Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

 

 

Joaquim e Esmeralda

 

 

Joaquim e Esmeralda – um casal de quase velhinhos, de quase 77 anos, casados há quase meio século, quase meio que variando começaram a quase misturar alhos com bugalhos, bugalhos com alhos, alhos com alhos, bugalhos com bugalhos e bagulhos com bagulhos, e também a ter problemas de quase audição e de quase memória.

Os que se julgam super-homens e imortais, que acham que não é ou que não acontecerá quase assim, metam na cachimônia: dificilmente não é ou não será um pouco quase mais ou menos assim. Ancianidade é, quase mais ou menos, um pouco, quase assim; poderá ser quase um pouco mais cozida, quase um pouco mais assada, quase um pouco mais refogada, quase um pouco mais frita ou quase um pouco mais crua, mas que as coisas quase vão se embananando com a quase chegada da velhice... Ah!, isso quase vão! Há sempre um quase ou outro no meio do caminho! O meu quase, por enquanto, é que eu estou cada vez ouvindo menos. Ainda bem!

Então, por causa dos quase desconfortos do tempo longo de existência, a dupla de quase macróbios, para tentar dar cabo das misturações que aparecem na vetustez, resolveu ir a um recomendado otorrinolaringologista para ser examinada.

O otorrinolaringologista fez um check-up otorrinolaringológico completo nos dois longevos e, depois de examiná-los, disse que não havia otorrinolaringologicamente nada de errado com eles, mas que, prudencialmente, seria aconselhável que eles tivessem sempre à mão um caderninho, uma espécie de memento, para anotar as coisas. Só prudencialmente, para evitar confusão.

À noitinha, quando os dois estavam sentadinhos no sofá vendo a novela das seis, em um dos intervalos da novela, o quase velhinho se levantou para fazer pipi, e sua quase velhinha quis logo saber:

Quinquinhas, aonde você vai?

Ora, fazer um pipizinho rápido respondeu ele.

Depois, você não quer me trazer uma bolinha de sorvete de creme? pediu ela.

Claro que sim, querida respondeu o marido solícito.

Prudencialmente, você não acha que seria bom escrever isso no memento? — perguntou ela.

Ah, vamos! ironizou o velhinho — Memê, eu vou me lembrar disso!

Então coloque um pouquinho calda de morango por cima — pediu a esposa. Mas, só prudencialmente, eu acho que você deveria anotar no memento, para não haver perigo de esquecer — acrescentou.

Eu não vou esquecer. Entendi muito bem. Você quer três bolas de sorvete de fruta-do-conde com calda de chocolate.

Tá vendo só! Eu pedi uma bola de sorvete de creme com calda de morango. Ah! Aproveite e coloque um pouco de chantily em cima! — pediu a esposa quase velhinha — Mas lembre do que o médico nos disse... Eu, se fosse você, prudencialmente, escreveria isso no memento. Só para evitar confusão.

Já meio irritado, o quase velhinho esposo exclamou: — Ah, que saco Memê! Não agüento mais esse negócio de prudencialmente, de memento... Eu já disse que vou me lembrar! E saiu da sala repetindo baixinho: — Uma bola... Uma bola... Creme... Creme... Calda de morango... Calda de morango... Chantily... Chantily...

E foi tirar água do joelho. Depois de uns vinte minutos, voltou com um prato com uma omelete.

A mulher olhou para o prato, e comentou meio abochornada: — Quincas, eu não disse que você ia esquecer? Cadê as torradinhas com manteiga que eu pedi?

Será o beneplácito, Memê! Eu perguntei se você ia querer a omelete com torradinhas com manteiga, e você me disse que não. Puxa Memê!

 

 

 

 

Arquivamos querendo esquecer,

e esquecemos para não resolver.

Não resolvemos o triste não-ser,

 

A (re)moer, somos e não-somos.

Não-somos por regelo ao Uno-Ser.

Somos, não-sendo, pensando ser;

pois, ser não é o que ainda somos.

 

Arquivamos para não perceber

Arquivar não faz o menor sentido;

 

Logo, o que solverá o desperceber?

O que poderá solucionar o arquivar?

Bonançoso é, de já hoje, enfrentar...

 

 

 

Lótus

 

 

 

Observação 1:

Há uma diferença inconciliável entre a visão místico-esotérico-iniciática e a visão religiosa do ... descendit ad infernos, tertia die resurrexit a mortuis... Como já abordei este tema em outros textos, nesta oportunidade, redirei apenas que não há inferno para sempre, como também não há uma única e nem uma última ressurreição. O próprio conceito de ressurreição também é muito mal compreendido, pois, não há volta à vida em carne e osso de alguns ou de todos os mortos no fim dos tempos. Já pensou ter que ficar expulsando excrementos pelo ânus e vertendo urina, depois do fim dos tempos, para o resto da eternidade? E o que é reciclado perde a identidade; não poderá voltar à vida, ainda que tudo faça parte inalienável da Eterna Vida e nada se perca. E ressurgir é outra coisa, e não há propriamente um fim dos tempos. Seja da forma que for, todo fim (do que quer que seja) é um novo começo. Em um sentido ou em outro, a ausência de movimento é impossível. É isto que precisamos compreender. Depois que compreendermos isto, compreenderemos outras coisas.

 

 

Observação 2:

A animação em flash Lótus foi editada de um GIF (Graphics Interchange Format) disponibilizado no Weblog:

http://steelwhitetable.org/
blog/2004/03/

 

Música de fundo:

My Heart Will Go On (James Horner & Will Jennings)

Fonte:

http://www.typowriters.com/
Typowriters%20Tunes/Music%20Splash.htm

 

 

Páginas da Internet consultadas:

http://www.giffs.hpg.ig.com.br/
velhos1.html

http://granito.blogspot.com/
2004_09_01_archive.html