Fernando Pessoa
e
Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

Fernando Pessoa

 

 

 

O poeta é um fingidor.

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

 

 

Eu nunca fui um fingidor.

Sempre cantei veramente

O fado, a alegria e a dor,

Em reverente silêncio silente.

 

 

E os que lêem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

 

 

Os que lêem o que escrevo

Fiquem certos de uma coisa:

Em mim, tudo é alto-relevo;

Em mim, a peta não poisa.

 

 

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.

 

 

E assim, de poema em poema,

Vou reiterando o meu recado:

Quebre já, agora, a sua algema,

E transmute o seu Quadrado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Observação:

O poema original – Autopsicografia – publicado na Presença, nº 36, em novembro de 1932, é de Fernando Pessoa (Lisboa, 13 de junho de 1888 – Lisboa, 30 de novembro de 1935). Eu, que sou cara-de-pau, convidei o Fernando para esta parceria. Como ele aceitou, fizemos o rascunho que você provavelmente já leu. Só que tem uma coisinha: Amália, que participou do encontro, disse que cantaria Foi Deus para nós. Eu fiquei deslumbrado e assenti imediatamente. Fernando sorriu, e disse: — Ora bem! Obrigadinho, Amália! Depois, para recordar e comemorarmos, eu convido para umas rabanadas com sopa-de-cavalo-cansado regada com Monte Velho, reserva de 1998. Coisa simples, mas saborosa.

 

Fundo musical:

Foi Deus
Compositor: Alberto Janes
Intérprete: Amália Rodrigues

Fonte:

http://amalia.no.sapo.pt/Fados.htm