FILOSOFIA
PORTUGUESA (V):
O Criacionismo de
LEONARDO COIMBRA
Rodolfo
Domenico Pizzinga
Música
de fundo: Vira Coimbra
Fonte: www.bairrovilaolimpia.com.br
/HTMSomMidDigital/SomMidi/Portuguesa/Portuguesas.htm
TRAÇOS BIOGRÁFICOS
E CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
José Leonardo
Coimbra nasceu em Borba de Godim, atual Vila da Lixa, em 30 de
Dezembro de 1883, e faleceu no Porto em 2 de Janeiro de 1936.
Como Pedro Amorim Vianna (o Newton Português), graduou-se
em matemática. Mas, seu amor era a Filosofia.
Leonardo
Coimbra
Amorim
Vianna licenciou-se na Universidade de Coimbra, em 1848, e Leonardo,
na Escola Politécnica do Porto, sessenta e dois anos depois.
Deixou uma obra tão complexa, que alguns críticos,
maldosamente, chegaram a considerá-la dispersiva. Pondo
em causa a tradição teodiceica de vertente católica
que, desde seus primórdios, inspirou a espiritualidade
portuguesa, mas sem, no seu âmago, ter dela ficado completamente
liberto (fato que não ocorreu com Cunha Seixas e, provavelmente,
também, com Domingos Tarrozo), em 1912 concorreu com a
Tese O Criacionismo, para o provimento da vaga de Professor
Assistente de Filosofia da Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa. Esse trabalho, extremamente denso e inacessível
em sua integralidade àqueles não afeitos à
matemática superior, inscreve-se, no que concerne à
Filosofia, em uma dimensão espiritual, que se opõe,
fundamentadamente, a todos as formas de Empirismo e de Idealismo.
Foi, inquestionavelmente, um trabalho alentado e original. (Para
mais informações consultar o Anexo I).
O tempo voa. Por ocasião
do centenário da morte de Francisco de Assis, Leonardo
Coimbra, que desde 1923 vinha contemporizando suas convicções
espiritualistas com o Catolicismo, em um retorno de certa forma
previsível, proferiu diversos discursos em homenagem ao
Santo de Assis. Sua conversão (melhor seria aplicar o vocábulo
retorno) definitiva à Religião Católica consumou-se
às vésperas do Natal de 1935, em outra dimensão
repetindo os passos de Antero de Quental. Faleceu tragicamente
alguns dias depois vítima de um terrível acidente
automobilístico. Portugal perdia, assim, um de seus filósofos
maiores.
Ao longo de suas diversas
obras, caracterizadas por uma sistemática densidade, ainda
que, algumas vezes coloridas também de um preciosismo desnecessário,
refletiu itinerantemente sobre temas como liberdade e determinismo,
imanência e transcendência, razão experimental
e razão cósmica, esquecimento e memória,
visão ginástica e visão aginástca,
morte e continuidade moral, como também discorreu aprofundadamente
sobre outros temas, tendo sempre por sustentáculo um permanente
pensamento criacionista, cuja idéia-força é
também a liberdade. Mas, para
alcançar a síntese filosófica de seu pensamento
- Criacionismo e Deus e as Mônadas - o Pensador
esboçou seu sistema através de sete passos sucessivos:
a) Método; b) Número;
c) Espaço; d) Matéria;
e) Vida; f) Espírito;
e g) Sociedade.
Para Coimbra,
a ciência é real e racional, e o ser
constitui-se de um conjunto de noções reais e não
de coisas. O mundo está sempre por fazer, e o homem deve
atuar (neste mundo) como infatigável obreiro, mais do que
coordenando sensações, criando e construindo livremente,
subordinando o pensamento, a palavra e a ação a
fins ideais que possam dignificar a vida. Confiante na continuidade
da vida moral (semelhantemente a Cunha Seixas), ensinou Leonardo,
o ser não pode por em dúvida de que O Caminho para
Deus é a VIRTUDE. Sempre a VIRTUDE.
Apesar de estar absolutamente ciente de que, neste plano de atuação
do ser, a virtude geralmente não premia os virtuosos, Leonardo
viveu sempre em busca de uma compreensão progressiva do
Deus de seu entendimento, não almejando com suas ações,
reconhecimento, gratidão, aplauso, honrarias ou glória.
Na verdade, mais foi contestado do que turibulado. Uma boa parcela
dos filósofos de então não compreenderam
seus ideais e muito menos entenderam suas meditações.
O tempo não lhe favoreceu e foram poucos aqueles que o
acompanharam. Até, injustamente, o consideraram dispersivo.
A aritmética
é, segundo o Portuense Ilustre, uma ciência de noções
e é real, e o número, nesse sentido, é uma
noção ideal e também real. Ideal,
porque é um momento do pensamento; real, precisamente por
ser uma noção do pensamento construtivo.
Um exemplo elementar, oferecido por Leonardo, aparece ao se definir
a operação x + (a - 1). A operação
x + a pode ser definida pela igualdade: x + a = [ x + (a - 1)]
+ 1. Quando se encontrar o valor para x + (a - 1), saber-se-á
o que é x + a, e, por recorrência, poder-se-ão
definir sucessivamente as operações x + 2, x + 3
etc.
Dialogando com Kant,
compreendeu que todos os espaços são partes de um
único e mesmo espaço. Ainda que estas noções
tenham o defeito de ser realistas, Leonardo reconheceu que são
perfeitamente justas e rigorosas.
Consultando Comte, Helmholtz,
Taine, Arquimedes, Newton, Poincaré, Lorentz, Carnot, Maxwell,
Hertz, Faraday, Vant’Hoff, Langevin, Minkowski, entre outros,
Leonardo Coimbra entendeu que a matéria só pôde,
até então, ser compreendida e definida através
de um sistema de condicionalismos.
Leonardo jamais pensou
em retribuir o milagre da vida com indiferença. Não
importa que 1 g de gordura produza 1,61 g de glicose e seja equivalente
a 1,52 g de sacarose. Também falar em energia vital sem
a ter definido - advertiu o Filósofo - é esquecer
o trabalho psíquico... A evolução biológica
- sintetizou Leonardo Coimbra - é a construção
progressiva que a direção e a herança tenham
feito num tempo determinado pelo conjunto das noções
geológicas, físicas e químicas. Para
Leonardo, não há justificativa para se especular
sobre quando apareceu a vida. O que interessa é como são
compatíveis os tempos geológico e biológico.
E quanto à vida, sob o prisma da espiritualidade, seu pensamento
seguiu a tradição católica. Nunca aceitou
que o ser fosse apenas um aglomerado de átomos e de moléculas,
mas um complexo dual corpo-alma. Toda a ética leonardina
baseia-se no bem, na beleza,
na justiça e na virtude,
que, um dia, desembocará na GRAÇA.
O ser humano não está só e muito menos perdido
no Cósmico. O ponto de convergência é a Divindade,
estado ou condição aonde as humanas aspirações
haverão de ser realizadas. As únicas indiferenças
que devem ser realmente desprezadas são as paixões
desarmonizadoras, os desejos inconfessáveis e imoderados,
as concupiscências, as ambições deletérias,
as degradações morais etc. Indiferença no
sentido de vergonha e de profundo arrependimento por ter permitido
que, por fraqueza ou por inconsciência, tais mazelas tenham,
um dia, enfermado a personalidade-alma, sim. Isto, então,
na verdade, não é propriamente indiferença,
mas desejada e festejada consciência consciente do delito
praticado. Este é o início da (re)conciliação
do ser consigo, com o outro e com a Divindade que nele (imanente)
sempre esteve. Quanto ao fato de a vida ser confiada aparentemente
sem consulta prévia a cada ser, este pensamento só
pode ser produto do desconhecimento do próprio propósito
da existência e da encarnação. Ou, de se presumir
ter chegado a conclusões satisfatórias com base
em premissas ilusórias, insuficientes e fraudulentas. Quando
o ente compreender que a vida é um presente merecido, então,
estará apto para cumprir a missão com a qual se
comprometeu antes de nascer. Perpetuamente, há possibilidade
de (re)nascimento, de (re)integração e de (re)encontro.
Aprofundando sua tese
criacionista, Leonardo observou que a sensação é
uma noção psicológica - momento dialético
- e não um dado. Perseverou nessa tese e elaborou, nessa
base, um sistema metafísico que garantisse o valor das
sensações e as sucessivas noções psicológicas.
O biologismo, segundo seu entendimento, é pensamento decorrente
de um direcionismo próprio - o Espírito.
E, por último,
propugnou que não há pessoa sem pessoas. Não
há ser humano sem sociedade. Consciência, noções,
pessoa, síntese, ações, pessoas: Sociedade.
Uma consciência isolada acabaria por esgotar sua capacidade
de síntese. As consciências individuais
condicionam-se e vivem em reciprocidade de pensamentos, sentimentos
e ações, ponderou Leonardo.
Dessas considerações
preliminares aqui sintetizadas e que, em volume de reflexões,
são superlativamente mais extensas do que seu próprio
Sistema, Leonardo manifestou sua afiliação junto
àqueles que, teologicamente, admitem a existência
de Deus - apreendido pelo pensamento e na própria vida
do pensamento - e, especulou sobre as mônadas. Mônada,
para Leonardo, é todo o direcionismo da matéria.
Após sua morte,
Leonardo tornou-se o ponto de referência mais importante
do pensamento português. Só pode ser comparado, ainda
que em campo diferente, salvo melhor entendimento, a Fernando
Pessoa, que além da obra poética, refletiu sobre
um sem-número de temas dos quais, no mínimo, 50%
(cinqüenta por cento) ainda permanecem inéditos. No
Brasil, em 1997, Ricardo João Inchausti produziu uma Tese
de Doutorado que examinou A Criação
e a Liberdade em Leonardo Coimbra. E um dos melhores
resumos sobre o esforço do pensador-tribuno veio da pena
de Sant’Anna Dionísio, sob a forma de Introdução
às Obras Completas de Leonardo Coimbra.
Como ponderou Inchausti,
a sensibilidade de Leonardo aparece em todos os seus escritos.
Ao evocar as primícias de sua infância, recordou
seus medos, angústias, alegrias e amores, mostrando um
sentimento saudoso que desembocou em um sistema metafísico
original, que deita por terra toda a discussão
sobre a existência de uma filosofia portuguesa.
Aliás, de passagem, se há, consensualmente, uma
filosofia de expressão grega, uma filosofia de expressão
alemã e uma filosofia de expressão francesa, por
exemplo, nada opõe que haja, também, uma filosofia
de expressão portuguesa ou qualquer outra. E assim, as
filosofias nacionais, com características próprias,
inserem-se, como pensamento autônomo, no pensamento filosófico
universal. Em Portugal, por exemplo, Saudosismo, Pantiteísmo,
Messianismo e Criacionismo; no Brasil, entre outras, Positivismo,
Liberalismo e Culturalismo. Ainda que algumas dessas vertentes
não tenham tido projeção internacional, representam
(ou representaram) um momento de reflexão individual, e,
em certos casos, até nacional. Por isso, semelhantemente
à Alquimia, desconsiderar fragmentos do pensamento (de
qualquer pensamento) é, por um lado, uma atitude preconceituosa,
menor e incabível no filosofar, e, por outro, esquecimento,
outrossim, das ponderações aristotélicas.
Tal mediocridade só encontra guarida nos ranços
teológico e/ou ideológico, que se multiplicam em
comportamentos de desdém no tocante às várias
modalidades de filosofias nacionais. Como já se teve oportunidade
de afirmar em outro ensaio, enfatiza-se novamente: a filosofia,
por dever de ofício e por definição (aceita
no âmbito das academias), obriga-se a examinar tudo. Quando
decide não examinar alguma coisa, está manifestando
preconceito. Quando eu tabalhava como professor na Universidade
Gama Filho vi, horrorizado, um projeto de tese de doutorado ser
sumariamente recusado porque o tema tratava do pensamento marxista.
Pior. Quem recusou o projeto, na juventude, havia sido comunista.
Dá para entender um treco desses? Acho que a compreensão
mística ajuda muito a decifrar e a resolver muitos entraves
de nossa personalidade, mas, se não se deseja essa via,
então, terapia.
Da mesma forma que o
Taoísmo nasceu e floresceu na China e não na Grécia
ou na Alemanha, o Maniqueísmo, o Maltusianismo e o Positivismo
tiveram seus berços, respectivamente, na Babilônia,
na Inglaterra e na França, e são, nesse sentido
e incontestemente, filosofias nacionais. A filosofia portuguesa
e a filosofia brasileira tiveram, por sua vez, seus nascedouros,
respectivamente, em Portugal e na Ilha de Vera Cruz. Sofreram
influências? Sofreram. Diversas. Mas quem ou o quê
não sofreu influência de alguém ou de alguma
coisa? O que importa é que Leonardo Coimbra pensou em português
para os portugueses e para o mundo, comprometido ferreamente com
os postulados do seu Sistema Criacionista. Da mesma forma que
a Alquimia Operativa só começou a ser levada a sério
(pelos profanos) durante a Segunda Guerra Mundial, Van Gogh só
foi valorizado depois de morto e Fernando Pessoa há apenas
alguns anos foi (re)descoberto. Leonardo Coimbra está inserido
entre aqueles filósofos que só serão inteiramente
compreendidos e apreciados, quando a maturidade da consciência
tiver alcançado o ponto de convergência necessário
e suficiente, para que suas idéias sejam mais anabolizadas
e menos catabolizadas. A própria Teoria da Relatividade,
ainda hoje, é entendida por muito poucos. Assim, o grau
de dificuldade do Criacionsimo, mudado o que deve ser mudado,
é semelhante ao da Alquimia e ao da Relatividade. E se
um dia o sistema leonardino tornar-se mais ou menos ultrapassado,
que importa? Isso já aconteceu tantas vezes no passado.
A mecânica clássica, em alguns aspectos, é
apenas um exemplo. As diversas teorias atômicas, outro.
Que dizer da Medicina? E da Genética Molecular? A insanidade
humana, recentemente, chegou ao limite de clonar um ser vivo.
Primeiro foi uma ovelha. Agora se anunciam clonagens humanas.
Se o homem tocou o maior dos pecados ao construir e explodir a
bomba nuclear, agora acabou de perder a própria noção
de pecado! Imitar a Divindade tem conotação bem
diferente.
Após a defesa,
certamente desnecessária, das várias modalidades
de filosofias nacionais e de uma pequena mas necessária
digressão, continua-se. Buscando no sentimento uma base
para estruturar seu Sistema, Leonardo Coimbra colocou o Criacionismo
no escaninho do Romantismo, ao lado de movimentos que tiveram
suas mais consagradas expressões na Inglaterra, na França
e na Alemanha do final do século XIX. E assim, o Criacionismo
de Leonardo e o Saudosismo de Teixeira de Pascoaes (que tem em
Afonso Botelho e em Braz Teixeira seus filósofos contemporâneos
mais expressivos), representam as mais notáveis manifestações
do Romantismo Português do século passado.
Encerrando este exame
incompleto e preliminar da existência daquele que foi, certamente,
um dos mais desassombrados defensores da LIBERDADE
em Portugal, concorda-se com Ricardo Inchausti quando afirma que
a obstinação de Leonardo pela CRIAÇÃO
e pela LIBERDADE, impulsionou-o a formular um
Sistema Romântico-gnóstico, que, ao fim e ao cabo,
na verdade, mobilizou-o a encontrar uma solução
no sentido de conciliar a ciência com a metafísica.
Talvez, por isso, tenha sido excomungado por parte da academia
portuguesa e de alguns dos pensadores(?) de seu tempo.
Acredita-se, fundadamente,
que no transcurso do terceiro milênio uma nova geração
de pesquisadores - os TEOCIENTISTAS - substituirá
as classes estanques de teólogos, de metafísicos
e de cientistas que ainda hoje prevalecem, contendiando-se por
coisas e sobre coisas que são cosmicamente convergentes.
Apreender-se-á em um futuro não tão remoto,
definitivamente, que a única diferença entre uma
pedra, uma planta, um animal e o ser humano está no maior
ou menor grau de autoconsciência que cada qual eventualmente
possa abrigar, ou seja: no teor vibratório que cada coisa
encerra e/ou possui. Enfim, TUDO É UM.
Revisitar preliminarmente o pensamento pitagórico é
um imperativo, para que haja adequada compreensão das múltiplas
manifestações da Consciência Cósmica.
A humanidade separa e isola porque ainda não compreende.
E por não compreender, é geralmente mesquinha e
preconceituosa. PREFERE MORRER A TER QUE CRUZAR A FRONTEIRA.
Entretanto, o que não sabe é que assim permanecendo,
morta está. Morta no sentido da inconsciência de
si, do outro e do Universo.
Sobre a obra de Leonardo,
Sant’Anna Dionísio concluiu: obra singularíssima,
sem dúvida, que não se deixa classificar nem definir
à luz da crítica bibliográfica usual.
Dionísio a considerou, ainda, talvez exageradamente, como
obra irredutível, que só
o tempo - e é o que vem acontecendo - haverá de
torná-la clássica e clara, mas cuja compreensão
depende de exaustivo exame e longa preparação. O
filósofo do cousismo,
como foi apodado maliciosamente Leonardo por seus contemporâneos
menores, hoje recebe, em Portugal
e no Brasil, as mais justas homenagens, e seu sistema tem sido
objeto de sistemática análise e aprofundadas discussões.
Antônio Braz Teixeira, José Esteves Pereira, Eduardo
Abranches de Soveral, Manoel Cândido, Pedro Calafate, Paulo
Borges, Antonio Paim, Anna Maria Moog Rodrigues e Ricardo João
Inchausti, entre muitos outros pensadores luso-brasileiros, têm
empenhado parte de seus esforços intelectuais para compreenderem
as densas e inauditas reflexões de Leonardo Coimbra. Este
rascunho, sabidamente não fazendo justiça total
à reflexão leonardina, pretende, cumulativamente,
contribuir para a divulgação do seu pensamento.
Reexaminar Leonardo é uma tarefa, ainda que difícil,
prazerosa e educativa, jamais um estorvo ou uma inutilidade. Não
se pode, todavia, ficar apenas limitado a um exame parcelar de
seu pensamento. O conjunto é harmônico e precisa
ser v-a-s-c-u-l-h-a-d-o no todo. Quem sabe Leonardo
não deu início à Teociência Lusitana?
O
CRIACIONISMO
E A IDÉIA DE DEUS
O Criacionismo
(gnosiológico) defluído de Leonardo Coimbra - como
seu próprio formulador se expressou - é uma Filosofia
da Liberdade. Entretanto, preliminarmente, deve
ficar estabelecido que no Criacionismo Leonardino, o conhecimento
é produto de uma atividade racional que organiza e ordena
intuições, estando todo o sistema estruturado e
apoiado em um lineamento ontológico-espiritual. Em A
Luta Pela Imortalidade, Coimbra escreveu: O mundo
não é acrescentado naquelas relações
que constituem a sua primitiva existência social, essas
são na consciência divina e em cada consciência
que as apropria revivendo; o indefinido acréscimo do mundo
vem do fundo inesgotável de beleza e bondade, que é
a sua realidade dramática de consciências, que, sempre
melhor, se buscam e exprimem.[1]
Para o Pensador Português,
a primordialidade da existência ancora-se no fato de o Universo
ser uma sociedade de consciências e a consciência
feita pessoa é a actividade livre e criadora
(sic). Nesse sentido, só quando o ser realiza um ato verdadeiramente
LIVRE, tem a clara consciência
de ser absoluto. Mas, para se alcançar
e desfrutar a VERDADEIRA LIBERDADE precisa-se
corajosamente rasgar o primeiro véu, e isso, como ensinou
Leonardo, implica em uma libertação consciente dos
VÍCIOS COUSISTAS. Sant’Ana
Dionísio na Introdução às Obras de
Leonardo Coimbra assim resumiu o VÍCIO OU PECADO
COUSISTA:
... tendência
funesta e irreprimível do homem ... para considerar
como estático e definitivo, como realidade concluída
e firme de uma vez para sempre, para não dizer como
coisa feita, as próprias realidades espirituais, as
idéias, os símbolos, as estratificações
jurídicas, os transitórios preconceitos políticos
ou sociais, as convenções históricas
tidas como sagradas ou invioláveis, os princípios
ou dogmas de ordem religiosa, múltiplas idéias-crenças,
tidas como inalteráveis, de ordem científica.[2]
Ou como ainda escreveu
o próprio Leonardo em A Luta Pela Imortalidade (Obras
Completas de Leonardo Coimbra, vol. II): Tudo o que
se pretende encontrar isoladamente do lado do sujeito ou do lado
do objeto é esquecimento da unidade fundamental sujeito-objeto.[3]
Derribados os
cousismos, o alcançamento e o desfrute da
liberdade acontecem. Não só a liberdade de ir, vir
e fazer. Essa não era, certamente, a preocupação
radical de Leonardo. Mas a LIBERDADE INTERIOR.
Miguel Torga também pensou assim: - Liberdade
que estais em mim, /Santificado seja o vosso Nome.
Esta sim. Livre das fantasias científicas, jurídicas,
sociais, teológicas, ideológicas e outras que vulgarizam
a existência, estará a mônada apta a dar o
primeiro passo em direção à sua UNIVERSALIZAÇÃO.
E como propugnou Leonardo, e com o qual é impossível
prevalecer discordância, esse processo regenerativo e mesmo
Alquímico de pensar, de agir e de reagir, é superlativa,
inequívoca, primacial e insubstituivelmente FRATERNAL.
O encontro eventual, imprevisível e até impossível
com o Absoluto passa, assim, a ser plausível e acontecível.
Leonardo delineou esse processo nos seguintes termos:
A fraternidade - que nenhuma dialéctica
construiu ainda - só será para a consciência
religiosa, que encontre Deus; e, em Deus, o foco de todas
as almas, o Amor, que pela sua inevitável sedução
ampare, erga e exalte todos os corações. A verdadeira
fraternidade, irmanação no Absoluto, começa
neste primeiro momento do Criacionismo em que a reflexão
filosófica demonstra, como máxima realidade,
a sociedade universal das consciências; para acabar,
perfeita e integral no segundo momento (Deus e as mônadas),
quando do próprio coração do Universo,
do mar subtil, inesgotável e infinito da Moral saírem,
como mônadas, as consciências religiosas.[4]
(sic).
Não,
todavia, uma religião qualquer ou mesmo uma Religião
da Humanidade no sentido positivista, mas francamente UNIVERSALISTA.
Ainda que no final de sua vida tenha retornado ao Catolicismo,
Leonardo, em fulgurante inspiração anterior, preconizou
que a associação religiosa só será
garantida pelo pensamento, e uma igreja, no seu primevo entender,
só se configuraria criacionisticamente como associação
livre de pessoas livremente religiosas, que erguem as almas no
mesmo pensamento. Ou seja:
Ser religioso é
viver no Todo, é dar-se em ações de ilimitada
generosidade.
A associação religiosa é dialecticamente
demonstrada como o momento de imediata afirmação
do absoluto bem querer. Momento realizado pela comunicação
dramática das pessoas religiosas, unidas no mesmo religioso
pensamento.[5] (sic).
O ser, portanto, conjugados
estes princípios criacionistas, atuará na esfera
da vida infinita, sendo o Infinito Criacionista a continuidade
da vida moral, que, em última instância, fará
convergir a pessoa eterna para a humana vida social e para Deus.
Apenas e tão-só pela atividade moral a mônada
alcançará o Absoluto. Em conseqüência
desses princípios, admitir o mundo como sendo estritamente
mecânico é uma impossibilidade. Assim, para Leonardo,
dispensando as noções superiores...
ficaríamos num irremediável acosmismo.
Mas qual, afinal, o
propósito das lucubrações leonardinas? No
seio e consciente das mais altas realidades ou noções
o conseguimento de Deus - o vértice da pirâmide.
Mas, o homem, segundo Leonardo, só se acenderá nessa
LUZ INCRIADA E INCESSANTE pela progressão
dialética do pensamento. E Deus, para o Pai do Criacionismo
Português, é o infinito excesso, a única
actividade a que o mundo não faz obstáculo (sic).
Como também não obstaculiza Seu próprio conhecer.
A dificuldade está, conforme já se aludiu, em cada
mônada ultrapassar sua cultura global cousista. E o próprio
medo em experimentar, em se libertar, em querer e em ousar, retroalimentam
cousificações sucessivas. Cada mônada deverá,
então, lutar o bom combate, despindo-se e se desvencilhando
da roupa suja mental, parte imposta, parte tolerada, no transcurso
da vida.[6] A mônada, admitiu premonitoriamente
Leonardo, em estágio superior de sua existência,
é livremente consciente de si, dos homens e do mundo. Essa
mônada, ao apreender em si a fonte interminável de
beleza moral, terá ipso facto, consciência
consciente de Deus (esotericamente, tema que Leonardo não
tratou, o Deus de cada coração). E, nesse estágio,
compreenderá que nada poderá aniquilá-la,
sabendo-se, pois, imortal. Portanto, nem com a chamada morte a
mônada perde atividade. Na verdade, nem o corpo material
morre por assim dizer. Seus componentes materiais desagregam-se,
para, depois, reorganizarem-se sob outras combinações,
outros arranjos. Por outro ângulo, também, Leonardo
concluiu que a mônada será tanto mais
real quanto maior for a sua actividade de síntese, isto
é, quanto maior for a unificação das oposições
(sic). E novamente, com Leonardo, afirma-se que a VERDADEIRA
LIBERDADE, inclusive e principalmente, para unificar
as oposições de forma sistemática, coerente
e ascensional, só poderá acontecer, quando todos
os resquícios de cousismo forem vencidos e quando todos
os limites materiais e solicitações inferiores ultrapassados.
Desejos, cobiças e paixões devem ser eliminados.
Leonardo não problematizou essa matéria, mas este
autor afirma que todas as mazelas e doenças do ente têm
sua origem no corpo astral ainda em desenvolvimento. Sugere-se
a consulta ao trabalho apresentado neste site que discute
a Oração das Sete Súplicas.
Outro ponto do Criacionismo
de Leonardo é a admissibilidade do mal. O mal existe, diz
o Filósofo, mas é ilimitado o oceano do bem. O
Bem frutifica, espalha-se e avassala. E assim não
há limites para a alma, pois é em Deus. O mal, ao
cabo de contas, é o cousismo
do pensamento, das ações, das palavras e do sentimento,
ou como lembra Pinharanda Gomes, o mal é a
necessidade, a carência, a deficiência. O
bem é a presença, a mantença e a defensa
da mônada na ordem e harmonia universais, o que equivale,
sob outro entendimento, segundo Pinharanda, à liberdade,
à plenitude e à eficiência[7].
Assim, para as finalidades desta pesquisa, pode-se ficar com a
tríade principal, salvo melhor escolha, do Criacionismo
leonardino, que é: a) existência de Deus
(a perfeita e universal memória); b) incontestável
realidade da pessoa; c) continuidade
da vida e da consciência (mônadas).
E recordar, prazerosamente, talvez, a mais singela passagem de
sua obra-maior:
Então
a actividade das mônadas traduz-se em amor. O tempo
será o caminho da sociedade ideal de consciências
angélicas, e, em cada mônada, a colheita das
suas virtudes e a intensidade do seu sonho. O espaço
será, em cada mônada, o limite da sua clara visão
e do seu leal amor; será, em si, a solicitação
do amor infinito, pois é a imensidade fria da exalação
de sonho e carinho, para que os luares de tempestade sejam
um dia luares de fraternidade e ternura. [8]
(sic).
Do sintético
recorte acima apresentado das reflexões leonardinas e do
estudo de sua obra, pode-se imediatamente perceber que suas especulações
sempre orbitaram na esfera do espiritual, contrapondo-se, como
se afirmou, a todas as formas de Empirismo e de Idealismo. Várias
díades, em contextos e dimensões diferentes, permearam
o pensamento de Leonardo Coimbra. As mais significativas são:
liberdade e determinismo, razão experimental
e razão cósmica e imanência
e transcendência.
No pensamento de Leonardo,
não de forma explícita mas presente em toda a sua
obra, há uma tríade superlativa e permanente, a
qual, na verdade, é aquela que rege e norteia o próprio
pensamento português em sua totalidade, ou quase totalidade,
e é a que contempla os três momentos fundamentais
da existência, quais sejam: DEUS, MUNDO, HOMEM.
Entretanto, a TRÍADE
METAFÍSICA mais flagrante e significativa aparece
na obra A Alegria, a Dor e a Graça, na qual o
trinitarismo leonardino, neste particular, apresenta-se como equivalente
à infância, à hominalidade e à eternidade,
que é a que, por ter sido explicitada de forma tão
marcante por Leonardo, será a seguir sinteticamente revisitada
como exemplo da presença do ternário no pensamento
lusíada.
A ALEGRIA,
neste contexto, é o primeiro termo da tríade e Leonardo
qualificou-a de infinita, e toda a alegria do Universo é
a posse plena da sua harmonia, a integral memória do seu
ser e da triunfal ascensão do sol levante ao meditativo
sorriso do pensamento, espraia-se em constantes e onduladas vitórias.
A ALEGRIA foi simbolicamente utilizada
na reflexão leonardina como representativa da criação
e da ordenação do caos.[9]
A DOR,
segundo termo, corresponde a uma incessante pergunta que conduz
a um conhecimento mais elevado, e, por isso, é o caminho
da redenção. É o sentimento de separação,
de insubsistência e de fragilidade. A DOR
tem seu equivalente na idade adulta. É o tempo dos equívocos,
das dúvidas e dos conseqüentes sofrimentos.[10]
A GRAÇA,
último termo, é o sorriso do Universo. É
a vitória do UNO sobre o múltiplo,
da liberdade sobre a necessidade. É a apreensão
do Universal no particular. A GRAÇA
é o próprio Universo que é presente, por
dentro e em espírito, em cada parcela - átomo, mundo
ou criatura. É o tempo da ressurreição e
da fome do bem e do próprio Deus.[11]
Poeticamente, Leonardo combinou os três momentos em duas
frases que sintetizam todas as suas lucubrações
e especulações metafísicas em A Alegria,
a Dor e a Graça. Citam-se:
A Graça
é, antes da Dor, o sorriso da Alegria; é depois
da Dor, a unidade reconquistada...
A Alegria canta, a Dor procura e atende, a Graça é.[12]
Enxugando e sintetizando
a leitura da obra do Pai do Criacionismo Português em pontos
que não foram reexaminados tem-se: o pensamento é
criacionista porque sua adaptação à
vida social é uma obra de sua liberdade efetiva.[13]
A razão é de ordem social... A razão
eterna, prefixa, imóvel, seria a razão de um absoluto
conformismo social... A razão deve ser obrigatoriamente
de natureza científica. Insistir em uma razão puramente
filosófica é permanecer em um estado atrasado que
não acompanha a evolução. A filosofia, hoje,
faz o papel secundário de correr atrás
da ciência.[14] Apenas quando
acontecer a espiritualização da matéria,
poderá ocorrer seu regresso a uma perfeita
e pronta obediência às ordens do espírito.
Jesus é o exemplo, a vida, o caminho, o foco, o coração,
o centro, a beleza, a bondade e a harmonia.[15]
A força social é a cultura.[16]
A luta é sempre a do homem com o Mistério,
de trevas ou de luz... A inocência reconquistada é
uma via purgativa.[17] Toda
existência é social.[18]
Por tudo que escreveu Leonardo, pode-se sem receio de cometer
qualquer equívoco, afirmar que sua filosofia caracteriza-se
por um ANTICOUSISMO, e suas reflexões
sempre priorizaram e alertaram para o poder criador do pensamento,
para a realidade metafísica do ser e para a evolução
e a conservação do homem na memória do Absoluto.
Afinal, pergunta este pesquisador: Como poderia o Absoluto criar
e depois esquecer a coisa criada? Como poderia abandoná-la?
Como poderia impedi-la de buscá-Lo? Como poderia puni-la
por suas fragilidades? Ultrapassando Leonardo e os outros filósofos
portugueses revisitados, data venia, agasalha-se a convicção
de que o SER e o ser são UM.
Dois ou muitos são as ilusões que produzem todos
os conflitos da existência.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Finalizando
este último item e consultando a Tese de Doutorado de Ricardo
João Inchausti, concorda-se que a contingência de
Leonardo ancora-se na pressuposição e na adesão
de que tudo está suspenso na vontade de Deus,
e o Criacionismo Leonardino é ipso verbis uma
busca permanente do Absoluto. No domínio religioso - assevera
Inchausti - a transcendência, esse excesso que
está presente no homem, só pode ser sabedoria, porque
representa a memória de tudo. E, assim, o
homem quando busca conhecer-se, aproxima-se de Deus; quando conhece,
conhece a Deus. O amor no homem - como
escreveu Leonardo e concluiu Ricardo Inchausti - é
a saudade de Deus[19]. Essa é a verdadeira
saudade em longitude e latitude que baliza o pensamento português.
É, em última instância, uma forma de saudade
especial, uma saudade mais elevada, por assim dizer, uma SAUDADE
METAFÍSICA, que, por não poder se apoiar
nem nos sentidos nem na razão, jamais poderá ser
resolvida ou aplacada neste plano de existência. Só
pelo e no retorno assintótico ao PRIMEIRO UM
– o Grande Encontro para cada uma e para todas as mônadas
– a Paz Profunda e a Serenidade Irretocável serão
conseguidas. Qual será a Verdade oculta nos Capítulos
VII e XIV, Versículos 4, 9 e 10 e 1, 3 e 6, respectivamente,
do Apocalipse de João? O Conhecimento reside em
cabeças com pensamentos alheios; a Sabedoria, em mentes
que refletem por si mesmas... O número dos que foram
assinalados é profundamente revelador. Entretanto,
foram todos assinalados. MAS, O SINAL DEVE SER CONQUISTADO.
Cabalisticamente, e isto já extrapola o pensamento leonardino,
359 haverá de ser transmutado em 360.
Isto não significa que o Universo peregrine para um télos.
O Universo é. O homem ainda não é porque
se esqueceu de que é. A reintegração é,
concomitantemente, um processo de recordar. Primeiro, no nível
do subconsciente pessoal (individual); depois, no plano subconsciencial
coletivo ou universal. A verdadeira luta pela imortalidade é
o esforço diligente e diuturno para alcançar o CENTRO
DA IDÉIA. Como o Universo é relativisticamente
ilimitado, o contentamento do ser em processo de reintegração
deve estar em peregrinar assintoticamente para e em direção
ao OLHO QUE TUDO VÊ. Nessa peregrinação,
perceberá que este OLHO sempre esteve,
está e estará nele mesmo. (Um estudo complementar
sobre o pensamento de Leonardo Coimbra, de autoria de Pedro Calafate,
está reproduzido no Anexo).
DADOS SOBRE O AUTOR
Mestre
em Educação, UFRJ, 1980. Doutor em Filosofia, UGF,
1988. Professor Adjunto IV (aposentado) do CEFET-RJ. Consultor
em Administração Escolar. Presidente do Comitê
Editorial da Revista Tecnologia & Cultura do CEFET-RJ. Professor
de Metodologia da Ciência e da Pesquisa Científica
e Coordenador Acadêmico do Instituto de Desenvolvimento
Humano - IDHGE.
NOTAS
E REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Obras Completas de Leonardo Coimbra, vol. II,
Luta pela Imortalidade, p. 363.
2. Op. cit., p. XIII.
3. Op. cit., p. 260.
4. Obras Completas de Leonardo Coimbra, vol. I, Criacionismo
(Esboço de um Sistema Filosófico),
p. 328.
5. Ibid., passim.
6. Mônada - para Leonardo Coimbra - é
todo o direcionismo de matéria, seja qual for a sua categoria,
desde o mais ligeiro afloramento de vida até a mais ampla
e profunda consciência. Ibid., p. 368. Comparar
com o conceito leibniziano, e, se for o caso, com conceitos anteriores.
7. Discorda-se do vocábulo eficiência utilizado.
Eficiência sem eficácia resulta, no mínimo,
apenas na metade da questão. E, na maioria das vezes, converte-se
em retrocesso. Mais concertado seria empregar a palavra efetividade
ou excelência, que congloba os dois conceitos. Assim:
EFICIÊNCIA + EFICÁCIA = EFETIVIDADE (ou EXCELÊNCIA)
8. Ibid., pp. 378 e 379.
9. Obras Completas de Leonardo Coimbra, vol. I, A
Alegria, a Dor e a Graça, passim.
10. Ibid., passim.
11. Ibid., passim.
12. Op. cit., p. 501.
13. Obras Completas..., Luta pela Imortalidade,
p. 232.
14. Obras Completas..., A Razão Experimental,
p. 543.
15. Obras Completas..., Jesus, passim.
16. Obras Completas..., Problema da Educação
Nacional, p. 923.
17. Obras Completas..., O Homem às Mãos com o Destino,
passim.
18. Obras Completas..., Do Amor e da Morte,
p. 579.
19. A Criação e a Liberdade em Leonardo
Coimbra (Tese de Doutorado), Ricardo João
Inchausti, pp. 209 a 213.
BIBLIOGRAFIA
COIMBRA,
Leonardo. A alegria, a dôr e a graça.
2ª ed. Rio de Janeiro: Typographia do Annuario do Brasil,
1920, 264 p.
COSTA,
Dalila L. Pereira e PINHARANDA GOMES, J. Introdução
à saudade (antologia teórica e aproximação
crítica). Porto: Lello & Irmãos
- Editores, 1976, 226 p.
INCHAUSTI,
Ricardo João. A Criação e a Liberdade em
Leonardo Coimbra. Tese (Doutotado em Filosofia) – Departamento
de Filosofia, Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 1996.
PINHARANDA
GOMES, Jesué. História da filosofia
portuguesa: a filosofia hebraico-portuguesa. Porto:
Lello & Irmão - Editores, 1981, 524 p.
SANT’ANNA
DIONÍSIO (seleção, coordenação
e revisão). Obras completas de Leonardo Coimbra.
Porto: Lello & Irmão Editores, 1983, 1955 p.
SOVERAL,
Eduardo Abranches de. Análise de “O Criacionismo”
de Leonardo Coimbra (1883-1936). In: Revista Brasileira
de Filosofia, São Paulo, 37 (150): 169-81, abr./ jun.,
1988.
ANEXO
I
INSTITUTO CAMÕES
FIGURAS DAS CULTURAS LUSÓFONAS
Leonardo Coimbra
Autor do texto: Pedro Calafate
Fonte: http://www.instituto-camoes.pt
/encarte/figlcoimbra.htm
Acesso em 16/12/2003
Natural
da vila da Lixa, próximo de Amarante, foi uma das figuras
mais proeminentes do movimento da Renascença Portuguesa,
que fundou, juntamente com Teixeira de Pascoaes, António
Sérgio e Raul Proença, entre outros. Entre 1919
e 1931 foi professor de Filosofia na Faculdade de Letras do Porto,
por ele criada quando, pela primeira vez, ocupou o cargo de Ministro
da Instrução Pública.
Os conteúdos
doutrinários da sua obra remetem-nos para o conceito de
Criacionismo, que deu título à sua obra mais importante.
O Criacionismo afirma-se como uma filosofia da liberdade, radicando
nas infinitas capacidades criadoras do pensamento, que, dinamicamente,
se liberta dos determinismos naturais e sociais. Na sua base,
encontra-se a actividade científica que abordou em duas
vertentes complementares.
Por um lado, a ciência
representava o «espírito da cultura moderna»,
constituída na base do «livre acordo», tendo
a razão por autoridade única, liberta do autoritarismo
de princípios impostos exteriormente à actividade
do pensamento. Representava um tipo de acordo que, por ser livre
e responsável, considerava como a base de realização
do acordo social que pela ascensão do indivíduo
psico-social à pessoa, numa dialéctica criadora,
geraria a comunidade solidária e livre por que sempre se
bateu.
Leonardo Coimbra
Desenho do pintor Eduardo Malta
Por outro
lado, o modelo de ciência a que se referia nada tinha a
ver com o do positivismo. Tratava-se de uma ciência constituída
na base da dialéctica nocional do pensamento, ou seja,
não incide sobre coisas mas sobre noções
ou representações mentais, considerando que a sensação
é uma noção psicológica e não
um dado e que, como noção que é, não
é uma realidade completa mas um momento dialéctico
de um processo, numa constante marcha para mais realidade e acréscimo
de sentido. É na base deste Criacionismo, que começa
por afirmar-se inicialmente num plano gnosiológico, que
se virá a afirmar a liberdade do homem, pois a realidade
não poderá nunca ser deduzida de uma noção
sintética superior, se essa mesma noção não
tiver sido por nós elaborada. Em última análise,
a realidade não poderá nunca separar-se da dinâmica
do pensamento; não é um conjunto de coisas de que
o pensamento de aproprie, mas um conjunto de noções,
sempre e já elaborado pela acção criadora
do pensamento, num processo em si mesmo ilimitado. Se o espírito
se move num conjunto de noções por si elaboradas,
então ele é acto criador, não se limitando
a assimilar e a receber o já feito e o já pensado.
A matéria não
é assim o fundamento do pensamento, mas um seu produto,
pelo que importa superar a divisão entre matéria
e forma no âmbito do processo gnosiológico, para
afirmar que toda a matéria e toda a realidade é
já uma nocionalidade e uma ordem. O espírito é
a actividade funcional do conhecimento; a matéria é
todo o conhecido considerado independentemente da actividade que
conhece, e a experiência é a interacção
do espírito e da matéria no acto de conhecer.
L. C. afirma, assim,
uma dialéctica ascensional, que partindo do processo de
elaboração das noções científicas
nelas se não detém, petrificando ou estagnando,
procurando, antes, elevar-se à constituição
da última realidade irredutível, por si definida
como a «pessoa moral». Enquadram-se neste processo
dialéctico afirmações célebres de
L.C., nomeadamente quando proclama que o homem é livre
porque «a vida social lhe permitiu interpor entre a sensação
e o acto a demora e a riqueza do pensamento», ou que, «o
homem não é uma inutilidade num mundo feito, mas
obreiro de um mundo a fazer».
Leonardo Coimbra
(Desenho do pintor Eduardo Malta)
Nesta
conformidade, o seu Criacionismo gnosiológico projecta-se
e amplifica-se no domínio da realidade espiritual da pessoa,
mediante novas coordenações e novas sínteses
que, num processo coerente, fazem brotar a arte, a filosofia e
a religião. A primeira alarga os domínios do sentimento
elevando a liberdade da imaginação. A segundo alarga
os domínios da liberdade que se torna plena porque a pessoa
toma posse dos determinismos externos, empenhando-se numa elevação
ao Absoluto e Eterno, sem que tal represente uma renúncia
à vida quotidiana e à realidade concreta dos sentimentos
ou à abertura solidária e amorosa ao outro, numa
comunicação que institui a verdadeira comunidade.
Leonardo Coimbra ao lado do Maestro Lacerda
Quanto
à religião, é de ver que o Criacionismo,
como filosofia da liberdade que se instaura pelo pensamento e
acção da pessoa, nos faz ascender a uma religião
que não se esgota na questão da fé. No Criacionismo,
a arte, a filosofia e a religião são postas e não
opostas ao pensamento científico, no exacto sentido em
que têm de ser momentos do pensamento e não imposições
dogmáticas. Se o pensamento científico, pelo livre
acordo das consciências, e portanto pela fraternização
e pela aproximação do homem ao mundo, levou à
pessoa, esta exige, para a sua vida essencial de acção
moral a arte, a filosofia e a religião. No caso presente,
o sentimento religioso é o cume de um processo de «socialização
absoluta» efectuada pelo pensamento, representando uma passagem
da humanidade ao Cosmo, num alargamento de perspectivas em comunhão
amorosa e solidária, porque não dependente já
de convenções ou de pactos, mas do império
de cada um sobre a sua alma nobre e livre em dádiva generosa,
como emanava, aliás, do espírito do Cristianismo,
sobretudo, na sua vertente Franciscana. Para o Filósofo,
o homem não é já então uma parcela
de um todo ou o elemento de uma harmonia, mas a consciência
representativa do Todo.
|
Perfil de Leonardo Coimbra (Apontamento
de S. D.)
Neste
ponto, L.C. recorre à Monadologia, inspirado em Leibniz,
mas criticando a idéia de uma harmonia pré-estabelecida,
porque contrária à liberdade inerente ao seu Criacionismo,
bem como à dinâmica comunicacional entre as mónadas.
O Universo é criado pelo homem num processo dialéctico
que o faz chegar a um Deus não menos transcendente, pelo
fraterno amor de tudo, e não algo criado de uma vez por
todas pela vontade divina. Em última análise Deus
é a Luz que ilumina a actividade criadora do homem, Luz
pela qual ele ascende na infinita possibilidade da acção
moral. Deus é o Amor que une, e cada consciência
é a unidade elementar que pelo amor se move atraído
pela «Grande Unidade». Por isso, a compreensão
é a Unidade e compreender é Amar.
L.C. também se
afirma aqui como o Filósofo da Saudade, termo que lhe permite
entender a vida como tendência para a superação
e o excesso de si própria, superando, pelo desejo da Unidade,
a dimensão separatista que degrada e corrompe. A Saudade
será a expressão do grande «abraço
unitário» que nos atrai ao Centro do Grande Circulo
do Ser, porque o que existe de mais material são «as
almas afastadas». Assim, a Saudade será sempre a
companheira do homem, enquanto se interpuser uma distância
entre ele e a Luz do Espírito, porque só Esta conseguiria
vencer as resistências que criam a sombra da Saudade.
Finalmente, no plano
da educação, à qual dedicou a sua actividade
política de Ministro, compreende-se que mais importante
do que a «liberdade de ensino», condição
sem dúvida necessária, seja a defesa da «liberdade
pelo ensino», o que o fez também proclamar que mais
importante que a vulgarização do saber era a elevação
do vulgo à altura do homem.
Imagens provenientes
de Obras de Leonardo Coimbra - I e II vols., Sant'Anna Dionísio
(org.), Lello & Irmão Editores, Porto 1983.