Ao
abandonar o falso e abraçar o verdadeiro e na simplicidade
do pensamento, permanecendo em pi-kuan ou meditação
da parede, descobre-se que não existe nem a egoidade nem
o outrem, e que as massas e os valores são de uma única
essência. Aferrando-se firmemente a esta crença e nunca
se apartando da mesma, a pessoa não se deixa guiar por quaisquer
instruções escritas, uma vez que está em comunhão
silenciosa com o próprio Princípio, livre de discriminação
conceitual, serena e passiva.
Todas
as obras humanas são inferiores, pois fazem com que seu autor
renasça nos céus ou nesta Terra. Elas ainda mostram
traços de mundanidade, como sombras que seguem os objetos...
Já as obras verdadeiramente dignas de mérito são
repletas de Sabedoria Pura [ShOPhIa],
são perfeitas e são misteriosas; sua natureza real
transcende o entendimento humano. Elas não podem ser adquiridas
por nenhum tipo de conquista mundana.
Primeiro
princípio do Sagrado Ensinamento: A Vastidão
do Vazio. Não existe nada que possa ser chamado de sagrado.
Na meditação,
a mente deverá estar tão perceptiva quanto uma parede.
Há
duas grandes vertentes para se entrar na Senda: entrada pela razão
e entrada pela conduta. A entrada pela razão significa a
compreensão do espírito do ensinamento budista com
a ajuda das escrituras. Por esta vertente, a pessoa aprofunda sua
fé na natureza verdadeira e original, que é a mesma
para todos os seres. Esta imaculada natureza é obscurecida
pelos objetos externos e pelos pensamentos enganosos, mas, quando
a mente se volta do falso para o verdadeiro, simplesmente mantendo-se
em 'pi-kuan' – a meditação como uma parede –
tanto o sentido separatista do ente quanto seu sentido cognitivo
do outro desaparecem. Desta forma, a mente está em comunhão
com a Essência-sem-forma de todos os seres. Seu método
é silencioso e sua condição é serena.
Pode-se dizer que quaisquer detalhes da vida que se encontrem não
estejam em ação. A entrada pela conduta lida com os
quatro atos sob os quais todas as ações são
classificadas. E, quais são os quatro atos? Quais são
os quatro? São eles: 1º) como retribuir o ódio;
2º) ser obediente ao carma; 3º) não seguir a nada;
e 4º) manter-se de acordo com o Dharma.
Por
várias eras, passei por uma multiplicidade de existências,
e, neste tempo todo, dei muita atenção a detalhes
pouco importantes da vida às custas dos essenciais, criando,
assim, oportunidades infinitas para o ódio, a má vontade
e os enganos. Mesmo que não fossem cometidas violações
nesta vida, os frutos das más ações do passado
teriam que ser resgatados agora. Nem os deuses nem os homens podem
predizer o que me espera. Eu me sujeitarei de boa-fé e pacientemente
a todos os desconfortos que me sucederem, e nunca me lamentarei
nem reclamarei.
O
espírito não conhece nem aumento
nem diminuição, e nada poderá afetá-lo,
se ele estiver em harmonia com a Senda. Embora os materialistas
estejam sempre apegados a uma coisa ou a outra, o sábio sabe
que todos os apegos, por mais nobres ou menores que sejam, levam
inevitavelmente ao sofrimento.
Sempre
que há busca1
há sofrimento.
Estar
de acordo com o Dharma = repouso na Razão Purificada.
O Dharma é 'shunyata' – o Vácuo no Centro de
toda a manifestação, além dos apegos e da poluição,
onde não existe nem o eu nem o outro.
Os seres sábios não
têm apegos, e suas vidas são manifestações
de amor abnegado e de caridade. Não têm a compulsão
de estar entre os seres humanos, mas, escolhem voluntariamente trabalhar
no mundo.
Todos
os seres humanos compartilham uma mesma Natureza Suprema.
Externamente,
mantenha-se afastado de todos os relacionamentos; internamente,
evite ofegar ou desejar ardentemente no seu Coração.
Quando sua mente se tornar lisa e imóvel como uma parede
você poderá entrar na Senda.
Qualquer
criação mental condicionada que abranja concepções
que a mente consciente possa pensar é falsa quando contrastada
com a Realidade.
A
Doutrina é incomparavelmente difícil de se dominar
e a Disciplina é ainda mais difícil de se perseverar.
Só aqueles que possuem as mais altas virtude e Sabedoria
é que podem compreendê-las. Nem a Doutrina nem a Disciplina
podem ser buscadas através de outro.
Aqueles
que se afastam da ilusão pela volta à Realidade, que
meditam nas paredes, na ausência de si-mesmo e do outro, na
unidade entre mortal e sábio e que se mantêm impassíveis
até mesmo pelas escrituras estão de acordo completo
e silencioso com a razão.
O mais excelente, o mais
exalto e o mais sublime é a clareza e o brilho inatos da
própria consciência.
O
que é realmente ilimitado e, portanto, sem nenhuma divisão
ou ligação é a própria natureza da realidade,
da maneira que ela é, momento a momento.
A
claridade que não pode ser expressada é a própria
essência da mente de todos os buddhas.
A mente ignorante, com suas
infinitas aflições, paixões e males, está
enraizada nos três venenos: ganância, raiva e ilusão.
Se você usar sua mente
para estudar a realidade, você não vai entender nem
a sua mente nem a realidade. Se você estudar a realidade sem
o uso de sua mente, você vai entender ambas.
De
acordo com os Sutras, más ações resultam em
dificuldades e boas ações resultam em bênçãos.
Para ultrapassar a condição
mortal e se tornar um Buddha, você tem que colocar um fim
no carma, nutrir sua consciência e aceitar o que a vida traz.
Apenas uma pessoa em um milhão
se torna Illuminada sem a ajuda de um professor.
Um
Buddha é alguém que encontrou a liberdade tanto na
boa-venturança quanto na adversidade.
Enquanto buscarmos Buddha
externamente, não perceberemos que nossa própria mente
é o Buddha.
As bênçãos
de hoje são os frutos de sementes plantadas por nós
no passado.2
Libertar-se
das palavras é manumissão.
Enquanto estivermos [obrigatoriamente]
sujeitos ao nascimento e à morte não alcançaremos
a Illuminação. Como mortais, somos regidos por condições,
e não por nós mesmos.
Nossa
natureza é a Mente. E a Mente é a nossa natureza.
O
Caminho é basicamente perfeito. Não requer aperfeiçoamento.
A
essência do Caminho é o desapego.
Enquanto
você estiver encantado por uma forma sem vida você não
será livre.
Não criar ilusões
é a Illuminação.
Para encontrar o Buddha,
tudo o que você tem a fazer é ver a sua natureza.
Todos
os fenômenos estão vazios.
Ilusão
significa mortalidade. Buddha significa consciencialidade.
Nem
os deuses nem os homens podem prever quando uma má ação
gerará o seu fruto.3
Se
você usar sua mente para procurar Buddha, você verá
o Buddha.
Muitos
caminhos levam ao Caminho, mas, basicamente, só existem dois:
a razão
e a prática.4
Só
percorrendo o Caminho evitaremos sofrer outra existência compulsória
e compensativa.
O
Dharma é a verdade de que todas as naturezas intrínsecas
são puras.
A
mente [objetiva]
é uma ficção desprovida de algo real.
Todos
os seres vivos compartilham a mesma Verdadeira Natureza.
______
Notas:
1. Busca = Apegos
+ Desejos + Cobiças + Paixões.
2. Este passado
não se refere apenas a outras encarnações já
vividas, mas, também, aos nossos pensamentos, palavras e
obras desta vida. Todavia, não tem o menor valor plantar
sementes generosas com a esperança de ser abençoado.
Isto é hipotético, e tudo o que hipotético
(promessas, sacrifícios bizarros, exterioridades teatrais,
dízimos, ofertas, genuflexões, beija-mãos,
comunhões interesseiras, confissões auriculares, testemunhos,
autoflagelações, jejuns penitentes, toma-lá-dá-cá)
não tem qualquer valor. Pelo contrário, tudo o que
hipotético gera compensações.
3. Isto porque,
não havendo nem prêmio nem punição no
Universo, as compensações cármicas, geralmente,
só acontecem quando estamos prontos para compreendê-las
ou para delas tirarmos o melhor proveito. Não esqueçamos
de que nossos primeiros professores somos nós próprios.
4. Na verdade,
o que Bodhidharma quis dizer foi: transrazão (ou transnoesis)
e trabalho.
Observação:
Conhece-se muito
pouco sobre a vida de Bodhidharma (aproximadamente início
do século V), em parte devido ao fato de que raros detalhes
sobrevivem desde o seu tempo e em parte por causa das lendas que
o cercam. Uma vez que colocava pouca fé nos textos escritos
para traduzir a quintessência do Buddhavachana
ou a Palavra do Buddha, ele não se dedicava muito a escrever.
Mas, inquestionavelmente, Bodhidharma foi um dos instrutores da
Humanidade e o vigésimo oitavo Patriarca na linha do Buddha
e o primeiro Patriarca do Zen na China. Como um meteoro, Bodhidharma
passou pela história e, da mesma forma, desapareceu repentinamente.
Mas, a marca brilhante que ele fez no vácuo do tempo deixou
um rastro luminoso que ainda cintila calidamente até o presente.
Sua mensagem especial revolucionou a prática budista chinesa
e deu um impulso fundamental à tradição budista
no Japão.