FERREIRA GULLAR
(Pensamentos e Poemas)

 

 

 

Ferreira Gullar

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

Objetivo do Estudo

 

 

 

Hoje, vamos fazer juntos uma relembrança do que andou, pela vida, dizendo José Ribamar, não o excelentíssimo Presidente Sarney, mas o superlativo Poeta Ferreira Gullar.

 

 

 

Nota Biográfica

 

 

 

Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira (São Luís, 10 de setembro de 1930) é um poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista, ensaísta brasileiro e um dos fundadores do Neoconcretismo (movimento dissidente do Concretismo paulista, encabeçado por teóricos, artistas e poetas radicados no Rio de Janeiro, que defendia especialmente a necessidade do subjetivismo na poesia concreta e, nas artes plásticas, de um lirismo pessoal e liberdade no uso das cores).

 

 

Vincent Willem van Gogh (1853 – 1890)

 

Sobre o pseudônimo, o poeta declarou o seguinte: Gullar é um dos sobrenomes de minha mãe, o nome dela é Alzira Ribeiro Goulart, e Ferreira é o sobrenome da família. Eu, então, me chamo José Airton Dalass Coteg Sousa Ribeiro Dasciqunta Ribamar Ferreira; mas como todo mundo no Maranhão é Ribamar, eu decidi mudar meu nome, e fiz isso. Usei o Ferreira, que é do meu pai, e o Gullar, que é de minha mãe, só que eu mudei a grafia porque o Gullar de minha mãe é o Goulart francês. É um nome inventado. Como a vida é inventada, eu inventei o meu nome.

 

 

 

Pensamentos e Poemas de Gullar

 

 

 

 

Traduzir-se

 

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte –
será arte?

 

 

 

Somos todos irmãos não porque dividamos o mesmo teto e a mesma mesa; divisamos a mesma espada sobre nossa cabeça.

 

Em face da imprevisibilidade da vida, inventamos Deus, que nos protege da bala perdida.

 

A arte existe porque a vida não basta!

 

 

Mona Lisa
(Leonardo da Vinci)

 

Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.

 

 

 

Aqui me tenho como não me conheço nem me quis, sem começo nem fim. Aqui me tenho sem mim, nada lembro, nem sei.

 

Não quero saber do sofrimento; quero é felicidade. Não gosto de fazer lamúrias. Uma vez, discuti feio sobre determinada situação. Fiquei sozinho em casa, cheio de razão e triste pra cacete. Então, pra que querer ter sempre razão? Não quero ter razão; quero é ser feliz!

 

 

 

Metade

 

Que a força do medo que eu tenho
não me impeça de ver o que anseio.

Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos e a boca.

Porque metade de mim é o que eu grito,
mas a outra metade é silêncio...

Que a música que eu ouço ao longe
seja linda, ainda que triste...

Que a mulher que eu amo
seja para sempre amada,
mesmo que distante.

Porque metade de mim é partida,
mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor,
apenas respeitadas
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos.

Porque metade de mim é o que ouço,
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz
que eu mereço.

E que essa tensão
que me corrói por dentro
seja um dia recompensada.

Porque metade de mim é o que eu penso,
mas a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
e que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.

Que o espelho reflita em meu rosto
um doce sorriso,
que me lembro ter dado na infância.

Porque metade de mim
é a lembrança do que fui;
a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso
mais do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.

E que o teu silêncio
me fale cada vez mais.

Porque metade de mim é abrigo,
mas a outra metade é cansaço.

Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saiba.

E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê-la florescer.

Porque metade de mim é platéia
e a outra metade é canção.

E que a minha loucura seja perdoada.

Porque metade de mim é amor,
e a outra metade...


 

 

Estou na caridade da evolução do meu ser. Quero ser menina, encontro-me mulher... Quero ser mulher, vejo-me menina...

 

Saio do sono como
de uma batalha
travada em
lugar algum...

 

Do mesmo modo que te abriste à alegria,
abre-te agora ao sofrimento,
que é fruto dela
e seu avesso ardente.

 

Mas essa é a natureza do amor, comparável à do vento: fluido e arrasador.

 

 

 

Dois e Dois São Quatro

 

Como dois e dois são quatro,
Sei que a vida vale a pena.
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena,
Como teus olhos são claros
E a tua pele morena
como é azul o oceano
E a lagoa, serena.

Como um tempo de alegria
Por trás do terror me acena
E a noite carrega o dia
No seu colo de açucena,

sei que dois e dois são quatro,
sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade pequena.


 

... porque nada do que foi feito satisfaz a vida; nada enche a vida. A vida é viver.

 

Uma parte de mim
é todo mundo;
outra parte é ninguém,
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão;
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera;
outra parte
delira.

 

De noite, como a luz é pouca, a gente tem impressão de que o tempo não passa ou pelo menos não escorre como escorre de dia.

 

Muito me criticam por ter feito uma reavaliação da arte de vanguarda.1 Conservadora é a vanguarda,que tem nas mãos todos os prêmios oficiais. A vanguarda ampliou nosso campo de visão, mas chegou ao esgotamento.

 

 

 

Cantiga Para Não Morrer


Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento.


 

 

Durante boa parte da vida achei que o poeta, o artista, tinha de mudar a consciência das pessoas e fazer da sua obra um instrumento dessa mudança. Hoje, acho que, antes de fazer arte com esta ou aquela finalidade, você tem que fazer arte de fato.

 

Sinceramente, eu sei que não é o presidente que decide tudo, mas o que está acontecendo aí não é por acaso. Tem coisas que surpreenderam a todo mundo, inclusive a mim, que é a corrupção. Aí, realmente, com essa eu não contava. Eu contava com um fracasso administrativo, agora, com roubo, realmente, eu não contava.

 

Eu não decido o que vou escrever; eu decido as minhas contas.

 

No Dia do Trabalho ninguém trabalha!

 

Em minha casa não havia livros; só o X-9.2

 

 

 

 

Em 1949, estava chegando a São Luís [Maranhão] o Movimento de 1922!3

 

Promessa depende quem promete.

 

Nós somos a nossa história. Somos o que nascemos, o que comemos, o que vivemos, o que inventamos... Nós somos isso.

 

Eu não ando de avião!

 

 

 

Não Há Vagas

 


O preço do feijão
não cabe no poema.
O preço do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema
o gás, a luz, o telefone,
a sonegação do leite,
da carne, do açúcar, do pão.

O funcionário público
não cabe no poema,
com seu salário de fome
sua vida fechada em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário que esmerila
seu dia de aço e carvão
nas oficinas escuras,

porque o poema, senhores,
está fechado:
'não há vagas.'

Só cabem no poema
o homem sem estômago,
a mulher de nuvens,
a fruta sem preço,

O poema, senhores,
não fede nem cheira
.


 

 

Todos nós escrevemos para o outro.

 

Escrevo sem planejamento, à medida que a vida me surpreende e me comove.

 

É impossível definir o que é poesia. Para mim, a poesia sempre foi uma grande aventura.

 

A poesia nasce de repente; não faz barulho. Pode acontecer no meio da rua e ninguém vai perceber.

 

A poesia chega à hora que ela quer; não é o poeta que decide. A poesia é um estado da alma. Todas as possibilidades passam a existir diante da página em branco. Então, começa a nascer uma coisa que poderia não ter nascido, que poderia ter nascido diferente...

 

A poesia é mágica!

 

Exílio... Perplexidade... Indagação sem fim... Sem sentido... Viver ou sobreviver?

 

Eu não posso castigar quem não faz melhor porque não pode. Quem quer fazer poesia e não pode não merece castigo. Eu jamais fiz uma crítica implacável contra qualquer artista. Eu sempre fui contra qualquer crítica brutal, esmagadora, destruidora.

 

 

Ferreira Gullar

 

A vida é acaso e probabilidade.

 

O poema é uma aventura que não se sabe aonde vai chegar. Ele nasce das circunstâncias.

 

A vida é inventada, não é só o poema. Nós nos inventamos.

 

As coisas são feitas por acaso; depois, se tornam necessárias em nossa vida, e acabam correspondendo às nossas necessidades.

 

A poesia não pode ser feita matematicamente.4

 

 

Solidariedade!
(Fatorial de Solidariedade)

 

 

A poesia é um fenômeno cultural, espiritual, como outro qualquer.

 

Não faço planos. Vivo o presente e invento a cada momento o futuro.

 

Alguns poetas tiveram grande importância em minha formação, entre eles Rilke, Eliot, Drummond, Rimbaud e Murilo Mendes.

 

 

 

Nova Canção do Exílio

 


Minha amada tem palmeiras
Onde cantam passarinhos,
e as aves que ali gorjeiam
em seus seios fazem ninhos.
Ao brincarmos sós à noite
nem me dou conta de mim:
seu corpo branco na noite
luze mais do que o jasmim.
Minha amada tem palmeiras
tem regatos tem cascata,
e as aves que ali gorjeiam
são como flautas de prata.
Não permita Deus que eu viva
perdido noutros caminhos,
sem gozar das alegrias
que se escondem em seus carinhos,
sem me perder nas palmeiras
onde cantam os passarinhos.


 

 

A poesia é o presente.

 

A poesia,
Quando chega,
Não respeita nada.

E promete incendiar o País.

 

Estou convencido de que a gente inventa a fala a cada momento, a cada pergunta que nos fazem ou idéia que queremos comunicar.

 

Para internar uma pessoa antes da aprovação da lei federal 10.216 (aprovada em 2001), a família precisaria pedir autorização de um juiz. Felizmente, isto foi retirado do texto final. Imagine o que é ter em casa um garoto em estado delirante – às vezes, falando sem parar da noite até o dia seguinte. Os pais tentam dar remédio, tentam conversar; nada funciona. Nesta situação, o único recurso é internar. Você sente que a pessoa está saindo do controle, e pode fazer uma loucura qualquer. Imagine ter de aguardar autorização de um juiz para internar um paciente numa situação de emergência. Que juiz? Aquele que nunca encontramos na justiça eficiente que temos? Imagine o desastre que isto seria... Ninguém agüenta uma pessoa em estado de delírio dentro de casa.

 

A raiz ideológica da psiquiatria democrática é a idéia de que não existe doença. A sociedade é que é culpada porque é burguesa. Quando eu estava exilado em Buenos Aires, nos anos 70, fui conversar com os médicos no hospital onde meu filho Paulo (hoje com 50 anos) havia sido internado depois de um surto. Uma médica veio conversar comigo e disse que o problema não era do meu filho. Era da família e da sociedade. Disse para ela: 'então me interna.'

 

Aos oitenta anos, não há diferença. A vida segue, independentemente de idade.

 

Esse é o meu lado maluco! Eu queria ir além do que é possível ir; sempre busquei o impossível! Eu queria que a linguagem nascesse junto com o poema! Isto é uma coisa difícil!

 

O que faz eu saber que tenho oitenta anos de idade são as perdas, os amigos, as pessoas queridas... Só com oitenta anos a gente acumula tanta perda!

 

Eu escrevo pouco sobre Literatura. Escrevo mais sobre reflexões, convívios, descobertas. Teoria sobre Literatura não me interessa; eu não quero saber disso.

 

Eu não escrevo por encomenda.

 

Que a luta não esmorece
agora que o camponês,
cansado de fazer prece
e de votar em burguês,
se ergue contra a pobreza
e outra voz já não escuta,
só a que o chama pra luta
– voz da Liga Camponesa.

 

Naquela terra querida,
que era sua e que não era,
onde sonhara com a vida,
mas nunca viver pudera,
ia morrer sem comida
aquele de cuja lida
tanta comida nascera.

 

Aparecida, esta moça
cuja história vou contar,
não teve glória nem fama
de que se possa falar.
Não teve nome distinto:
criança brincou na lama,
fez-se moça sem ter cama,
nasceu na Praia do Pinto,
morreu no mesmo lugar.

 

Tio Sam também chegou
todo de fraque e cartola.
Virou-se pra Zé Molesta
e lhe disse: 'Tome um dólar,
que brasileiro só presta
para receber esmola.'
Está acabada a disputa,
meta no saco a viola.
Zé Molesta olhou pra ele,
lhe disse: 'Não quero não.
Não vim lhe pedir dinheiro
mas lhe dar uma lição.
Não pense que com seu dólar
compra minha opinião,
que eu não me chamo Lacerda
nem vivo de exploração.'

 

A arte quer ir além da razão.

 

No processo do movimento concretista, eu, que sempre fui uma pessoa muito crítica – e autocrítica – percebi que aquilo, que se justificava pelo momento histórico, tinha se esgotado, e que caminhar na mesma direção seria destruir a poesia mesmo.

 

O homem não faz poesia para sair da vida; ele faz poesia para ter coragem de viver. Além disso, há o fato de que o homem nasce para morrer. Então, nada tem sentido. E por isso a religião existe, porque ela é a resposta para isso, porque ninguém agüenta...

 

Em uma certa altura da sua vida, quando você leva uma porção de cacetadas, é que a morte passa a existir, porque, no começo, a morte é apenas ficção. Você sabe que se morre, mas você não pensa que você vai morrer. Mas, no momento que ela passa a existir, no momento que morre seu filho, aí é verdade... Na hora que morre o seu amigo querido, aquele que lutou com você, que era seu companheiro (ou sua companheira) e que não existe mais, aí...

 

A morte é um tema permanente em minha poesia, e eu sempre achei insuportável ter que morrer. A minha poesia está cheia disso, dessa luta com a morte.

 

Talvez, o homem seja constituído de maneira a não conhecer a realidade toda de uma vez, porque, se fosse assim, acho que ele não agüentava...

 

A verdade absoluta não existe.

 

Não é possível imaginar que algum dia era nada, mas é fascinante imaginar que cada um de nós faça parte dessa coisa extraordinária que é o Universo.

 

Cada poema, que nasce de uma experiência, de uma emoção, de uma descoberta, tem que gerar sua própria forma.

 

Eu sempre fiz poesia a partir da vida, a partir da experiência.

 

As pêras, no prato,
apodrecem.
O relógio, sobre elas,
mede a sua morte.

 

Se você não chegar à emoção, você não chegará à poesia.

 

A Academia [Brasileira de Letras] é anacrônica, é. Não serve para nada. Para que serve a Academia? A Academia não tem função alguma. É uma instituição meramente consagratória. Mas aí ela peca. Porque ela consagra, muitas vezes, quem não tem razão de ser consagrado.

 

O Conselho Federal de Cultura é outra inutilidade. Veja vem, o Conselho não 'aconselha'! Pode até aconselhar, mas o Ministro [da Cultura] não ouve! Então, serve para quê? Não serve para nada.

 

O poema é um processo de transformação da linguagem. É o local onde este processo se dá. É como uma caldeira, na siderurgia, onde se bota cascalho e vira metal. E o local onde a expressão 'filho-da-puta' vira poesia.

 

A única função da poesia é comover as pessoas, e não apenas no sentido de despertar emoções. Porque a poesia lida com o teu lado de vida verdadeiro, com o teu lado de existência: com o amor, com o afeto, com a morte, com a perda. E isto não há computador que resolva. Porque o cara pode estar lá no computador escrevendo, mas se a mulher que ele ama for embora, ele endoida, e vai sofrer da mesma forma que sofria o cara que escrevia com pena de pato. Se a vida do cara não tem alegria, não se preenche, ele sofre, independente da televisão estar botando festa sem parar. Sofre até mais. A poesia é permanente porque lida com o que é permanente no ser humano. Há muita festa na televisão. Hoje, essa multidão que vai ver o Lulu Santos — centenas de pessoas pulando e berrando, parece coisa primitiva, primária. Nem a música que o cara está tocando está sendo ouvida. É só pular e gritar. Isto é para passar o tempo, é uma forma da juventude se enganar, se atordoar, e isto tem muito a ver com os tóxicos também. Não está desligado. Esta música, esta histeria, esta gritaria, é tudo um delírio. É tudo junto. E a verdade é que um garoto que agora tem 17 anos, daqui a pouco terá 37, depois 47. E aí? Então, se o cara não se enriquece com o teatro, com a poesia, com o romance, com a música, que dão o que a realidade não dá – e empobrece a arte com banalidades – com essa arte de massa, aí é o fim. Porque a arte de massa é o contrário da arte: é a banalidade. Quando a arte procura criar um mundo permanente, um mundo da fantasia, um outro mundo para o homem, a arte de massa banaliza, e isto é conseqüentemente a banalização do ser humano. Alguns podem dizer: 'Ah, esses caras que ficam pensando em emoção são uns babacas, uns velhos'. Mas eles vão descobrir, mais tarde, que a vida está esperando por eles na esquina. E, de repente, eles se sentem uns bostas que não têm onde se apoiar. E aí vem aquela pergunta de Verlaine: 'O que fizeste da tua juventude?' Eu não estou dizendo que o cara deva ficar encucado, lendo o tempo todo, mas estou dando uma opinião crítica sobre esta ilusão que supõe que a poesia acabou porque um pessoal vive tocando guitarra e pulando. No meio disso, no entanto, tem muito jovem que está noutra. E, a cada dia que passa, tem mais jovens que estão noutra, por que aquilo é uma minoria. Parece maioria porque se colocam 20 mil pessoas berrando no Maracanãzinho. Mas o que são 20 mil em uma Cidade de 8 milhões de pessoas? Não é nada. E mesmo que você multiplique isso pela televisão e dê 1 milhão, continua minoria...

 

A Literatura e a arte são mundos fantásticos, são criações extraordinárias do ser humano. O 'mundo' que o homem criou com a sua fantasia foi para ele 'habitar', porque a Natureza é freqüentemente burocrática e assustadora. A Natureza é boa quando você está na praia. Mas, na verdade, ela é impenetrável, e o homem só se sente bem no universo humano. Por isto, ele criou a cultura, a arte, a linguagem, os significados e até a religião. A religião é uma das mais fantásticas criações do ser humano. Primeiro porque ela é a resposta à Pergunta Fundamental, ao problema do Sentido da Existência. Ela é a resposta, pois a Filosofia não tem resposta pra isto.

 

É uma coisa tão poderosa essa fantasia do ser humano criando a religião que gerou obras de arte fantásticas. É só você imaginar todas as catedrais góticas, românicas, barrocas, toda uma arquitetura, toda uma escultura, espalhadas pelo mundo inteiro e criadas pela religião, pela idéia de que existe um Deus. É uma coisa fantástica! E veja bem: se Deus não existe, é mais fantástico ainda! Porque aí é piração total! Mas isto é o mundo humano, que o ser humano criou em cima da Natureza. E ao mesmo tempo um rio cheio de significados. Porque o homem quando ergue uma catedral, a quantidade de elementos simbólicos que potencialmente existem ali nem ele sabe, e que depois vai se multiplicando e se tornando indecifrável, e se reproduzindo na imaginação de outros homens, mulheres e crianças.

 

O Socialismo é uma tentativa de o homem criar a sociedade justa. Porque o homem não tolera injustiça. É próprio do ser humano não aceitar a injustiça, a desigualdade. Você pode até ser injusto, mas você quer justificar o seu ato porque não aceita ser injusto. Então, o Socialismo, como o Comunismo, é uma tentativa de chegar a esta sociedade justa. Porque o Capitalismo é uma força da Natureza: ele fecunda e destrói. Gera riqueza mas não gera igualdade. Então, morra quem morrer, porque ele vai levando tudo de roldão que nem um rio caudaloso. O que o Socialismo pretende é que o processo social seja gerador de riquezas, mas sem injustiça. E a divisão da riqueza é a igualdade. Logo, todas as concepções que compõem os ideários socialista e comunista visam estabelecer a eqüidade da distribuição da riqueza, acabar com a injustiça. Porém, o que a história mostrou foi que, ao por em prática essa idéia, não deu certo. E por "n" razões que não cabe analisar aqui. Mas os problemas surgidos na tentativa de por em prática o Socialismo, de chegar à sociedade comunista, à sociedade sem classes, foram de tal ordem, que inviabilizaram sua realização. E você poderá dizer: 'não, mas é porque o caminho tomado foi errado, ou porque se sectarizou, ou por isto ou por aquilo'. Mas a verdade é que a vida é muito complexa para ser planejada inteiramente. O que a experiência mostrou na União Soviética e nos outros países socialistas é que, quando você planeja, tende a enrijecer, e quando você tira os meios de produção da mão da iniciativa individual e põe na mão do Estado, ele tem que planejar tudo, tem que produzir tudo, então, ele tem que virar uma espécie de entidade onisciente que sabe tudo... E aí chegamos ao centro da contradição: se o Marxismo produz automóveis demais, irá ter prejuízo, desempregar gente, e aí há um desastre porque produziu mais do que o mercado poderia consumir. Mas aí você planeja e produz ou de mais ou de menos, e começa a escassear, como ocorria na União Soviética. Eles produziam, por exemplo, presunto de qualidade 'x'. Você conseguia comprar este presunto uma vez na sua vida e nunca mais achava de novo, porque sumia de tudo que é lugar. E isto era no calçado, na roupa, no eletrodoméstico, e você terminava empobrecendo. Se você planeja a produção de paletó em escala, você produz tamanhos pequeno, médio e grande. Mas aí tem gente magra demais, gorda demais, e você encontra na rua um cara com paletó pequeno demais, outro com um enorme. Isto sem contar que não tem a sofisticação da roupa ocidental, e outras coisas. Estes exemplos são só para não entrar em questões mais complexas da Economia. Então, o que a experiência demonstrou é que o projeto de planejamento centralizado não dá certo. E sem contar que no plano cultural isto gera coisas absurdas. Eu conversei com um poeta, lá (em Moscou) sobre o problema da revista literária, e questionei se um poeta jovem, que fizesse uma poesia diferente, levasse seus poemas para revista literária — que é do Estado — se eles publicariam? Ele disse: 'não, não publicam, porque quem dirige a revista do Estado não é um grande poeta, mas um escritor que preferiu ser diretor de revista do que ser poeta'. Aí ele me perguntou: 'Lá na sua terra é o Drummond que dirige os suplementos literários ou grandes revistas, não é?' 'Aqui é mais grave' – ele falou – ' porque o cara que está dirigindo a revista é membro do Partido, para poder dirigi-la. Se ele publicar um poema literariamente subversivo ele é cobrado e destituído do cargo.' Então, 'a priori', ele não aceita mudança nenhuma. Tudo que é diferente ele não publica. Logo, a Literatura pára. E isto se estende à arte e por aí afora porque começam a existir interesses partidários dentro do processo cultural. O cara quer defender o cargo dele...

 

 

 

O esforço todo do poeta é revelar que a palavra é vida.

 

 

 

 

 

 

 

______

Notas:

1. O termo vanguarda significa, no seu sentido literal, a primeira linha de um exército em ordem de batalha, a guarda avançada que abre a marcha, o corpo militar que vai à frente. Na arte, passou a se referir aos artistas que se colocam culturalmente à frente do seu tempo, abrindo caminho a novas idéias, a novas mentalidades, a novas culturas. A arte de vanguarda procurou romper com todas as concessões artísticas e culturais até então vigente. Apresenta-se como uma revolução cultural que busca novas estruturas estéticas e pensamentos. Este movimento de vanguarda celebrizou-se com pintores como Matisse, Rouault, Chagall, Picasso, Braque, Kandinsky, Klee, Max Ernst, Mondrian, Miró e Dali. Com músicos como Schönberg, Bela Bartok ou Stravinsky. Na Literatura, entre outros, merecem referência Henri James, Virginia Woolf, Joyce, Kafka, Hermann Hesse, John Dos Passos, E. E. Cummings, Jorge Luis Borges e poetas como Apollinaire, Mallarmé, Marinetti, Max Jacob, Ezra Pound, Valery, T. S. Eliot, André Breton, Maïakovski, Gertrude Stein, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e Almada Negreiros.

2. A revista X-9, entre outras, foi um grande sucesso editorial. Popularizou, de maneira maciça, os contos ilustrados de aventuras policiais. X-9 era o codinome de Phil Corrigan, agente da policia secreta americana que foi criado e desenhado inicialmente por Alex Raymond, com roteiro escrito pelo famoso novelista policial Dashiell Hammett.

3. A Semana de Arte Moderna, também chamada de Semana de 22, ocorreu em São Paulo no ano de 1922, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro, no Teatro Municipal. Cada dia da semana foi dedicado a um tema: respectivamente, pintura e escultura, poesia, literatura e música. O presidente do Estado de São Paulo na época (e décimo terceiro Presidente do Brasil e último Presidente da República Velha), Washington Luís, apoiou o movimento, especialmente por meio de René Thiollier, que solicitou patrocínio para trazer os artistas do Rio de Janeiro Plínio Salgado e Menotti Del Pichia, membros de seu partido – o Partido Republicano Paulista. A Semana de Arte Moderna representou uma verdadeira renovação de linguagem, na busca de experimentação, na liberdade criadora da ruptura com o passado e até corporal, pois a arte passou então da Vanguarda para o Modernismo. O evento marcou época ao apresentar novas idéias e conceitos artísticos, como a poesia através da declamação, que antes era só escrita; a música por meio de concertos, que antes só havia cantores sem acompanhamento de orquestras sinfônicas; e a arte plástica exibida em telas, esculturas e maquetes de arquitetura, com desenhos arrojados e modernos. O adjetivo novo passou a ser marcado em todas estas manifestações, que propunha algo no mínimo curioso e de interesse. Participaram da Semana nomes consagrados do Modernismo brasileiro, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Víctor Brecheret, Plínio Salgado, Anita Malfatti, Menotti Del Pichia, Guilherme de Almeida, Sérgio Milliet, Heitor Villa-Lobos, Tarsila do Amaral, Tácito de Almeida, Di Cavalcanti entre outros, e como um dos organizadores o intelectual Rubens Borba de Moraes que, entretanto, por estar doente, dela não participou.

 

 

Semana da Arte Moderna

Capa do Catálogo da Semana da Arte Moderna

 

 

4. Isto me fez lembrar a Poesia Matemática de Millôr Fernandes.

 

 

Poesia Matemática
(Millôr Fernandes)


Às folhas tantas
do livro matemático,
um Quociente apaixonou-se,
um dia,
doidamente
por uma Incógnita.

Olhou-a com seu olhar inumerável,
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.

Fez da sua uma vida
paralela à dela,
até que se encontraram
no infinito.

'Quem és tu?', indagou ele
em ânsia radical.

'Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas podes me chamar de Hipotenusa.'

E de falarem, descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.

E assim, se amaram
ao quadrado da velocidade da luz,
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão,
retas, curvas, círculos e linhas senoidais,
nos jardins da quarta dimensão.

Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas
e os exegetas do Universo Finito.

Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.

E, enfim, resolveram se casar
constituir um lar;
mais que um lar,
um perpendicular.

Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.

E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro,
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.

E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.

E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira, afinal,
monotonia.

Foi então que surgiu
o Máximo Divisor Comum,
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.

Ofereceu-lhe, à ela,
uma grandeza absoluta,
e reduziu-a a um denominador comum.

Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.

Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.

Desse problema, ela era uma fração,
a mais ordinária.

Mas, foi então que Einstein descobriu a Relatividade,
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade,
como, aliás, em qualquer
sociedade.

 


 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.lesjones.com/2005/01/27/gun-links-31/

http://sentimentos-sam.blogspot.com/2010/10/
ferreira-gullar-80-anos-de-poesia-arte.html

http://buracosupernegro.blogspot.com/2011/03/
ferreira-gullar-entrevista-do-programa.html

http://www.jornaldepoesia.jor.br/gular01a.html

http://www.jornaldepoesia.jor.br/gular01.html

http://www.sibila.com.br/index.php/critica/
814-cordeis-cepecistas-de-ferreira-gullar

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2010/10/ferreira-gullar.html

http://clippingsetaro.blogspot.com/2010/11/
ferreira-gullar-e-sua-cronica-dominical.html

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Semana_de_Arte_Moderna

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Agente_Secreto_X-9

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http://pt-br.facebook.com/pages/
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Ferreira_Gullar_-_Poema_sujo.html

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http://portalliteral.terra.com.br/ferreira_gullar/

http://www.alashary.org/autor/ferreira_gullar/

 

Música de fundo:

O Trenzinho Caipira
Letra de Ferreira Gullar (Poema Sujo) e música de Villa-Lobos
Intérprete: Adriana Calcanhotto

Fonte:

http://www.4shared.com/get/f73BAlCU/
O_Trenzinho_Caipira_Adriana_Pa.html

 

Direitos autorais:

As animações, as fotografias digitais e as mídias digitais que reproduzo (por empréstimo) neste texto têm exclusivamente a finalidade de ilustrar e embelezar o trabalho. Neste sentido, os direitos de copyright são exclusivos de seus autores. Entretanto, como nem sempre sei a quem me dirigir para pedir autorização para utilizá-las, se você encontrar algo aqui postado que lhe pertença e desejar que seja removido, por favor, entre em contato e me avise, que retirarei do ar imediatamente.