Duas
coisas, sobretudo, impedem que o homem saiba ao certo o que deve fazer:
uma é a vergonha, que cega a inteligência e arrefece a coragem;
a outra é o medo, que, indicando o perigo, obriga a preferir a inércia
à ação.
O
espírito do homem é feito de maneira que lhe agrada muito
mais a mentira do que a verdade. Fazei a experiência: ide à
igreja, quando aí estão a pregar. Se o pregador trata de assuntos
sérios, o auditório dormita, boceja e se enfada, mas se, de
repente, o zurrador (perdão, o pregador), como aliás é
freqüente, começa a contar uma história de comadres,
toda a gente desperta e presta a maior das atenções. Como
é fácil esta felicidade! Os conhecimentos mais fúteis,
como a gramática por exemplo, adquirem-se à custa de grande
esforço, enquanto a opinião se forma com grande facilidade,
contribuindo, tanto ou talvez mais, para a felicidade. Se um homem come
toucinho rançoso, de que outro nem o cheiro pode suportar, com o
mesmo prazer com que comeria ambrosia, que tem isso a ver com a felicidade?
Se, pelo contrário, o esturjão causa náuseas a outro,
que temos nós com isto? Se uma mulher, horrivelmente feia, parece
aos olhos do marido semelhante a Vênus, para o marido é o mesmo
do que se ela fosse bela. Se o dono de um mau quadro, besuntado de cinábrio
e açafrão, o contempla e admira, convencido de que está
a ver uma obra de Apeles ou de Zêuxis, não será mais
feliz do que aquele que comprou por elevado preço uma obra destes
pintores e que olhará para ela, talvez, com menos prazer?
Não
haveria, pois, diferença alguma entre os sábios e os loucos,
se não fossem mais felizes estes últimos. Sim, porque estes
são felizes por dois motivos: o primeiro é que a felicidade
dos loucos não custa nada, bastando um pouquinho de persuasão
para formá-la; o segundo é que os loucos são mais felizes
mesmo quando estão juntos com muitos outros. Ora, é impossível
gozar um bem quando se está sozinho.
E
foi por essa razão que o grande Arquiteto do Universo proibiu que
o primeiro e lindo par de esposos, por ele feitos e unidos em matrimônio,
provassem o fruto da árvore da ciência do bem e do mal, sob
pena de sua desgraça e morte. É a melhor prova de que a ciência
é o veneno da felicidade.
Não
há nada de tão absurdo que o hábito não torne
aceitável.
Rir
de tudo é coisa de tonto; não rir de nada é coisa de
estúpido.
O
amoroso apaixonado já não vive em si, mas no que ama; quanto
mais se afasta de si para se fundir no seu amor, mais feliz se sente. Assim,
quando a alma sonha em fugir do corpo e renuncia a se servir normalmente
dos seus órgãos, podeis dizer, com razão, que ele enlouquece.
As expressões correntes não querem dizer outra coisa: «Não
está em si...» «Volta a ti...» «Ele voltou
a si...» E quanto mais perfeito é o amor, maior é a
loucura e maior é a felicidade. O que será, pois, essa vida
no céu, à qual aspiram tão ardentemente as almas piedosas?
O espírito, mais forte e vitorioso, absorverá o corpo; isto
será tanto mais fácil quanto mais purificado e extenuado tiver
sido o corpo durante a vida. Por sua vez, o espírito será
absorvido pela Suprema Inteligência, cujos poderes são infinitos.
Assim se encontrará fora de si mesmo o homem inteiro, e a única
razão da sua felicidade será de não mais se pertencer,
mas de se submeter a este soberano inefável, que tudo atrai a si.
Uma
tal felicidade, é certo, só poderá ser perfeita no
momento em que as almas, dotadas de imortalidade, retomem os antigos corpos.
Mas, como a vida dos piedosos não é mais do que a meditação
sobre a eternidade e como que a sombra dela, conseguem saborear e antegozar
o perfume de tal vida. Isto não é mais do que uma gotinha
em comparação com a fonte infindável da felicidade.
Todavia, é preferível a todos os prazeres da Terra, mesmo
que se fundissem em um só, de tal modo o espírito supera a
matéria e o invisível o visível! Esta é a promessa
do Profeta: «Os olhos não viram, os ouvidos não ouviram,
o Coração não sentiu as delícias que Deus prepara
para os que o amam.» Tal é esta loucura que não acaba,
mas que se aperfeiçoa com a passagem para a outra vida. Aqueles que
tiveram o privilégio tão raro de tais sentimentos, experimentam
uma espécie de demência: falam sem coerência, pronunciam
palavras sem sentido e a cada instante mudam a expressão do rosto.
Ora tristes, ora alegres, riem, choram, suspiram. Em resumo, estão
fora de si. Quando voltam a si, não sabem dizer onde estiveram, se
estavam ou não no seu corpo, despertos ou adormecidos, o que ouviram,
o que disseram ou o que fizeram. Só se recordam como que através
de um sonho ou de uma nuvem. Sabem somente que foram felizes durante tal
loucura. Lamentam ter regressado à razão e sonham poder viver
eternamente nesta loucura. E apenas saboreiam um ligeiro gosto da felicidade
futura!
Dave
O'Brien (Reefer Madness)
Só
a loucura tem a virtude de prolongar a juventude, embora fugacíssima,
e de retardar bastante a malfadada velhice.
O
amor recíproco entre quem aprende e quem ensina é o primeiro
e mais importante degrau para se chegar ao conhecimento.
Em
grande parte, os maridos são como as mulheres os fazem.
Não
merece o doce quem não experimentou o amargo.
Os
males que não são percebidos são os mais perigosos.
Voltemos
à feliz espécie dos loucos. Passada a vida alegremente, sem
medo ou pressentimento da morte, emigram diretamente para os campos elísios,
e vão deleitar com as suas facécias as almas ociosas e pias.
Comparai, agora, ao destino do louco ou de um sábio à vossa
escolha. Citai-me um modelo de sabedoria que tenha gasto a sua infância
e a juventude no estudo das ciências, e que tenha perdido o mais belo
tempo da sua vida em vigílias, cuidados e trabalhos sem-fim, e que
se tenha privado, para o resto da sua vida, de todos os prazeres. Vereis
que foi sempre pobre, miserável, triste, tétrico, severo e
duro para consigo mesmo, insuportável e desagradável para
com os outros, pálido, magro, servil, envelhecido antes do tempo,
calvo antes da velhice, votado a uma morte prematura. Que importa, aliás,
que morra, se nunca chegou a viver! Tal é o belo retrato deste sábio.
É
muito mais honesto estar nu do que usar roupas transparentes.
A
primeira fase do saber é amar os nossos professores.
Dizei-me,
por obséquio: um homem que odeia a si mesmo poderá, acaso,
amar alguém? Um homem que discorda de si mesmo poderá, acaso,
concordar com outro? Será capaz de inspirar alegria aos outros quem
tem em si mesmo a aflição e o tédio? Só um louco,
mais louco ainda do que a própria loucura, admitireis que possa sustentar
a afirmativa de tal opinião. Ora, se o excluirdes da sociedade, não
só o homem se tornará intolerável ao homem, como também,
toda vez que olhar para dentro de si, não poderá deixar de
experimentar o desgosto de ser o que é, de se achar aos próprios
olhos imundo e disforme, e, por conseguinte, de odiar a si mesmo. A Natureza,
que em muitas coisas é mais madrasta do que mãe, imprimiu
nos homens, sobretudo nos mais sensatos, uma fatal inclinação
no sentido de cada qual não se contentar com o que tem, admirando
e almejando o que não possui: daí o fato de todos os bens,
todos os prazeres e todas as belezas da vida se corromperem e reduzirem
a nada. O que adianta um rosto bonito, que é o melhor presente que
podem fazer os deuses imortais, quando contaminado pelo mau cheiro? De que
serve a juventude, quando corrompida pelo veneno de uma hipocondria senil?
Como, finalmente, podereis agir em todos os deveres da vida, quer no que
diz respeito aos outros, quer a vós mesmos, como — repito —
podereis agir com decoro (pois que agir com decoro constitui o artifício
e a base principal de toda ação), se não fordes auxiliados
por este amor-próprio que vedes à minha direita e que merecidamente
me faz as vezes de irmã, não hesitando em tomar sempre o meu
partido em qualquer desavença? Vivendo sob a sua proteção,
ficais encantados pela excelência do vosso mérito e vos apaixonais
por vossas exímias qualidades, o que vos proporciona a vantagem de
alcançardes o supremo grau de loucura. Mais uma vez repito: se vos
desgostais de vós mesmos, persuadi-vos de que nada podereis fazer
de belo, de gracioso, de decente. Roubada à vida esta alma, languesce
o orador em sua declamação, inspira piedade o músico
com suas notas e seu compasso, ver-se-á o cômico vaiado em
seu papel, provocarão o riso o poeta e as suas musas, o melhor pintor
não conquistará senão críticas e desprezo, morrerá
de fome o médico com todas as suas receitas. Em suma: Nereu aparecerá
como Tersites, Faão como Nestor, Minerva como uma porca, o eloqüente
como um menino, o civilizado como um bronco. Portanto, é necessário
que cada qual lisonjeie e adule a si mesmo, fazendo a si mesmo uma boa coleção
de elogios, em lugar de ambicionar os de outrem. Finalmente, a felicidade
consiste, sobretudo, em se querer ser o que se é. Ora, só
o divino amor-próprio pode conceder tamanho bem. Em virtude do amor-próprio,
cada qual está contente com seu aspecto, com seu talento, com sua
família, com seu emprego, com sua profissão, com seu país,
de forma que nem os irlandeses desejariam ser italianos, nem os trácios
atenienses, nem os citas habitantes das Ilhas Afortunadas. Oh!, surpreendente
providência da Natureza! Em meio a uma infinita variedade de coisas,
ela soube pôr tudo no mesmo nível. E, se não se mostrou
avara na concessão de dons aos seus filhos, mais pródiga se
revelou ainda ao lhes conceder o amor-próprio. Que direi dos seus
dons? É uma pergunta tola. Com efeito, não será o amor-próprio
o maior de todos os bens?
Pode
querer bem aos outros quem não quer bem a si mesmo?
Para
ganhar é preciso gastar.
Quanto mais ignorante, mais irresponsável
e mais irrefletido é um médico, maior é a sua reputação,
mesmo entre os príncipes mais poderosos.
Se
há alguém que desastradamente tenha se iludido, tomando-me
por Minerva ou pela Sabedoria, bastará olhar-me de frente, para logo
me conhecer, sem que eu me sirva de palavras, que são a imagem do
pensamento. Não existe em mim simulação alguma; mostro
por fora o que sou no coração. Sou sempre igual a mim mesma.
A
pior das loucuras é, sem dúvida, tentar ser sensato em um
mundo de loucos.
Os
grandes escritores nunca foram feitos para suportar a lei dos gramáticos,
mas, sim, para impor a sua.
Devemos
respeitar o casamento enquanto é um purgatório, e dissolvê-lo
quando se tornar um inferno.
Os
maiores males infiltram-se na vida dos homens sob a ilusória aparência
do bem.
Aquele
que conhece a arte de viver consigo próprio ignora o aborrecimento.
Nenhum
animal é mais calamitoso do que o homem, pela simples razão
de que todos se contentam com os limites da sua natureza, ao passo que apenas
o homem se obstina em ultrapassar os limites da sua.
Cada
momento da vida seria triste, fastidioso, insípido, aborrecido, se
não houvesse prazer, se não fosse animado pelo tempero da
loucura.
Os
homens que se entregam à sabedoria são, de longe, os mais
infelizes. Duplamente loucos, esquecem que nasceram homens e querem imitar
os deuses poderosos, e, a exemplo dos Titãs, armados com as ciências
e as artes, declaram guerra à Natureza. Ora, os menos infelizes são
aqueles que mais se aproximam da animalidade e da estupidez. Tentarei fazer-vos
entender isto, usando, em vez dos argumentos dos estóicos, um exemplo
crasso. Haverá, pelos deuses imortais, espécie mais feliz
que os homens a quem o vulgo chama loucos, parvos, imbecis, cognomes belíssimos,
na minha opinião? Esta afirmação poderá, a princípio,
parecer insensata e absurda e, no entanto, nada há de mais verdadeiro.
Tais homens não receiam a morte, e – por Júpiter! –
isto já não representa pequena vantagem! A sua consciência
não os incomoda. As histórias de fantasmas não os aterrorizam,
nem os afetam o medo das aparições e espectros, nem os males
que os ameaçam ou a esperança dos bens que poderão
vir a receber. Nada, em resumo, os atormenta, isentos dos mil cuidados de
que a vida é feita. Ignoram a vergonha, o medo, a ambição,
a inveja e chegam mesmo, se são suficientemente estúpidos,
a gozar o privilégio, segundo os teólogos, de não cometerem
pecados. Passai
agora em revista – ó louco sábio – todas as noites
e os infinitos dias em que a inquietação crucifica a tua alma.
Olha bem para todos os aborrecimentos da tua vida e tenta compreender, enfim,
de quantos males eu liberto os meus loucos. Acresce ainda que não
só passam o tempo em divertimentos, risos e canções,
como levam a todos os que os rodeiam o prazer, os seus jogos, o divertimento
e a alegria, como se a indulgência divina os tivesse destinado a afastar
a tristeza da vida humana. Além disto, quaisquer que sejam as disposições
de uns para os outros, todos os reconhecem como amigos; procuram-nos, adoram-nos,
acarinham-nos, gostam de conversar com eles, permitem-lhes que tudo digam
e tudo façam. Ninguém os tenta prejudicar, e os próprios
animais ferozes evitam lhes fazer mal, como se, instintivamente, os soubessem
inofensivos. Estão, com efeito, sob a proteção dos
deuses, e, sobretudo, sob a minha égide, rodeados pelo respeito universal.
Repetindo:
Essencialmente, a felicidade consiste em se [querer]
ser o que se é.
Ser
o que se é não significa
ser para sempre o que se é.
Segundo
a definição dos estóicos, a sabedoria consiste em ter
a razão por guia; a loucura, pelo contrário, consiste em obedecer
às paixões. Mas, para que a vida dos homens não seja
triste e aborrecida Júpiter deu-lhe mais paixão do que razão.
Mas,
já é tempo de que, seguindo o exemplo de Homero, passemos,
alternadamente, dos habitantes do céu aos da Terra, onde nada se
descobre de feliz e de alegre que não seja obra minha. Primeiro,
vós bem vedes com que providência a Natureza, esta mãe
produtora do gênero humano, dispôs que em coisa alguma faltasse
o condimento da loucura. Segundo a definição dos estóicos
o sábio é aquele que vive de acordo com as regras da razão
prescrita, e o louco, ao contrário, é o que se deixa arrastar
ao sabor de suas paixões. Eis porque Júpiter, com receio de
que a vida do homem se tornasse triste e infeliz, achou conveniente aumentar
muito mais a dose das paixões do que a da razão, de forma
que a diferença entre ambas é, pelo menos, de um para vinte
e quatro. Além disto, relegou a razão para um estreito cantinho
da cabeça, deixando todo o resto do corpo presa das desordens e da
confusão. Depois, ainda não satisfeito com isto, uniu Júpiter
à razão, que está sozinha, duas fortíssimas
paixões, que são como dois impetuosíssimos tiranos:
uma é a cólera, que domina o coração, centro
das vísceras e fonte da vida; a outra é a concupiscência,
que estende o seu império desde a mais tenra juventude até
à idade mais madura. Quanto ao que pode a razão contra estes
dois tiranos, demonstra-o bem a conduta normal dos homens. Prescreve os
deveres da honestidade, grita contra os vícios a ponto de ficar rouca,
e é tudo o que pode fazer; mas os vícios riem-se de sua rainha,
gritam ainda mais forte e mais imperiosamente do que ela, até que
a pobre soberana, não tendo mais fôlego, é constrangida
a ceder e a concordar com os seus rivais.
Um cumprimento gentil e delicado,
muitas vezes, apaga a inimizade e cria a amizade.
Toda
tolice, por mais grosseira que seja, sempre encontra sequazes.
O
Cristianismo, hoje, em lugar de pregar Jesus Cristo, deixa no esquecimento
o seu Nome e o põe de lado com leis lucrativas, altera a sua doutrina
com interpretações forçadas e, finalmente, o destrói
com exemplos pestilentos.
Uma
guerra gera outra; uma vingança puxa outra.
Se colocares em um prato de uma balança
as vantagens e no outro as desvantagens, perceberás que uma paz injusta
é muito melhor do que uma guerra justa.
Não
há prazer em possuir algo sem companhia.
O
lobo talvez mude a pele, mas nunca a alma.
O
melhor modo de venerar os santos é imitá-los.
Definir-me
seria dar-me limites, e minha força não conhece nenhum limite.
Um
mal não é um mal para quem não o sente. Que te importa
se todos te vaiam, se tu mesmo te aplaudes?
Na
minha opinião, o homem é tanto mais feliz quanto mais numerosas
são as suas modalidades de loucura.
Mesmo que tivesse cem línguas,
cem bocas e férrea voz, não poderia enumerar todos os tipos
de loucos nem todas as formas de loucura.
Quem
se insurge em geral contra todos os aspectos da vida não deve ser
inimigo de ninguém, mas unicamente do vício em toda a sua
extensão e totalidade.
Coisa
muito decorosa é zelar pelo próprio nome.
Quando
Plutão pareceu hesitar se devia incluir a mulher no gênero
dos animais racionais ou no dos brutos, não quis, com isto, significar
que a mulher fosse um verdadeiro bicho, mas pretendeu, ao contrário,
exprimir com esta dúvida a imensa dose de loucura do querido animal.
Se, porventura, alguma mulher meter na cabeça a idéia de passar
por sábia, só fará se mostrar duplamente louca, procedendo
mais ou menos como quem tentasse untar um boi, malgrado seu, com o mesmo
óleo com que se costumam ungir os atletas. Acreditai-me, pois, que
todo aquele que, agindo contra a natureza, se cobre com o manto da virtude,
ou afeta uma falsa inclinação, ou não faz senão
multiplicar os próprios defeitos. E isto porque, segundo o provérbio
dos gregos, 'o macaco é sempre macaco, mesmo vestido de púrpura.'
Assim também, a mulher é sempre mulher, isto é, é
sempre louca, seja qual for a máscara sob a qual se apresente.
Não
tens quem te elogie? Elogia-te a ti mesmo.
Tudo o que fazem os homens está
cheio de loucura. São loucos tratando com loucos. Por conseguinte,
se houver uma única cabeça que pretenda opor obstáculo
à torrente da multidão, só lhe posso dar um conselho:
que, a exemplo de Timão, se retire para um deserto, a fim de aí
gozar à vontade dos frutos de sua sabedoria.
Não
posso deixar de manifestar um grande desprezo, não sei se pela ingratidão
ou pelo fingimento dos mortais.
Com efeito, o que é definir?
É encerrar a idéia de uma coisa nos seus justos limites. E
o que é dividir? É separar uma coisa em suas diversas partes.
Ora, nem uma nem outra me convém. Como poderia me limitar, quando
o meu poder se estende a todo o gênero humano? E, como poderia me
dividir, quando tudo concorre, em geral, para sustentar a minha divindade?
Além disto, por que haveria de me pintar como sombra e imagem em
uma definição, quando estou diante dos vossos olhos e me vedes
em pessoa?
Haverá
no mundo coisa mais doce e mais preciosa do que a vida?
A
felicidade da velhice supera a da meninice. Não se pode negar que
a infância é muito feliz; mas, nesta idade, não se tem
o prazer de tagarelar, de resmungar por trás de todos, como fazem
os velhos, prazer que constitui o principal condimento da vida. Outra prova
do meu confronto é a recíproca inclinação que
se nota nos velhos e nos meninos, e o instinto que os leva a manterem entre
si boas relações. Assim é que se verifica que 'todo
semelhante ama o seu semelhante.' De fato, estas duas idades têm uma
grande relação entre si, e não vejo nelas outra diferença
senão as rugas da velhice e a porção de carnavais que
os primeiros têm sobre a corcunda. Quanto ao mais, a brancura dos
cabelos, a falta dos dentes, o abandono do corpo, o balbucio, a loquacidade,
as asneiras, a falta de memória, a irreflexão, numa palavra,
tudo coincide nas duas idades. Enfim, quanto mais entra na velhice, tanto
mais se aproxima o homem da infância, a tal ponto que sai deste mundo
como as crianças: sem desejar a vida e sem temer a morte.
Assim,
pois, as armas dos papas não consistem todas naquelas doces bênçãos
de que fala São Paulo e das quais são eles tão avaros.
Consistem elas em interdições, suspensões, gravames,
anátemas, pinturas vingadoras e naquele terribilíssimo castigo
pelo qual um beatíssimo padre pode mandar à vontade qualquer
alma para o inferno. Os nossos Santíssimos Pais de Cristo e os seus
vigários-gerais nunca empregam com maior zelo este espantoso castigo
do que no caso daqueles que, à instigação do demônio,
tentam diminuir ou danificar o patrimônio de São Pedro. Dizia
este bom apóstolo ao seu Mestre: — Deixamos tudo para seguir-Te.
— Compreendereis que grande sacrifício fez o pobre pescador!
Foi a fortuna o que ele conseguiu em virtude dessa renúncia; é
por isto que Sua Santidade glorificada possui terras, cidades e domínios,
e percebe impostos e taxas. E é, sobretudo, para defender e conservar
esta rica aquisição que os pontífices romanos costumam
condenar as almas. É verdade que nem ao menos poupam os corpos, e,
inflamados pelo zelo de Jesus Cristo, desfraldam a bandeira de Marte e,
sem piedade, empregam o ferro e o fogo para sustentar as suas razões.
Ron
Perlman (Salvatore)
– O Nome da Rosa –
Assim
como a Igreja cristã foi fundada com sangue, confirmada com sangue,
dilatada com sangue, assim também os papas a governam com sangue,
como se nunca Jesus Cristo tivesse existido para protegê-la e sustentá-la.
A guerra é, por natureza, tão cruel, que muito mais conviria
às feras do que aos homens; tão insensata que os poetas a
atribuíram às fúrias do inferno; tão pestilenta
que corrompe todos os costumes; tão iníqua que a fazem melhor
perversos ladrões do que homens probos e virtuosos; finalmente, tão
ímpia que nenhuma relação possui com Jesus Cristo nem
com sua moral. Isto não impede que alguns pontífices abandonem
todas as funções pastorais para se consagrar inteiramente
a este flagelo da Humanidade. Entre estes papas guerreiros, encontram-se
até velhos que agem com todo o vigor da juventude, que nenhuma consideração
têm pelo dinheiro, que suportam corajosamente a fadiga e não
têm o menor escrúpulo em fazer subverter as leis, a religião
e a Humanidade. Mas, não faltam eruditos aduladores para dar a este
manifestíssimo delírio o nome de zelo, piedade, valor. E acham
razões para provar que desembainhar a espada e cravá-la no
coração de um irmão não é absolutamente
infringir o grande mandamento da caridade para com o próximo.
Os
padres deveriam se lembrar que a tonsura significa a obrigação
de viver livres de qualquer paixão humana, para se consagrarem totalmente
às coisas do céu. Muito longe de fazerem tais reflexões,
incidem em toda sorte de volúpia, e julgam cumprir plenamente os
seus deveres e as suas obrigação de praticar o bem, como dizem
eles, quando murmuram, às pressas e entre os dentes, o ofício
divino. Santo Deus! Aposto que não há nenhuma divindade que
queira escutá-los e, muito menos, que possa compreendê-los.
É
verdade que Jesus Cristo mandou que os apóstolos arranjassem uma
espada, mas não das que servem de instrumento fatal nas mãos
dos ladrões e dos parricidas, e, sim, de uma Espada Espiritual que
penetrasse até ao fundo do Coração, que extirpasse
todas as paixões mundanas, a fim de que só a piedade reinasse
e dominasse no ânimo.
A
Religião Católica se coaduna perfeitamente com a loucura e
não tem a menor relação com a Sabedoria [ShOPhIa].
Platão definiu a FiloShOPhIa
como sendo a meditação da morte, porque tanto a FiloShOPhIa
como a morte destacam nossa alma das coisas visíveis e corporais.
Não
há presente melhor do que o bom conselho.
Muitos
te odiarão se te amares a ti próprio.
O
desejo de escrever desenvolve-se escrevendo. O gosto pela escrita cresce
à medida que se escreve.
O
estudo é o melhor viático da velhice.
Nada
é tão ranzinza e tão pedante como julgamentos dos homens
uns dos outros.
A
Natureza garante que os males do conhecimento não se espalhem progressivamente
pela Humanidade.
A
mente do homem é formada de tal sorte que é muito mais suscetível
à mentira do que verdade.
Você poderá livrar Lutero
de sua estante queimando os seus livros, mas a mente dos homens não
se livrará de suas idéias.
Lutero foi culpado de dois grandes
crimes: atingiu o Papa em sua coroa e os monges em sua barriga.
Uma
boa parte de um discurso consiste em saber como mentir.
Só
um intelecto sem escrúpulos não dá à Antigüidade
a devida reverência.
Qual
será a diferença entre aqueles que, na Caverna de Platão,
que só se maravilhavam com as sombras e as imagens dos objetos, e
o Filósofo que emergiu da Caverna e que passou a ver as coisas como
elas são?
Se
eles resolverem me atacar com um exército de seiscentos silogismos
e eu não me retratar, eles me acusarão de heresia.
A maioria dos príncipes, hoje,
é constituída de homens ignorantes da lei, quase inimigos
de seu povo, só cuidando das suas conveniências pessoais. São
libertinos sem um pensamento voltado para os interesses de seus países,
tudo fazendo exclusivamente visando o lucro para satisfazer seus desejos
pessoais.
Nunca
dê um conselho antes que lhe peçam.
O mundo inteiro é meu templo.
Nunca faltará um sacerdote enquanto houver homens.
Aquele
que evita a mó evita a refeição.
Tolos
são sem-número.
Todo
mundo odeia um prodígio porque detesta uma velha cabeça sobre
os ombros de um jovem.
O que é popularmente chamado
de fama não é nada; apenas um nome vazio e um legado do paganismo.
A
guerra é doce para aqueles que não passaram por ela.
Um
homem é um homem, um deus ou um lobo.
Não fique tão animado
com o ruído que você fez.
A
humildade é a verdade.
Grande
avidez na busca da riqueza, do prazer ou da honra não pode existir
sem pecado.
Nada
há nos reinos da Natureza, de sagrado ou de profano, dos quais o
lucro não possa ser espremido.
Convide
um homem sábio para jantar e ele irá aborrir os comensais
com seu sombrio silêncio ou com perguntas cansativas e amolantes.
Convide-o para dançar e você terá um camelo saracoteador.
Leve-o para um divertimento público e sua expressão facial
será o suficiente para estragar o entretenimento de todo mundo.
Um
valentão sempre acaba topando com outro mais valente do que ele.
Nunca
se troca a Constituição de um povo sem perturbações.
Feliz de quem nada deve!
Dissimular,
enganar, fingir, fechar os olhos aos defeitos dos amigos ao ponto de apreciar
e admirar grandes vícios como grandes virtudes, não será,
acaso, avizinhar-se da loucura?
Não
discutas com um louco, porque, então, serão dois loucos a
discutir.
Em
nenhuma outra ciência se despreza tanto o vulgo profano como na Matemática,
que consiste em triângulos, quadrados, círculos e outras figuras
geométricas semelhantes, que se sobrepõem umas às outras,
confundindo tudo como um labirinto. Por fim, a Matemática atordoa
os idiotas com diversas letras dispostas como um exército em ordem
de batalha e subdivididas em várias companhias.
O homem inteligente não urina
contra o vento.
Realmente não tenho paciência
com aqueles que dizem que a excitação sexual é vergonhosa
e que os estímulos eróticos têm a sua origem não
em a Natureza, mas no pecado. Nada está tão longe da verdade.
Em
um país de ceguetas, quem tem um olho é rei.
Eu
sou um amante da liberdade. Eu não vou e não posso servir
a um partido.
Se
há alguma verdade na lenda popular que o Anticristo nascerá
de um monge e uma freira (que é a história que as pessoas
continuam contando), quantos milhares de anticristos o mundo já deve
ter!
Eu
sou um cidadão do mundo conhecido por todos e para todos um estranho.
Existem mosteiros onde não
há qualquer disciplina e que são piores do que bordéis.
Há outros em que a religião nada mais é do que um ritual.
Estes são piores do que os primeiros, pois o Espírito de Deus
não está neles, e eles estão infla[ma]dos
com justiça própria.
Duvido
que se possa encontrar um único indivíduo em toda a Humanidade
livre de algum tipo de demência. A única diferença é
de grau.
Acredite
que você tem, e você tem!
A sorte favorece os audazes.
Um
constante elemento de prazer deve estar misturado com os nossos estudos,
de modo que nós pensemos na aprendizagem como um divertimento, em
vez de um tipo de escravidão. Nenhuma atividade pode ser continuada
por muito tempo, se, até certo ponto, ela não oferecer prazer
ao participante.
Não
se sinta culpado por possuir uma biblioteca. Sua biblioteca é o seu
paraíso.
O
tempo tira o sofrimento dos homens.
Um
homicídio faz um celerado; milhares de homicídios fazem um
herói.
Josef
Vissarionovitch Stalin (1878 – 1953)
De
maneira geral, os homens se acham felicíssimos no seu delírio.
Para
o homem feliz todos os países são sua pátria.
Sócrates
dizia que nada se deveria pedir aos deuses, com exceção do
bem.
Não saber nada é a
maior felicidade da vida.
Se
você continuar pensando sobre o que você quer ou deve fazer
ou o que você espera que aconteça, você não fará
nada, e nada irá acontecer.
Aquele
que permite a opressão compartilha do crime.
Esconder
o talento não traz reputação.
Quando
tenho um pouco de dinheiro, compro livros. Se sobrar algum, compro roupas
e comida.
É a amizade dos livros que
me fez muito feliz.
Só
se costuma defender a verdade quando não se é atingido por
ela.
Programa
humanista de Erasmo de Roterdã: a)
viver sem guerra; b) os governantes (príncipes antimaquiavélicos)
devem ser pessoas com saber (e não com dinheiro); c) nenhuma 'guerra
santa' (em nome de Deus); d) convivência pacífica das diferentes
religiões, sob a égide da igualdade; e e) contra a corrupção
eclesiástica.
Implicações
pedagógicas do programa humanista de Erasmo de Roterdã:
a)
adaptação da aula de língua latina às capacidades
cognitivas da criança; b) primazia do treino do pensamento em detrimento
da memorização; c) comunidades de ensino; e d) rechaço
ao castigo corporal.
Ilumine
com a sua Luz, e as trevas desaparecerão por si mesmas.