O
escravo está vendido de uma vez para sempre; o proletário
tem de se vender a si próprio diariamente e hora a hora. O indivíduo
escravo, propriedade de um senhor, tem uma existência assegurada,
por muito miserável que seja, em virtude do interesse do senhor;
o indivíduo proletário – propriedade, por assim dizer,
de toda a classe burguesa – a quem o trabalho só é comprado
quando alguém dele precisa, não tem a existência assegurada.
Esta existência está apenas assegurada a toda a classe dos
proletários. O escravo está fora da concorrência; o
proletário está dentro dela e sente todas as suas flutuações.
O escravo vale como uma coisa, não como um membro da sociedade civil;
o proletário é reconhecido como pessoa, como membro da sociedade
civil. O escravo pode, portanto, levar uma existência melhor do que
a do proletário, mas o proletário pertence a uma etapa superior
do desenvolvimento da sociedade e está, ele próprio, em uma
etapa superior à do escravo. O escravo liberta-se, ao abolir de entre
todas as relações de propriedade privada, apenas a relação
de escravatura, e ao tornar-se, assim, ele próprio proletário;
o proletário só pode libertar-se ao abolir a propriedade privada
em geral.
A
Revolução Industrial desenvolveu por toda a parte o proletariado
na mesma medida em que desenvolveu a burguesia. Na proporção
em que os burgueses se tornavam mais ricos, tornavam-se os proletários
mais numerosos. Uma vez que os proletários somente por meio do Capital
podem ter emprego e o Capital só se multiplica quando emprega trabalho,
a multiplicação do proletariado avança precisamente
ao mesmo passo que a multiplicação do Capital. Ao mesmo tempo,
concentra tanto os burgueses como os proletários em grandes cidades,
nas quais se torna mais vantajoso explorar a indústria, e com esta
concentração de grandes massas em um mesmo lugar dá
ao proletariado a consciência da sua força. Além disso,
quanto mais a Revolução Industrial se desenvolve, quanto mais
se inventam novas máquinas que suplantam o trabalho manual, tanto
mais a grande indústria reduz os salários ao seu mínimo
e torna, por esse fato, a situação do proletariado cada vez
mais insuportável. Deste modo, ela prepara, por um lado, com o descontentamento
crescente e, por outro lado, com o poder crescente do proletariado, uma
revolução da sociedade pelo proletariado.
A
grande indústria criou, com a máquina a vapor e as outras
máquinas, os meios para multiplicar até ao infinito a produção
industrial em um tempo curto e com poucos custos. Sendo a produção
tão fácil, a livre concorrência necessariamente decorrente
desta grande indústria muito depressa assumiu um caráter extremamente
intenso; um grande número de capitalistas lançou-se na indústria
e, a breve trecho, produzia-se mais do que podia ser consumido. A conseqüência
disto foi que as mercadorias fabricadas não podiam ser vendidas e
sobreveio uma chamada crise comercial. As fábricas tiveram de ficar
paradas, os fabricantes caíram na bancarrota e os operários
ficaram sem pão. Por toda a parte sobreveio a maior miséria.
Depois de algum tempo foram-se vendendo os produtos em excesso, as fábricas
voltaram a trabalhar, o salário subiu e, pouco a pouco, os negócios
passaram a ir melhor do que nunca. Mas não por muito tempo, já
que de novo voltaram a produzir-se mercadorias em excesso e sobreveio uma
nova crise, que seguiu precisamente o mesmo curso que a anterior. Assim,
desde o começo deste século, a situação da indústria
tem oscilado continuamente entre épocas de prosperidade e épocas
de crise, e quase regularmente, de cinco em cinco anos, ou de sete em sete
anos, sobreveio uma destas crises, de todas as vezes conjugada com a maior
miséria dos operários, com uma agitação revolucionária
geral e com o maior perigo para toda a ordem vigente.
A
nova ordem social tirará a exploração da indústria
e de todos os ramos da produção em geral das mãos de
cada um dos indivíduos singulares em concorrência uns com os
outros e, em vez disso, terá de fazer explorar todos esses ramos
da produção por toda a sociedade, isto é, por conta
da comunidade, segundo um plano da comunidade e com a participação
de todos os membros da sociedade. Abolirá, portanto, a concorrência,
e estabelecerá, em lugar dela, a associação. Uma vez
que a exploração da indústria por singulares tinha
como conseqüência necessária a propriedade privada, e
que a concorrência não é mais do que o modo da exploração
da indústria pelos proprietários privados individuais, a propriedade
privada não pode ser separada da exploração individual
da indústria nem da concorrência. A propriedade privada terá,
portanto, igualmente de ser abolida e, em seu lugar, estabelecer-se-á
a utilização comum de todos os instrumentos de produção
e a repartição de todos os produtos segundo acordo comum ou
a chamada comunidade dos bens. A abolição da propriedade privada
é mesmo a expressão mais breve e mais característica
desta transformação de toda a ordem social necessariamente
resultante do desenvolvimento da indústria, e, por isso, é
com razão avançada pelos comunistas como reivindicação
principal.
A
ordem social comunista sobre a família fará da relação
de ambos os sexos uma pura relação privada, que diz respeito
apenas às pessoas que nela participam e em que a sociedade não
tem de se imiscuir. Ela pode fazê-lo, uma vez que aboliu a propriedade
privada e educa as crianças comunitariamente e, por este fato, anula
as duas bases fundamentais do atual matrimônio: a dependência,
por intermédio da propriedade privada, da mulher relativamente ao
homem e dos filhos relativamente aos pais. Aqui se encontra também
a resposta à gritaria tão moralista dos filisteus contra a
comunidade comunista das mulheres. A comunidade das mulheres é uma
relação que pertence totalmente à sociedade burguesa
e, hoje em dia, reside inteiramente na prostituição. A prostituição
repousa, porém, sobre a propriedade privada, e cai com ela. Portanto,
a organização comunista, em vez de introduzir a comunidade
das mulheres, muito pelo contrário, suprime-a.
Os
socialistas dividem-se em três classes. A primeira classe consiste
nos partidários da sociedade feudal e patriarcal que foi aniquilada,
e que continua ainda a ser diariamente aniquilada, pela grande indústria,
pelo comércio mundial e pela sociedade burguesa por ambos criada.
Esta classe tira dos males da sociedade atual a conclusão de que
a sociedade feudal e patriarcal teria de ser restabelecida, porque estava
livre destes males. Todas as suas propostas se dirigem, por caminhos direitos
ou tortuosos, para este objetivo. Esta classe de socialistas reacionários,
apesar da sua pretensa compaixão e das suas lágrimas ardentes
pela miséria do proletariado, será, todavia, contínua
e energicamente combatida pelos comunistas porque: 1º) se esforça
por atingir algo puramente impossível; 2º) procura restabelecer
o domínio da aristocracia, dos mestres das corporações
e dos proprietários de manufaturas, com o seu cortejo de reis absolutos
ou feudais, de funcionários, de soldados e de padres, uma sociedade
que, por certo, estava livre dos males da sociedade atual, mas que, em contrapartida,
trazia consigo, pelo menos, outros tantos males, e não oferecia a
perspectiva de libertação dos operários oprimidos por
meio de uma organização comunista; e 3º) ela mostra os
seus verdadeiros desígnios quando o proletariado se torna revolucionário
e comunista, aliando-se, então, imediatamente com a burguesia contra
os proletários. A segunda classe consiste nos partidários
da sociedade atual aos quais os males dela necessariamente decorrentes provocaram
apreensões quanto à subsistência desta sociedade. Eles
procuram, por conseguinte, conservar a sociedade atual, mas eliminar os
males que a ela estão ligados. Com este objetivo, propõem,
uns, simples medidas de beneficência, outros, grandiosos sistemas
de reformas que, sob o pretexto de reorganizarem a sociedade, querem conservar
as bases da sociedade atual e, com elas, a sociedade atual. Estes socialistas
burgueses terão igualmente de ser combatidos constantemente pelos
comunistas, uma vez que eles trabalham para os inimigos dos comunistas e
defendem a sociedade que os comunistas querem precisamente derrubar. A terceira
classe consiste, finalmente, nos socialistas democráticos que, pela
mesma via que os comunistas, querem uma transição para o Comunismo,
mas com medidas que são suficientes para abolir a miséria
e fazer desaparecer os males da sociedade atual. Estes socialistas democráticos
ou são proletários que ainda não estão suficientemente
esclarecidos acerca das condições da libertação
da sua classe ou são representantes dos pequenos burgueses, uma classe
que, até à conquista da Democracia e das medidas socialistas
dela decorrentes, sob muitos aspectos, têm os mesmos interesses que
os proletários. Por isto, os comunistas entender-se-ão, nos
momentos de ação, com esses socialistas democráticos
e em geral terão de seguir com eles, de momento, uma política
o mais possível comum, desde que esses socialistas não se
ponham a serviço da burguesia dominante e não ataquem os comunistas.
É claro que este modo de ação comum não exclui
a discussão das divergências com eles.
A
moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade
feudal, não aboliu as oposições de classes. Apenas
pôs novas classes, novas condições de opressão
e novas configurações de luta no lugar das antigas. A nossa
época – a época da burguesia – distingue-se, contudo,
por ter simplificado as oposições de classes. A sociedade
toda cinde-se, cada vez mais, em dois grandes campos inimigos, em duas grandes
classes que diretamente se enfrentam: burguesia e proletariado. A burguesia
moderna é, ela própria, o produto de um longo curso de desenvolvimento,
de uma série de revolucionamentos nos modos de produção
e de intercâmbio. A burguesia, lá onde chegou à dominação,
destruiu todas as relações feudais, patriarcais e idílicas.
Rasgou, sem misericórdia, todos os variegados laços feudais
que prendiam o homem aos seus superiores naturais e não deixou outro
laço entre homem e homem que não o do interesse nu, o do insensível
'pagamento a pronto'. Afogou o frêmito sagrado da exaltação
pia, do entusiasmo cavalheiresco e da melancolia pequeno-burguesa na água
gelada do cálculo egoísta. Resolveu a dignidade pessoal no
valor de troca, e no lugar das inúmeras liberdades bem adquiridas
e certificadas pôs a liberdade única, sem escrúpulos,
de comércio. Em uma palavra: no lugar da exploração
encoberta com ilusões políticas e religiosas pôs a exploração
seca, direta, despudorada, aberta. A burguesia despiu da sua aparência
sagrada todas as atividades até aqui veneráveis e consideradas
com pia reverência. Transformou o médico, o jurista, o padre,
o poeta, o homem de ciência em trabalhadores assalariados pagos por
ela. A burguesia arrancou à relação familiar o seu
comovente véu sentimental e reduziu-a a uma pura relação
de dinheiro. A burguesia pôs a descoberto com a brutal exteriorização
de força, que a reação tanto admira na Idade Média,
vícios na mais indolente indiferença o seu complemento adequado.
Foi ela quem primeiro demonstrou o que a atividade dos homens pode conseguir.
Realizou maravilhas completamente diferentes das pirâmides egípcias,
dos aquedutos romanos e das catedrais góticas, levou a cabo expedições
completamente diferentes das antigas migrações de povos e
das cruzadas. A burguesia não pode existir sem revolucionar permanentemente
os instrumentos de produção, portanto as relações
de produção, portanto as relações sociais todas.
A conservação inalterada do antigo modo de produção
era, pelo contrário, a condição primeira de existência
de todas as anteriores classes industriais. O permanente revolucionamento
da produção, o ininterrupto abalo de todas as condições
sociais, a incerteza e o movimento eternos distinguem a época da
burguesia de todas as outras. Todas as relações fixas e enferrujadas,
com o seu cortejo de vetustas representações e intuições,
são dissolvidas, todas as recém-formadas envelhecem antes
de poderem ossificar-se. Tudo o que era dos Estados [ou
ordens sociais – 'ständisch'] e estável
se volatiliza, tudo o que era sagrado é dessagrado, e os homens são,
por fim, obrigados a encarar com olhos prosaicos a sua posição
na vida, as suas ligações recíprocas.
Examinando
as condições econômicas, industriais e agrícolas
que estão na base da atual sociedade burguesa, verificamos que tendem
a substituir cada vez mais a ação isolada pela ação
combinada dos indivíduos. A indústria moderna substituiu as
pequenas oficinas de produtores isolados pelas grandes fábricas e
oficinas onde centenas de operários vigiam máquinas complexas
movidas pelo vapor; os carros e as camionetas nas grandes estradas são
suplantados pelos comboios nas vias férreas, tal como as pequenas
escunas e faluas à vela o foram pelos barcos a vapor. A própria
agricultura caiu pouco a pouco no domínio da máquina e do
vapor, os quais substituem lenta, mas inexoravelmente, os pequenos proprietários
pelos grandes capitalistas que cultivam, com a ajuda de operários
assalariados, grandes superfícies de terrenos. Em todo o lado, a
ação independente dos indivíduos é substituída,
pela ação combinada, a complicação dos processos
interdependentes. Mas, quem diz ação combinada, diz organização;
ora, é possível a organização sem a autoridade?
Se,
pela ciência e pelo seu gênio inventivo, o homem submeteu as
forças da Natureza, estas se vingam, submetendo-o, já que
delas se usa com um verdadeiro despotismo independente de qualquer organização
social.
O
trabalho é a fonte de toda riqueza, afirmam os economistas. Assim
é, com efeito, ao lado da natureza, encarregada de fornecer os materiais
que ele converte em riqueza. O trabalho, porém, é muitíssimo
mais do que isso. É a condição básica e fundamental
de toda a vida humana. E em tal grau que, até certo ponto, podemos
afirmar que o trabalho criou o próprio homem.
A
mão não é apenas o órgão do trabalho;
é também produto dele. Unicamente pelo trabalho, pela adaptação
a novas e novas funções, pela transmissão hereditária
do aperfeiçoamento especial assim adquirido pelos músculos
e ligamentos e, num período mais amplo, também pelos ossos.
Unicamente pela aplicação, sempre renovada, dessas habilidades
transmitidas a funções novas e cada vez mais complexas foi
que a mão do homem atingiu esse grau de perfeição que
pôde dar vida, como por artes de magia, aos quadros de Rafael, às
estátuas de Thorwaldsen e à música de Paganini.
Nada
ocorre em a Natureza em forma isolada. Cada fenômeno afeta outro,
e é, por seu turno, influenciado por este.
Quanto
mais os homens se afastam dos animais, mais sua influência sobre a
Natureza adquire um caráter de uma ação intencional
e planejada, cujo fim é alcançar objetivos projetados de antemão.
Os animais destroçam a vegetação do lugar sem se dar
conta do que fazem. Os homens, em troca, quando destroem a vegetação
o fazem com o fim de utilizar a superfície que fica livre para semear
trigo, plantar árvores ou cultivar a videira, conscientes de que
a colheita que irão obter superará várias vezes o semeado
por eles. O homem traslada de um país para outro plantas úteis
e animais domésticos, modificando assim a flora e a fauna de continentes
inteiros. Mais ainda: as plantas e os animais, cultivadas aquelas e criados
estes em condições artificiais, sofrem tal influência
da mão do homem que se tornam irreconhecíveis.
Só
o que podem fazer os animais é utilizar a Natureza e modificá-la
pelo mero fato de sua presença nela. O homem, ao contrário,
modifica a Natureza e a obriga a servir-lhe, domina-a. E aí está,
em última análise, a diferença essencial entre o homem
e os demais animais, diferença que, mais uma vez, resulta do trabalho.
Contudo, não nos deixemos dominar pelo entusiasmo em face de nossas
vitórias sobre a Natureza. Após cada uma dessas vitórias,
a Natureza adota sua vingança. É verdade que as primeiras
conseqüências dessas vitórias são previstas por
nós, mas, em segundo e em terceiro lugar, aparecem conseqüências
muito diversas, totalmente imprevistas, e que, com freqüência,
anulam as primeiras.
Com
efeito, aprendemos cada dia a compreender melhor as leis da Natureza e a
conhecer tanto os efeitos imediatos como as conseqüências remotas
de nossa intromissão no curso natural de seu desenvolvimento. Sobretudo
depois dos grandes progressos alcançados neste século pelas
ciências naturais, estamos em condições de prever e,
portanto, de controlar cada vez melhor as remotas conseqüências
naturais de nossos atos na produção, pelo menos dos mais correntes.
E quanto mais isso seja uma realidade, mais os homens sentirão e
compreenderão sua unidade com a Natureza,
e mais inconcebível será essa idéia absurda e antinatural
da antítese entre o espírito e a matéria, entre o homem
e a Natureza, entre a alma e o corpo, idéia que começa a se
difundir pela Europa sobre a base da decadência da Antigüidade
clássica e que adquire seu máximo desenvolvimento no Cristianismo.
(Grifo
meu).
O
Socialismo moderno é, em primeiro lugar, por seu conteúdo,
fruto do reflexo na inteligência, de um lado dos antagonismos de classe
que imperam na moderna sociedade entre possuidores e despossuídos,
capitalistas e operários assalariados, e, de outro lado, da anarquia
que reina na produção. Por sua forma teórica, porém,
o Socialismo começa apresentando-se como uma continuação,
mais desenvolvida e mais conseqüente, dos princípios proclamados
pelos grandes pensadores franceses do século XVIII. Como toda nova
teoria, o Socialismo, embora tivesse suas raízes nos fatos materiais
econômicos, teve de ligar-se, ao nascer, às Idéias existentes.
Quando
nos detemos a pensar sobre a Natureza, ou sobre a história humana,
ou sobre nossa própria atividade espiritual, deparamo-nos, em primeiro
plano, com a imagem de uma trama infinita de concatenações
e influências recíprocas, em que nada permanece o que era,
nem como e onde era, mas tudo se move e se transforma, nasce e morre. Vemos,
pois, antes de tudo, a imagem de conjunto, na qual os detalhes passam ainda
mais ou menos para o segundo plano; fixamo-nos mais no movimento, nas transições,
na concatenação, do que no que se move, se transforma e se
concatena. Esta concepção do mundo, primitiva, ingênua,
mas essencialmente exata, é a dos filósofos gregos antigos,
e aparece claramente expressa pela primeira vez em Heráclito: tudo
é e não é, pois tudo flui, tudo se acha sujeito a um
processo constante de transformação, de incessante nascimento
e caducidade. Mas essa concepção, por mais exatamente que
reflita o caráter geral do quadro que nos é oferecido pelos
fenômenos, não basta para explicar os elementos isolados que
formam esse quadro total; sem conhecê-los, a imagem geral não
adquirirá tampouco um sentido claro. Para penetrar nesses detalhes,
temos de despregá-los do seu tronco histórico ou natural e
investigá-los separadamente, cada qual por si, em seu caráter,
causas, efeitos especiais etc. Tal é a missão primordial das
ciências naturais e da História, ramos de investigação
que os gregos clássicos situavam, por motivos muito justificados,
em um plano puramente secundário, pois, primariamente, deviam dedicar-se
a acumular os materiais científicos necessários. Enquanto
não se reúne uma certa quantidade de materiais naturais e
históricos, não se pode proceder ao exame crítico,
à comparação e, conseqüentemente, à divisão
em classes, ordens e espécies. Por isto, os rudimentos das ciências
naturais exatas não foram desenvolvidos senão a partir dos
gregos do período alexandrino e, mais tarde, na Idade Média,
pelos árabes; a ciência autêntica da Natureza data semente
da segunda metade do século XV e, desde então, não
fez senão progredir a ritmo acelerado. A análise da Natureza
em suas diversas partes, a classificação dos diversos processos
e objetos naturais em determinadas categorias, a pesquisa interna dos corpos
orgânicos segundo sua diversa estrutura anatômica, foram outras
tantas condições fundamentais a que obedeceram os gigantescos
progressos realizados, durante os últimos quatrocentos anos, no conhecimento
científico da Natureza. Esses métodos de investigação,
porém, nos transmitiram, ao lado disso, o hábito de enfocar
as coisas e os processos da Natureza isoladamente, subtraídos à
concatenação do grande todo. Portanto, não em sua dinâmica,
mas estaticamente; não como substancialmente variáveis, mas
como consistências fixas; não em sua vida, mas em sua morte.
Por isto, esse método de observação, ao transplantar-se,
com Bacon e Locke, das ciências naturais para a Filosofia, determinou
a estreiteza específica característica dos últimos
séculos: o método metafísico de especulação.
Somente
seguindo o caminho da Dialética, não perdendo jamais de vista
as inumeráveis ações e reações gerais
do devenir e do perecer, das mudanças de avanço e retrocesso,
chegaremos a uma concepção exata do Universo, do seu desenvolvimento
e do desenvolvimento da Humanidade, assim como da imagem projetada por esse
desenvolvimento nas cabeças dos homens. E foi esse, com efeito, o
sentido em que começou a trabalhar, desde o primeiro momento, a moderna
Filosofia alemã. Kant iniciou sua carreira de filósofo dissolvendo
o sistema solar estável de Newton e sua duração eterna
– depois de recebido o primeiro impulso – em num processo histórico:
no nascimento do Sol e de todos os planetas a partir de uma massa nebulosa
em rotação. Daí, deduziu que essa origem implicava
também, necessariamente, na morte futura do Sistema Solar. Meio século
depois, sua teoria foi confirmada matematicamente por Laplace e, ao fim
de outro meio século, o espectroscópio veio demonstrar a existência
no espaço daquelas massas ígneas de gás, em diferente
grau de condensação.
A
Filosofia alemã moderna encontrou sua culminância no sistema
de Hegel, em que pela primeira vez – e aí está seu grande
mérito – se concebe todo o mundo da Natureza, da História
e do Espírito como um processo, isto é, em constante movimento,
mudança, transformação e desenvolvimento, tentando,
além disso, ressaltar a intima conexão que preside esse processo
de movimento e desenvolvimento. Contemplada deste ponto de vista, a História
da Humanidade já não aparecia como um caos inóspito
de violências absurdas, todas igualmente condenáveis diante
do foro da razão filosófica hoje já madura, e boas
para serem esquecidas quanto antes, mas como o processo de desenvolvimento
da própria Humanidade, que cabia, agora, ao pensamento acompanhar
em suas etapas graduais e através de todos os desvios, e demonstrar
a existência de leis internas que orientam tudo aquilo que, à
primeira vista, poderia parecer obra do acaso cego.
A
concepção materialista da história parte da tese de
que a produção, e com ela a troca dos produtos, é a
base de toda a ordem social; de que em todas as sociedades que desfilam
pela História, a distribuição dos produtos, e juntamente
com ela a divisão social dos homens em classes ou camadas, é
determinada pelo que a sociedade produz e como produz e pelo modo de trocar
os seus produtos. De conformidade com isto, as causas profundas de todas
as transformações sociais e de todas as revoluções
políticas não devem ser procuradas nas cabeças dos
homens nem na idéia que eles façam da verdade eterna ou da
eterna justiça, mas nas transformações operadas no
modo de produção e de troca; devem ser procuradas não
na Filosofia, mas na Economia da época de que se trata. Quando nasce
nos homens a consciência de que as instituições sociais
vigentes são irracionais e injustas, de que a razão se converteu
em insensatez e a bênção em praga, isto não é
mais do que um indício de que nos métodos de produção
e nas formas de distribuição produziram-se silenciosamente
transformações com as quais já não concorda
a ordem social, talhada segundo o padrão de condições
econômicas anteriores. E assim, já está dito que nas
novas relações de produção têm forçosamente
que se conter – mais ou menos desenvolvidos – os meios necessários
para pôr termo aos males descobertos. E esses meios não devem
ser tirados da cabeça de ninguém, mas a cabeça é
que tem de descobri-los nos fatos materiais da produção, tal
e qual a realidade os oferece.
Ao
se apossar a sociedade dos meios de produção, cessa a produção
de mercadorias e, com ela, o domínio do produto sobre os produtores.
A anarquia reinante no seio da produção social cede lugar
a uma organização planejada e consciente. Cessa a luta pela
existência individual e, assim, em certo sentido, o homem sai definitivamente
do reino animal e se sobrepõe às condições animais
de existência, para submeter-se a condições de vida
verdadeiramente humanas. As condições que cercam o homem e
até agora o dominam, colocam-se, a partir deste instante, sob seu
domínio e sob seu comando, e o homem, ao se tomar dono e senhor de
suas próprias relações sociais, converte-se, pela primeira
vez, em senhor consciente e efetivo da Natureza. As leis de sua própria
atividade social, que até agora se erguiam frente ao homem como leis
naturais, como poderes estranhos que o submetiam a seu império, são
agora aplicadas por ele com pleno conhecimento de causa e, portanto, submetidas
a seu poderio. A própria existência social do homem, que até
aqui era enfrentada como algo imposto pela Natureza e pela História,
é, de agora em diante, obra livre sua. Os poderes objetivos e estranhos,
que até aqui vinham imperando na História, colocam-se sob
o controle do próprio homem. Só a partir de então,
ele começa a traçar a sua História com plena consciência
do que faz. E só daí em diante, as causas sociais postas em
ação por ele começam a produzir predominantemente,
e, cada vez em maior medida, os efeitos desejados. É o salto da Humanidade
do reino da necessidade para o reino da liberdade.
A
concepção materialista da História e a revelação
do segredo da produção capitalista através da mais-valia,
nós as devemos a Karl Marx. Graças a elas o Materialismo converte-se
em uma ciência, que só nos resta desenvolver em todos os seus
detalhes e concatenações.
O
desenvolvimento político, jurídico, filosófico, religioso,
literário, artístico etc., repousa sobre o desenvolvimento
econômico. Mas reagem todos igualmente uns sobre os outros, assim
como sobre a base econômica.
O
movimento proletário é o movimento autônomo da imensa
maioria no interesse da imensa maioria.
Os
pensamentos da classe dominante são também, em todas as épocas,
os pensamentos dominantes, ou seja, a classe que tem o poder material dominante
em uma dada sociedade é também a potência dominante
espiritual. A classe que dispõe dos meios de produção
material dispõe igualmente dos meios de produção intelectual,
de tal modo que o pensamento daqueles a quem são recusados os meios
de produção intelectual está submetido igualmente à
classe dominante. Os pensamentos dominantes são apenas a expressão
ideal das relações materiais dominantes concebidas sob a forma
de idéias e, portanto, a expressão das relações
que fazem de uma classe a classe dominante; dizendo de outro modo, são
as idéias do seu domínio. Os indivíduos que constituem
a classe dominante possuem, entre outras coisas, uma consciência,
e é em conseqüência disto que pensam; na medida em que
dominam enquanto classe e determinam uma época histórica em
toda a sua extensão, é lógico que esses indivíduos
dominem em todos os sentidos, que tenham, entre outras, uma posição
dominante como seres pensantes, como produtores de idéias, que regulamentem
a produção e a distribuição dos pensamentos
da sua época; as suas idéias são, portanto, as idéias
dominantes da sua época. Consideremos, por exemplo, um país
e um tempo em que o poder real, a aristocracia e a burguesia disputam o
poder e onde este é portanto partilhado; vemos que o pensamento dominante
é aí a doutrina da divisão dos poderes, por isso enunciada
como 'lei eterna'.
Qual
a posição dos comunistas diante dos proletários em
geral? Os comunistas não formam um partido à parte, oposto
aos outros partidos operários. Não têm interesses que
os separem do proletariado em geral. Não proclamam princípios
particulares, segundo os quais pretenderiam modelar o movimento operário.
Os comunistas só se distinguem dos outros partidos operários
em dois pontos: 1º) nas diversas lutas nacionais dos proletários,
destacam e fazem prevalecer os interesses comuns do proletariado, independentemente
da nacionalidade; 2º) Nas diferentes fases por que passa a luta entre
proletários e burgueses, representam, sempre, e em toda parte, os
interesses do movimento em seu conjunto. Praticamente, os comunistas constituem,
pois, a fração mais resoluta dos partidos operários
de cada país, a fração que impulsiona as demais; teoricamente
têm sobre o resto do proletariado a vantagem de uma compreensão
nítida das condições, da marcha e dos fins gerais do
movimento proletário. O objetivo imediato dos comunistas é
o mesmo que o de todos os demais partidos proletários: constituição
dos proletários em classe, derrubada da supremacia burguesa, conquista
do poder político pelo proletariado. As concepções
teóricas dos comunistas não se baseiam, de modo algum, em
idéias ou princípios inventados ou descobertos por tal ou
qual reformador do mundo. São apenas a expressão geral das
condições reais de uma luta de classes existente, de um movimento
histórico que se desenvolve sob os nossos olhos.
Os
que no regime burguês trabalham não lucram, e os que lucram
não trabalham.
Segundo
a concepção materialista da História, o fator determinante
na História é, em última instância, a produção
e a reprodução da vida real.
Um
grama de ação vale mais do que uma tonelada de teoria.
As
mais exploradas são as mães do nosso povo. Elas estão
de mãos e pés amarrados pela dependência econômica.
São forçadas a vender-se no mercado do casamento, como suas
irmãs prostitutas no mercado público.
Como
o Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo das classes, e como,
ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito delas, é, por regra geral,
o Estado da classe mais poderosa, da classe economicamente dominante, classe
que, por intermédio dele, se converte também em classe politicamente
dominante e adquire novos meios para a repressão e exploração
da classe oprimida.
Quando
for possível falar de liberdade, o Estado como tal deixará
de existir.
A
religião nasce das concepções restritas do homem.