EU-NÃO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

— sei nada,
porque não me interessa saber nada.

— Eu-não ligo para nada,
porque não estou vinculado a nada.

— Eu-não quero saber dos outros,
porque só estou encadeado a mim.

 

 

— Eu-não ouço bulhufas,
porque sou completamente surdo.

— Eu-não enxergo xongas,
porque sou completamente cego.

— Eu-não caminho,
porque sou completamente paralítico.

— Eu-não vôo pelas estrelas,
porque não tenho asas.

— Eu-não não dou a menor bola para a ShOPhIa,
porque muito me apraz ser ignorante.

— Eu-não não dou a menor bola para o Sol,
porque estou ligadão na Lua.

— Eu-não sou tolerante nem indulgente,
porque sou preconceituoso.

— Eu-não sou fraternal nem amoroso,
porque cultuo a Grande Heresia da Separatividade.

 

 

— Eu-não apóio a Democracia,
porque sou ultradireitista.

— Eu-não apóio o Republicanismo,
porque sou ultra-esquerdista.

— Eu-não apóio a Constituição Brasileira,
porque sou adepto do anticonstitucionalismo.

— Eu-não apóio liberdade de imprensa,
porque sou ultraconservador.

— Eu-não apóio os direitos humanos,
porque sou ultra-escravagista.

— Eu-não apóio os imperativos categóricos,
porque Kant estava mais por fora que umbigo de vedete.

— Eu-não apóio a ,
porque si vis pacem, para bellum (se queres paz, prepara-te para a guerra).

 

Inscrição na Entrada do Centro Cultural do Exército de Madrid

 

— Eu-não não dou trégua aos ucranianos,
porque sou ultradespótico.

— Eu-não não dou trégua ao Hamas,
porque sou ultravingador.

— Eu-não não dou trégua aos lulistas,
porque sou um bolsonarista-raiz desde sempre.

— Eu-não não dou trégua aos bolsonaristas,
porque sou lulista, desde que eu era criança pequena... Lá em Barbacena.

 

 

— Eu-não respeito a Primeira Hierarquia,
porque quero ficar miliardário a todo custo.

 

 

— Eu-não respeito a Segunda Hierarquia,
porque floresta boa e floresta deitada.

 

 

— Eu-não respeito a Terceira Hierarquia,
porque adoro churrasco, sarapatel e bobó de camarão.

 

 

— Eu-não respeito os impúberes,
porque sou um pedófilo de carteirinha.

— Eu-não respeito as mulheres,
porque, como Aristóteles, sou misógino e sexista.

— Eu-não suporto ,
porque acho que judeu bom é judeu morto e enterrado.

— Eu-não suporto ,
porque acho que muçulmano bom é muçulmano morto e enterrado.

— Eu-não suporto evangélico,
porque acho que evangélico bom é evangélico morto e enterrado.

 

 

— Eu-não suporto católico
porque acho que católico bom é católico morto e enterrado.

 

 

— Eu-não suporto ,
porque acho que miss boa é miss morta e enterrada.

— Eu-não suporto ,
porque acho que lutador bom é lutador morto e enterrado.

— Eu-não suporto ,
porque acho que jogador de futebol bom é jogador de futebol morto e enterrado.

— Eu-não suporto maçom,
porque acho que maçom bom é maçom morto e enterrado.

— Eu-não suporto rosacruz,
porque acho que rosacruz bom é rosacruz morto e enterrado.

— Eu-não suporto templário,
porque acho que templário bom é templário morto e enterrado.

— Eu-não suporto martinista,
porque acho que martinista bom é martinista morto e enterrado.

— Eu-não suporto teósofo,
porque acho que teósofo bom é teósofo morto e enterrado.

— Eu-não suporto 'Fiat Voluntas Tua',
porque acho que bom mesmo é 'fiat voluntas mea'.

— Eu-não suporto 'sursum corda',
porque acho que bom mesmo é 'submitte corda'.

— Eu-não suporto 'carpe diem',
porque acho que bom mesmo é 'frui nocte'.

— Eu-não suporto os ,
porque 'God hate fags'.

 

 

— Eu-não quero ver 'il mare luccicare',
porque detesto todos os mares da Terra. Mar tem !

— Eu-não quero ver 'il vento tirare forte',
porque detesto o vento ventando. Vento destelha as casas!

— Eu-não quero 'ricominciare il mio canto',
porque sou triste e detesto cantar. E tem mais: eu saio do tom!

— Eu-não quero ir ao 'Golfo di Surriento',
porque detesto a Itália e os italianos. E mais: golfo é mar, e mar tem !

— Eu-não 'te voglio bene assaie',
porque detesto a Humanidade. A Humanidade deveria desaparecer!

— Eu-não 'voglio sentire Pavarotti cantare Caruso',
porque sempre achei o Pavarotti um 'pessimíssimo' tenor.

— Eu-não quero ser simpático nem urbano com ninguém,
porque nasci resmungão e rezingão e morrerei rezingão e resmungão.

 

 

— Eu-não quero ser Illuminado,
porque adoro a escuridão da 'Media Nox'.

— Eu-não quero Compreender nada,
porque adoro descompreender tudo.

— Eu-não quero me Libertar,
porque adoro ser escravo (de mim mesmo).

— Eu-não nem a pau,
porque gosto de viver do meu jeito.

— Eu-não nem a pau,
porque tenho medo de e não poder viver.

— Para mim, nada valeu, vale, nem valerá a pena,
porque minha personalidade-alma foi, é e sempre será pequena.

— Eu jamais passarei além do meu medo e da minha dor.
Por isto, também, nunca passarei além do Bojador.

 

 

O Cabo Bojador
– situado na costa do Saara Ocidental –
no passado, era conhecido como Cabo do Medo.
O Cabo Bojador era considerado intransponível.
Ali terminava o mundo conhecido. Depois, viria o inferno.
Mas, não há obstáculo que não se possa transpor.
E também não existe inferno em lugar nenhum.
Nós precisamos vencer nossos medos infundados,
e nos tornar senhores de nós mesmos.
Como disse Jairo Siqueira, os bloqueios mentais, formados
por crenças, receios, preconceitos e percepções errôneas,
não passam de frutos da ignorância e do medo do novo e do desconhecido.
A superação destes bloqueios requer uma atitude de questionamento
de crenças e de preconceitos arraigados. Pode ser um exercício difícil e doloroso,
mas, tudo valerá a pena, se a personalidade-alma não for pequena.
In: https://criatividade.wordpress.com/2020/09/08/a-passagem-do-cabo-do-medo/