Filolau
de Cróton foi médico, astrônomo e um filósofo
pitagórico, discípulo de Lísis, que, entre outras ponderações
reflexivas, concebeu um sistema referente ao Universo no qual a Terra não
era um astro privilegiado, mas, sim, um corpo celeste igual aos outros.
Aliás, de passagem, este privilégio absurdo só viria
a surgir com a instalação do Catolicismo, uma deturpação
escandalosa do Cristianismo Gnóstico original. Atribui-se, tradicionalmente,
o ano 470 a.C ao nascimento de Filolau, e o ano 385 a.C à sua morte.
Tradicionalmente,
é admitido que este filósofo tenha escrito o livro Sobre
a Natureza, em que expunha a doutrina pitagórica (que era secreta
e reservada apenas aos discípulos). Também, segundo o historiador
Diógenes Laércio (~ 240 – 310), escreveu Escritos
Pitagóricos. Outro livro de sua autoria tem por título
Astronomia. Os fragmentos destes livros conservam os mais antigos
relatos sobre o Pitagorismo, e influenciaram fortemente Platão que,
segundo a tradição, teria mandado comprar os referidos livros,
pagando por ele uma razoável quantia. Os principais discípulos
de Filolau foram Arquitas de Tarento, Cebes e Símias; os dois últimos
são personagens de importantes diálogos platônicos,
Fedon e Criton, respectivamente.
Cerca
de vinte fragmentos de sua obra chegaram até nós, dentre os
quais onze são provavelmente genuínos. Assim como ocorreu
com Pitágoras, muitos textos atribuídos a ele foram escritos
muito depois de sua morte. Extensas passagens sobre suas idéias,
no entanto, foram conservadas e comentadas por Aristóteles e por
Estobeu.
Enfim,
como afirma Roberto Passos Nogueira, Filolau de Cróton, contemporâneo
de Platão, foi o primeiro discípulo a divulgar alguns dos
dogmas da Escola Pitagórica. Ele dizia que a harmonia resulta da
união dos contrários, a unidade da multiplicidade e o acordo
das discordâncias. As coisas que são discrepantes entre si,
ou seja, aquelas que não têm uma mesma natureza ou têm
funções diferentes são justamente as que precisam ser
harmonizadas. Como os Alquimistas, os Pitagóricos interpretavam que
a perfeição do Universo e do homem é encontrada por
uma conjunção dos opostos. Mas, ao contrário dos Alquimistas,
os principais símbolos para essa conjunção de opostos
usados pelos Pitagóricos não eram os astros, nem os quatro
elementos naturais, nem os metais e outras substâncias químicas,
mas certas noções puramente racionais e abstratas, como as
seguintes, que são citadas por Aristóteles no início
de sua obra Metafísica:
Limitado
versus Ilimitado
Par versus Ímpar
Um versus Plural
Direita versus Esquerda
Masculino versus Feminino
Repouso versus Movimento
Reto versus Curvo
Iluminado versus Escuro
Bom versus Mau
Quadrado versus Oblongo
Fragmentos
Filosóficos
Asseveram
os teólogos e os vates antigos que a alma, por determinada expiação,
está unida ao corpo e nele enterrada como em um túmulo.
Os
homens estão em uma espécie de cárcere, e não
são mais do que uma das propriedades dos deuses.
Aquele
que comanda e governa tudo é um Deus-Um, eternamente existente, imutável,
imóvel, idêntico a si mesmo, diferente de todas as coisas.
Deus
mantém todas as coisas como em um cativeiro, e revela que é
Um e superior à matéria.
É
certo que todas as coisas conhecidas têm número,
pois, sem ele nada se pode pensar ou conhecer.1
A harmonia ('harmóchtê')
é a unificação de muitos elementos misturados e a concordância
dos discordantes.
Teria
sido impossível a constituição do Kosmos
sem a concorrência da harmonia.
Já que o motor age desde toda
eternidade e continua eternamente a sua ação, e que o móvel
recebe sua maneira de ser do motor que age sobre ele, resulta, necessariamente,
daí que uma das partes do mundo imprime sempre o movimento, e que
a outra recebe, sempre passiva. Uma é inteiramente o domínio
da razão e da alma; a outra, da geração e da mutação.
Uma é anterior em potência e superior; a outra, posterior e
subordinada. O composto destas duas coisas – do divino eternamente
em movimento e da geração sempre mutável – é
o Mundo. Eis porque há razão em se dizer que ele é
a energia eterna de Deus e do devir, que obedece às Leis da Natureza
que muda. O Um permanece eternamente no mesmo estado e idêntico a
si mesmo; o resto constitui o domínio da pluralidade, que nasce e
que perece. Contudo, as próprias coisas, que perecem, salvam sua
essência e sua forma, graças à geração,
que reproduz a forma idêntica à do Pai que as engendrou e as
modelou.2
O
Um (Unidade) é
o princípio de todas as coisas.
Não se deve crer que os Filósofos
(os pitagóricos) comecem
por princípios, por assim dizer, opostos: eles conhecem o princípio
que está colocado acima desses dois elementos, pois é Deus
quem hipostatiza3
[sic] o
limitado e o ilimitado.
É
pelo limite que toda série coordenada das coisas se aproxima bastante
do Um; e é pela infinidade que se produz a série inferior.
Assim, acima desses dois princípios, os Filósofos colocavam
a causa única e separada, distinta de tudo pela excelência
(valor). É
esta causa que Arquenetas chamava a Causa antes da causa; e é ela
que,
com força,
afirma ser o princípio de tudo, e da qual Brontinos diz que ela
ultrapassa em potência e em dignidade toda razão e toda essência.
O ser que pertence ao mundo (Kosmos)
é um composto harmônico de elementos ilimitados e de elementos
limitados: é assim tanto no mundo em seu todo, como em todas as coisas
que ele encerra.
Todos
os seres são necessariamente limitados ou ilimitados, ou, ao mesmo
tempo, limitados e ilimitados; mas não poderiam ser todos apenas
ilimitados. Os seres não podem ser formados nem de elementos que
sejam todos limitados nem de elementos que sejam todos ilimitados. O mundo,
em seu todo, e os seres, que estão nele, são um composto harmonioso
de elementos limitados e de elementos ilimitados. É o que se observa
nas obras de arte, (as realizadas
pelo homem). Destas, as que são feitas de elementos limitados,
são elas limitadas; as que são feitas de elementos limitados
e ilimitados são, ao mesmo tempo, limitadas e ilimitadas, e as que
são feitas de elementos ilimitados, parecem ilimitadas.
Todas
as coisas, as que pelo menos são conhecidas, têm números
('arithmôn échonti');
não é possível que uma coisa qualquer seja, ou pensada
ou conhecida, sem o número. O número possui duas formas próprias:
o ímpar e o par, e uma terceira, proveniente da combinação
das duas outras – o par-ímpar. Cada uma destas formas é
susceptível de 'formas' muito numerosas, que cada uma individualmente
manifesta.4
Devem-se
julgar as obras e a essência do número pela potência
do numero dez (que está na década). Pois ela é grande,
completa tudo e causa tudo, principio e guia da vida divina e celeste, como
também da humana. Participa do poder do número dez (potência
da década). Sem este todas as coisas seriam ilimitadas, incertas
e obscuras.
A
natureza do número dá conhecimento; é guia e mestre
para cada um em tudo o que lhe é duvidoso e desconhecido. Se não
fosse o número e a sua essência, nada das coisas seria manifesto
a ninguém, nem em si mesmas, nem em suas relações com
outras. Agora, porém, este torna todas as coisas, ao harmonizá-las
na alma com a sensibilidade, cognoscíveis, harmonizando também
as suas relações mútuas, de acordo com o 'indicador',
revestindo-as de corpos, distinguindo as relações de cada
coisa das demais, sejam ilimitadas, sejam limitadas.
Podes
ver a Natureza e a potência do número desenvolver a sua força
não só nas coisas demoníacas e divinas, mas, também,
em toda a parte, em todas as ações e palavras humanas, bem
como no domínio da técnica e da música.
Nem
a natureza do número nem a harmonia abrigam em si a falsidade. Pois
ela não lhes é própria. A falsidade e a inveja são
próprias da natureza do limitado, do insensato e do irracional.
A falsidade não se insinua
de nenhum modo no número, pois a falsidade é hostil e inimiga
de sua natureza, ao contrário da verdade, conforme e congênita
à natureza do número.
Os corpos (elementos)
da esfera do mundo são cinco; os (quatro)
que estão na esfera – Fogo, Água, Terra e
Ar – e um quinto, o envolvedor da esfera.
Os
Quatro Elementos
Há quatro princípios
nos seres dotados de razão: cérebro, coração,
umbigo e órgãos geradores. A cabeça (cérebro)
é o principio do entendimento; o coração o da alma
e da sensibilidade; o umbigo o do enraizamento e do crescimento do embrião;
e os órgãos geradores o da seminação e criação.
O cérebro, contudo, indica o princípio do homem, o coração
o dos animais, o umbigo o das plantas, os órgãos geradores
o de todos, pois tudo floresce e cresce das sementes.
Eis o que há quanto à
Natureza e à harmonia: a essência das coisas é uma essência
eterna; é uma natureza única e divina, cujo conhecimento não
pertence ao homem. Contudo, não seria possível que nenhuma
das coisas que são, e que por nós são conhecidas, chegassem
ao nosso conhecimento, se essa essência não fosse o fundamento
interno dos princípios de que o mundo foi formado; ou seja, dos elementos
limitados e dos elementos ilimitados. Ora, já que esses princípios
não são semelhantes entre si, nem de natureza semelhante,
seria impossível que a ardem do mundo fosse formada por eles, se
a harmonia não tivesse intervindo, seja de que modo essa intervenção
tenha sido produzida. Com efeito, as coisas semelhantes e de natureza semelhante
não tiveram necessidade da harmonia; mas as coisas dissemelhantes,
que não têm nem uma natureza semelhante nem uma função
igual, para poderem ser colocadas no conjunto ligado do mundo, devem estar
encadeadas pela harmonia.
O
igual e aparentado não exige a harmonia; mas o que não é
igual nem aparentado, e desigualmente ordenado, necessita ser unido por
tal harmonia que possa ser contido em um Kosmos.
É
da natureza das coisas que o semelhante seja compreendido pelo semelhante.
Há certos pensamentos mais
fortes do que nós.
Doxografia
É
atribuído a Filolau, por Nicômaco de Gerasa, que a
harmonia é universalmente o resultado de contrários: que ela
é a unidade do múltiplo, o acordo dos discordantes.
Em
um fragmento citado por Jâmblico (Iamblichus), Filolau afirma que
de antemão
(a priori),
um objeto de conhecimento não pode ser conhecido se ele
for apenas
ilimitado.
Se
tudo fosse ilimitado, em principio, não haveria nem mesmo objeto
de conhecimento.
Conforme
Diógenes Laércio:
A obra de Filolau Sobre a Natureza iniciava com a seguinte afirmação:
a Natureza no ordenamento do mundo ('kosmoí harmóchthê')
resultou do acordo de coisas ilimitadas ('ápeira') e limitadas ('peiránonta'),
e, assim, o Cosmo inteiro
e todas
as coisas que estão nele.
Conforme
Diógenes Laércio: Filolau
de Crotona é pitagórico. Dele são os livros, cuja compra
Platão encomendou por carta a Díon. Filolau
havia escrito uma
obra que Platão, durante sua estada na Sicília
junto a Dionísio, comprou por 40 minas alexandrinas de prata aos
pais de Filolau, do qual ele obteve elementos para seu 'Timeu'.
Conforme
Diógenes Laércio: As
doutrinas pitagóricas permaneceram secretas, até que Filolau
publicou estes três famosos livros, os quais Platão adquiriu...
Conforme
Diógenes Laércio:
Acreditava que todas as coisas vêm da necessidade e da harmonia. Foi
o primeiro a ensinar que a Terra tem movimento de rotação
sobre si mesma. Outros atribuem a primazia deste descobrimento a Hicetas
de Siracusa.
Conforme
Diógenes Laércio:
A Natureza, o Cosmo e tudo nele contido formam um todo harmônico –
composição de finito e de infinito.
Aécio:
O
pitagórico Filolau afirma o limitado e o ilimitado como princípio.
Teo
de Esmirna: Há que julgar as atividades e a essência
do número pela potência havida no dez. Ele é grande,
tudo cumpre, tudo efetua. É princípio da vida divina e celeste,
como também da humana. Sem ele, todas as coisas restam ilimitadas,
obscuras, imperceptíveis.