pensa ele. Mas, ao olhar o
guarda envolvido no seu casaco forrado de peles, o nariz agudo, a barba
à tártaro, longa, delgada e negra, prefere esperar até
que lhe seja concedida licença para entrar. O guarda dá-lhe
uma banqueta e manda-o sentar ao pé da porta, um pouco desviado.
Ali fica, dias e anos. Faz diversas diligências para entrar, e com
as suas súplicas acaba por cansar o guarda. Este faz-lhe, de vez
em quando, pequenos interrogatórios, perguntando-lhe pela pátria
e por muitas outras coisas, mas são perguntas lançadas com
indiferença, à semelhança dos grandes senhores. No
fim, acaba sempre por dizer que não pode ainda deixá-lo entrar.
O homem, que se provera bem para a viagem, emprega todos os meios custosos
para subornar o guarda. Este aceita tudo mas diz sempre: — 'Aceito
apenas para que te convenças que nada omitiste'.
Durante
anos seguidos, quase ininterruptamente, o homem observa o guarda. Esquece
os outros, e aquele afigura ser-lhe o único obstáculo à
entrada na Lei. Nos primeiros anos diz mal da sua sorte, em alto e bom som,
e, depois, ao envelhecer, limita-se a resmungar entre dentes. Torna-se infantil,
e como, ao fim de tanto examinar o guarda durante anos, conhece até
as pulgas das peles que ele veste, e pede também às pulgas
que o ajudem a demover o guarda.
Por
fim, enfraquece-lhe a vista e acaba por não saber se está
escuro em seu redor ou se os olhos o enganam. Mas ainda percebe, no meio
da escuridão, um clarão que eternamente cintila por sobre
a porta da Lei. Agora a morte está próxima. Antes de morrer,
acumularam-se na sua cabeça as experiências de tantos anos,
que vão todas culminar numa pergunta que ainda não fez ao
guarda. Faz lhe um pequeno sinal, pois não pode mover o seu corpo
já enfraquecido. O guarda da porta tem de se inclinar até
muito baixo porque a diferença de alturas se acentuou ainda mais
em detrimento do homem do campo.
— 'Que queres tu saber ainda?' — pergunta o guarda. —
'És insaciável'.
—
'Se todos aspiram a Lei' — disse o homem. — 'como é que,
durante todos estes anos, ninguém mais, senão eu, pediu para
entrar.
O guarda da porta, percebendo que o homem estava no fim, grita-lhe ao ouvido
quase inerte: — 'Aqui ninguém mais, senão tu, podia
entrar, porque só para ti era feita esta porta. Agora, vou-me embora,
e fecho-a'.
—
'Ai de mim!' — disse o rato —
'o mundo vai ficando dia a dia mais estreito. Outrora, tão grande
era que ganhei medo e corri. Corri até que, finalmente, fiquei contente
por ver aparecerem muros de ambos os lados do horizonte. Mas estes altos
muros correm tão rapidamente um ao encontro do outro, que eis-me
já no fim do percurso, vendo ao fundo a ratoeira em que irei cair'.
—
'Mas o que tens a fazer é mudar de direção' —
disse o gato, devorando o rato.
Era
muito cedo, pela manhã. As ruas estavam limpas e vazias, eu ia à
estação. Ao verificar a hora em meu relógio com a do
relógio de uma torre, vi que era muito mais tarde do que eu acreditara;
tinha que me apressar bastante. O susto que me produziu esta descoberta
me fez perder a tranqüilidade; não me orientava ainda muito
bem naquela cidade. Felizmente, havia um policial nas proximidades. Fui
até ele e perguntei-lhe, sem fôlego, qual era o caminho.
O policial sorriu e disse: — 'Por mim queres conhecer o caminho?'
—
'Sim' — disse eu — 'já que não posso encontrá-lo
por mim mesmo.'
—
'Renuncia, renuncia' — disse o policial, e voltou-se com grande ímpeto,
como as pessoas que querem ficar a sós com o seu riso.
O
momento decisivo da evolução humana é permanente. Por
isto, estão certos os movimentos revolucionários do espírito
que declaram nulo tudo o que veio antes, pois nada aconteceu.
Uma
gaiola saiu à procura de um pássaro!