ENTREVISTA COM MARCOLA
(Lasciate ogne speranza, voi ch'intrate!
1)

 

Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

 


A ENTREVISTA

 

 

Entrevistador: — Você é do PCC?

Marcola: — Mais do que isso. Eu sou um sinal de novos tempos. Eu era pobre e invisível... Vocês nunca me olharam durante décadas... E antigamente era mole resolver o problema da miséria... O diagnóstico era óbvio: migração rural, desnível de renda, poucas favelas, ralas periferias... A solução é que nunca vinha... Que fizeram? Nada. O Governo Federal alguma vez alocou uma verba para nós? Nós só aparecíamos nos desabamentos no morro ou nas músicas românticas sobre a "beleza dos morros ao amanhecer". Essas coisas... Agora, estamos ricos com a multinacional do pó. E vocês estão morrendo de medo... Nós somos o início tardio de vossa consciência social... Viu? Sou culto... Leio Dante na prisão...

Entrevistador: — Mas... a solução seria...

Marcola: — Solução? Não há mais solução, cara... A própria idéia de 'solução' já é um erro. Já olhou o tamanho das 560 favelas do Rio ? Já andou de helicóptero por cima da periferia de São Paulo? Solução como? Só viria com muitos bilhões de dólares gastos organizadamente, com um governante de alto nível, com uma imensa vontade política, crescimento econômico, revolução na educação, urbanização geral; e tudo teria de ser sob a batuta quase que de uma 'tirania esclarecida', que pulasse por cima da paralisia burocrática secular, que passasse por cima do Legislativo cúmplice (ou você acha que os 287 sanguessugas vão agir? Se bobear, vão roubar até o PCC...) e do Judiciário, que impede punições. Teria de haver uma reforma radical do processo penal do País, teria de haver comunicação e inteligência entre polícias municipais, estaduais e federais (nós fazemos até 'conference calls' entre presídios...).

Entrevistador: — Você não tem medo de morrer?

Marcola: — Vocês é que têm medo de morrer, eu não. Aliás, aqui na cadeia vocês não podem entrar e me matar... Mas eu posso mandar matar vocês lá fora.... Nós somos homens-bomba. Na favela há cem mil homens-bomba... Estamos no centro do insolúvel, mesmo... Vocês no bem e eu no mal e, no meio, a fronteira da morte, a única fronteira. Já somos uma outra espécie, já somos outros bichos, diferentes de vocês. A morte para vocês é um drama cristão numa cama, no ataque do coração... A morte para nós é o presunto diário, desovado numa vala... Vocês intelectuais não falavam em luta de classes, em 'seja marginal, seja herói'? Pois é: chegamos, somos nós! Ha, ha... Vocês nunca esperavam esses guerreiros do pó, né? Eu sou inteligente. Eu leio, li 3.000 livros e leio Dante... Mas meus soldados todos são estranhas anomalias do desenvolvimento torto deste País.

Entrevistador: — O que mudou nas periferias?

Marcola: — Grana. A gente hoje tem. Você acha que quem tem US$ 40 milhões como o Beira-Mar não manda? Com 40 milhões a prisão é um hotel, um escritório... Qual a polícia que vai queimar essa mina de ouro, tá ligado? Nós somos uma empresa moderna, rica. Se um funcionário vacila, é despedido e jogado no 'microondas'... ha, ha... Vocês são o Estado quebrado, dominado por incompetentes. Nós temos métodos ágeis de gestão. Vocês são lentos e burocráticos. Nós lutamos em terreno próprio. Vocês, em terra estranha. Nós não tememos a morte. Vocês morrem de medo. Nós somos bem armados. Vocês vão de três-oitão. Nós estamos no ataque. Vocês, na defesa. Nós fazemos vocês de palhaços. Nós somos ajudados pela população das favelas, por medo ou por amor. Vocês são odiados. Vocês são regionais, provincianos. Nossas armas e o nosso produto vêm de fora, somos globais. Nós não esquecemos de vocês; vocês são nossos fregueses. Vocês nos esquecem assim que passa o surto de violência.

Entrevistador: — Mas o que devemos fazer?

Marcola: — Vou dar um toque, mesmo contra mim. Peguem os barões do pó! Tem deputado, senador, tem generais, tem até ex-presidentes do Paraguai nas paradas da cocaína e das armas. Mas quem vai fazer isso? O Exército? Com que grana? Não tem dinheiro nem para o rancho dos recrutas... O País está quebrado sustentando um Estado morto a juros de 20% ao ano, e o Lula ainda aumenta os gastos públicos empregando 40 mil picaretas. O Exército vai lutar contra o PCC e o CV? Estou lendo o Klausewitz, 'Sobre a Guerra'. Não há perspectiva de êxito... Nós somos formigas devoradoras, escondidas nas brechas... A gente já tem até foguete antitanques... Se bobear, vão rolar uns 'stingers' aí... Pra acabar com a gente, só jogando bomba atômica nas favelas... Aliás, a gente acaba arranjando também "umazinha", daquelas bombas sujas mesmo.... Já pensou? Ipanema radioativa?

Entrevistador: — Mas... não haveria solução?

Marcola: — Vocês só podem chegar a algum sucesso se desistirem de defender a 'normalidade'. Não há mais normalidade alguma. Vocês precisam fazer uma autocrítica da própria incompetência. Mas vou ser franco... Na boa... Na moral. Estamos todos no centro do insolúvel. Só que nós vivemos dele; vocês... não têm saída. Só a merda. E nós já trabalhamos dentro dela. Olha aqui, mano: não há solução! Sabe por quê? Porque vocês não entendem nem a extensão do problema. Como escreveu o divino Dante: Lasciate ogne speranza, voi ch'intrate. Percam todas as esperanças. Estamos todos no inferno.

 

 

 

POEMA–COMENTÁRIO

 

 

Está muito certo o senhor Marcola.

Enquanto nós  

é esbulhadíssima a coisa pública.

Eles querem que se foda a República!

 

Está certíssimo o senhor Marcola.

Enquanto não metermos na cachola

que não devemos viver irresponsavelmente,

sofreremos física e mentalmente.

 

Está muito errado o senhor Marcola

em meter 'o divino Dante' no meio dessa corriola.

A citação não serve como exemplo ou remate.

 

Está erradíssimo o senhor Marcola

ao afirmar que 'não há solução!'

Ouça lá, meu irmão Marcola:

solução sim: ela está no seu Coração!

 

 

 

 

 

 

 

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Nota:

1. La Divina Commedia, Dante Alighieri, Inferno: Canto III.

Dinanzi a me non fuor cose create
se non etterne, e io etterno duro.
Lasciate ogne speranza, voi ch'intrate.

Música de fundo:

Cocaine (Eric Clapton)

If you wanna hang out you've got to take her out; cocaine.
If you wanna get down, down on the ground; cocaine.
She don't lie, she don't lie, she don't lie; cocaine.

If you got bad news, you wanna kick them blues; cocaine.
When your day is done and you wanna run; cocaine.
She don't lie, she don't lie, she don't lie; cocaine.

If your thing is gone and you wanna ride on; cocaine.
Don't forget this fact, you can't get it back; cocaine.
She don't lie, she don't lie, she don't lie; cocaine.

She don't lie, she don't lie, she don't lie; cocaine.

Fonte:

http://www.geocities.com/Hollywood/Lot/4534/Midi/

 

 

Nada pode contra um Coração que ama!!! NADA.