Filolau de Cróton
(Fragmentos e Doxografia)

 

 

 

 

Filolau de Cróton

Filolau de Cróton

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Breve Biografia de Filolau

 

 

 

Filolau de Cróton foi médico, astrônomo e um filósofo pitagórico, discípulo de Lísis, que, entre outras ponderações reflexivas, concebeu um sistema referente ao Universo no qual a Terra não era um astro privilegiado, mas, sim, um corpo celeste igual aos outros. Aliás, de passagem, este privilégio absurdo só viria a surgir com a instalação do Catolicismo, uma deturpação escandalosa do Cristianismo Gnóstico original. Atribui-se, tradicionalmente, o ano 470 a.C ao nascimento de Filolau, e o ano 385 a.C à sua morte.

 

Tradicionalmente, é admitido que este filósofo tenha escrito o livro Sobre a Natureza, em que expunha a doutrina pitagórica (que era secreta e reservada apenas aos discípulos). Também, segundo o historiador Diógenes Laércio (~ 240 – 310), escreveu Escritos Pitagóricos. Outro livro de sua autoria tem por título Astronomia. Os fragmentos destes livros conservam os mais antigos relatos sobre o Pitagorismo, e influenciaram fortemente Platão que, segundo a tradição, teria mandado comprar os referidos livros, pagando por ele uma razoável quantia. Os principais discípulos de Filolau foram Arquitas de Tarento, Cebes e Símias; os dois últimos são personagens de importantes diálogos platônicos, Fedon e Criton, respectivamente.

 

Cerca de vinte fragmentos de sua obra chegaram até nós, dentre os quais onze são provavelmente genuínos. Assim como ocorreu com Pitágoras, muitos textos atribuídos a ele foram escritos muito depois de sua morte. Extensas passagens sobre suas idéias, no entanto, foram conservadas e comentadas por Aristóteles e por Estobeu.

 

Enfim, como afirma Roberto Passos Nogueira, Filolau de Cróton, contemporâneo de Platão, foi o primeiro discípulo a divulgar alguns dos dogmas da Escola Pitagórica. Ele dizia que a harmonia resulta da união dos contrários, a unidade da multiplicidade e o acordo das discordâncias. As coisas que são discrepantes entre si, ou seja, aquelas que não têm uma mesma natureza ou têm funções diferentes são justamente as que precisam ser harmonizadas. Como os Alquimistas, os Pitagóricos interpretavam que a perfeição do Universo e do homem é encontrada por uma conjunção dos opostos. Mas, ao contrário dos Alquimistas, os principais símbolos para essa conjunção de opostos usados pelos Pitagóricos não eram os astros, nem os quatro elementos naturais, nem os metais e outras substâncias químicas, mas certas noções puramente racionais e abstratas, como as seguintes, que são citadas por Aristóteles no início de sua obra Metafísica:

Limitado versus Ilimitado
Par versus Ímpar
Um versus Plural
Direita versus Esquerda
Masculino versus Feminino
Repouso versus Movimento
Reto versus Curvo
Iluminado versus Escuro
Bom versus Mau
Quadrado versus Oblongo


 

 

 

Fragmentos Filosóficos

 

 

 

Asseveram os teólogos e os vates antigos que a alma, por determinada expiação, está unida ao corpo e nele enterrada como em um túmulo.

 

Os homens estão em uma espécie de cárcere, e não são mais do que uma das propriedades dos deuses.

 

Aquele que comanda e governa tudo é um Deus-Um, eternamente existente, imutável, imóvel, idêntico a si mesmo, diferente de todas as coisas.

 

Deus mantém todas as coisas como em um cativeiro, e revela que é Um e superior à matéria.

 

É certo que todas as coisas conhecidas têm número, pois, sem ele nada se pode pensar ou conhecer.1

 

A harmonia ('harmóchtê') é a unificação de muitos elementos misturados e a concordância dos discordantes.

 

 

 

 

Teria sido impossível a constituição do Kosmos sem a concorrência da harmonia.

 

Já que o motor age desde toda eternidade e continua eternamente a sua ação, e que o móvel recebe sua maneira de ser do motor que age sobre ele, resulta, necessariamente, daí que uma das partes do mundo imprime sempre o movimento, e que a outra recebe, sempre passiva. Uma é inteiramente o domínio da razão e da alma; a outra, da geração e da mutação. Uma é anterior em potência e superior; a outra, posterior e subordinada. O composto destas duas coisas – do divino eternamente em movimento e da geração sempre mutável – é o Mundo. Eis porque há razão em se dizer que ele é a energia eterna de Deus e do devir, que obedece às Leis da Natureza que muda. O Um permanece eternamente no mesmo estado e idêntico a si mesmo; o resto constitui o domínio da pluralidade, que nasce e que perece. Contudo, as próprias coisas, que perecem, salvam sua essência e sua forma, graças à geração, que reproduz a forma idêntica à do Pai que as engendrou e as modelou.2

 

O Um (Unidade) é o princípio de todas as coisas.

 

Não se deve crer que os Filósofos (os pitagóricos) comecem por princípios, por assim dizer, opostos: eles conhecem o princípio que está colocado acima desses dois elementos, pois é Deus quem hipostatiza3 [sic] o limitado e o ilimitado.

 

É pelo limite que toda série coordenada das coisas se aproxima bastante do Um; e é pela infinidade que se produz a série inferior. Assim, acima desses dois princípios, os Filósofos colocavam a causa única e separada, distinta de tudo pela excelência (valor). É esta causa que Arquenetas chamava a Causa antes da causa; e é ela que, com força, afirma ser o princípio de tudo, e da qual Brontinos diz que ela ultrapassa em potência e em dignidade toda razão e toda essência.

 

O ser que pertence ao mundo (Kosmos) é um composto harmônico de elementos ilimitados e de elementos limitados: é assim tanto no mundo em seu todo, como em todas as coisas que ele encerra.

 

Todos os seres são necessariamente limitados ou ilimitados, ou, ao mesmo tempo, limitados e ilimitados; mas não poderiam ser todos apenas ilimitados. Os seres não podem ser formados nem de elementos que sejam todos limitados nem de elementos que sejam todos ilimitados. O mundo, em seu todo, e os seres, que estão nele, são um composto harmonioso de elementos limitados e de elementos ilimitados. É o que se observa nas obras de arte, (as realizadas pelo homem). Destas, as que são feitas de elementos limitados, são elas limitadas; as que são feitas de elementos limitados e ilimitados são, ao mesmo tempo, limitadas e ilimitadas, e as que são feitas de elementos ilimitados, parecem ilimitadas.

 

Todas as coisas, as que pelo menos são conhecidas, têm números ('arithmôn échonti'); não é possível que uma coisa qualquer seja, ou pensada ou conhecida, sem o número. O número possui duas formas próprias: o ímpar e o par, e uma terceira, proveniente da combinação das duas outras – o par-ímpar. Cada uma destas formas é susceptível de 'formas' muito numerosas, que cada uma individualmente manifesta.4

 

Devem-se julgar as obras e a essência do número pela potência do numero dez (que está na década). Pois ela é grande, completa tudo e causa tudo, principio e guia da vida divina e celeste, como também da humana. Participa do poder do número dez (potência da década). Sem este todas as coisas seriam ilimitadas, incertas e obscuras.

 

 

 

 

A natureza do número dá conhecimento; é guia e mestre para cada um em tudo o que lhe é duvidoso e desconhecido. Se não fosse o número e a sua essência, nada das coisas seria manifesto a ninguém, nem em si mesmas, nem em suas relações com outras. Agora, porém, este torna todas as coisas, ao harmonizá-las na alma com a sensibilidade, cognoscíveis, harmonizando também as suas relações mútuas, de acordo com o 'indicador', revestindo-as de corpos, distinguindo as relações de cada coisa das demais, sejam ilimitadas, sejam limitadas.

 

Podes ver a Natureza e a potência do número desenvolver a sua força não só nas coisas demoníacas e divinas, mas, também, em toda a parte, em todas as ações e palavras humanas, bem como no domínio da técnica e da música.

 

Nem a natureza do número nem a harmonia abrigam em si a falsidade. Pois ela não lhes é própria. A falsidade e a inveja são próprias da natureza do limitado, do insensato e do irracional.

 

A falsidade não se insinua de nenhum modo no número, pois a falsidade é hostil e inimiga de sua natureza, ao contrário da verdade, conforme e congênita à natureza do número.

 

Os corpos (elementos) da esfera do mundo são cinco; os (quatro) que estão na esfera – Fogo, Água, Terra e Ar – e um quinto, o envolvedor da esfera.

 

 

Os Quatro Elementos

Os Quatro Elementos

 

Há quatro princípios nos seres dotados de razão: cérebro, coração, umbigo e órgãos geradores. A cabeça (cérebro) é o principio do entendimento; o coração o da alma e da sensibilidade; o umbigo o do enraizamento e do crescimento do embrião; e os órgãos geradores o da seminação e criação. O cérebro, contudo, indica o princípio do homem, o coração o dos animais, o umbigo o das plantas, os órgãos geradores o de todos, pois tudo floresce e cresce das sementes.

 

Eis o que há quanto à Natureza e à harmonia: a essência das coisas é uma essência eterna; é uma natureza única e divina, cujo conhecimento não pertence ao homem. Contudo, não seria possível que nenhuma das coisas que são, e que por nós são conhecidas, chegassem ao nosso conhecimento, se essa essência não fosse o fundamento interno dos princípios de que o mundo foi formado; ou seja, dos elementos limitados e dos elementos ilimitados. Ora, já que esses princípios não são semelhantes entre si, nem de natureza semelhante, seria impossível que a ardem do mundo fosse formada por eles, se a harmonia não tivesse intervindo, seja de que modo essa intervenção tenha sido produzida. Com efeito, as coisas semelhantes e de natureza semelhante não tiveram necessidade da harmonia; mas as coisas dissemelhantes, que não têm nem uma natureza semelhante nem uma função igual, para poderem ser colocadas no conjunto ligado do mundo, devem estar encadeadas pela harmonia.

 

O igual e aparentado não exige a harmonia; mas o que não é igual nem aparentado, e desigualmente ordenado, necessita ser unido por tal harmonia que possa ser contido em um Kosmos.

 

É da natureza das coisas que o semelhante seja compreendido pelo semelhante.

 

Há certos pensamentos mais fortes do que nós.

 

 

 

Doxografia

 

 

 

É atribuído a Filolau, por Nicômaco de Gerasa, que a harmonia é universalmente o resultado de contrários: que ela é a unidade do múltiplo, o acordo dos discordantes.

 

Em um fragmento citado por Jâmblico (Iamblichus), Filolau afirma que de antemão (a priori), um objeto de conhecimento não pode ser conhecido se ele for apenas ilimitado.

 

Se tudo fosse ilimitado, em principio, não haveria nem mesmo objeto de conhecimento.

 

Conforme Diógenes Laércio: A obra de Filolau Sobre a Natureza iniciava com a seguinte afirmação: a Natureza no ordenamento do mundo ('kosmoí harmóchthê') resultou do acordo de coisas ilimitadas ('ápeira') e limitadas ('peiránonta'), e, assim, o Cosmo inteiro e todas as coisas que estão nele.

 

Conforme Diógenes Laércio: Filolau de Crotona é pitagórico. Dele são os livros, cuja compra Platão encomendou por carta a Díon. Filolau havia escrito uma obra que Platão, durante sua estada na Sicília junto a Dionísio, comprou por 40 minas alexandrinas de prata aos pais de Filolau, do qual ele obteve elementos para seu 'Timeu'.

 

Conforme Diógenes Laércio: As doutrinas pitagóricas permaneceram secretas, até que Filolau publicou estes três famosos livros, os quais Platão adquiriu...

 

Conforme Diógenes Laércio: Acreditava que todas as coisas vêm da necessidade e da harmonia. Foi o primeiro a ensinar que a Terra tem movimento de rotação sobre si mesma. Outros atribuem a primazia deste descobrimento a Hicetas de Siracusa.

 

Conforme Diógenes Laércio: A Natureza, o Cosmo e tudo nele contido formam um todo harmônico – composição de finito e de infinito.

 

Aécio: O pitagórico Filolau afirma o limitado e o ilimitado como princípio.

 

Teo de Esmirna: Há que julgar as atividades e a essência do número pela potência havida no dez. Ele é grande, tudo cumpre, tudo efetua. É princípio da vida divina e celeste, como também da humana. Sem ele, todas as coisas restam ilimitadas, obscuras, imperceptíveis.

 

 

 

 

 

 

 

 

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Notas:

1. Frase atribuída a Pitágoras: Os números são o princípio, a fonte e a raiz de todas as coisas. O Teorema de Pitágoras é provavelmente o mais célebre dos teoremas da matemática. Estabelece uma relação simples entre o comprimento dos lados de um triângulo retângulo: Em qualquer triângulo retângulo, o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos.

 

 

 

 

2. Para a Escola Pitagórica, o número (arithmos) jamais foi considerado a última essência e a razão de ser de tudo quanto há, mas, apenas, a razão próxima das coisas, e não a última.

3. Hipóstase, do grego hypostasis, significa subsistência, realidade, e, para os pensadores da Antigüidade, era a realidade permanente, concreta e fundamental, ou seja, a substância. Na Filosofia de Plotino (205 – 270), Deus se deriva em três hipóstases – Uno, Nous e Alma – que ele comparava, respectivamente, à luz, ao Sol e à Lua. Na Escolástica de Tomás de Aquino (1227 – 1274), ente individual, caracterizado por sua concretude, unidade, delimitação e determinação, isto é, a substância primeira. Segundo a reflexão moderna e contemporânea, hipóstase é um equívoco cognitivo que se caracteriza pela atribuição de existência concreta e objetiva (existência substancial) a uma realidade fictícia, abstrata ou meramente restrita à incorporaliadde do pensamento humano.

4. Conforme Carl Huffman, apud Gabriele Cornelli, atualmente o maior estudioso de Filolau, a expressão 'têm números' deve ser compreendida, no rastro da compreensão grega dos 'arithmoí' como pluralidade ordenada, no sentido de que a realidade é constituída por uma pluralidade ordenada. Mas, penso que esta pluralidade ordenada, quando se torna autoconsciente, vai entrando lentamente no sonho quimérico da individualidade desordenada, pois a descida que precede a subida implica em ilusão, egolatria e treva (Noite Negra), não necessariamente nesta ordem.

 

Bibliografia:

BORNHEIM, Gerd A. Filolau de Crotona. in: Os filósofos pré-socráticos, São Paulo, Cultrix, 1967, pp. 85-8.

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.scribd.com/doc/6749750/907-
Os-FilOsofos-PrESocrAticos-Gerd-a-Bornheim

http://www.adorofisica.com.br/
trabalhos/alkimia/mat2/TRAB1.htm

http://www.templodeapolo.net/
civilizacoes/grecia/filosofia/presocraticos/

http://leiturasdahistoria.uol.com.br/
ESLH/Edicoes/3/artigo65970-2.asp

http://www.letras.ufrj.br/
proaera/UERJ2009.pdf

http://www.templodeapolo.net/

http://www.puc-rio.br/
parcerias/sbp/pdf/9-gabrieller.pdf

http://books.google.com.br/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Hip%C3%B3stase

http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/
modules/wfsection/article.php?articleid=534

http://www.sophia.bem-vindo.net/
tiki-index.php?page=Filolau

http://greciantiga.org/
arquivo.asp?num=0709

http://pt.wikipedia.org/
wiki/Filolau_de_Crotona

 

Fundo musical:

Pietà, Signore!
Compositor: Alessandro Stradella (1645-1682)

Fonte:

http://www.mayasmidi.mus.br/cancoes_italianas.htm