Epifenômeno Alzheimer da Silva

 

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

 

 

pifenômeno Alzheimer da Silva – Epi para os amigos e Epizinho para os seus mais de mil amores – era um homem bonitão e inteligente, sexualmente insaciável e comerciante espertíssimo que não estava nem aí para o playback. Com ar de galhofa, costumava dizer: — Dane-se o planeta; eu me chamo Epifenômeno e sou mais traquinas que o capeta. Se vacilar, não refresco. Ponho o sabre epifenomenal pra funcionar.

 

Não havia mulher que Epi não paquerasse, e em cada duas ganhava uma – quando não faturava as duas! – o que, estatisticamente, é inusitado e formidável, de dar inveja mesmo até no agente secreto a serviço do Governo de Sua Majestade James Bond ou no diplomata, jogador de pólo, piloto de automóveis e playboy internacional Porfirio "Rubi" Rubirosa, que, segundo o escritor norte-americano Truman Capote, possuía um membro genital com onze polegadas rigorosamente exatas de comprimento!!! Nada mais nada menos. Ainda hoje, os moedores de pimenta extralongos usados nos bistrôs franceses são meigamente chamados de Rubirosas. Bem, para quem não sabe, 1 polegada = 2,54 centímetros; agora, é só fazer a conta. Eu, que já fiz rapidinho a conta de cabeça e fiquei horripilado, só não sei como o senhor Capote, que adorava chocolates com licor, conseguiu medir o fenômeno com tanta precisão. Entretanto, cabe a pergunta: onze polegadas em posição de sentido ou em posição de descançar? Oh!, dúvida existencial atormentadora! Seja como for, Epi, que também jogava no time dos epifenomenais, mas nem tanto, tinha uma garçonnière na Avenida Prado Júnior, em Copacabana, no Rio de Janeiro, que era freqüentada pelas mais belas mulheres da Cidade Maravilhosa. Deus? Masculino? Nem pensar. — Agora, se o supremo mandatário do Universo fosse uma deusa... — troçava com bom humor. Acho isto meio desrespeitoso, mas...

 

 

 

 

Aos cinqüenta anos, contrariando todas as expectativas e pegando os amigos de surpresa, acabou se apaixonando por Maria, a cozinheira de uma lanchonete da Rua do Lavradio, no Rio, em que costumava almoçar com uma certa regularidade, e, inesperadamente, acabou se casando. De papel passado e tudo; no civil e no religioso! No religioso, claro, só para satisfazer o amor da sua vida. Como nos contos de fadas, os primeiros anos do casamento foram esplendíssimos, mas, derrepentemente, Epi começou a manifestar uma progressiva perda de memória, passando a confundir, inclusive, ave esfenisciforme da família dos esfeniscídeos com freira mendicante. Pode um treco destes? Confundir pingüim com freira?

 

Se, por exemplo, a esposa perguntava se ele queria almoçar, ou ele não respondia ou dava uma resposta extravagante. Às vezes ficava imóvel e mudo por horas. Outras vezes fazia xixi no sofá e cocô na varanda do apartamento. O pior era a fedentina. Era bodum para maligno nenhum botar defeito!

 

A coisa foi piorando tanto, que a dedicada esposa o convenceu a ir ao médico. Após alguns testes neuropsicológicos, o médico deu o diagnóstico: — Seu Alzheimer, é Alzheimer brabo misturado com debilidade senil no mais alto grau. Eu, se fosse o senhor, faria umas sessõezinhas de acupuntura e tomava 'Anacardium orientale'. Para o seu caso, cairiam como uma luva. Epi deu de ombros, mas Maria desmaiou.

 

Já em casa, Maria comentou: — E agora, Epizinho, o que vamos fazer? Estou preocupadíssima.

 

Você, eu não sei; eu vou comer um sanduíche de melancia. Espetadela de 'apuncuruta' e ana-sei-lá-o-quê, nem morto.

 

Está bem. Mas, sanduíche de melancia, querido? Agora? Acho meio indigesto. Daqui a pouco você vai dormir.

 

Vai ser de melancia, sim, porque de jaca mole eu já enjoei. E a culpa é sua, sua bruxa. Eu pedi para você comprar abóbora e você me apareceu com dois quilos jiló. Sanduíche de jiló, nem pra pagar promessa. Bruxa! Alcéia! Meméia!

 

 

 

 

Dois anos depois, Maria, esgotada, desalentada pelo bochorno de uma vida que prometia tudo, mas que deu em água de barrela, não resistiu: teve um infarto fulminante e morreu em pé, na cozinha, com um olho esbugalhado e outro fechado, enquanto preparava um sanduíche de lima-da-pérsia para o seu amado Epizinho. Um horror horripilético! Olga – uma abnegada empregada que, quando jovem, também não escapou do sabre epifenomenal do Epifenômeno – passou a cuidar maternalmente de Epi, como se ele fosse uma criança recém-nascida. Mas Epi, que à essa altura já apresentava um quadro complicadíssimo de agnosia e apraxia, só chamava Olga de Maria, e, sempre que ela dava sopa, gemebunda e voluptuosamente ele a bolinava. Se ela se livrava da situação embaraçosa, num rasgo de luzente lucidez, Epi choramingava no diminutivo: — Maria, não foge de minzinho; deixa o Epizinho pegar no peitinho... Só um pouquinho... Prometo que eu não aperto 'elezinho'. Eu tô tão 'precisandinho'! Só um pouquinho... Bem devagarinho... Só um pouquinho...

 

Olga sempre repetia mais ou menos a mesma chorumela: Nem devagarinho nem um pouquinho. Epizinho querido, já lhe falei, tô fechada pra balanço. E vê se me chama Olguinha, como antigamente, lá na 'garçô'. Maria já era; tá lá no céu.

 

 

 

 

Pouco tempo depois, em um sete de setembro cinzento e chuvoso, aos sessenta e cinco anos, aquele homem bonitão e inteligente, femeeiro que se gabava de ter transado com mais de mil mulheres, finalmente encontrou sua independência. Olga o encontrou caído no chão do seu quarto, morto, cara de bosta e corpo vermelho como uma melancia madura, todo cagado e mijado, com o dedo enfiado no nariz. Nem na morte Epi conseguiu se livrar daquela maniazinha de tirar cagaita! E mesmo já morto – acredite se quiser – ainda dava umas escarafunchadas! Agora, dantesco mesmo, mais difícil de acreditar ainda, era um cocozão, muito simpático por sinal, que, abichornado e inconsolado com a morte do seu dono, boiava solitário no xixi, de um lado para o outro, em volta do cadáver, sem saber como e qual seria o seu futuro dali em diante. Para a latrina é que ele não queria ir.

 

 

 

 

 

Morais do conto: 1ª) não há, no Universo, o excepcional ou o acidental; 2ª) não há bonitão ou rufião que não acabe tendo que dar plantão; e 3ª) somos causas e efeitos de nós mesmos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Observação:

A animação em flash que abre este conto foi obtida por empréstimo e editada de um GIF animado disponibilizado no Website photobucket.com. Assim sendo, o autor mantém a posse dos direitos legais previstos na legislação sobre a animação em flash. O endereço do Website citado é:

http://media.photobucket.com/image/%2522
Domino.gif%2522/Joblo201/Dominos.gif