FILOSOFIA PORTUGUESA (VI):
CONCLUSÕES E ADITAMENTOS SOBRE OS ITENS I, II, III, IV E V

Rodolfo Domenico Pizzinga


Música de fundo: Povo que Lavas (fado)
Fonte:

http://www.bairrovilaolimpia.com.br
/HTMSomMidDigital/SomMidi/Portuguesa/Portuguesas.htm

 

Bandeira Portuguesa


CONCLUSÕES E ADITAMENTOS

 

       Na estruturação do pensamento português moderno, parece evidente que, salvo melhor juízo, no que se examinou dos pensadores escolhidos (António de Lisboa, Cunha Seixas, Sampaio Bruno e Leonardo Coimbra), o TERNÁRIO, irrefragavelmente, esteve presente em suas reflexões teológicas, históricas, filosóficas e teodiceicas. Tabulando essa influência numérica e exemplificando com três arquétipos e três tipos para cada pensador escolhido, pode-se estabelecer a Tabela 1 apresentada um pouco mais a frente.

       O conceito de arquétipo e de tipo é uma forma simbólica de representar a Unidade, que se expressa em uma unidade menor, ou seja, o padrão cósmico que se manifesta no mundo.

       E, assim, quanto aos pensadores portugueses investigados, pode-se, preliminarmente, aduzir que a antropologia antoniana apresenta um sentido otimista que envolve toda a criação. Como ressaltou Caeiro, o âmago da doutrina de António de Lisboa situa-se na convergência de dois planos: o humanismo religioso e o moralismo místico. Há, portanto, uma unidade permanente nos vários temas que o Santo Português feriu, como é o caso, por exemplo, da síntese especulativa da humildade, o significado da hierarquização dos conhecimentos sensitivo, racional e místico e a conjugação dos atos humanos com as exigências da Graça. Irrefutavelmente, a tríade que bussola a Noite Mística Antoniana apresenta semelhanças inquestionáveis com a Noite Negra da alma, ensinada nas FRATERNIDADES INICIÁTICAS de todas as confissões esotéricas.

       O Mito da Caverna, de Platão, que filosoficamente pode sugerir quatro interpretações, possui uma quinta, certamente de cariz esotérico-iniciático, que se coaduna com a reflexão de Santo António e com a Noite Negra das antigas (e contemporâneas) Escolas de Mistério, nas quais a Tradição sempre esteve preservada. Não se pode esquecer de que Platão foi Iniciado nos Mistérios do Egito Antigo, e teve acesso aos mais Sagrados Arcanos. De qualquer forma, o conseguir sair da Caverna, e sair, e conhecer, e voltar para auxiliar os que ainda não saíram e não conheceram, na justa medida em que possam compreender, aproveitar e desdobrar dialética e eticamente o conhecimento ofertado e recebido, é, acima de tudo, um ato, concomitantemente, de responsabilidade e de solidariedade ou de AMOR e de FRATERNIDADE, por parte do doador e de mérito do receptor. Ninguém pode dar o que não tem a alguém que não queira ou seja incapaz de receber. Que fariam os porcos se recebessem pérolas? Que fariam os homens-sem-alma, se tivessem acesso à Sabedoria Arcana? Por isso, a regra de ouro da Iniciação é o SILÊNCIO. Afora esta especificidade, CONFRATERNAR É IMPRETERÍVEL. E ORAR. SEMPRE ORAR MUITO!

     Que os iniciados se calem e protejam e selem seus conhecimentos, para que as pérolas não caiam em mãos profanas. Mas tudo aquilo que puder ser transmitido, não pode mais ficar trancado ou escondido. Aquarius. 5 de Fevereiro de 1962. A LUZ, obrigatoriamente, deve ser espargida.

       Uma possível correlação dos três estágios da Noite talvez possa ser feita com o caminho a ser trilhado pela consciência - dor, amor, compreensão - antagônico, entretanto, aos dois primeiros momentos (Alegria e Dor) da tríade leonardina. Sendo Santo António um prócer do Catolicismo e Doutor da Igreja, as fontes de referência para suas reflexões permitem hipotetizar, ou melhor, admitir, que tenham sido a teologia católica e a gnose cristã, ainda que na altura de seu nascimento, esta última já estivesse profundamente comprometida e adulterada. Especular em outra direção seria equívoco ou proselitismo.

 

PENSADOR
SISTEMA
TRÍADES
(PRINCIPAIS)
ARQUÉTIPOS
TIPOS
ANTÓNIO
DE LISBOA
CATOLICISMO
(emprestado)

CONTICíNIO

MEIA-NOITE

AURORA

DEUS

INVISÍVEL

INCORPÓREO

HOMEM

VISÍVEL

CORPÓREO

CUNHA SEIXAS
PANTITEÍSMO
SER

MANIFESTAÇÃO

HARMONIA

O SER
SUPREMO

IMENSIDADE

ETERNIDADE

O SER
SINGULAR

ESPAÇO

TEMPO

SAMPAIO BRUNO
PANTEÍSMO
(heterodoxo)
(emprestado)

HOMOGÊNEO

HETEROGÊNEO

HOMOGÊNEO

HOMOGÊNEO

PERFEIÇÃO

TEMPO
INFINITO

HETEROGÊNEO

PERFEIÇÃO
RELATIVA

TEMPO ALTERADO
(Espaço)

LEONARDO COIMBRA
CRIACIONISMO

ALEGRIA

DOR

GRAÇA

DEUS

HARMONIA PLENA

INFINITO MORAL


MÔNADA

HARMONIA
PROGRESSIVA

CONSCIÊNCIA
RELIGIOSA

Quadro 1: Relação Entre os Pensadores Inventariados,
Sistemas, Tríades, Arquétipos e Tipos (Principais)


 

       José Maria da Cunha Seixas foi considerado pelo meu amigo e saudoso Filósofo António Quadros como o pensador português que assumiu o verdadeiro significado da filosofia da história. Foi o primeiro filósofo lusitano que intentou conciliar imanência e transcendência. Não aceitando a existência verdadeira do mal, acreditou na harmonia infinita, via pela qual o ser (imortal), em sua vida ilimitada, em um progresso ascensional infindável, busca o Absoluto. Nesse evolver, o homem irá com a memória do seu passado percorrer outros planos de existência e de consciência, mantendo nessa trajetória sua integral personalidade em direção a um perpétuo ideal. Seu sistema é, ao mesmo tempo, teleológico e contingente. Entretanto, não se percebeu no exame integral da obra de Cunha Seixas a explicitação detalhada de como acontece essa peregrinação.

       E, nesse caminhar dialético, tudo se passa em conformidade com as Leis do Ser (Unidade), da Manifestação (Relação) e da Harmonia (Ordem). Com isto em mente, Cunha Seixas ensinou que a vida do pensamento tem seu ponto de partida na intuição, que a reflexão, pelo processo de abstração, termina por aperfeiçoar. A intuição, contudo, constitui-se em mera afirmação espontânea, e a reflexão, por outro ângulo, não consiste na ciência. Na elaboração psicológica há um terceiro termo, que é a síntese. Com base nessas postulações, o Trevoense entendeu que o sentir da humanidade oferece boa lição. A idade primitiva - muitas vezes chamada paraíso terrestre - era uma época em que não havia desequilíbrios marcantes nem desarmonia sensível. A segunda idade foi um tempo de lutas e de contradições. A terceira idade deverá conciliar a humildade do viver primevo com as dificuldades e as inconsistências da segunda idade. Nota-se, aqui, a profunda influência exercida por Krause no que concerne à filosofia da história por este concebida. O movimento dialético seixino tem um desenho muito semelhante aos períodos de indiferenciação, de oposição e de harmonia do Panenteísmo Krauseano (Filosofia Novíssima).

       Um último exemplo do pensamento tríadico de Cunha Seixas é avultado na Teoria do Amor. Nela o ser é duplo, representado pelo homem e pela mulher. A manifestação opera-se pela união dos dois seres no casamento. A harmonia aparece no último termo, que é a família, que em relação à sociedade é um ser...

       Não se pode, todavia, deixar de registrar que Cunha Seixas, nos Princípios Gerais de Filosofia, sua última (e magna) obra, chegou a propor para algumas ciências específicas, uma vinculação e uma absoluta dependência à sua Lei Pantiteísta, como foi o caso, por exemplo, da matemática e da química. Como se viu, Cunha Seixas regeu todas as suas introspecções pela LEI DO SER, DA MANIFESTAÇÃO E DA HARMONIA. Física, Direito, Estética, Mecânica etc. não poderiam ficar (como não ficaram) excluídas das meditações do Pensador Beirão.

       Já Sampaio Bruno posicionou o problema do mal (contrariamente a Cunha Seixas) no centro de uma teurgia e de uma teleologia próprias. Para Bruno, o mal existe. Sim. Por ter havido uma cisão entre Deus e o Universo, o mal, a opressão, o sofrimento, a dor, a injustiça, a discórdia e toda e qualquer forma de desarmonia, são oriundos da perda (parcial) da Onipotência Divina. A Onipotência dando lugar à Onisciência produziu o mal, fautor do erro e da angústia. Em Bruno, o ser age para um télos e, novamente, três instantes aparecem em suas reflexões: auto-libertação, libertação de seus irmãos e libertação universal. E por isso, justamente por isso, o fim supremo e único do ser, a juízo de Bruno, é eliminar o mal em qualquer instância que se apresente. Eliminado o mal, a reabsorção ou reintegração do heterogêneo no Homogêneo acontecerá. Refletindo sobre a questão do mal, que no transcurso da história da filosofia tem subsistido sobre duas vertentes singulares (vale dizer, metafísica e subjetivista, tem-se: no primeiro caso, ou é o próprio não-ser ou uma dualidade do ser, e, no segundo, um juízo ou um desejo negativo), teve, na Filosofia Portuguesa em geral — e em particular em Bruno, como se viu — curso e interpretação particulares. Ao se considerar o mal sob a ótica metafísica, acaba-se por cair na velha discussão estóico-epicurista, qual seja: Deus ou quer tirar os males e não pode, ou pode e não quer, ou não quer nem pode, ou quer e pode. Se quer e não pode, é impotente: o que não pode ser em Deus. Se pode e não quer, é invejoso, o que é igualmente contrário a Deus. Se não quer nem pode, é invejoso e impotente, portanto, não é Deus. Se quer e pode — o que só convém a Deus — de onde provêm a existência dos males e por que não os elimina? Por outro lado, o mal pode ser entendido como desvalor, ou seja, objeto de um juízo negativo de valor, contrariando regras ou normas de ordem natural ou comportamental. A noção de Bruno sobre esta categoria é metafísica, mas, smj, subjetivamente canhestra, e, tanto quanto as outras as quais rapidamente se aludiu (e que mais à frente serão novamente reapreciadas), não se compatibiliza com o entendimento esotérico tradicional, que, no limite, admite ser o mal tão-só ausência da LUZ, e, de permeio, interpretação ou admissibilidade equivocada do funcionamento da LEI. O mal é a REALIDADE; o bem, a ATUALIDADE. Como, ordinariamente, o ser singular e a humanidade coletivamente não têm acesso direto e imediato à totalidade da ATUALIDADE CÓSMICA, percebem, entendem ou decodificam certas manifestações como mal. Este equívoco é produto da ignorância ainda prevalecente no atual estágio da consciência dos seres. Será ultrapassado. Enquanto não é morte, assassinatos, guerras, invasões, estupros, roubos, degolas, penas capitais e desarmonias em geral.

       A tríade brunina expressa em A Idéia de Deus é notadamente circular, não-teológica, mas teúrgica, absolutamente incompatível com a Tradição Arcaica, com a Cabala, com a Doutrina Teosófica, com a Antroposofia e com os princípios esotéricos veiculados pelas fraternidades iniciáticas autênticas. Constitui-se, salvo melhor argumentação, de uma metafísica panteísta heterodoxa, que recebeu de Leonardo Coimbra as mais pesadas e fundadas objeções. Acompanha-se Leonardo, e até com mais veemência, em tais objeções (que já foram antecipadas no exame parcial do pensamento brunino). Entretanto, na altura deste trabalho-pensamento, acredita-se ser conveniente, tangenciar superficialmente o entendimento dos ocultistas – particularmente os associados ao pensamento de Helena Petrovna Blavatsky – no que se refere aos DOIS UNS. Há teosoficamente o UM do Plano Impenetrável, do Incognoscível e do Absoluto, sobre o qual nenhuma explicação é pertinente, pois é inacessível à Inteligência. O que caracteriza este UM são as TREVAS REALIDADE ÚNICA E VERDADEIRA – base e fonte da LUZ. Segundo esta concepção, as TREVAS são PURO ESPÍRITO e a LUZ é tão-só matéria derivada. As TREVAS são o ABSOLUTO VERDADEIRO. Demon est Deus inversus.

       O SEGUNDO UM está associado ao plano das Emanações; é o reflexo luminoso do PRIMEIRO UM – é o LOGOS DO UNIVERSO DA ILUSÃO, e é andrógino por natureza. Emite de si mesmo 7 (sete) raios, semelhantemente aos Três Sephiroth Superiores que produzem os Sete Inferiores. Nesse sentido, e somente nesse sentido, o Homogêneo converte-se no Heterogêneo, que, realmente, sempre foi, é e será parte integrante do próprio HOMOGÊNEO. Tropologicamente argumentando, Homogêneo e Heterogêneo formaram, formam e formarão perpetuamente uma UNIDADE INDIVISÍVEL. No Gênese I, 6 está escrito: E Deus disse: Faça-se o firmamento... e Deus – o Segundo cumprindo o Decreto emanado do Primeiro – fez o firmamento (Gênese I, 7). Mas é preciso alcançar o claro entendimento místico, teosófico e iniciático de que este Poder (o Segundo Deus ou Aiôn) e todos os Poderes do Universo, não evoluem uns dos outros, mas são, inapelavelmente, apenas aspectos variados da mesma e única manifestação de AIN-SOPh – o TODO ABSOLUTO ou PRIMEIRO UM, ou seja, a CAUSA SEM CAUSA. Assim considerando, a Humanidade não é o produto completo do ABSOLUTO (PRIMEIRO UM); é em realidade filha dos ELOHIM (ALHIM). Em outros termos: a Humanidade, originariamente, proveio de um GRUPO SETENÁRIO DE ELOHIM (Homem Celeste). A própria interpretação teológica do versículo de João, o Evangelista (E a LUZ brilhou nas TREVAS, e as TREVAS não a compreenderam) vem dando azo a especulações contraditórias sobre a Criação (Sístole-Diástole) e à produção de mitos e figuras mal compreendidas, cujas distorções, paralelamente à ilusão da mediunidade visionária (como advertiu Rudolf Steiner) vêm arrastando o livre-arbítrio para o âmbito da •••••• ••••••.E, assim, o novo dogma transformou-o no maligno. Este conhecimento Bruno não acessou, daí a incongruência de seu pensamento. Nesta oportunidade, deseja-se clarificar que o ABSOLUTO citado (e por citar) em várias passagens das reflexões anteriores, é o que se refere ao PRIMEIRO UM, e a possibilidade de unificação consciente com este plano vibratório é uma hipótese-certeza que depende exclusivamente de cada ser singular, ainda que, contraditoriamente (mas apenas na exterioridade), esse tempo assintótico só possa acontecer quando tudo e todos voltarem a repousar no seio desse mesmo Absoluto. Esta afirmação feita desta forma parece um paradoxo. Então, cada um terá que realizar esta compreensão, s o l i t a r i a m e n t e, no Santuário Sagrado do seu Coração. Eu estou no outro, e o outro está em mim. Este é realmente o entendimento elevado – atual – do sentido esotérico, místico e iniciático embutido na famosa frase Eu e o Pai somos Um. Verdadeiramente é mais do que isto! Deste entendimento, Deus manifesta-se de dois modos: a) mânvâantâra DEUS EXPLICITUS: atividade ou existência (Diástole); e b) prâlâyaDEUS IMPLICITUS: passividade ou involução (Sístole). No homem, esta Lei Cósmica assemelha-se aos estados de vigília e de sono. Portanto, em última instância, o Ser (Sein) – como compreendeu hermeticamente Fichte – é Uno, e o ser só O compreende como Múltiplo (Dasein), vale dizer, por intermédio da existência manifesta. PRIMEIRO UM —› Idéias Arquetípicas —› Vir-a-Ser(!?) —› Criação(!?) —› Retorno(!?). Enfim, tudo se resume a uma perpétua transferência numênico-fenomenal, e vice-versa. Tudo que é, foi e será, e as incontáveis formas de manifestação do Ser, ao desaparecerem, continuarão a existir como reflexos. Mais uma vez impõe-se a leitura da obra platônica. Esta é, smj, a melhor aproximação que é dada a um mortal fazer, pois, como disse Hermes Trismegistus, falar de Deus é impossível pois O que não possui corpo, nem aparência, nem forma, nem matéria, não pode ser percebido pelos sentidos. Mas a hipótese–certeza de unificação com o PRIMEIRO UM é assintótica, é meritocrática e é plenamente acontecível! Estagnação, em qualquer sentido, é uma inviabilidade. E, certamente, a •••••• •••••• não prevalecerá.

       É conveniente, portanto, sobre outro aspecto, que se repita (ampliadamente) nestas Conclusões e Aditamentos, uma parte das conclusões deste pesquisador (em colaboração) incluídas no trabalho Influência do Pensamento Martinista na Obra de Sampaio Bruno, apresentado no Colóquio Antero de Quental Dedicado a Sampaio Bruno, tendo em vista que, credita-se equivocadamente em Portugal parte da metafísica heterodoxa brunina, à inverídica possibilidade de ter Sampaio Bruno sofrido, de alguma maneira, influência esotérica de Saint-Martin ou do Martinismo. Salvo melhor informação, mas este autor curva-se à esta possibilidade, essa influência não ocorreu pelos seguintes e principais motivos: a) a primeira pista aparece na Introdução da obra brunina Os Cavaleiros do Amor (Plano de Um Livro a Fazer), da lavra de Joel Serrão. Apesar de as primeiras leituras do Especulativo Portuense terem sido de inspiração maçônica, ele próprio nunca foi iniciado nesta Fraternidade, como parece nunca ter sido vinculado a qualquer fraternidade esotérica. Textualmente afirmou em 26 de janeiro de 1902: Não simpatizo com associações secretas porque é força de sua essência que elas fazem prevalecer sobre a idéia de justiça para todos a idéia de proteção para alguns; e, assim, sacrificam o direito do profano à iniqüidade do iniciado, com cuja causa o laço da misteriosa solidariedade se aperta. Não cabe neste momento discutir o posicionamento ou o conceito que Sampaio Bruno derivava das sociedades esotéricas (que presumidamente não conhecia, e que, se conhecia, conhecia o que podia ser conhecido), melhor, das fraternidades iniciáticas (sempre se pensando naquelas vinculadas à Tradição Primordial). Fica-se, por isso, tão-só no registro, e se propõe uma questão: que faria a humanidade, hoje, se desvendasse os mistérios do Arqueômetro de Saint-Yves d’Alveydre, e tivesse acesso aos conhecimentos que os atlantes possuíram (e possuem)? Mal-aventurado aquele passar a PALAVRA; b) em segundo lugar, sobre os conceitos expressos pelo Ilustre Filósofo Luso no que concerne à criação a partir do nada, à noção de pessoa, à questão do mal (já anteriormente examinada), ao milagre, à providência, ao estado normal do homem, à idéia de Deus e de sua Onipotência, e, finalmente, à própria diminuição do espírito puro, nenhum deles se compatibiliza, sob qualquer ângulo, com a tradição esotérica em geral, muito menos com os princípios martinistas em particular; c) terceiro, o próprio conceito que Sampaio Bruno admitia para o trabalho desenvolvido nas sociedades ou fraternidades esotéricas, conforme declaração textual apresentada no item a; d) o fato de à época da expansão da Tradicional Ordem Martinista (final do século XIX e início do século XX), Portugal (ao que se presume) não ter instalado nenhuma heptada martinista, é outro indicativo a ser substantivamente considerado (mas, o Martinismo tem tantas correntes!); e) o quinto ponto é a não confissão ou declaração do pensador dessa influência. Não há, inclusive, nenhuma referência que justifique concretamente a absorção ou exposição em suas obras de qualquer princípio, lei ou postulado martinista; e f) por último, o Martinismo, como foi anteriormente sinteticamente apresentado em uma página deste site, é, em última instância, uma SENDA CARDÍACA que se baseia duplamente na razão e na emoção (ou mais esotericamente no LIVRO DO HOMEM e no LIVRO DA NATUREZA) para reintegração assintótica do homem no seio do Absoluto. Sampaio Bruno pensou de maneira diversa o processo de emancipação do homem e de sua redenção (reintegração).

       Por tudo isto, pode-se, indubitavelmente, concluir que Sampaio Bruno, no que pese (e pesa muito) o caráter religioso de sua Filosofia, a universalidade de seu pensamento, o conteúdo metafísico de sua obra e a própria razão da finalidade e da existência do Universo e remissão do homem, não demonstrou em sua obra qualquer influência, ainda que adjetiva, dos princípios definidos pelo Martinismo autêntico, como também de nenhuma outra ordem esotérica tradicional. E assim, princípios martinistas, uma coisa; panteísmo heterodoxo brunino, outra completamente diferente.

       Insistir em invocar Joséphin Péladan (citado em trabalho publicado recentemente) ou outros iniciados para tentar justificar uma presumida (ainda que possível) história secreta ou sagrada de Portugal desvelada por Sampaio Bruno, hipotetizando que tenha sido um iniciado ou recebido informações de caráter esotérico que chegassem a ponto de influir em seu pensamento derradeiro, é, no mínimo, desconhecer o significado e o valor autêntico do vocábulo. Que os treze capítulos do livro Os Cavaleiros do Amor (Plano de um Livro a Fazer), último trabalho (incompleto) de Sampaio Bruno, promovam, sob certos aspectos uma autêntica aventura à descoberta do significado oculto, como entendeu Joaquim Domingues e deixou escrito no trabalho Os Cavaleiros do Amor ou o Romance da Razão, publicado no Colóquio já referido, possam, por extensão, apontar no sentido de uma velada influência esotérica para o conjunto da obra do Portuense Eminente, é, no mínimo, uma licença literária. Só o pleno desconhecimento das vias pelas quais se manifesta a Tradição pode induzir a semelhante equívoco (ainda que bem-intencionado).

       Negar, por outro lado, a influência de Bruno no pensamento português (e brasileiro), sobremodo ao tempo da Renascença Portuguesa, é, negar o próprio pensamento de expressão portuguesa, o que é contraditório e absurdo. E que importa, enfim, se Sampaio Bruno sofreu influência rosacruz, martinista, maçônica, cabalística etc.? Não importa realmente nada. Ainda que, a juízo deste pesquisador, nada disso tenha adjetiva ou substantivamente acontecido, o que interessa é o que e o como pensou. E por ter pensado em português para os portugueses, brasileiros e para o mundo, merece ter seu nome inscrito na História da Filosofia Portuguesa, e ainda que dele se discorde, no todo ou em parte (o que é absolutamente lícito a todo e qualquer pensador), merece do pensamento contemporâneo o mais profundo respeito, e melhores e maiores esforços para compreender o lineamento especulativo de suas reflexões.

       Por último, deve-se esclarecer que todos os países, em todos os tempos, tiveram suas histórias secretas. O poder político estabelecido e as religiões de todos os credos sempre procuraram por todos os meios (lícitos e ilícitos) manter os territórios conquistados e o poder temporal. E a última coisa que o poder jamais permitiu, passivamente e de bom grado, foi sua diluição e/ou fragmentação. Daí as histórias secretas... Daí as elucubrações fantasiosas... Daí os apotegmas falazes... Daí as especulações equivocadas... Daí as conclusões inverossímeis... Daí, até e compreensivelmente, as licenças literárias...

       Nada indica que, no passado, Portugal tenha sido um pólo especial irradiador da Tradição. O fato de ter acolhido muitos templários depois de sua perseguição na França por Felipe - o Belo (com apoio de Clemente V) é tão-somente parte da coisa, não a coisa completa. A calcinação do último – o vigésimo segundo – Grande Mestre dos Templários, iniciou um período longo de dormência da Tradição, que só veio a acordar no século (XX) que recentemente se encerrou. A Tradição, por aquela época, salvo melhor informação, centrava-se em outros pontos da Terra. Hoje, entretanto, mais do que sabe a maioria dos portugueses, Lisboa oculta em uma de suas ruas uma Mansão Secreta da ... e eventualmente o ALTO CONSELHO DO A ... ali se reúne. MAHA. Para informações mais detalhadas e mais concertadas sobre este tema, recomenda-se a consulta às obras singulares de Raymond Bernard[1].

       As objeções de Leonardo Coimbra ao pensamento de Sampaio Bruno (Se houve diminuição de Deus, Nele nunca houve perfeição. Este foi o argumento forte e incontestável de Leonardo para contraditar as especulações bruninas em A Idéia de Deus) são absolutamente consentâneas, em virtude de ter concebido em seu sistema - Criacionismo - um Universo de mônadas. O mal, para Leonardo, é um cousismo moral, e, portanto, redimível. Ainda que o drama humano seja lutar o bom combate com o destino(?), ainda assim, pensou Leonardo, Cristo é a redenção, redimindo as almas e o mundo. Entretanto, se bem se entendeu o pensamento do Filósofo Criacionista, ainda que haja possibilidade de redenção pela Graça e em Cristo, tal aspiração e tal possibilidade não poderão surgir do nada, ou, por outro entendimento, não poderá ocorrer uma simples redenção salvífica que se acumplicie com e contemple o hedonismo, a irresponsabilidade, a intolerância, o egoísmo, a criminalidade, a omissão ou comissão, enfim, a distorção consciente e malévola do propósito criacionista da existência. O homem é um ser social, e, como tal, deve aspirar a uma vida social justa e fraterna. Há uma frase lapidar de Leonardo, que é sempre festejada e lembrada pela clareza com a qual resumiu suas reflexões nessa matéria:

 

O homem não é
uma inutilidade
num mundo feito,
mas obreiro
de um mundo a fazer.

 

       Uma breve referência e alguns acréscimos serão agora propostos relativamente ao ternário leonardino exposto n’A Alegria, a Dor e a Graça. A avaliação e a discussão sobre esta tríade já foram encaminhadas ao se resumir apocopadamente e insuficientemente — reconhece-se — o pensamento do Filósofo. Mas, com uma parcela bastante ponderável de dúvida e de incerteza quanto ao teor das equivalências indicadas a seguir, reproduz-se, para efeito de reflexão adicional, as conclusões de Pinharanda Gomes sobre esse ternário metafísico, apresentadas em seu livro A Teologia de Leonardo Coimbra: Quem estiver habituado à liturgia do rosário mariano facilmente verá, nesses três instantes, os mistérios gozosos (alegria), os mistérios dolo-rosos (dor) e os mistérios gloriosos (graça).[2]

       A questão que se impõe refletir é atinente ao aspecto de que Leonardo Coimbra ao escrever a obra supradita, fê-lo por volta de 1915, ou antes, já que sua primeira edição data de 1916, estando, a essa altura, salvo incorreção histórica, rompido(?) ou afastado do Catolicismo. Por esse motivo, acredita-se, não utilizaria conceitos e categorias da religião que temporariamente abandonara, para sustentar suas reflexões metafísicas. Se isso ocorreu — curva-se aqui à possibilidade da dúvida — incoerência de Leonardo. Se não, o que se prefere e se assina, a postulada influência da liturgia do rosário mariano sugerida por Pinharanda só pode ter acontecido — se realmente aconteceu! — em Leonardo Coimbra, inadvertidamente e/ou inconscientemente. Recorda-se que a conciliação introspectiva entre razão e religião irrompeu em Leonardo no apagar das luzes de 1935 e de sua própria existência terrena, ou seja, aproximadamente vinte anos depois de A Alegria, a Dor e a Graça ter sido publicada pela primeira vez. De qualquer maneira, conjeturas à parte, servindo-se da categoria máxima que sempre defendeu – a LIBERDADE – manifestou livremente seu desejo de retornar à sua origem religiosa apreendida em Borba de Godim, e de poder falecer – ainda que prematura e inesperadamente – em paz com sua consciência e no seio do Catolicismo. A ninguém é dado o direito de o censurar. Bem-aventurado aquele que se reconcilia consigo e com o Deus de sua Compreensão. Bem-aventurado Leonardo Coimbra.

       E assim, chega-se prazerosamente ao final desta pesquisa que começou, no âmbito da portugalidade, com o primeiro representante oficial da cultura (teológica) lusíada que se projetou para além de suas plagas natais, para terminar com o mais respeitado e discutido filósofo da contemporaneidade portuguesa. Apesar de ambos radicarem suas especulações sobre Deus, o Mundo e o Homem em uma metafísica criacionista, Santo António atrelou suas lucubrações a uma hermenêutica bíblica (que só aparentemente privilegia o horizontalismo). Entretanto, como se deixou entrever no exame da Noite Mística, os três estágios do processo assemelham-se às três fases da GRANDE OBRA: NIGREDO, ALBEDO e RUBREDO. Acredita-se, porém, que, apesar de ter aplicado o ternário em sua mística, não pensou deliberadamente sobre Alquimia ao construir sua Doutrina.

       Segundo a Bíblia, Deus operou a criação a partir do nada (lembra-se de que, em oposição a esse juízo, Demócrito acreditava que o nada tem existência tanto quanto o alguma coisa). Desde o tempo em que a concepção criacionista católica se impôs, muitas aporias que haviam afligido a ontologia grega foram(?) superadas. Assim, ainda que o criado tenha sido fabricado do nada, segundo o Criacionismo Católico, ele é positivo, porque toda a criação é um dom de Deus, por causa do bem. Entretanto, a criação a partir do nada privilegiou obviamente a fé em detrimento da razão, e a questão continuou em aberto para os que não se afiliaram ao Catolicismo e para outras confissões religiosas que não adotaram (nem adotam) o mesmo dogma.

       Já o Criacionismo Leonardino é, fundamentalmente, uma teoria do conhecimento, que recusou os postulados do Empirismo e do Idealismo, acolhendo e respeitando, contudo, os dados experienciais. Na Filosofia Criacionista proposta por Leonardo, o conhecimento é o resultado de uma atividade racional que organiza intuições. E por isso, o pensamento é a realidade mais indubitável e profunda.

       Cunha Seixas, como se viu, ao romper com o Catolicismo absorvido em Trevões, de raiz flagrantemente Mariana e sentimental, criou um sistema original ao qual denominou Pantiteísmo (tendo como característica lateral, o desvalor de todos os estados de efusão mística), cuja estrutura tem como viga-mestra a convicção de que DEUS EM TUDO ESTÁ, MAS É DISTINTO.

       E Sampaio Bruno, ainda que optando por uma vereda heterodoxa de coloração panteísta, ofereceu uma metafísica redentora, não apenas do ser humano, mas universal e fraterna de todos os seres, rumo a um Homogêneo misteriosamente alterado. Ainda que se lhe possa fazer oposição, é inegável sua preocupação teleológica, na qual sobressai uma permanente catequese do bem. Bebeu em Plotino, presume-se. Só que superficialmente. Plotino era um Iniciado.

       Conclusivamente, o que fica saliente no pensamento português é a ininterrompida inquietação de seus filósofos em despertar a alma lusitana para a livre reflexão das questões magnas da Filosofia, cujo tema por excelência circunscreve-se à idéia do Absoluto.

 

DADOS SOBRE O AUTOR

 

Mestre em Educação, UFRJ, 1980. Doutor em Filosofia, UGF, 1988. Professor Adjunto IV (aposentado) do CEFET-RJ. Consultor em Administração Escolar. Presidente do Comitê Editorial da Revista Tecnologia & Cultura do CEFET-RJ. Professor de Metodologia da Ciência e da Pesquisa Científica e Coordenador Acadêmico do Instituto de Desenvolvimento Humano - IDHGE.

 

BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 

1. BERNARD, Raymond. (Grande Mestre da Ordem Rosacruz – AMORC, da França e Países de língua Francesa. Legado Supremo do Imperator na Europa). Encontros com o insólito/Rencontres avec l’insolite. Tradução da Equipe Renes. Rio de Janeiro: Renes, 1970, 245 p.
______. Mensagens do Sanctum Celestial/Messages du Sanctum Céleste. Traduzido da 4ª ed. francesa. Tradução de Vânia M. Gelineaud. Rio de Janeiro: Renes, 1973, 328 p.

______. Fragmentos da sabedoria rosacruz/Fragments de sagesse rosicrucienne. 2ª ed. Tradução de Clarice Lispector. Rio de Janeiro: Renes, 1974, 226 p.

______. Novas mensagens do Sanctum Celestial/Nuveaux messages du Sanctum Céleste. Traduzido da 2ª ed. francesa. Tradução de Aurora P. de Carvalho. Rio de Janeiro: Renes, 1974, 348 p.

______. Mansões Secretas da Rosacruz/Les maisons secrètes de la Rose-Croix. Tradução de Rosa F. Paris. Rio de Janeiro: Editora Renes, 1974, 288 p.

2. PINHARANDA GOMES, Jesué A teologia de Leonardo Coimbra. Lisboa: Guimarães Editores, 1985, 198 p., p.97.

OBSERVAÇÃO: A bibliografia e as referências bibliográficas sobre os pensadores portugueses inventariados encontram-se, neste site, nas páginas referentes a cada um.


PAZ PROFUNDA