FILOSOFIA
PORTUGUESA (VI):
CONCLUSÕES E ADITAMENTOS SOBRE OS ITENS I, II, III, IV
E V
Rodolfo
Domenico Pizzinga
Música de fundo: Povo que Lavas (fado)
Fonte:
http://www.bairrovilaolimpia.com.br
/HTMSomMidDigital/SomMidi/Portuguesa/Portuguesas.htm
CONCLUSÕES E ADITAMENTOS
Na
estruturação do pensamento português moderno,
parece evidente que, salvo melhor juízo, no que se examinou
dos pensadores escolhidos (António de Lisboa, Cunha Seixas,
Sampaio Bruno e Leonardo Coimbra), o TERNÁRIO,
irrefragavelmente, esteve presente em suas reflexões teológicas,
históricas, filosóficas e teodiceicas. Tabulando
essa influência numérica e exemplificando com três
arquétipos e três tipos para cada pensador escolhido,
pode-se estabelecer a Tabela 1 apresentada um pouco mais a frente.
O conceito de arquétipo
e de tipo é uma forma simbólica de representar a
Unidade, que se expressa em uma unidade menor, ou seja, o padrão
cósmico que se manifesta no mundo.
E, assim, quanto aos
pensadores portugueses investigados, pode-se, preliminarmente,
aduzir que a antropologia antoniana apresenta um sentido otimista
que envolve toda a criação. Como ressaltou Caeiro,
o âmago da doutrina de António de Lisboa situa-se
na convergência de dois planos: o humanismo religioso
e o moralismo místico. Há, portanto, uma unidade
permanente nos vários temas que o Santo Português
feriu, como é o caso, por exemplo, da síntese especulativa
da humildade, o significado da hierarquização dos
conhecimentos sensitivo, racional e místico e a conjugação
dos atos humanos com as exigências da Graça. Irrefutavelmente,
a tríade que bussola a Noite Mística Antoniana apresenta
semelhanças inquestionáveis com a Noite Negra da
alma, ensinada nas FRATERNIDADES INICIÁTICAS
de todas as confissões esotéricas.
O Mito da Caverna,
de Platão, que filosoficamente pode sugerir quatro interpretações,
possui uma quinta, certamente de cariz esotérico-iniciático,
que se coaduna com a reflexão de Santo António e
com a Noite Negra das antigas (e contemporâneas) Escolas
de Mistério, nas quais a Tradição sempre
esteve preservada. Não se pode esquecer de que Platão
foi Iniciado nos Mistérios do Egito Antigo, e teve acesso
aos mais Sagrados Arcanos. De qualquer forma, o conseguir sair
da Caverna, e sair, e conhecer, e voltar para auxiliar os que
ainda não saíram e não conheceram, na justa
medida em que possam compreender, aproveitar e desdobrar dialética
e eticamente o conhecimento ofertado e recebido, é, acima
de tudo, um ato, concomitantemente, de responsabilidade e de solidariedade
ou de AMOR e de FRATERNIDADE,
por parte do doador e de mérito do receptor. Ninguém
pode dar o que não tem a alguém que não queira
ou seja incapaz de receber. Que fariam os porcos se recebessem
pérolas? Que fariam os homens-sem-alma, se tivessem acesso
à Sabedoria Arcana? Por isso, a regra de ouro da Iniciação
é o SILÊNCIO. Afora esta especificidade,
CONFRATERNAR É IMPRETERÍVEL. E
ORAR. SEMPRE ORAR MUITO!
Que os iniciados se calem e protejam
e selem seus conhecimentos, para que as pérolas não
caiam em mãos profanas. Mas tudo aquilo que puder ser transmitido,
não pode mais ficar trancado ou escondido. Aquarius.
5 de Fevereiro de 1962. A LUZ, obrigatoriamente,
deve ser espargida.
Uma possível
correlação dos três estágios da Noite
talvez possa ser feita com o caminho a ser trilhado pela consciência
- dor, amor, compreensão - antagônico, entretanto,
aos dois primeiros momentos (Alegria e Dor) da tríade leonardina.
Sendo Santo António um prócer do Catolicismo e Doutor
da Igreja, as fontes de referência para suas reflexões
permitem hipotetizar, ou melhor, admitir, que tenham sido a teologia
católica e a gnose cristã, ainda que na altura de
seu nascimento, esta última já estivesse profundamente
comprometida e adulterada. Especular em outra direção
seria equívoco ou proselitismo.
PENSADOR
|
SISTEMA
|
TRÍADES
(PRINCIPAIS)
|
ARQUÉTIPOS
|
TIPOS |
ANTÓNIO
DE LISBOA |
CATOLICISMO
(emprestado) |
CONTICíNIO
MEIA-NOITE
AURORA |
DEUS
INVISÍVEL
INCORPÓREO |
HOMEM
VISÍVEL
CORPÓREO |
CUNHA SEIXAS |
PANTITEÍSMO
|
SER
MANIFESTAÇÃO
HARMONIA |
O
SER
SUPREMO
IMENSIDADE
ETERNIDADE |
O
SER
SINGULAR
ESPAÇO
TEMPO |
SAMPAIO BRUNO |
PANTEÍSMO
(heterodoxo)
(emprestado) |
HOMOGÊNEO
HETEROGÊNEO
HOMOGÊNEO |
HOMOGÊNEO
PERFEIÇÃO
TEMPO
INFINITO |
HETEROGÊNEO
PERFEIÇÃO
RELATIVA
TEMPO ALTERADO
(Espaço) |
LEONARDO COIMBRA |
CRIACIONISMO |
ALEGRIA
DOR
GRAÇA |
DEUS
HARMONIA PLENA
INFINITO MORAL |
MÔNADA
HARMONIA
PROGRESSIVA
CONSCIÊNCIA
RELIGIOSA
|
Quadro
1: Relação Entre os Pensadores Inventariados,
Sistemas, Tríades, Arquétipos e Tipos (Principais)
José
Maria da Cunha Seixas foi considerado pelo meu amigo e saudoso
Filósofo António Quadros como o pensador português
que assumiu o verdadeiro significado da filosofia da história.
Foi o primeiro filósofo lusitano que intentou conciliar
imanência e transcendência. Não aceitando a
existência verdadeira do mal, acreditou na harmonia infinita,
via pela qual o ser (imortal), em sua vida ilimitada, em um progresso
ascensional infindável, busca o Absoluto. Nesse evolver,
o homem irá com a memória do seu passado percorrer
outros planos de existência e de consciência, mantendo
nessa trajetória sua integral personalidade em direção
a um perpétuo ideal. Seu sistema é, ao mesmo tempo,
teleológico e contingente. Entretanto, não se percebeu
no exame integral da obra de Cunha Seixas a explicitação
detalhada de como acontece essa peregrinação.
E, nesse caminhar dialético,
tudo se passa em conformidade com as Leis do Ser (Unidade), da
Manifestação (Relação) e da Harmonia
(Ordem). Com isto em mente, Cunha Seixas ensinou que a vida do
pensamento tem seu ponto de partida na intuição,
que a reflexão, pelo processo de abstração,
termina por aperfeiçoar. A intuição, contudo,
constitui-se em mera afirmação espontânea,
e a reflexão, por outro ângulo, não consiste
na ciência. Na elaboração psicológica
há um terceiro termo, que é a síntese. Com
base nessas postulações, o Trevoense entendeu que
o sentir da humanidade oferece boa lição. A idade
primitiva - muitas vezes chamada paraíso terrestre - era
uma época em que não havia desequilíbrios
marcantes nem desarmonia sensível. A segunda idade foi
um tempo de lutas e de contradições. A terceira
idade deverá conciliar a humildade do viver primevo com
as dificuldades e as inconsistências da segunda idade. Nota-se,
aqui, a profunda influência exercida por Krause no que concerne
à filosofia da história por este concebida. O movimento
dialético seixino tem um desenho muito semelhante aos períodos
de indiferenciação, de oposição e
de harmonia do Panenteísmo Krauseano (Filosofia Novíssima).
Um último exemplo
do pensamento tríadico de Cunha Seixas é avultado
na Teoria do Amor. Nela o ser é duplo, representado pelo
homem e pela mulher. A manifestação opera-se pela
união dos dois seres no casamento. A harmonia aparece no
último termo, que é a família, que em relação
à sociedade é um ser...
Não se pode,
todavia, deixar de registrar que Cunha Seixas, nos Princípios
Gerais de Filosofia, sua última (e magna) obra, chegou
a propor para algumas ciências específicas, uma vinculação
e uma absoluta dependência à sua Lei Pantiteísta,
como foi o caso, por exemplo, da matemática e da química.
Como se viu, Cunha Seixas regeu todas as suas introspecções
pela LEI DO SER, DA MANIFESTAÇÃO E DA HARMONIA.
Física, Direito, Estética, Mecânica etc. não
poderiam ficar (como não ficaram) excluídas das
meditações do Pensador Beirão.
Já Sampaio Bruno
posicionou o problema do mal (contrariamente a Cunha Seixas) no
centro de uma teurgia e de uma teleologia próprias. Para
Bruno, o mal existe. Sim. Por ter havido uma cisão entre
Deus e o Universo, o mal, a opressão, o sofrimento, a dor,
a injustiça, a discórdia e toda e qualquer forma
de desarmonia, são oriundos da perda (parcial) da Onipotência
Divina. A Onipotência dando lugar à Onisciência
produziu o mal, fautor do erro e da angústia. Em Bruno,
o ser age para um télos e, novamente, três
instantes aparecem em suas reflexões: auto-libertação,
libertação de seus irmãos e libertação
universal. E por isso, justamente por isso, o fim supremo e único
do ser, a juízo de Bruno, é eliminar o mal em qualquer
instância que se apresente. Eliminado o mal, a reabsorção
ou reintegração do heterogêneo no Homogêneo
acontecerá. Refletindo sobre a questão do mal, que
no transcurso da história da filosofia tem subsistido sobre
duas vertentes singulares (vale dizer, metafísica e subjetivista,
tem-se: no primeiro caso, ou é o próprio não-ser
ou uma dualidade do ser, e, no segundo, um juízo ou um
desejo negativo), teve, na Filosofia Portuguesa em geral —
e em particular em Bruno, como se viu — curso e interpretação
particulares. Ao se considerar o mal sob a ótica metafísica,
acaba-se por cair na velha discussão estóico-epicurista,
qual seja: Deus ou quer tirar os males e não pode, ou pode
e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode.
Se quer e não pode, é impotente: o que não
pode ser em Deus. Se pode e não quer, é invejoso,
o que é igualmente contrário a Deus. Se não
quer nem pode, é invejoso e impotente, portanto, não
é Deus. Se quer e pode — o que só convém
a Deus — de onde provêm a existência dos males
e por que não os elimina? Por outro lado, o mal pode ser
entendido como desvalor, ou seja, objeto de um juízo negativo
de valor, contrariando regras ou normas de ordem natural ou comportamental.
A noção de Bruno sobre esta categoria é metafísica,
mas, smj, subjetivamente canhestra, e, tanto quanto as outras
as quais rapidamente se aludiu (e que mais à frente serão
novamente reapreciadas), não se compatibiliza com o entendimento
esotérico tradicional, que, no limite, admite ser o mal
tão-só ausência da LUZ, e, de permeio, interpretação
ou admissibilidade equivocada do funcionamento da LEI.
O mal é a REALIDADE; o bem, a ATUALIDADE.
Como, ordinariamente, o ser singular e a humanidade coletivamente
não têm acesso direto e imediato à totalidade
da ATUALIDADE CÓSMICA, percebem, entendem
ou decodificam certas manifestações como mal. Este
equívoco é produto da ignorância ainda prevalecente
no atual estágio da consciência dos seres. Será
ultrapassado. Enquanto não é morte, assassinatos,
guerras, invasões, estupros, roubos, degolas, penas capitais
e desarmonias em geral.
A tríade brunina
expressa em A Idéia de Deus é notadamente
circular, não-teológica, mas teúrgica, absolutamente
incompatível com a Tradição Arcaica, com
a Cabala, com a Doutrina Teosófica, com a Antroposofia
e com os princípios esotéricos veiculados pelas
fraternidades iniciáticas autênticas. Constitui-se,
salvo melhor argumentação, de uma metafísica
panteísta heterodoxa, que recebeu de Leonardo Coimbra as
mais pesadas e fundadas objeções. Acompanha-se Leonardo,
e até com mais veemência, em tais objeções
(que já foram antecipadas no exame parcial do pensamento
brunino). Entretanto, na altura deste trabalho-pensamento, acredita-se
ser conveniente, tangenciar superficialmente o entendimento dos
ocultistas – particularmente os associados ao pensamento
de Helena Petrovna Blavatsky – no que se refere aos DOIS
UNS. Há teosoficamente o UM do
Plano Impenetrável, do Incognoscível e do Absoluto,
sobre o qual nenhuma explicação é pertinente,
pois é inacessível à Inteligência.
O que caracteriza este UM são as TREVAS
– REALIDADE ÚNICA E VERDADEIRA
– base e fonte da LUZ. Segundo esta concepção,
as TREVAS são PURO ESPÍRITO
e a LUZ é tão-só
matéria derivada. As TREVAS são
o ABSOLUTO VERDADEIRO. Demon est
Deus inversus.
O SEGUNDO UM
está associado ao plano das Emanações; é
o reflexo luminoso do PRIMEIRO UM – é
o LOGOS DO UNIVERSO DA ILUSÃO, e é
andrógino por natureza. Emite de si mesmo 7 (sete) raios,
semelhantemente aos Três Sephiroth Superiores que
produzem os Sete Inferiores. Nesse sentido, e somente nesse sentido,
o Homogêneo converte-se no Heterogêneo, que, realmente,
sempre foi, é e será parte integrante do próprio
HOMOGÊNEO. Tropologicamente argumentando,
Homogêneo e Heterogêneo formaram, formam e formarão
perpetuamente uma UNIDADE INDIVISÍVEL.
No Gênese I, 6 está escrito: E Deus disse:
Faça-se o firmamento... e Deus – o Segundo
cumprindo o Decreto emanado do Primeiro – fez o firmamento
(Gênese I, 7). Mas é preciso alcançar
o claro entendimento místico, teosófico e iniciático
de que este Poder (o Segundo Deus ou Aiôn) e todos
os Poderes do Universo, não evoluem uns dos outros, mas
são, inapelavelmente, apenas aspectos variados da mesma
e única manifestação de AIN-SOPh
– o TODO ABSOLUTO ou PRIMEIRO UM,
ou seja, a CAUSA SEM CAUSA. Assim considerando,
a Humanidade não é o produto completo do ABSOLUTO
(PRIMEIRO UM); é em realidade filha dos ELOHIM
(ALHIM). Em outros termos: a Humanidade,
originariamente, proveio de um GRUPO SETENÁRIO
DE ELOHIM (Homem Celeste). A própria
interpretação teológica do versículo
de João, o Evangelista (E a LUZ brilhou nas TREVAS,
e as TREVAS não a compreenderam) vem dando azo a especulações
contraditórias sobre a Criação (Sístole-Diástole)
e à produção de mitos e figuras mal compreendidas,
cujas distorções, paralelamente à ilusão
da mediunidade visionária (como advertiu Rudolf Steiner)
vêm arrastando o livre-arbítrio para o âmbito
da •••••• ••••••.E,
assim, o novo dogma transformou-o no maligno. Este conhecimento
Bruno não acessou, daí a incongruência de
seu pensamento. Nesta oportunidade, deseja-se clarificar que o
ABSOLUTO citado (e por citar) em várias
passagens das reflexões anteriores, é o que se refere
ao PRIMEIRO UM, e a possibilidade de unificação
consciente com este plano vibratório é uma hipótese-certeza
que depende exclusivamente de cada ser singular, ainda que, contraditoriamente
(mas apenas na exterioridade), esse tempo assintótico
só possa acontecer quando tudo e todos voltarem a repousar
no seio desse mesmo Absoluto. Esta afirmação feita
desta forma parece um paradoxo. Então, cada um terá
que realizar esta compreensão, s o l i t a r i
a m e n t e, no Santuário Sagrado
do seu Coração. Eu estou no outro, e o outro está
em mim. Este é realmente o entendimento elevado –
atual – do sentido esotérico, místico e iniciático
embutido na famosa frase Eu e o Pai somos Um.
Verdadeiramente é mais do que isto! Deste entendimento,
Deus manifesta-se de dois modos: a) mânvâantâra
– DEUS EXPLICITUS: atividade ou
existência (Diástole); e b) prâlâya
– DEUS IMPLICITUS: passividade
ou involução (Sístole). No homem, esta Lei
Cósmica assemelha-se aos estados de vigília e de
sono. Portanto, em última instância, o Ser (Sein)
– como compreendeu hermeticamente Fichte – é
Uno, e o ser só O compreende como Múltiplo (Dasein),
vale dizer, por intermédio da existência manifesta.
PRIMEIRO UM —› Idéias
Arquetípicas —› Vir-a-Ser(!?)
—› Criação(!?)
—› Retorno(!?). Enfim,
tudo se resume a uma perpétua transferência numênico-fenomenal,
e vice-versa. Tudo que é, foi e será, e as incontáveis
formas de manifestação do Ser, ao desaparecerem,
continuarão a existir como reflexos. Mais uma vez impõe-se
a leitura da obra platônica. Esta é, smj, a melhor
aproximação que é dada a um mortal fazer,
pois, como disse Hermes Trismegistus, falar de Deus é impossível
pois O que não possui corpo, nem aparência, nem forma,
nem matéria, não pode ser percebido pelos sentidos.
Mas a hipótese–certeza de unificação
com o PRIMEIRO UM é assintótica,
é meritocrática e é plenamente acontecível!
Estagnação, em qualquer sentido, é uma inviabilidade.
E, certamente, a •••••• ••••••
não prevalecerá.
É conveniente,
portanto, sobre outro aspecto, que se repita (ampliadamente) nestas
Conclusões e Aditamentos, uma parte das conclusões
deste pesquisador (em colaboração) incluídas
no trabalho Influência do Pensamento Martinista na Obra
de Sampaio Bruno, apresentado no Colóquio Antero de
Quental Dedicado a Sampaio Bruno, tendo em vista que, credita-se
equivocadamente em Portugal parte da metafísica heterodoxa
brunina, à inverídica possibilidade de ter Sampaio
Bruno sofrido, de alguma maneira, influência esotérica
de Saint-Martin ou do Martinismo. Salvo melhor informação,
mas este autor curva-se à esta possibilidade, essa influência
não ocorreu pelos seguintes e principais motivos: a) a
primeira pista aparece na Introdução da obra brunina
Os Cavaleiros do Amor (Plano de Um Livro a Fazer), da
lavra de Joel Serrão. Apesar de as primeiras leituras do
Especulativo Portuense terem sido de inspiração
maçônica, ele próprio nunca foi iniciado nesta
Fraternidade, como parece nunca ter sido vinculado a qualquer
fraternidade esotérica. Textualmente afirmou em 26 de janeiro
de 1902: Não simpatizo com associações
secretas porque é força de sua essência que
elas fazem prevalecer sobre a idéia de justiça para
todos a idéia de proteção para alguns; e,
assim, sacrificam o direito do profano à iniqüidade
do iniciado, com cuja causa o laço da misteriosa solidariedade
se aperta. Não cabe neste momento discutir
o posicionamento ou o conceito que Sampaio Bruno derivava das
sociedades esotéricas (que presumidamente não conhecia,
e que, se conhecia, conhecia o que podia ser conhecido), melhor,
das fraternidades iniciáticas (sempre se pensando naquelas
vinculadas à Tradição Primordial). Fica-se,
por isso, tão-só no registro, e se propõe
uma questão: que faria a humanidade, hoje, se desvendasse
os mistérios do Arqueômetro
de Saint-Yves d’Alveydre, e tivesse acesso aos conhecimentos
que os atlantes possuíram (e possuem)? Mal-aventurado aquele
passar a PALAVRA; b) em segundo lugar,
sobre os conceitos expressos pelo Ilustre Filósofo Luso
no que concerne à criação a partir do nada,
à noção de pessoa, à questão
do mal (já anteriormente examinada), ao milagre, à
providência, ao estado normal do homem, à idéia
de Deus e de sua Onipotência, e, finalmente, à própria
diminuição do espírito puro, nenhum deles
se compatibiliza, sob qualquer ângulo, com a tradição
esotérica em geral, muito menos com os princípios
martinistas em particular; c) terceiro, o próprio conceito
que Sampaio Bruno admitia para o trabalho desenvolvido nas sociedades
ou fraternidades esotéricas, conforme declaração
textual apresentada no item a; d) o fato de à época
da expansão da Tradicional Ordem Martinista (final do século
XIX e início do século XX), Portugal (ao que se
presume) não ter instalado nenhuma heptada martinista,
é outro indicativo a ser substantivamente considerado (mas,
o Martinismo tem tantas correntes!); e) o quinto ponto é
a não confissão ou declaração do pensador
dessa influência. Não há, inclusive, nenhuma
referência que justifique concretamente a absorção
ou exposição em suas obras de qualquer princípio,
lei ou postulado martinista; e f) por último, o Martinismo,
como foi anteriormente sinteticamente apresentado em uma página
deste site, é, em última instância,
uma SENDA CARDÍACA que se baseia duplamente
na razão e na emoção (ou mais esotericamente
no LIVRO DO HOMEM e no LIVRO DA NATUREZA)
para reintegração assintótica do homem no
seio do Absoluto. Sampaio Bruno pensou de maneira diversa o processo
de emancipação do homem e de sua redenção
(reintegração).
Por tudo isto, pode-se,
indubitavelmente, concluir que Sampaio Bruno, no que pese (e pesa
muito) o caráter religioso de sua Filosofia, a universalidade
de seu pensamento, o conteúdo metafísico de sua
obra e a própria razão da finalidade e da existência
do Universo e remissão do homem, não demonstrou
em sua obra qualquer influência, ainda que adjetiva, dos
princípios definidos pelo Martinismo autêntico, como
também de nenhuma outra ordem esotérica tradicional.
E assim, princípios martinistas, uma coisa; panteísmo
heterodoxo brunino, outra completamente diferente.
Insistir em invocar
Joséphin Péladan (citado em trabalho publicado recentemente)
ou outros iniciados para tentar justificar uma presumida (ainda
que possível) história secreta ou sagrada de Portugal
desvelada por Sampaio Bruno, hipotetizando que tenha sido um iniciado
ou recebido informações de caráter esotérico
que chegassem a ponto de influir em seu pensamento derradeiro,
é, no mínimo, desconhecer o significado e o valor
autêntico do vocábulo. Que os treze capítulos
do livro Os Cavaleiros do Amor (Plano de um Livro a Fazer), último
trabalho (incompleto) de Sampaio Bruno, promovam, sob certos aspectos
uma autêntica aventura à descoberta do significado
oculto, como entendeu Joaquim Domingues e deixou escrito no trabalho
Os Cavaleiros do Amor ou o Romance da Razão, publicado
no Colóquio já referido, possam, por extensão,
apontar no sentido de uma velada influência esotérica
para o conjunto da obra do Portuense Eminente, é, no mínimo,
uma licença literária. Só o pleno desconhecimento
das vias pelas quais se manifesta a Tradição pode
induzir a semelhante equívoco (ainda que bem-intencionado).
Negar, por outro lado,
a influência de Bruno no pensamento português (e brasileiro),
sobremodo ao tempo da Renascença Portuguesa, é,
negar o próprio pensamento de expressão portuguesa,
o que é contraditório e absurdo. E que importa,
enfim, se Sampaio Bruno sofreu influência rosacruz, martinista,
maçônica, cabalística etc.? Não importa
realmente nada. Ainda que, a juízo deste pesquisador, nada
disso tenha adjetiva ou substantivamente acontecido, o que interessa
é o que e o como pensou. E por ter pensado em português
para os portugueses, brasileiros e para o mundo, merece ter seu
nome inscrito na História da Filosofia Portuguesa, e ainda
que dele se discorde, no todo ou em parte (o que é absolutamente
lícito a todo e qualquer pensador), merece do pensamento
contemporâneo o mais profundo respeito, e melhores e maiores
esforços para compreender o lineamento especulativo de
suas reflexões.
Por último, deve-se
esclarecer que todos os países, em todos os tempos, tiveram
suas histórias secretas. O poder político estabelecido
e as religiões de todos os credos sempre procuraram por
todos os meios (lícitos e ilícitos) manter os territórios
conquistados e o poder temporal. E a última coisa que o
poder jamais permitiu, passivamente e de bom grado, foi sua diluição
e/ou fragmentação. Daí as histórias
secretas... Daí as elucubrações fantasiosas...
Daí os apotegmas falazes... Daí as especulações
equivocadas... Daí as conclusões inverossímeis...
Daí, até e compreensivelmente, as licenças
literárias...
Nada indica que, no
passado, Portugal tenha sido um pólo especial irradiador
da Tradição. O fato de ter acolhido muitos templários
depois de sua perseguição na França por Felipe
- o Belo (com apoio de Clemente V) é tão-somente
parte da coisa, não a coisa completa. A calcinação
do último – o vigésimo segundo – Grande
Mestre dos Templários, iniciou um período longo
de dormência da Tradição, que só veio
a acordar no século (XX) que recentemente se encerrou.
A Tradição, por aquela época, salvo melhor
informação, centrava-se em outros pontos da Terra.
Hoje, entretanto, mais do que sabe a maioria dos portugueses,
Lisboa oculta em uma de suas ruas uma Mansão Secreta da
... e eventualmente o ALTO CONSELHO DO A ...
ali se reúne. MAHA. Para informações
mais detalhadas e mais concertadas sobre este tema, recomenda-se
a consulta às obras singulares de Raymond Bernard[1].
As objeções
de Leonardo Coimbra ao pensamento de Sampaio Bruno (Se
houve diminuição de Deus, Nele nunca houve perfeição.
Este foi o argumento forte e incontestável de Leonardo
para contraditar as especulações bruninas em A
Idéia de Deus) são absolutamente consentâneas,
em virtude de ter concebido em seu sistema - Criacionismo - um
Universo de mônadas. O mal, para Leonardo, é
um cousismo moral, e, portanto, redimível. Ainda
que o drama humano seja lutar o bom combate com o destino(?),
ainda assim, pensou Leonardo, Cristo é a redenção,
redimindo as almas e o mundo. Entretanto, se bem se entendeu
o pensamento do Filósofo Criacionista, ainda que haja possibilidade
de redenção pela Graça e em Cristo, tal aspiração
e tal possibilidade não poderão surgir do nada,
ou, por outro entendimento, não poderá ocorrer uma
simples redenção salvífica que se acumplicie
com e contemple o hedonismo, a irresponsabilidade, a intolerância,
o egoísmo, a criminalidade, a omissão ou comissão,
enfim, a distorção consciente e malévola
do propósito criacionista da existência. O homem
é um ser social, e, como tal, deve aspirar a uma vida social
justa e fraterna. Há uma frase lapidar de Leonardo, que
é sempre festejada e lembrada pela clareza com a qual resumiu
suas reflexões nessa matéria:
O
homem não é
uma inutilidade
num mundo feito,
mas obreiro
de um mundo a fazer. |
Uma breve
referência e alguns acréscimos serão agora
propostos relativamente ao ternário leonardino exposto
n’A Alegria, a Dor e a Graça. A avaliação
e a discussão sobre esta tríade já foram
encaminhadas ao se resumir apocopadamente e insuficientemente
— reconhece-se — o pensamento do Filósofo.
Mas, com uma parcela bastante ponderável de dúvida
e de incerteza quanto ao teor das equivalências indicadas
a seguir, reproduz-se, para efeito de reflexão adicional,
as conclusões de Pinharanda Gomes sobre esse ternário
metafísico, apresentadas em seu livro A Teologia de
Leonardo Coimbra: Quem estiver habituado à
liturgia do rosário mariano facilmente verá, nesses
três instantes, os mistérios gozosos (alegria), os
mistérios dolo-rosos (dor) e os mistérios gloriosos
(graça).[2]
A questão que
se impõe refletir é atinente ao aspecto de que Leonardo
Coimbra ao escrever a obra supradita, fê-lo por volta de
1915, ou antes, já que sua primeira edição
data de 1916, estando, a essa altura, salvo incorreção
histórica, rompido(?) ou afastado do Catolicismo. Por esse
motivo, acredita-se, não utilizaria conceitos e categorias
da religião que temporariamente abandonara, para sustentar
suas reflexões metafísicas. Se isso ocorreu —
curva-se aqui à possibilidade da dúvida —
incoerência de Leonardo. Se não, o que se prefere
e se assina, a postulada influência da liturgia do rosário
mariano sugerida por Pinharanda só pode ter acontecido
— se realmente aconteceu! — em Leonardo Coimbra, inadvertidamente
e/ou inconscientemente. Recorda-se que a conciliação
introspectiva entre razão e religião irrompeu em
Leonardo no apagar das luzes de 1935 e de sua própria existência
terrena, ou seja, aproximadamente vinte anos depois de A Alegria,
a Dor e a Graça ter sido publicada pela primeira vez.
De qualquer maneira, conjeturas à parte, servindo-se da
categoria máxima que sempre defendeu – a LIBERDADE
– manifestou livremente seu desejo de retornar à
sua origem religiosa apreendida em Borba de Godim, e de poder
falecer – ainda que prematura e inesperadamente –
em paz com sua consciência e no seio do Catolicismo. A ninguém
é dado o direito de o censurar. Bem-aventurado aquele que
se reconcilia consigo e com o Deus de sua Compreensão.
Bem-aventurado Leonardo Coimbra.
E assim, chega-se prazerosamente
ao final desta pesquisa que começou, no âmbito da
portugalidade, com o primeiro representante oficial da cultura
(teológica) lusíada que se projetou para além
de suas plagas natais, para terminar com o mais respeitado e discutido
filósofo da contemporaneidade portuguesa. Apesar de ambos
radicarem suas especulações sobre Deus, o Mundo
e o Homem em uma metafísica criacionista, Santo António
atrelou suas lucubrações a uma hermenêutica
bíblica (que só aparentemente privilegia o horizontalismo).
Entretanto, como se deixou entrever no exame da Noite Mística,
os três estágios do processo assemelham-se às
três fases da GRANDE OBRA: NIGREDO, ALBEDO e
RUBREDO. Acredita-se, porém, que, apesar de ter
aplicado o ternário em sua mística, não pensou
deliberadamente sobre Alquimia ao construir sua Doutrina.
Segundo a Bíblia,
Deus operou a criação a partir do nada (lembra-se
de que, em oposição a esse juízo, Demócrito
acreditava que o nada tem existência tanto quanto o alguma
coisa). Desde o tempo em que a concepção criacionista
católica se impôs, muitas aporias que haviam afligido
a ontologia grega foram(?) superadas. Assim, ainda que o criado
tenha sido fabricado do nada, segundo o Criacionismo Católico,
ele é positivo, porque toda a criação é
um dom de Deus, por causa do bem. Entretanto, a criação
a partir do nada privilegiou obviamente a fé em detrimento
da razão, e a questão continuou em aberto para os
que não se afiliaram ao Catolicismo e para outras confissões
religiosas que não adotaram (nem adotam) o mesmo dogma.
Já o Criacionismo
Leonardino é, fundamentalmente, uma teoria do conhecimento,
que recusou os postulados do Empirismo e do Idealismo, acolhendo
e respeitando, contudo, os dados experienciais. Na Filosofia Criacionista
proposta por Leonardo, o conhecimento é o resultado de
uma atividade racional que organiza intuições.
E por isso, o pensamento é a realidade mais indubitável
e profunda.
Cunha Seixas, como se
viu, ao romper com o Catolicismo absorvido em Trevões,
de raiz flagrantemente Mariana e sentimental, criou um sistema
original ao qual denominou Pantiteísmo (tendo como característica
lateral, o desvalor de todos os estados de efusão mística),
cuja estrutura tem como viga-mestra a convicção
de que DEUS EM TUDO ESTÁ, MAS É DISTINTO.
E Sampaio Bruno, ainda
que optando por uma vereda heterodoxa de coloração
panteísta, ofereceu uma metafísica redentora, não
apenas do ser humano, mas universal e fraterna de todos os seres,
rumo a um Homogêneo misteriosamente alterado. Ainda que
se lhe possa fazer oposição, é inegável
sua preocupação teleológica, na qual sobressai
uma permanente catequese do bem. Bebeu em Plotino, presume-se.
Só que superficialmente. Plotino era um Iniciado.
Conclusivamente, o que
fica saliente no pensamento português é a ininterrompida
inquietação de seus filósofos em despertar
a alma lusitana para a livre reflexão das questões
magnas da Filosofia, cujo tema por excelência circunscreve-se
à idéia do Absoluto.
DADOS
SOBRE O AUTOR
Mestre
em Educação, UFRJ, 1980. Doutor em Filosofia, UGF,
1988. Professor Adjunto IV (aposentado) do CEFET-RJ. Consultor
em Administração Escolar. Presidente do Comitê
Editorial da Revista Tecnologia & Cultura do CEFET-RJ. Professor
de Metodologia da Ciência e da Pesquisa Científica
e Coordenador Acadêmico do Instituto de Desenvolvimento
Humano - IDHGE.
BIBLIOGRAFIA
E REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
1.
BERNARD, Raymond. (Grande Mestre da Ordem Rosacruz – AMORC,
da França e Países de língua Francesa. Legado
Supremo do Imperator na Europa). Encontros com o insólito/Rencontres
avec l’insolite. Tradução da
Equipe Renes. Rio de Janeiro: Renes, 1970, 245 p.
______. Mensagens do Sanctum Celestial/Messages du
Sanctum Céleste. Traduzido da 4ª ed.
francesa. Tradução de Vânia M. Gelineaud.
Rio de Janeiro: Renes, 1973, 328 p.
______.
Fragmentos da sabedoria rosacruz/Fragments de sagesse
rosicrucienne. 2ª ed. Tradução
de Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Renes, 1974, 226 p.
______.
Novas mensagens do Sanctum Celestial/Nuveaux messages
du Sanctum Céleste. Traduzido da 2ª
ed. francesa. Tradução de Aurora P. de Carvalho.
Rio de Janeiro: Renes, 1974, 348 p.
______.
Mansões Secretas da Rosacruz/Les maisons secrètes
de la Rose-Croix. Tradução de Rosa
F. Paris. Rio de Janeiro: Editora Renes, 1974, 288 p.
2.
PINHARANDA GOMES, Jesué A teologia de Leonardo
Coimbra. Lisboa: Guimarães Editores, 1985,
198 p., p.97.
OBSERVAÇÃO:
A bibliografia e as referências bibliográficas sobre
os pensadores portugueses inventariados encontram-se, neste site,
nas páginas referentes a cada um.
PAZ PROFUNDA