O
primeiro zelo da atividade política deve ser para com os jovens,
a fim de que sejam tão bons quanto possível. É como
faz o bom agricultor, que cuida naturalmente das plantas novas em primeiro
lugar e das outras depois.
Os
atenienses, quando consideram alguém talentoso, desde que incapaz
de ensinar a sua sabedoria, pouco se importam. Mas, se é um que
eles acham capaz de tornar iguais a si os outros, aí eles se irritam,
ou por inveja ou por outras razões.1
A
maioria das pessoas ignora o que é direito.2
Um
matador deve ser processado, ainda que ele seja de nossa casa e de nossa
mesa. A mácula é igual, e o matador
deve ser levando
à justiça. O certo é não tolerar nenhuma impiedade,
seja lá de onde vier, seja lá de quem for.3
Será
que, aos olhos dos deuses, sabemos exatamente o que é piedade e
o que é impiedade?
A
piedade é sempre igual a si mesma em todas as ações,
e a impiedade, por sua vez, é sempre o contrário da piedade
e sempre igual a si mesma. Tem uma feição única de
impiedade tudo que se há de ter como ímpio.
É
comum os homens dizerem uma coisa quando se trata dos deuses e outra quando
se trata deles mesmos.
Reconheço
nada saber a respeito dos deuses, e reluto em acreditar o que falam sobre
eles.
Por
acaso, devemos admitir que existam guerras de uns deuses contra outros?
E inimizades tremendas? Batalhas e muitas outras calamidades da mesma
ordem descritas pelos poetas e pintadas por hábeis pintores?
Quando
se discorda quanto a algo ser mais comprido ou mais curto, basta tomar
as medidas e acabar com a diferença. E basta ir a uma balança
quando se discorda quanto a ser mais leve ou mais pesado.
Não
é divergindo sobre o justo e o injusto, o belo e o feio, o bom
e o mau e por não se atingir uma solução satisfatória
a este respeito, que os homens devam se tornar inimigos.
Curiosamente,
são pelos mesmos motivos [ou
(des)razões]
que uns acham certas coisas
justas e outros acham injustas, e sobre elas dissentindo, é que
os homens se põem em desavença, guerreiam e se matam. E
assim, admitem os seres humanos, as mesmas coisas são aborrecedoras
e estimadas dos deuses, e as mesmas coisas são agradáveis
e desagradáveis aos deuses. Assim, as mesmas coisas seriam piedosas
e ímpias.
Portanto,
quando procedemos ao agrado de Zeus desagradamos Crono e Urano, ao gosto
de Hefesto, mas ao desgosto de Hera, da mesma sorte quanto a outros deuses,
que pensem diversamente ao mesmo respeito.
Há
um ponto que ninguém contesta no céu e na Terra: o culpado
deve ser punido.
Que
prova ou certeza poderemos ter de que todos os deuses achem justa ou injusta
a morte de quem se tornou assassino?
Será
desagradável a uns deuses o que é agradável a outros
deuses?
Corrigindo
o conceito, poderemos dizer que é impiedade o que a todos os deuses
aborrece, e piedade o que por eles é estimado, e nem uma nem outra
coisa, ou ambas, o que uns estimam e o que a outros aborrece.
Não
devemos admitir como certo ou que está certo toda vez que alguém
disser de alguma coisa que 'é assim' ou que 'não é
assim'. Devemos sempre examinar o que diz o interlocutor.4
O
que é levado e o que leva. O que é guiado e o que guia.
O que é visto e o que vê. Todas estas coisas diferem umas
das outras e no quê. Mas, será porque é visto que
o vêem ou, ao contrário, porque o vêem que é
visto? Será porque é guiado que o guiam ou porque o guiam
que é guiado? Será, ainda, porque é levado que o
levam ou porque o levam que é levado?
Se
algo é produzido ou impressionado, não é por ser
produzido que o produzem, mas porque o produzem é que é
produzido; nem é por ser impressionado que o impressionam, mas
é porque o impressionam que é impressionado.
A
piedade, na sua expressão, é o que é estimado de
todos os deuses.
A
piedade é estimada por ser piedosa, e não é por ser
estimada que é piedosa.
O
agradável aos deuses é tal por ser deles estimado, e não
é por ser agradável que é estimado.
Se,
porém, fossem a mesma coisa o agradável aos deuses e a piedade,
então, se a piedade fosse estimada por ser piedosa, também
o agradável aos deuses seria estimado por ser agradável.
Continuando: se uma coisa fosse agradável aos deuses por ser deles
estimada, também a piedade seria piedosa por ser estimada; mas,
uma e outra coisa se opõem como sendo absolutamente diversas. Uma,
porque a estimam, é estimável; outra, porque é estimável,
a estimam.
Tudo
o que é piedoso tem que ser também justo. Mas, nem tudo
o que é justo é piedoso, sendo a justiça parte piedade
e parte não.
Não
acho que haja vergonha onde há medo. Acho que muitos têm
medo das doenças, da pobreza e de tantos outros males, mas, embora
tenham medo, nem por isto têm vergonha do que temem. Todavia, onde
há vergonha costuma haver medo.
O
temor, entendo eu, vai mais longe do que a vergonha; a vergonha é
uma parte do temor, como o ímpar é uma parte do número,
de sorte que nem todo número é ímpar, mas todo ímpar
é número.
Nem
todos sabem cuidar de cavalos; só o palafreneiro [cavalariço].
E nem todos sabem cuidar de cães; só o matilheiro [cachorreiro].
E o ofício de vaqueiro é cuidar de vacas.5
Para
meditar: a piedade, sendo um cuidado para com os deuses, é
proveitosa aos deuses e os melhora? Estaremos melhorando os deuses toda
vez que procedemos piedosamente?
O
serviço prestado pelos médicos visa a saúde. O serviço
prestado pelos armadores visa a navegação. O serviço
prestado pelos arquitetos visa as casas. O serviço prestado pelos
agricultores se resume em extrair da terra os alimentos. O serviço
prestado pelos soldados é levar a cabo a vitória na guerra.
O serviço prestado pelos deuses, usando os homens como seus servidores...