FILOSOFIA
PORTUGUESA (I): CONSIDERAÇÕES
SUCINTAS SOBRE A
FILOSOFIA PORTUGUESA
NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX*
Rodolfo
Domenico Pizzinga
Música
de fundo: Nem às Paredes Confesso
Fonte: http://geocities.yahoo.com.br/alegrobr/m.htm
ASPECTOS GERAIS
A
Doutrina Pantiteísta (Pantiteísmo) de José
Maria da Cunha Seixas (1836-1895) foi pensada, construída
e nasceu, em Portugal, em um ambiente profundamente heterogêneo
e saturado pelo Positivismo. Entretanto, se a Doutrina Comtiana,
sob o controle de um dos seus mais ferrenhos defensores —
Joaquim Teófilo Fernandes Braga (1843-1924) — impôs-se
em Lisboa, principalmente no Curso Superior de Letras, já
em Coimbra, com Vicente Ferrer Neto Paiva (1798-1886) e com
Joaquim Maria Rodrigues de Brito (1822-1873), o Krausismo prevaleceu
nomeadamente no âmbito da Filosofia do Direito. Estas
duas correntes filosóficas são inteiramente antagônicas,
quer nas próprias formulações, quer em
suas aplicações. Pensa-se que o coerente e bem
fundamentado magistério filosófico de Rodrigues
de Brito, viria a impressionar de forma consistente, mas não
definitiva, portanto, revisionisticamente em diversos aspectos,
a trajetória especulativa do Ilustre Pensador Beirão,
que se afirmou como escritor e livre-pensador a partir de 1864,
ano do lançamento do livro Estréias,
quando ainda era estudante do quinto ano jurídico, entretanto,
já sócio e freqüentador do Instituto de Coimbra.
Cunha Seixas — um dos maiores pensadores portugueses do
século XIX — dedicou sua vida basicamente à
Filosofia e, particularmente, em demonstrar e tentar provar
que Deus está em tudo, mas é distinto.
Cunha
Seixas
Mas, o Portugal
dos oitocentos também sofreu outras importantes influências.
O que se pretende, neste primeiro documento é, muito
rápida e sucintamente, historiar o confronto das principais
idéias filosóficas que se contendiavam nos primeiros
cinqüenta anos do século XIX, incluindo, mais extensamente,
uma reflexão histórica sobre a Doutrina Krausista
e sobre o Sistema criado por Augusto Comte (1798-1857). A convicção
espiritual, as divergências e a resposta metafísica
de Cunha Seixas às diversas correntes filosóficas
serão sinteticamente apresentadas no terceiro título
desta série.
Uma
primeira observação sobre a atividade filosófica
portuguesa daquele tempo era a pouca originalidade que encerrava,
o que vale dizer que as idéias no campo da Filosofia
eram, em grande medida, importadas. Compêndios propagavam
reflexões originárias de pensadores estrangeiros,
divergindo apenas na forma em como as doutrinas eram apresentadas.
Ressalva-se, minimamente, a figura ímpar de Silvestre
Pinheiro Ferreira (1769-1846), a quem será feita referência
posteriormente. A afirmação é dura, reconhece-se,
mas quem a produziu foi um Doutor em Filosofia e Letras pela
Universidade de Lovaina e sócio da então Academia
Real das Ciências de Lisboa. O homem foi Manuel António
Ferreira-Deusdado (1858-1918).[1] Sustentou
Deusdado que, com exceção da História da
Filosofia em Portugal, da pena do jurista, professor universitário
e historiador da filosofia portuguesa José Joaquim Lopes
Praça (1844-1920), a bibliografia filosófica portuguesa
estava ainda por ser feita. Cunha Seixas também, em diversas
obras, reclamou da falta de cultura e do desinteresse dos portugueses
pelo pensamento filosófico.
No
final do século XVIII, a Europa era palco, no campo da
Filosofia, de intensa divergência de idéias, e
Portugal não ficou alheio a esse movimento. A língua
latina passou a ser substituída pela portuguesa, e o
Tomismo, que ecoou alguns séculos em Portugal, começou
a ser contestado, designadamente pela Congregação
do Oratório e os cônegos regrantes, ordens religiosas
adversárias dos jesuítas.[2]
Os novos ventos que sopravam na terra lusa foram assim narrados
por Ferreira-Deusdado:
A
philosophia moderna entrou francamente em Portugal com o
padre João Baptista, do 0ratório, o arcediago
Luiz António Verney e o padre Theodoro de Almeida.
O cartesianismo e o sensualismo abriram brecha, como pode
ver-se da bibliographia do tempo.
O
sistema de Descartes, como muito vasto, dera origem a quatro
escolas: a sensualista, representada por Locke e continuada
pelo Barão de Holbach e La Mettrie; a pantheista,
representada por Spinoza; a racionalista adaptada por Regis
e Arnauld; a espiritualista, representada por Bossuet e
Leibnitz.[3]
(sic).
Mas, de todos os pensadores
portugueses da primeira metade do século XIX, Cabral
de Moncada e Ferreira-Deusdado, entre tantos pensadores luso-brasileiros,
apontaram, como o mais ilustre, Silvestre Pinheiro Ferreira,
que foi Ministro de D. João VI e deputado, tendo acabado
por se tornar, no campo do direito internacional, um dos mais
respeitados nomes do continente europeu.[4]
Pinheiro Ferreira, no entendimento
de Cabral de Moncada, foi um sensualista confesso e, nesse sentido,
um adversário de toda a metafísica idealista e
de todo o transcendentalismo especulativo de origem sobretudo
alemã. Mas, se por um lado admitiu que todas as idéias
do homem provêm das sensações, por outro,
creu em um Deus criador, em um direito natural e em um direito
da razão, ao qual denominou Direito Filosófico
e Universal, o que, para Cabral de Moncada, posiciona-o, aliás,
corretamente, como metafísico deísta
e jusnaturalista.[5] Essa aparente
contradição é explicada pelo pesquisador
citado, que ensinou que Pinheiro Ferreira admitiu que nem o
direito nem a moral são alcançados pela especulação
metafísica, mas pelo caminho da experiência e da
observação.
Já o grande pensador
brasileiro Antonio Paim (1927- ), após analisar a obra
completa de Pinheiro Ferreira, inferiu que o Filósofo
Português constituiu-se no reformador do Empirismo Mitigado
e no grande teórico do Liberalismo Político.[6]
O esforço de Pinheiro Ferreira, segundo Paim, teria consistido
em:
...
derivar todas as idéias das sensações.
Para tanto, estas últimas são ordenadas em
classes, que correspondem às qualidades presentes
aos objetos. As classes, por sua vez, são divididas
em ordens, de acordo com as sensações que
entre elas se podem estabelecer. Também, de sua doutrina
da 'substância' desaparece a conceituação
tradicional de fundamento ou suporte subjacente a algo,
que aparece. Enquanto a essência (tradução
que dá à 'ousia' aristotélica) compreende
o complexo de qualidades atuais e que se conclui serem essenciais,
a substância abrange não só as qualidades
essenciais como as acidentais, comuns aos estados presente
e passado. Quanto à Natureza, abrange não
apenas as notas presentes ao conceito de substância,
mas as qualidades futuras ou possíveis. Assim, as
idéias de essência, de substância e de
Natureza passam a corresponder a formas peculiares de agrupamentos
das qualidades que nos são dadas pela observação
e pela experiência sensível.
A
Cosmologia, para Silvestre Pinheiro Ferreira, não
corresponde à introdução normativa
das ciências físicas e matemáticas,
a exemplo da 'Física' de Verney. Compete-lhe apenas
interpretar certas descobertas da ciência experimental
em benefício de teses e de hipóteses filosóficas,
que, do contrário, não se manteriam. Assim,
nas 'Preleções', a ciência experimental
é que justifica a interferência filosófica
de que todas as partes do universo acham-se ligadas e são
solidárias entre si.
A
vinculação do conhecimento à experimentação
e à observação estende-se à
ação moral, porquanto as idéias de
virtude e de vício se identificam com as de gosto
(agrado) e de dor. O 'bem' é definido como ‘aquela
ação de que se costuma seguir uma maior soma
de gostos que de dores’, enquanto a virtude é
‘a ação moral de que se costuma seguir
uma maior sorna de gostos que de dores’ (Preleções
§ 297).[7]
Na Ontologia
§ 70, sobre a liberdade, Pinheiro Ferreira registrou:
Os espíritos que, na
presença de muitos motivos, obram umas vezes por
um, e outras vezes por outro desses motivos, chamam-se 'livres';
a faculdade de assim proceder chama-se 'liberdade'; e cada
um desses atos chama-se 'escolha'. À faculdade de
escolha também se dá o nome de opção.[8]
Silvestre
Pinheiro Ferreira
(Arquivo Histórico Militar)
Paim
concluiu, portanto, que Silvestre Pinheiro Ferreira, além
de ter oferecido uma opção para a superação
do Empirismo Mitigado, conduziu a jovem intelectualidade da
época a meditar sobre o tema fundamental da liberdade.
Por isso, preparou os espíritos para a aceitação
das idéias de Maine de Biran (1766-1824) que se formularam
na busca da coerência do Empirismo...[9]
Reproduzirei
abaixo um pequeno texto denominado O Esquecimento de Silvestre
Pinheiro Ferreira, que foi colhido no site
http://www.iscsp.utl.pt
/~cepp/front800.php3
com
o qual encerro esta revisitação sobre eete injustamente
esquecido português:
Diremos,
contudo, que a recepção deste modelo organicista
estrangeirado impediu que, entre nós, frutificasse
a influência de um dos mais originais publicistas
do século XIX, o portuguesíssimo Silvestre
Pinheiro Ferreira (1769-1846), exilado em Paris de 1826
a 1842, autor do célebre Précis d'un Cours
de Droit Public Interne et Externe, Paris, Imp. de Casimir,
1830, considerado como um dos primeiros corpos completos
de direito público da Europa, abrangendo tanto o
direito interno como o direito constitucional.
Segue-se,
do mesmo autor, o Projecto de Ordenações para
o Reino de Portugal, Paris, 1831, em três tomos, no
qual se propõe uma reforma das leis fundamentais
portuguesas, pela edição de leis orgânicas
para a respectiva execução.
Outras
obras de alta densidade política foi editando, nomeadamente
Observações sobre a Constituição
do Império do Brazil e sobre a Carta Constitucional
do Reino de Portugal, Paris, 1831; Manual do Cidadão
em um Governo Representativo, ou Princípios de Direito
Constitucional, Administrativo e das Gentes, Paris, Rey
et Gravier - J. P. Aillaud, 1834, em 3 volumes (Tomo I -
Direito Constitucional; Tomo II - Direito Administrativo
e das Gentes; Tomo III - Projecto de Código Geral
de Leis Fundamentaes e Constitutivas duma Monarquia Representativa);
Declaração dos Direitos e Deveres do Homem
e do Cidadão, Paris, Rey et Gravier, 1836; Projecto
de Código Político para a Nação
Portuguesa, Paris, Rey et Gravier, 1838; Projecto de Associação
para o Melhoramento da Sorte das Classes Industriosas, Paris,
Rey et Gravier - J. P. Aillaud, 1840; Questões de
Direito Público e Administrativo, Filosofia e Literatura
[1844], Lisboa, Typ. Lusitana, 1844; Précis de Droit
Politique, Lisboa, 1845.
A
profundidade e a originalidade de Pinheiro Ferreira revelam-se
também em Noções Elementares de Philosophia
Geral, e Applicada às Sciencias Moraes e Politicas.
Ontologia, Psychologia, Ideologia, Paris, Imp. de Casimir,
1839, em que diz defender as ideias de Aristóteles,
Bacon, Leibniz, Locke e Condillac contra o tenebroso barbarismo
dos Heraclitos da Alemanha (Kant, Fichte, Schelling, Hegel)
e a brilhante phantamasgoria dos ecléticos da França.
Já antes editara umas Noções Elementares
de Ontologia, Paris, 1836, em que defendia que as sciencias
morais e políticas (...) constituem por si sós
um corpo de sciencia.
O
mais notável dos publicistas da cultura portuguesa,
se deixa marca indelével tanto no direito público
francês (basta recordar a invenção estruturada
da ideia de poder de sufrágio, mais tarde desenvolvida
por Hauriou) como nas próprias concepções
políticas (está demonstrada a influência
do corporatismo de Ferreira em Proudhon e Blanc), não
foi profeta na sua própria terra, onde preponderaram,
primeiro, as vulgarizações simplificadoras
do Krausismo, a partir de Ahrens, e, depois, os delírios
ideologistas do Positivismo comteano.
Não
se pode, todavia, ao considerar, ainda que brevemente, o ensino
da Filosofia na primeira metade do século XIX, deixar
de observar, como acuradamente pensou Anna Maria Moog Rodrigues,
que ele continuava a ser o estabelecido pela reforma pombalina.
A Faculdade de Filosofia, como afirmou a pensadora supradita,
era, na verdade, uma escola de ciências naturais dentro
dos moldes prescritos por Luiz António Verney, em seu
Verdadeiro Método de Estudar.[10]
Só
nos primeiros anos da década de cinqüenta é
que o Espiritualismo Eclético começaria a se impor.
Ferreira-Deusdado citou como exemplo O Curso Elementar de
Filosofia, de A. Ribeiro da Costa e Almeida, professor
do Liceu da Cidade do Porto, que publicou quatro edições
da dita obra, na qual divulgou o seu sistema, que foi também
fundamentado no já aludido Espiritualismo Eclético.
Em
Coimbra, Vicente Ferrer Neto Paiva ...que exerceu uma quase
hegemonia intelectual na universidade... e a quem foi entregue
a reformulação do ensino de Filosofia Jurídica
do Curso de Direito, onde praticou o magistério, de 1834
a 1865, trouxe à luz o seu Curso de Direito Natural,[11]
e, de sua cátedra, com a autoridade e o respeito que
conquistara, divulgava uma síntese pessoal do pensamento
de Krause.
Já
em Lisboa, Teófilo Braga, no último quartel do
século, depois de confessar publicamente suas simpatias
pelo sistema de Comte, fez publicar, em 1877, os seus Traços
Gerais da Filosofia Positiva Comprovados pelas Descobertas Científicas
Modernas. Sobre Teófilo Braga, Ferreira-Deusdado noticiou:
Teófilo
Braga - últimos tempos
Os Deputados Republicanos eleitos pelo
Círculo Occidental de Lisboa
Postal ilust., Archivo Republicano,
ca 1910 BN PI. 2662 P.
Discípulo
afervorado de Augusto Comte, abre uma referta em toda a
linha, crendo que este systema philosóphico é
o remédio salvador da consciência humana, tantos
séculos illudida com as explicações
tradicionaes, vergando sob a influência de falsas
noções. O talento rutilo e a actividade incansável
do dr. Theóphilo Braga tem se feito sentir, tendo
como principal cyreneu o seu discípulo sr. Teixeira
Bastos, que em muitos escriptos conscienciosamente tem affirmado
o valor da sua esclarecida inteligência.
Em
1878 appareceu o 'Positivismo', revista de Philosophia,
dirigida por Theóphilo Braga e Júlio de Mattos.
Viveu quatro anos. Era collaborada por Alexandre da Conceição,
dr. Augusto Rocha, Consiglieri Pedroso, dr. Emygdio Garcia,
Vasconcellos Abbreu, Gonçalves Vianna, etc.[12]
(sic).
Em
suma, Ferreira-Deusdado observou que os sistemas que encontraram
eco na vida filosófica portuguesa foram o Sensualismo,
o Ecletismo, o Tomismo e o Positivismo.
Cunha
Seixas, nascido e educado em uma família católica,
esmagado entre essas várias correntes de pensamento e
sofridamente discordando de sua orientação religiosa
original, só pôde encontrar um caminho: estabelecer
um sistema próprio. Acabou por presentear o pensamento
filosófico com o seu Pantiteísmo.
Antes, porém,
de se meditar sobre sua vasta obra, o que será feito
no terceiro documento, abrir-se-ão dois itens para se
estudar, no primeiro, rapidamente, alguns aspectos da Doutrina
de Comte e, no segundo, para se elaborar uma sucinta recordação
do Sistema Panenteísta, de Krause. Acredita-se justificada
essa escolha, pois, se quanto ao Krausismo, Cunha Seixas, ainda
que dissidente, lhe mostrou afeição e simpatia
e dele sofreu reconhecida influência, no que tange ao
Positivismo, foi seu mais cáustico e veemente crítico,
tendo-o combatido até a morte.
POSITIVISMO
O termo positivismo
foi usado pela primeira vez por Claude Henri Saint-Simon (1760-1825),
que hospedou as idéias materialistas vigentes na França
setecentista, opondo-se ao Deísmo e ao Idealismo e defendendo
o estudo da Natureza e o Determinismo. O Positivismo, segundo
Marcuse, designa:
a)
a validação do pensamento cognitivo pela experiência
dos fatos; b) a orientação do pensamento cognitivo
para as Ciências Físicas como um modelo de
certeza e de exatidão; c) a crença de que
o progresso do conhecimento depende dessa orientação.[13]
Saint-Simon,
ao assistir a dissolução da unidade sócio-espiritual
moderna, unidade esta estabelecida pelo Cristianismo durante
a Idade Média (exemplificada pela Revolução
Francesa, pelo fim do feudalismo, pela reforma protestante,
pelas lutas entre a Igreja e as monarquias vigentes etc.), propôs
como solução para a crise o desenvolvimento industrial
e a pesquisa científica. Na nova sociedade proposta por
Saint-Simon ...a direção espiritual
deve passar do clero para os cientistas, e o cuidado pelos interesses
materiais deve passar da nobreza para a indústria e os
bancos.[14] Na sociedade saint-simoniana, o papel
preponderante e dominante estaria nas mãos dos representantes
da ciência e da indústria. Nessa sociedade, entre
outras características, como condição de
desenvolvimento, seriam obrigatórias a eliminação
dos ociosos e a supressão da propriedade privada. Marx
(1818-1883), meio século depois, destacaria o pioneirismo
de Saint-Simon bem como de Charles Fourier (1772-1837) e de
Pierre Joseph Proudhon (1809-1865) como críticos da sociedade
burguesa, mas reprovou o 'utopismo' das suas propostas
de mudança social.
Entretanto,
historicamente, o fundador e pai do Positivismo foi Auguste
Comte (1798-1856), que, entre 1818 e 1824, foi colaborador e
secretário de Saint-Simon e de quem recebeu a idéia
de que ... os fenômenos sociais, assim como
os físicos, podem ser reduzidos a leis, e ainda que a
ciência e toda a filosofia devem ter por alvo o melhoramento
moral e político da espécie humana.[15]
Todavia, Comte acabou por romper com Saint-Simon, não
sem a ele se referir, deixando escrito para a posteridade que,
durante a fase negativa que precedeu seu desenvolvimento sistemático,
tinha se exposto... às seduções
passageiras de um charlatão superficial e depravado.[16]
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Saint-Simon |
Auguste
Comte |
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Para
o Filósofo de Montpellier, o homem tem sua origem na
matéria, a mesma matéria que criou o Universo,
tudo se passando sob o arrimo das leis da evolução.
No estágio humano, a evolução propiciou
o começo da história. Ao estudar o desenvolvimento
total da inteligência humana, Comte creu ter descoberto
uma grande lei fundamental, lei que pensou explicar as concepções
principais e cada ramo do conhecimento, evoluindo e transitando
por três estados históricos diferentes: estado
teológico ou fictício, estado metafísico
ou abstrato, estado científico ou positivo.[17]
No primeiro estado, os fenômenos têm uma causa sobrenatural
e são explicados teologicamente, sob a interveniência
e a vontade de alguma divindade – como
quando os corpos celestes eram tidos como deuses; no segundo
estado, as forças abstratas substituem o sobrenatural
– os corpos celestes, agora, movem-se
em círculos, porque o círculo simboliza e representa
a perfeição geométrica; no terceiro estado,
o estado positivo, todos os fenômenos constatados são
explicados cientificamente com base na observação,
nas hipóteses e na experimentação. Procurando
exemplificar e enfatizar suas convicções, Comte
perguntou:
Ora,
cada um de nós, contemplando sua própria história,
não se lembra de que foi sucessivamente, no que concerne
às noções mais importantes, ‘teólogo’
em sua infância, ‘metafísico’ em
sua juventude e ‘físico’em sua virilidade?[18]
Contudo,
admitiu ter dúvidas se um dia a Humanidade alcançaria
integralmente o estado positivo; mas foi convicto de que o homem,
para passar do degrau fictício para o degrau científico,
necessita obrigatoriamente adotar uma filosofia transitória,
que, para ele, constituía-se nos métodos e nas
doutrinas de cunho abstrato.
Jose
Ferrater Mora ensina que o Sistema de Comte compreende basicamente
três fatores, a saber:
... em primeiro lugar, uma filosofia da história
que há de mostrar por que a filosofia positiva é
a que deve imperar em um futuro próximo; em segundo
lugar, uma fundamentação e uma classificação
das ciências assentadas na filosofia positiva; por
último, uma sociologia ou doutrina da sociedade que,
ao determinar a estrutura essencial da mesma, permita passar
à reforma prática e, finalmente, à
reforma religiosa, a Religião da Humanidade.[19]
A
Filosofia Comtista não se resume tão-somente na
mera organização das ciências. Estas foram
classificadas de acordo com suas respectivas complexidades crescentes.
Tal organização requer, fundamentalmente, uma
ordem hierárquica para poder ser implementada. Partindo
da Matemática e passando sucessivamente pela Astronomia,
pela Física, pela Química e pela Biologia, o Fundador
do Positivismo posicionou a Sociologia no ápice da pirâmide,
por entender que os complexos fenômenos que regulam a
vida social eram os mais recalcitrantes em se subordinar à
disciplina e ao método científico.
SOCIOLOGIA |
BIOLOGIA |
QUÍMICA |
FÍSICA |
ASTRONOMIA |
MATEMÁTICA |
Ao
apresentar um estudo sistemático da Humanidade, Comte
demonstrou um inequívoco dogmatismo intelectual, que,
na opinião de Will Durant, talvez tenha sido oriundo
do isolamento em que vivia e das desilusões do Filósofo.[20]
Alguns princípios estabelecidos pelo Sistema Positivista
são o de que a Humanidade é o Grande Ser, e o
único meio de redimir o mundo seria pelo estabelecimento
de uma nova religião que estimulasse o altruísmo
da Natureza humana. A nova religião – a Religião
da Humanidade – estabelece o sacerdócio, os sacramentos,
as orações e a disciplina, e é para o Grande
Ser – a Humanidade – que devem ser dirigidos os
atos de adoração. Propôs, inclusive, um
calendário positivista, no qual os nomes das deidades
pagãs e dos santos católicos eram substituÍdos
pelos maiores expoentes da ciência, da política,
da filosofia, da religião e da arte. O rito era o mesmo,
mas, dessacralizado, descristianizado.
Junto
com o Grande Ser, formando a trindade positivista, Comte propôs
a terra e o espaço, o Grande Fetiche e o Grande Meio,
respectivamente, como objetos de adoração. Para
Comte, a Humanidade encontra-se em progresso contínuo,
caminhando decisivamente para o estado positivo, tendendo, inclusive,
para uma unidade política sob o governo dos filósofos
positivistas, todos guiados pela máxima moral do Positivismo:
Viver para outrem. A crítica
ao Positivismo de Comte esteve, em Portugal, a cargo, principalmente,
de José Maria da Cunha Seixas. Mas, não se poderia
encerrar este sintético estudo, sem transcrever o que
disse Álvaro Ribeiro no seu livro Os Positivistas,
sobre a assimilação da Doutrina Positiva pelos
pensadores portugueses:
Todo o positivismo português
devém no plano da superficialidade cultural, exer-cendo,
é certo, os seus malefícios na zona própria
dos medíocres que tudo aferem pela admiração
do estrangeiro. Não chegou, porém, tal doutrina
a ser absorvida, apropriada, assimilada pelos verdadeiros
pensadores nacionalistas. A leitura dos textos, que é
a prova real, constituirá, para muitos estudiosos,
surpreendente fonte de desenganos.
É
indispensável, todavia, para chegar a tão
certeira conclusão, partir da dúvida sobre
o valor das citações de filósofos estrangeiros,
incluídas nos textos das obras dos escritores nacionais.
A citação é quase sempre motivada por
pedantismo, moda ou ortodoxia, e degenera, muitas vezes,
em ornato de estilo que não pertence àquela
natural seqüência de frases em que o autor se
dá ao tema, por assim dizer, de alma e coração.
Não passam tais citações de adereços
postiços – emprestada vestimenta de erudição
que ilude o leitor ingênuo – mas não
logram enganar o intérprete que no corpo do discurso
analise os elementos lógicos do raciocínio
argumentante e os tropos ágeis da imaginação
persuasiva.[21]
KRAUSISMO
Karl
Christian Friedrich Krause 1781-1832), apesar de não
ter sido a mais importante, foi, certamente, uma das mais singulares
figuras do Idealismo Alemão. Nascido em Eisenberg (Saxônia-Altenburg),
estudou na Universidade de Iena, e sua permanente dedicação
à Filosofia acabou por recompensá-lo: discípulos
fiéis difundiram suas idéias, e o Krausismo esparramou-se
pela Holanda, Bélgica e Portugal, florescendo notadamente
na Espanha com Julián Sanz del Río (El
movimiento krausista conoce en España su auge entre los
años que van de la revolución de 1854 a los albores
de la Restauración (1875). Con él, la interferencia
entre la religión y la ciencia empieza a resquebrajar
la ignorancia y la intolerancia circundantes).
Suas idéias, que aspiravam a continuar o pensamento de
Kant, pretenderam atenuar os conceitos panteístas, estabelecendo
o que denominou Panenteísmo (Panentheismus),
... doutrina que sustenta que tudo está
em Deus, ou seja, em seu seio.[22]
Alrededor del año 1840,
un grupo de juristas españoles, entre los cuales
se encuentra Julián Sanz del Río, buscan
apasionadamente una doctrina política que propicie
un proceso regenerador del país, dentro del
pensamiento liberal, por supuesto, aunque éste
aparece entonces bajo la forma del doctrinarismo y
no satisfaga las aspiraciones del grupo.
En 1833, un exiliado alemán,
Heinrich Ahrens, ha dado en la Sorbona un Curso de
Derecho Natural, o Filosofía del Derecho, que
ha sido publicado en París en 1837. Ruperto
Navarro Zamorano, miembro del grupo de amigos de Sanz
del Río, lo traduce en 1841. El libro de Ahrens
tiene una gran repercusión. En definitiva,
la Filosofía del Derecho se presenta como una
reacción frente al iusnaturalismo racionalista
que, alzado como bandera por la burguesía revolucionaria
en 1789, ha perdido su capacidad renovadora al llegar
al poder y, una vez positivizado, queda reducido a
la mera legalización del «status»
que otorga el poder a esa burguesía. Este hecho,
unido a la pérdida de la noción del
Derecho como norma absoluta que propugna la escuela
histórica de Savigny, produce un hueco valorativo
que la nueva Filosofía del Derecho trata de
llenar. Ahrens, discípulo de Krause, sin prescindir
de la positivación y relativización
de la Ciencia del Derecho, propone guiar ésta
hacia un ideal dado por una profunda base moral, previa
al desarrollo de la Ciencia del Derecho propiamente
dicha, y capaz de conducirla por nuevos caminos. Krause
-nos dice- fue quien primero expuso el carácter
del Derecho que consiste en la condicionalidad: definir
el principio del Derecho como el conjunto de las condiciones
exteriores de que depende el destino racional del
hombre y la humanidad. Y Giner, años más
tarde, añade: Nadie se ha adelantado, no ya
a indicar, sino a desenvolver sistemáticamente
este principio del Derecho como un orden universal
de piedad, abnegación y altruismo, tanto como
Krause.
Este trasfondo moral hace posible
el fortalecimiento de asociaciones nacidas por la
necesidad de cumplir los fines de la Humanidad; a
cada finalidad: religiosa, científica, artística,
industrial, moral y jurídica, corresponde una
asociación, quedando al Estado un reducido
papel en su propia órbita política,
sin entrometerse en el desenvolvimiento de las demás.
Aunque, eso sí, reservándose un papel
mínimo de vigilancia para evitar que las demás
asociaciones se interfieran entre sí y obstaculicen
el desarrollo de la finalidad para la que fueron creadas.
Este programa resulta atractivo
para los gobernantes liberales, que con diez años
en el poder, constatan día a día la
ineficacia de los decretos-leyes en una sociedad estructurada
de manera tradicional, sin cauces de comunicación
entre las diferentes clases sociales y sin una idea
clara de comunidad social.
Fonte:
http://www.almendron.com
|
Explicando
o Panenteísmo, Krause ensinou:
...nada
é Deus, excepto Deus, mas os seres são essencialmente
distinctos de Deus, que não consiste em cousa alguma
finita e abraça todo o finito em si. Não dizemos
à maneira dos eleatas, que o uno e o todo são
identicos, porque a idea de totalidade importa ordinariamente
a idea de uma multiplicidade de factos e de uma certa união,
entre eles, enquanto que Deus é a unidade pura e
simples da essencia: mas, como tudo o que é finito
é contido na unidade divina, dizemos que o uno é
também tudo em si e por si. A sciencia do ser é,
pois, o ‘panentheísmo’.[23] (sic).
No
Krausismo não é excluída a possibilidade
de um Deus pessoal, ainda que separado do mundo. Em Deus é
realizada a unidade dos opostos manifestados no mundo, sendo
Deus, concomitantemente, indiferença e origem de toda
a oposição. Nesse sentido, no Panenteísmo
de Krause, o pensar procede de duas maneiras: primeira, analítica
ou subjetiva; segunda, sintética ou objetiva. O ponto
de partida analítico-subjetivo consiste em examinar o
primeiro elo na cadeia de verdades - o eu primário ou
o proto-eu — que, para Krause, é uma unidade constituída
de corpo e de intelecto e se admite a si mesmo como finito por
duas razões: a) pela existência de outros eus que
o limitam; b) porque todas as suas funções corporais
se lhe revelam como limitadas. O corpo e o intelecto são,
portanto, essências finitas que, respectivamente, integram
a Natureza e o espírito. Natureza e espírito continuam
sendo essências finitas e postulam uma essência
superior, infinita, fonte de todo o real. Essa essência
é um puro Wesen, um Ser Essencial, Infinito,
que abarca elementos contrários e diversos, e pode ser
traduzida por Ser Absoluto ou Deus.[24]
O
pensar objetivo ou sintético da metafísica krausista
percorre o mesmo caminho que a via analítica ou subjetiva,
porém em sentido inverso. Na via analítica, de
forma indutiva, a investigação percorre do eu
primário, através da dualidade corpo-intelecto,
até Deus. Na via sintética, a pesquisa inicia
no Ser Absoluto e de forma dedutiva, desce através da
dualidade Natureza-espírito, até o proto-eu. A
base fundamental do Sistema de Krause é:
O mundo é e existe por Deus e em Deus,
não separado de Deus e a seu lado, mas n'Ele e sob
sua dependência, como a parte está no todo,
o efeito na causa, a criatura sob o Criador.[26]
O sistema pensado
por Friedrich Krause, denominado por seus discípulos
de Filosofia Novíssima, professou
a existência de um estreito liame entre Deus e o mundo
e vice-versa. Não admitia, porém, a absorção
de um termo em outro. Por isso, o Filósofo de Eisenberg
rechaçou o vocábulo Panteísmo para sua
doutrina, tendo, inclusive, rompido com seu mestre Friedrich
Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854) por ser este panteísta.
Schelling postulara que a Natureza e o espírito têm
seu último fundamento no Absoluto incondicionado, idêntico
e único, constituindo-se em completa indiferença
entre ambos. Em última instância, o filósofo
de Leonberg acreditou que sujeito e objeto, espírito
e Natureza encontram sua identidade no Absoluto e, em Sua Presença,
não apresentam outra oposição, qual seja,
apenas, a de participarem de modo distinto do próprio
Absoluto.
Nesse
sentido, o vocábulo Panenteísmo ao invés
de identificar mundo e Deus, afirma a realidade existente como
Mundo-em-Deus. Em suma, a doutrina
do Panenteísmo ou do Tudo-em-Deus
aspirou a superar as limitações das doutrinas
da transcendência e da imanência e, ao pretender
determinar o nexo entre Deus e o mundo, apontou em Deus duas
formas de causalidade: Deus-princípio,
causalidade eterna, que reconhece a imanência do mundo
em Deus; e Deus-causa, causalidade
temporal, que admite a transcendência de Deus, livre e
Supremo Arquiteto do Universo.[27]
A FILOSOFIA DA HISTÓRIA SEGUNDO KRAUSE
A
essência da Filosofia Krausista da história inicia
de uma simples unidade, passa por uma fase intermediária
de diferenciação e desemboca em uma unidade superior
pela harmonização dos contrários. Este
movimento dialético corresponde a três idades:
infância, juventude e maturidade, ou, em outros termos,
indiferenciação, oposição e harmonia.[28]
Sobre
essa lei geral, transcreve-se a seguir a explicação
de López Morillas:
Esta
é ... uma lei geral que vigora inexoravelmente em
todo o tempo e lugar. Da unidade de Deus, ... que transcende
todas as essências finitas e todas as oposições
possíveis, se desce ao longo de uma contraposição,
até a unidade finita que é o homem. A volta
gradual deste à unidade com Deus, aspiração
suprema do indivíduo humano, é propriamente
o conteúdo da história. A adequada interpretação
deste retorno exige que o filósofo-historiador delimite,
por cima da confusão dos fatos históricos,
os três estados em que se reparte o processo de reintegração
do homem com seu Criador.[29]
Nesses três
estados, o homem forja uma noção particular de
Deus, do mundo, de si mesmo e de seus congêneres.
São
características do estado de indiferenciação
ou infantil: o homem é um ser rudimentar e sua vida transcorre
em uma inconsciência placentária. Sua noção
de Deus é simples e imediata. Sua mentalidade embrionária
o incapacita para a particularização. Vive uma
existência pura e inocente que épocas posteriores
poetizaram como o paraíso terrenal.[30]
São
características do estado de oposição ou
juvenil: lentamente o homem se dá conta das coisas que
o cercam e se sente atraído por e para elas. Compassadamente,
afasta-se daquela unidade fundamental e passa a se preocupar
com as experiências sensíveis que tem no mundo.
Depois de haver perdido Deus, busca-O novamente, agora nos fetiches,
no culto às forças naturais, dos heróis,
dos homens-deuses etc. As faculdades morais apenas começam
a despontar.[31]
São
características do estado de harmonia ou madureza: o
homem, neste estado, descobre, primariamente, a unidade da própria
consciência. Vive, agora, na esfera do entendimento. Há
uma atividade interior criativa, uma dignidade e uma integridade
pessoais que o conduzem a uma nova avaliação de
si mesmo. Refletindo sobre sua própria unidade no meio
da multiplicidade e dos seus iguais, começa a observar
e a sentir a presença de uma consciência superior,
única e infinita no tempo e no espaço, que liga
e sustenta todos os seres finitos. Nesse estado, segundo Krause,
o homem descobre e alcança a unidade de e com Deus.[32]
Segundo o Krausismo, e
conforme se antecipou mais acima, haverá uma época
— época que já começou — em
que os homens viverão estreitamente ligados pelo amor,
reconhecendo em Deus a causa primeira e final da vida. Sobre
esse estado, o formulador do Panenteísmo assim vaticinou:
O
homem e toda Humanidade serão elevados em Deus, viverão
mais fiéis a seu destino eterno, mais harmônicos
com a vida do mundo em esferas superiores, tanto na Natureza
como no espírito. Todos os homens se conhecerão
e se amarão como uma família de filhos de
Deus e destinados a reunir-se na plenitude da vida divina,
e nesta última esperança refarão outra
vez sua história como uma construção
nova.[33]
Acrescenta-se,
derradeiramente, que as meditações do Filósofo
Alemão se estenderam, conforme adverte Mora, aos domínios
da Ética e da Filosofia do Direito.
Recusando decididamente a
teoria absolutista do Estado, tal como é sustentada
pelo hegelianismo, Krause acentua a importância das
associações denominadas de finalidade-universal,
como a família ou a nação, frente às
associações limitadas, como a Igreja e o Estado.
Estas últimas realizam, em verdade, a moral e o direito,
porém não constituem mais do que seu instrumento;
o verdadeiro fundamento do moralismo encontra-se nas primeiras
e por isso o ideal da Humanidade não é o domínio
de um Estado sobre os restantes, mas a federação
das associações universais sem sacrifício
de sua peculiaridade. Deste modo se chega, por uma série
de gradações no processo federativo, a uma
federação mundial,[34]
ao ideal que proporcione a cada um de seus membros a participação
na razão suprema e no Bem.[35]
Segundo Cabral de
Moncada, o pensamento de Krause atuou em Portugal da seguinte
forma:
1)
Foi o Krausismo que, em Portugal, contribuiu para dar maior
dignidade doutrinal e maior consistência teórica
e filosófica a muitos dos princípios que o
Liberalismo tinha de comum com ele, reforçando, por
assim dizer, a raiz jusnaturalista e metafísica da
idéia da personalidade na base do direito e da moral.
2) Foi também o Krausismo que, pela primeira vez,
veio espalhar no ambiente espiritual português do
século XIX um conjunto de motivos doutrinários
e de princípios que, conquanto não tivessem
atuado desde logo sobre as realidades imediatas da vida
social, ficaram todavia constituindo, dentro da Universidade,
uma atmosfera ou clima especial em suspensão, onde
foram, posteriormente, alimentar-se todos esforços
e tendências para uma correção do Liberalismo
Político Português até o fim do século
XIX.[36]
Portanto,
em síntese, o influxo do ideário krausista, em
Portugal, fez-se sentir, principalmente, no âmbito da
Filosofia do Direito, nomeadamente com Vicente Ferrer. Deve-se,
entretanto, referir que suas idéias foram contrapostas
por vários discípulos seus, como o próprio
Cunha Seixas e Joaquim Maria Rodrigues de Brito, este último
tendo substituído o mestre coimbrão na regência
da cadeira de Filosofia do Direito entre 1858 e 1861, e, depois,
em 1866, sucedendo-o definitivamente, pois o titular se aposentara.[37]
Informa-se,
por último, que, substantivamente, Cunha Seixas bebeu
o pensamento de Krause de forma indireta, ou seja, nas obras
de Heinrich Ahrens (1808-1874) e de Guillaume Tiberghien (1819-1901).[38]
DADOS
SOBRE O AUTOR
Mestre em Educação, UFRJ, 1980.
Doutor em Filosofia, UGF, 1988. Professor Adjunto IV (aposentado)
do CEFET-RJ. Consultor em Administração Escolar.
Presidente do Comitê Editorial da Revista Tecnologia &
Cultura do CEFET-RJ. Professor de Metodologia da Ciência
e da Pesquisa Científica e Coordenador Acadêmico
do Instituto de Desenvolvimento Humano - IDHGE.
NOTAS
*
Este trabalho-pensamento, com diversos acréscimos e algumas
modificações, constituiu o terceiro capítulo
de minha tese de doutorado – A Doutrina Pantiteísta
de José Maria da Cunha Seixas.
1. Cs. Esboço Histórico da Philosophia em
Portugal no Século XIX, In: Princípios
Geraes de Philosphia, por José Maria da CUNHA SEIXAS,
p. V. No artigo: A Reação Espiritualista em
Portugal: Krausismo e Ecletismo, In: Ciências Humanas
(17), p. 32, António BRAZ TEIXEIRA escreveu: Após
a morte de Silvestre Pinheiro Ferreira, em 1846, a especulação
livre e responsável conhece um longo eclipse durante
uma década e meia em que, à parte o exemplo isolado
de Vicente Ferrer Neto Paiva, na Faculdade de Direito de Coimbra,
praticamente manifestação alguma se registra no
pensamento português.
2.
Op. cit., p. VII.
3.
Ibid.
4.
Cs. Esboço Histórico..., p. IX e CABRAL
DE MONCADA, Silvestre Pinheiro Ferreira, In: Silvestre
Pinheiro Ferreira (1769 -1846): Bibliografia e Estudos Críticos,
p. 28.
5.
Op. cit., pp. 28 e 29.
6.
In: Silvestre Pinheiro Ferreira (1769 -1846):..., p.
54.
7.
Op. cit., pp. 57 e 58.
8.
Apud Antônio PAIM, op. cit., p. 58.
9.
Op. cit., p. 59.
10.
Cs. Antero de Quental: Símbolo da Cultura Portuguesa,
p. 28.
11. Manuel António FERREIRA-DEUSDADO, op. cit., p. XVI.
António BRAZ TEIXEIRA, op. cit., p. 34, informa: Se,
no que respeita ao conceito de razão, aos limites do
conhecimento e à idéia de Deus e suas relações
com o mundo, o pensamento de Ferrer, no seu exigente racionalismo
de sinal iluminista, no seu idealismo gnosiológico e
no seu Teísmo cristão se distingue com nitidez
do intuicionismo racional de Krause, da sua crença na
coincidência entre as categorias lógicas e ontológicas
e da sua metafísica panenteísta, já quanto
à concepção orgânica, hierárquica
e teleológica do Universo e à doutrina antropológica
vem coincidir em muito com as teses do especulativo alemão,
decerto por se tratar de domínios em que este se encontra
mais próximo da linha escolástico-leibniziana-wolfiana
que orientou o primitivo magistério do nosso jurista-filosófico
e à qual sempre continuará ligado.
12.
Op. cit., p. XXI.
13.
Herbert MARCUSE, Ideologia da Sociedade Industrial,
p.165.
14.
Batista MONDIN, Curso de Filosofia, v. 3, p. 112. Uma
síntese do pensamento de Saint-Simon encontra-se em Oeuvres
Choisies de C.-H. de Saint-Simon Précédées
d'un Essai sur sa Doctrine.
15.
Will DURANT, História da Filosofia, Vida e Idéias
dos Grandes Filósofos, pp. 341 e 342.
16.
Augusto COMTE, Catecismo Pozitivista, ou Sumaria
Expozição da Religião da Humanidade,
p. 23.
17.
Id. Curso de Filosofia Positiva, p. 10.
18.
Op. cit., p. 11.
19.
Jose Ferrater MORA, Diccionário de Filosofia,
p. 315.
20.
Op. cit., p. 342. Acredita-se que tais desilusões, pinçadas
em sua biografia, podem ser procedentes de alguns fatos mercantes
em sua vida, como a perda da fé no Catolicismo quando
jovem, a decepção com Saint-Simon, a infelicidade
no casamento, que o submergiu em uma profunda depressão
mental, levando-o a tentar o suicídio no Sena, o falecimento
precoce de Clotilde de Vaux, que com sua mãe Rozalia
e sua filha adotiva Sofia constituíam-se nos seus três
anjos inspiradores, a impossibilidade de obter uma nomeação
oficial para ensinar Matemática na Escola Politécnica
de Paris e, por último, o fato de ter de viver os últimos
trinta e quatro anos sob a proteção pecuniária
de seus discípulos e seguidores.
21.
pp. 8 e 9.
22.
Luis Washington VITA, Pequena História de Filosofia,
p. 115.
23.
Apud José Maria da CUNHA SEIXAS, Ensaios de Crítica
Philosophica..., p . 168.
24.
Cs. o meu trabalho Introdução ao Rracionalismo
Harmônico de Krause. In: Presença Filosófica,
Rio de janeiro, 13 (1 a 4): 87-98, jan./dez. 1988, p. 7.
25.
Op. cit., pp. 8 e 9.
26.
Apud Luis Washington VITA, op. cit., p. 115.
27.
Juán LÓPEZ MORILLAS, El Krausismo Español,
pp. 17 e 18.
28.
Op. cit., p. 40.
29.
Op. cit., p. 41.
30.
Op. cit., p. 42.
31.
Op. cit., pp. 42 e 43.
32.
Op. cit., pp. 43 e 44.
33.
Apud Juán LÓPEZ MORILLAS, op. cit., p. 47.
34.
Encontra-se essa idéia em Kant onde o direito das gentes
deveria fundar-se numa Federação de Estados livres
(Fædur Pacificum)
35.
Jose FERRATER MORA, op. cit., p. 1066.
36.
Apud Luis Washington VITA, op. cit., p. 119.
37.
Uma síntese do pensamento de Joaquim Maria Rodrigues
de Brito encontra-se na obra O Pensamento Filosófo-Jurídico
Português, de António BRAZ TEIXEIRA, pp. 85
a 90. Cs. também a obra de RODRIGUES DE BRITO publicada
sob o título: Resposta às Breves Reflexões
de Excellentíssimo Senhor Dr. Vicente Ferrer Sobre a
Philosophia do Direito, Coimbra: Imprensa da Universidade,
1869, 70 p.
38.
Sugere-se, para melhores esclarecimentos, a consulta ao
trabalho: A CONSAGRAÇÃO DO KRAUSISMO.
Autor:José Adelino Maltez. Fonte: http://www.iscsp.utl.pt/~cepp/procura_da_
ciencia_politica/35_a_consagracao_do_krausismo.htm
SITES CONSULTADOS
http://www.sgmf.pt
/Cultures/pt/SGMF/Internet/Historia/Cronologia/
http://www.instituto-camoes.pt
/cvc/filosofia/rep1.html
http://bnd.bn.pt/ed/eca_queiros/iconografia
/imagens/pi2662p/pi2662p_teofilo_braga.html
http://www.marxists.org/reference
/subject/philosophy/works/fr/st-simon.htm
http://passavarahp.vila.bol.com.br
/trabalhos/FundadoresePioneiros.doc
http://www.marxists.org/reference
/subject/philosophy/works/fr/comte.htm
http://www.portalmundos.com
/mundofilosofia/espanola/krausismo.htm
http://www.filosofiayderecho.com
/biblioteca-e/krause.htm