A
necessidade é um mal, mas não há necessidade alguma
de viver com necessidade.
As
enfermidades duradouras proporcionam à carne mais prazer do que dor.
Nada
é suficiente para quem o suficiente é pouco.
Não
tema deus. Não se preocupe com a morte. O que é bom é
fácil de ter, e o que é terrível é fácil
agüentar.
A
vida do justo é pouco perturbada por inquietações;
já a do injusto é cheia das maiores inquietações.
Em
primeiro lugar, considerando a divindade como um ente imortal e bem-aventurado,
como sugere a percepção comum de divindade, não atribuas
a ela nada que seja incompatível com a sua imortalidade nem inadequado
à sua bem-aventurança; pensa a respeito dela tudo que for
capaz de conservar em ti a felicidade e a imortalidade.
Acostuma-te
à idéia de que, para nós, a morte não é
nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações,
e a morte é justamente a privação das sensações.
A consciência clara de que a morte não significa nada para
nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem
querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade.
Não
existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente
convencido de que não há nada de terrível em deixar
de viver.
O
sábio, porém, nem desdenha viver nem teme deixar de viver;
para ele, viver não é um fardo, e não-viver não
é um mal.
Nunca
devemos nos esquecer de que o futuro não é nem totalmente
nosso nem totalmente não-nosso, para não sermos obrigados
a esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza, nem nos
desesperarmos como se não estivesse por vir jamais.
Habituar-se
às coisas simples, a um modo de vida não luxuoso, portanto,
não só é conveniente para a saúde, como ainda
proporciona ao homem os meios para enfrentar corajosamente as adversidades
da vida. Nos períodos em que conseguimos levar uma existência
rica, predispõe o nosso ânimo para melhor aproveitá-la,
e nos prepara para enfrentar sem temor as vicissitudes da sorte.
Quando,
então, dizemos que o fim último é o prazer, não
nos referimos aos prazeres dos intemperantes ou aos que consistem no gozo
dos sentidos, como acreditam certas pessoas que ignoram o nosso pensamento,
ou não concordam com ele, ou o interpretam erroneamente, mas ao prazer
que é ausência de sofrimentos físicos e de perturbações
da alma. Não são, pois, bebidas nem banquetes contínuos,
nem a posse de mulheres e rapazes, nem o sabor dos peixes ou das outras
iguarias de uma mesa farta que tornam doce uma vida, mas um exame cuidadoso
que investigue as causas de toda escolha e de toda rejeição
e que remova as opiniões falsas em virtude das quais uma imensa perturbação
toma conta dos espíritos.
De
todas estas coisas, a prudência é o princípio e o supremo
bem, razão pela qual ela é mais preciosa do que a própria
Filosofia. É dela que se originaram todas as demais virtudes; é
ela que nos ensina que não existe vida feliz sem prudência,
beleza e justiça, e que não existe prudência, beleza
e justiça sem felicidade.
As
virtudes estão intimamente ligadas à felicidade, e a felicidade
é inseparável delas.
O
prazer é o princípio e o fim de uma vida feliz.
A
morte é uma quimera, porque enquanto eu existo, não existe
a morte, e quando existe a morte, eu já não existo.
A
morte, temida como o mais horrível dos males, não é,
na realidade, nada, pois enquanto nós somos, a morte não é,
e quando esta chega, nós não somos.
A
morte nada é para nós, pois aquilo que já foi dissolvido
não possui mais sentimentos. Aquilo, porém, que não
possui mais sentimentos, não nos importa.
Faz
tudo como se estivesses a ser contemplado.
O
apogeu do prazer será alcançado quando todas as dores forem
eliminadas. Pois, onde entrou o prazer não existem, enquanto ele
reinar, nem dores nem padecimentos, ou até ambos.
Se
aquilo que ocasiona prazer aos libertos eliminasse os receios do Espírito,
dos fenômenos da Natureza, da morte e das dores, e se ainda ensinasse
o conhecimento da limitação das ânsias, nada teríamos
a desaprovar nestas pessoas.
A
riqueza exigida pela Natureza é limitada e facilmente arranjada;
aquela, pelo contrário, que ambicionamos possuir em um tolo desejo
chega ao infinito.
A
segurança, perante os homens, pode ser fortificada, até um
certo grau, pelo poder e pela riqueza; aquela, porém, que é
conferida pela vida na tranqüilidade e no retiro da massa dos homens
é certamente mais genuína.
Verdade
é que o homem sensato não evita o prazer, e quando, finalmente,
as circunstâncias o obrigam a deixar a vida, ele não se comporta
como se esta ainda lhe devesse algo para a suprema existência.
A
faculdade de granjear amizades é, de longe, a mais eminente entre
todas aquelas que contribuem para a sabedoria da felicidade.
O
mesmo conhecimento a que devemos o consolo de que nenhum terror é
eterno ou que dure muito tempo, também nos deixa compreender que
durante o terror, de duração limitada, a verdadeira segurança
nos é proporcionada pela amizade.
Dentre
os desejos, alguns são dependentes da Natureza e necessários;
outros são dependentes da Natureza, porém não são
necessários; outros, ainda, nem são dependentes da Natureza
nem necessários, mas oriundos de uma vã ilusão.
Injustiça,
por si só, não é um mal. O verdadeiro mal reside no
receio desconfiado de que o ato possa vir a ser escondido do juiz competente.
Nascemos
uma única vez; uma segunda vez não nos é dada, e não
nasceremos mais por toda a eternidade.1
Se
não podemos ver-nos, trocar idéias, nem estar em companhia
um do outro, o sentimento do amor evaporar-se-á em pouco tempo.
Toda
amizade, por mais desejável que seja por si mesma, é, no fim
das contas, construída sobre o proveito próprio.
Ávidos
pelos bens distantes, não devemos desprezar os bens próximos;
lembremo-nos de que estes últimos também, outrora, foram ansiosamente
desejados.
Quem
exige ajuda constante e, do mesmo modo, quem nunca a presta, não
é amigo. O primeiro quer comprar o nosso esforço com o seu
afeto; o segundo nos rouba, para todo o futuro, a esperança consoladora.
Soube
que a apetência da tua carne te impele exageradamente às relações
sexuais. Segue-a, conforme o teu desejo, mas trata de não infringires
as leis, não ofenderes a decência, não magoares algum
amigo teu, não abalares a tua saúde e não desperdiçares
a tua fortuna. É difícil, porém, não ficar emaranhado
em uma destas dificuldades. O gozo do amor não traz proveito; devemos
até ficar contentes se não for prejudicial.
Cada
um sai da vida do mesmo modo como se tivesse acabado de nascer.2
Devemos
indagar, por ocasião de todos os desejos: o que há de acontecer
quando o meu apetite for satisfeito, e o que acontecerá se ele não
o for?
Nada
faças na vida algo que te cause medo se teu vizinho vier a sabê-lo.3
É
sem valor pedir aos deuses aquilo que nós mesmos podemos realizar.
Não
provamos nosso sentimento ao amigo compartilhando as suas lamentações,
mas, sim, com a nossa ajuda ativa.
O
fruto mais saboroso da auto-suficiência é a liberdade.
Pelo medo de ter de se contentar
com pouco, a maioria dos homens se deixa levar a atos que aumentam mais
ainda este medo.
Muitos
que alcançaram a riqueza não conseguiram um remédio
contra seus males; apenas os trocaram por males ainda piores.
As
leis existem para os sábios, não para que não pratiquem
injustiças, mas para que não as sofram.
Aquele
que inspira medo aos outros não está, ele próprio,
livre deste medo.
Se
queres a verdadeira liberdade, deves fazer-te servo da Filosofia.
Ou
Deus quer abolir o mal e não pode, ou
pode e não quer, ou não pode e não quer, ou
quer e pode. Se quer e não pode é impotente, o que não
pode ser em Deus. Se pode e não quer é perverso, o que igualmente
é contrário a Deus. Se não pode e não quer é
impotente e perverso; portanto, não pode ser Deus. Se
quer e pode – o que só convém a Deus – de
onde provém a existência do mal e por que Deus não o
elimina?
A
justiça é a vingança do homem em sociedade, como a
vingança é a justiça do homem em estado selvagem.
Não
podemos viver felizes se não formos justos, sensatos e bons; e não
podemos ser justos, sensatos e bons sem sermos felizes.
Das
coisas que a sabedoria proporciona para tornar a vida inteiramente feliz,
a maior de todas é uma amizade.
Na
discussão, o vencido obtém maior proveito, pois aprende o
que ainda não sabia.
Não
há o que temer na morte. Pode-se alcançar a felicidade e suportar
a dor.
Nenhum
prazer é em si um mal, porém certas coisas capazes de engendrar
prazeres trazem consigo maior número de males que de prazeres.
O
homem é rico desde que se familiariza com a pobreza.
O
impossível reside nas mãos inertes daqueles que não
tentam.
O
prazer de fazer o bem é maior do que o de recebê-lo.
O
prazer é o primeiro dos bens. É a ausência de dor no
corpo e de inquietação na alma.
Os
grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e às
tempestades.
Os prazeres do amor jamais nos serviram.
Devemos nos considerar felizes se não nos aborrecerem.
Somente
o justo desfruta de paz de espírito.
Tu,
que não és senhor do teu amanhã, não adies o
momento de gozar o prazer possível! Consumimos nossa vida a esperar
e morremos empenhados na espera do prazer.
Quem
não considera o que tem como a maior riqueza, será sempre
desditoso, ainda que seja dono do mundo.
Aquele
que melhor goza a riqueza é aquele que menos necessidade dela tem.
O desejo é a causa de todos
os males.
Não
temos tanta necessidade da ajuda dos amigos quanto da certeza da sua ajuda.
Só há um caminho para
a felicidade. Não nos preocuparmos com coisas que ultrapassam o poder
da nossa vontade.
O
homem sereno procura serenidade para si e para os outros.
Entre os homens, na maioria dos casos,
a inatividade significa torpor, e a atividade, loucura.
Queres
ser rico? Pois não te preocupes em aumentar os teus bens, mas sim
em diminuir a tua cobiça.
As
pessoas felizes lembram o passado com gratidão, alegram-se com o
presente e encaram o futuro sem medo.
O
justo é tranqüilíssimo; o injusto é sempre muito
solícito.
A
amizade e a lealdade residem em uma identidade de almas raramente encontrada.
Todo
o desejo incômodo e inquieto se dissolve no amor da verdadeira Filosofia.
Nunca
se protele o filosofar quando se é jovem nem se canse de o fazer
quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco
maduro nem demasiado maduro para conquistar a saúde da alma. E quem
diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou
assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou
a hora de ser feliz.
Assim como realmente a Medicina em
nada beneficia se não liberta os males do corpo, assim também
sucede com a Filosofia se não liberta as paixões da alma.
Não poderá afastar
o temor de aquilo a que damos importância quem não souber qual
é a natureza do Universo e que se [pre]ocupe com as fábulas
míticas. Por isto, não se podem gozar prazeres puros sem a
ciência da Natureza.
Os
átomos encontram-se eternamente em movimento contínuo, e uns
se afastam entre si uma grande distância, outros detêm o seu
impulso, quando, ao se desviarem, se entrelaçam com outros ou se
encontram envolvidos por átomos enlaçados ao seu redor. Isto
produz a natureza do vazio, que separa cada um deles dos outros, por não
ter capacidade de oferecer resistência. Então, a solidez própria
dos átomos, por causa do choque, lança-os para trás,
até que o entrelaçamento não anule os efeitos do choque.
E este processo não tem princípio, pois que são eternos
os átomos e o vazio.4
A
serenidade espiritual é o fruto máximo da justiça.
Se
queres enriquecer Pítocles, não lhe acrescentes riquezas:
diminui-lhe os desejos.
Realmente
não concordam com a bem-aventurança preocupações,
cuidados, iras e benevolências. O ser bem-aventurado e imortal não
tem incômodos, nem os produz aos outros, nem é possuído
de iras ou de benevolências, pois é no fraco que se encontra
qualquer coisa de natureza semelhante.
É
insensato aquele que diz temer a morte, não porque ela o aflija quando
sobrevier, mas porque o aflige prevê-la: o que não nos perturba
quando está presente inutilmente nos perturba também enquanto
o esperamos.
O essencial para a nossa felicidade
é a nossa condição íntima. E desta somos nós
os amos.
Se recusas todas as sensações,
não terás possibilidade de recorrer a nenhum critério
para julgar as que, entre elas, consideras falsas.5
Da
superfície dos corpos se desprende um eflúvio contínuo,
que se não manifesta como diminuição, visto que se
encontra compensado pelo afluxo, e conserva durante muito tempo a posição
e a ordem dos átomos do corpo sólido.
Não
haveria erro se não concebêssemos também outro movimento
em nós próprios, unido com ele, mas distinto. Por isto, se
não é confirmado ou desmentido nasce o erro; se é confirmado
ou não desmentido, a verdade.
Temos
de saber extrair pelo raciocínio conclusões concordantes com
os fenômenos. A sensação deve nos servir para proceder,
raciocinando, à indução de verdades que não
são acessíveis aos sentidos. E assim, é verdadeiro
tanto o que vemos com os olhos como aquilo que apreendemos mediante a intuição
mental.6
[Para
a explicação dos fenômenos naturais] não
se deve recorrer nunca à natureza divina; antes, deve-se conservá-la
livre de toda a tarefa e em sua completa bem-aventurança.
Devemos estar sempre atentos ao método
da multiplicidade [de causas
possíveis para os fenômenos naturais]. Adquire-se
tranqüilidade sobre todos os problemas resolvidos com o método
da multiplicidade, de acordo com os fenômenos, quando se cumpre com
a exigência de deixar subsistir as explicações convincentes.
Pelo contrário, quando se admite uma e se exclui a outra, que se
harmoniza igualmente com o fenômeno, é evidente que se abandona
a investigação naturalista para se cair no mito.
Antes de mais, nada provém
do nada, pois que, então, tudo nasceria sem necessidade de sementes.
E, se se dissolvesse no nada tudo o que desaparece, todas as coisas seriam
destruídas, anulando-se as partes nas quais se decompunham. E também
é certo que o todo foi sempre tal como é agora e será
sempre assim, pois nada existe nele que possa ser mudado. Com efeito, mais
além do todo não existe nada que penetrando nele produza a
sua transformação.
O Universo é corpo e espaço.
Com efeito, a sensação testemunha em todos os casos que os
corpos existem e, conformando-nos com ela, devemos argumentar com o raciocínio
sobre aquilo que não é evidente aos sentidos. E se não
existisse o espaço, que é chamado vazio, lugar e natureza
impalpável, os corpos não teriam onde estar nem onde se mover.
Alguns
corpos são compostos, e outros elementos dos compostos; e estes últimos
são indivisíveis e imutáveis, visto que é forçoso
que alguma coisa subsista na dissolução dos compostos. Se
assim não fosse, tudo deveria se dissolver em nada. São sólidos
por natureza, porque não têm nem onde nem como se dissolver.
De maneira que é preciso que os princípios sejam substâncias
corpóreas e indivisíveis.
Não
é necessário supor que em um corpo limitado existam corpúsculos
em número infinito nem de qualquer tamanho. Por conseguinte, não
só devemos excluir a divisão ao infinito em partes cada vez
menores, para não privarmos o todo da capacidade de resistência
e nos vermos constrangidos, na concepção dos compostos, a
reduzir os seres ao nada mediante a compressão, como também
não se deve supor que nos corpos limitados exista a possibilidade
de continuar passando até o infinito a partes cada vez menores. Porque,
se se afirma que em um corpo existem corpúsculos em número
infinito e em todos os graus de pequenez, é impossível conceber
como terminaria isto, e, então, como poderia ser limitada a grandeza
de cada corpo? Qualquer que fosse a grandeza dos corpúsculos, também
seria infinita a grandeza dos corpos.
Os átomos têm uma inconcebível
variedade de formas, pois não poderiam nascer tantas variedades,
se as suas formas fossem limitadas. E, para cada forma, são absolutamente
infinitos os semelhantes, ao passo que as variedades não são
absolutamente infinitas, mas simplesmente inconcebíveis. E se deve
supor que os átomos não possuam nenhuma das qualidades dos
fenômenos, exceto forma, peso, grandeza e todas as outras que são
necessariamente intrínsecas à forma. Porque toda qualidade
muda, mas os átomos não mudam,7
visto que é necessário que na dissolução dos
compostos permaneça alguma coisa de sólido e de indissolúvel
que faça realizar as mudanças, não no nada ou do nada,
mas, sim, por transposição.
Há
mundos infinitos ou semelhantes a este ou diferentes. Com efeito, sendo
os átomos infinitos em número, como já se demonstrou,
são levados aos espaços mais distantes. Realmente, tais átomos,
dos quais pode surgir ouse formar um mundo, não se esgotam nem em
um nem num número limitado de mundos, quer sejam semelhantes quer
sejam diversos destes. Por isto nada, impede a infinidade dos mundos.
A alma é corpórea,
composta de partículas sutis, difusa por toda a estrutura corporal,
muito semelhante a um sopro que contenha uma mistura de calor, semelhante
um pouco a um e um pouco a outro, e também muito diferente deles
pela sutileza das partículas, e também, por este lado, capaz
de se sentir mais em harmonia com o resto do organismo. Tudo isto manifestam
as faculdades da alma, os afetos, os movimentos fáceis e os processos
mentais, privados dos quais morremos. E é necessário admitir
que a alma leva em si a causa principal das sensações, mas
certamente estas não se produziriam se, de algum modo, não
estivessem contidas no resto do organismo. E o resto do organismo, tendo
preparado esta capacidade causal, participa ele próprio, por meio
dela, de semelhante condição, mas não de todas as condições
que ela adquire. Por isto, quando a alma se separa do corpo, este perde
a sensibilidade. Efetivamente, não tinha em si esta faculdade, mas
preparava-a para a outra, nascida juntamente com ele, a qual, posteriormente,
pela faculdade nela desenvolvida por meio do movimento, desenvolvendo imediatamente
para si a condição da sensibilidade, dava participação
ao corpo, por contato e correspondência. É por isto que a alma,
enquanto permanece no corpo, nunca pode perder a sensibilidade, mesmo se
desaparecer alguma parte do corpo, enquanto persiste uma excitação
à sensação, mesmo se desaparecer também alguma
faculdade da alma em virtude de uma destruição do corpo, quer
no seu todo, quer nas suas partes. O corpo, pelo contrário, mesmo
que fique intato, quer no seu todo, quer nas suas partes, deixa de possuir
sensibilidade quando dele se afastou o princípio que retém
unida a multidão dos átomos que constituem a natureza da alma.
E, também, no entanto, é verdadeiro se dizer que, logo que
se dissolve inteiramente o corpo, a alma se dissipa, e, disseminada, perde
a sua força e os seus movimentos, de tal modo que também ela
se torna insensível.
Nem
a posse das riquezas nem a abundância das coisas nem a obtenção
de cargos ou o poder produzem a felicidade e a bem-aventurança; produzem-na
a ausência de dores, a moderação nos afetos e a disposição
de espírito que se mantenha nos limites impostos pela Natureza.
Como o prazer é o primeiro
e inato bem, é igualmente por este motivo que não escolhemos
qualquer prazer; antes, pomos de lado muitos prazeres quando, como resultado
deles, sofremos maiores pesares. Portanto, preferimos muitas dores aos prazeres
quando, depois de longamente havermos suportado as dores, gozamos de prazeres
maiores. Por conseguinte, cada um dos prazeres possui por natureza um bem
próprio, mas não se deve escolher cada um deles; do mesmo
modo, cada dor é um mal, mas nem sempre se deve evitá-las.
Convém, então, valorizar todas as coisas de acordo com a medida
e o critério dos benefícios e dos prejuízos, pois que,
segundo as ocasiões, o bem nos produz o mal e, em troca, o mal, o
bem.
Realmente, não sei conceber
o bem, se suprimo os prazeres que se apercebem com o gosto, e suprimo os
do amor, os do ouvido e os do canto, e ponho também de lado as emoções
agradáveis causadas à vista pelas formas belas ou os outros
prazeres que nascem de qualquer outro sentido do homem. Não é
também verdade que a alegria espiritual seja a única da ordem
dos bens, porque sei também que a inteligência se alegra pelo
seguinte: pela esperança de tudo aquilo que nomeei antes e em cujo
gozo a natureza humana pode permanecer isenta de dor.
Quando te angustias com as tuas carência,
te esqueces da Natureza: a ti mesmo te impões infinitos desejos e
temores. Então, quem obedece à Natureza e não às
vãs opiniões, a si próprio se basta em todos os casos.
Com efeito, para o que é suficiente por natureza, toda a aquisição
é riqueza, mas, por comparação com o infinito dos desejos,
até a maior riqueza é pobreza.
É
fácil tudo o que a Natureza quer e difícil
o que é vaidade.
Encontro-me
cheio de prazer corpóreo quando vivo a pão e água,
e cuspo sobre os prazeres da luxúria, não por si próprios,
mas pelos inconvenientes que os acompanham.
A
quem não basta pouco, nada basta.
Quem
menos sente a necessidade do amanhã mais alegremente se prepara para
o amanhã. A vida do insensato é ingrata; encontra-se em constante
agitação e está sempre dirigida para o futuro. Recordemos
que o futuro não é nosso, para não termos de esperá-lo
como se estivesse para chegar, nem nos desesperarmos como se, em absoluto,
não estivesse para vir.
Cura
as desgraças com a agradecida memória do bem perdido e com
a convicção de que é impossível fazer que não
exista aquilo que já aconteceu.
A
justiça não tem existência por si própria, mas
sempre se encontra nas relações recíprocas, em qualquer
tempo e lugar, em que exista um pacto de não produzir nem sofrer
dano. Entre os animais que não puderam fazer pactos para não
provocar nem sofrer danos, não existe justo nem injusto; e o mesmo
sucede entre povos que não puderam ou não quiseram concluir
pactos para não prejudicar nem ser prejudicados.
Das normas prescritas como justas,
o que é considerado útil nas necessidades da convivência
recíproca tem o caráter do justo, embora no fim não
seja igual para todos os casos. Se, pelo contrário, se se estabelece
uma lei que depois não se revela conforme a utilidade da convivência
recíproca, então, já não é mais uma lei
justa nem conserva o caráter do justo.
O sábio não participará
da vida pública se não sobrevier causa para tal. Vive
ignorado.
Realizará o sábio coisas
que a lei proíbe, sabendo que permanecerão ocultas? Não
é fácil encontrar uma resposta absoluta!
A
Natureza, única para todos os seres, não fez os homens nobres
ou ignóbeis, mas, sim, as suas ações e as suas disposições
de espírito.
O
que é agora, será e sempre foi no tempo transcorrido.