Joaquim
e Esmeralda – um casal de quase velhinhos, de quase 77 anos,
casados há quase meio século, quase
meio que variando
–
começaram
a quase
misturar alhos
com bugalhos, bugalhos com alhos, alhos com alhos, bugalhos com bugalhos
e bagulhos com bagulhos, e também a ter
problemas de quase
audição
e de quase
memória.
Os
que se julgam super-homens e imortais, que acham que não é
ou que não acontecerá quase assim, metam na cachimônia:
dificilmente não é ou não será um pouco
quase mais ou menos assim. Ancianidade é, quase
mais ou menos, um pouco, quase
assim; poderá ser quase
um pouco mais cozida, quase
um pouco mais assada, quase
um pouco mais refogada, quase
um pouco mais frita ou quase
um
pouco mais crua, mas que as coisas quase
vão se embananando com a quase
chegada da velhice... Ah!, isso quase
vão! Há sempre um quase ou outro no meio do caminho!
O meu quase, por enquanto, é que eu estou cada vez ouvindo
menos. Ainda bem!
Então,
por causa dos quase desconfortos do tempo longo de existência,
a dupla de quase macróbios, para tentar dar cabo das misturações
que aparecem na vetustez, resolveu ir a um recomendado otorrinolaringologista
para ser examinada.
O
otorrinolaringologista
fez
um check-up otorrinolaringológico completo nos dois
longevos e, depois de examiná-los, disse que não havia
otorrinolaringologicamente nada de errado com eles, mas que, prudencialmente,
seria aconselhável que eles tivessem sempre à mão
um caderninho, uma espécie de memento, para anotar as coisas.
Só prudencialmente, para evitar confusão.
À
noitinha, quando os dois estavam sentadinhos
no sofá vendo a novela das seis, em um dos intervalos da novela,
o quase velhinho se levantou para fazer pipi, e sua quase
velhinha quis logo saber:
—
Quinquinhas,
aonde você vai?
Ora,
fazer um pipizinho rápido —
respondeu ele.
Depois,
você não quer me trazer uma bolinha de sorvete de creme?
— pediu ela.
Claro
que sim, querida — respondeu o marido
solícito.
Prudencialmente,
você
não acha que seria bom
escrever isso no memento? — perguntou ela.
Ah,
vamos! — ironizou o velhinho —
Memê, eu vou me lembrar disso!
—
Então coloque um
pouquinho calda de morango por cima — pediu a esposa. Mas,
só
prudencialmente, eu acho que
você deveria anotar no memento, para não haver perigo
de esquecer — acrescentou.
—
Eu não vou esquecer.
Entendi muito bem. Você quer três bolas de sorvete de
fruta-do-conde com calda de chocolate.
Tá vendo só!
Eu pedi uma bola de sorvete de creme com calda
de morango. Ah! Aproveite e coloque um pouco de chantily
em cima! — pediu a esposa quase velhinha — Mas
lembre do que o médico nos disse... Eu, se fosse você,
prudencialmente, escreveria isso no memento. Só
para evitar confusão.
Já meio irritado, o
quase velhinho esposo exclamou: — Ah, que saco Memê!
Não agüento mais esse negócio de prudencialmente,
de memento... Eu já disse que vou me lembrar! E
saiu da sala repetindo baixinho: — Uma bola... Uma bola...
Creme... Creme...
Calda de morango... Calda de morango... Chantily...
Chantily...
E foi tirar água do
joelho. Depois de uns vinte minutos, voltou com um prato com uma omelete.
A mulher olhou para o prato,
e comentou meio abochornada: — Quincas, eu não disse
que você ia esquecer? Cadê as torradinhas com manteiga
que eu pedi?
—
Será o beneplácito, Memê!
Eu perguntei se você ia querer a omelete com torradinhas
com manteiga, e você me disse que não. Puxa Memê!