Este
estudo se constitui da 3ª e última parte de um conjunto de
fragmentos garimpados e eventualmente comentados na obra A
Eliminação do Tempo Psicológico (em
inglês, The
Ending of Time) – transcrição
de um debate, ocorrido de abril a setembro de 1980, entre Jiddu Krishnamurti
e o físico estadunidense David Joseph Bohm (Wilkes-Barre, 20 de
dezembro de 1917 – Londres, 27 de outubro de 1992), que criou o
conceito de Ordem
Implícita, que expressa em linguagem científica
o antigo conceito esotérico de Akasha
ou Luz Astral.
Sua obra está toda alicerçada na Teoria Quântica,
na Relatividade e em questões filosóficas. A história
da vida de David Bohm e os altos e baixos enfrentados por ele constituem
um exemplo concreto de como mesmo um cidadão intelectualmente honesto,
inteligente e capaz de raciocinar filosoficamente deve enfrentar e aceitar
duras desilusões como parte da sua busca da Verdade. Como ensinava
Helena Petrovna Blavatsky (12 de agosto de 1831 – Londres, 8 de
maio de 1891), não
há possibilidade de pegar uma carona no caminho espiritual.
Toda aprendizagem autêntica é um processo autônomo,
ou seja, pessoal, no qual é necessário largar nossas ilusões
prediletas para descobrir pontos de vista novos e mais amplos. E mesmo
estas visões mais amplas da verdade ainda serão parciais,
e terão que ser continuamente questionadas no futuro, pois, todas
as verdades que apreendemos são e serão sempre relativas.
Breve
Biografia
Jiddu
Krishnamurti
Jiddu
Krishnamurti (Madanapalle, 11 de maio de 1895 – Ojai, 17 de fevereiro
de 1986) foi um filósofo, escritor, orador e educador indiano.
Proferiu discursos que envolveram temas como revolução psicológica,
meditação, conhecimento, liberdade, relações
humanas, a natureza da mente, a origem do pensamento e a realização
de mudanças positivas na sociedade global. Constantemente, ressaltou
a necessidade de uma revolução na psique de cada ser humano,
e enfatizou que tal revolução não poderia ser levada
a cabo por nenhuma entidade externa seja religiosa, seja política,
seja social. Uma revolução que só poderia ocorrer
através do autoconhecimento, bem como da prática correta
da meditação do ser-humano-aí-no-mundo liberto
de toda e qualquer forma de autoridade psicológica.
O
cerne dos seus ensinamentos consiste na afirmação de que
a necessária e urgente mudança fundamental da sociedade
só poderá acontecer através da transformação
da consciência individual. A necessidade do autoconhecimento e da
compreensão das influências restritivas e separativas das
religiões organizadas, dos nacionalismos e de outros condicionamentos
foram por ele constantemente realçadas.
Fragmentos
Krishnamurtianos
Jiddu
Krishnamurti:
O cérebro humano, que vem evoluindo há milhões e
milhões de anos, funciona através de padrões culturais
estabelecidos. Seja um padrão religioso, um padrão científico,
um padrão comercial, um padrão familiar ou outro qualquer,
o nosso cérebro está sempre operando e funcionando em pequenos
círculos estreitos [miragens,
ilusões, manias, coisismos, achismos, crendices, preconceitos etc.
que, de modo geral, não têm fundamento]. Estes
círculos se chocam uns com os outros, e não parece haver
um fim para isto. A questão é: o que, então, poderá
interromper esta formação de padrões, de modo que
não se volte a cair em padrões novos equivocados, e que,
em vez disso, todo o sistema de padrões, seja ele agradável
ou desagradável, seja demolido? Afinal de contas, o cérebro
sofreu muitos choques, desafios e pressões, e se ele não
for capaz de se renovar ou de rejuvenescer, há muito pouca esperança
para todos nós.
Jiddu
Krishnamurti e David Bohm:
Nosso cérebro, normalmente, está muito ocupado com apegos,
manias, coisismos, conflitos, esforços, temores e prazeres. E esta
ocupação dá ao cérebro sua própria
energia. Mas, se ele não estiver ocupado com estas coisas, ou seja,
se destas coisas estiver desocupado, terá a energia necessária
para romper todos os padrões estabelecidos. Enfim, se o cérebro
estiver pensando de maneira racional, ele permanecerá forte, e
não se deteriorará nem encolherá. Por outro lado,
se ele se mantiver em um movimento irracional, ele colapsará. E
também, se ele ficar preso em uma rotina, preso a um padrão,
ele começará a morrer. Enfim, se o cérebro ficar
preso a qualquer rotina repetitiva, a qualquer padrão ou a qualquer
diretriz, ele encolherá fisicamente e acabará morrendo.
[O fideísmo, por
exemplo, é um exemplo disto. Outro exemplo é o nacionalismo.
Um terceiro exemplo é a meditação repetitiva e sistemática.
Um último exemplo é a mania de você.] E
é isto o que está acontecendo à nossa civilização,
que está desmoronando por causa do excesso e da acumulação
de conhecimento. Portanto,
precisamos questionar toda a idéia que temos do conhecimento.
Jiddu
Krishnamurti:
As
pessoas que passaram anos e anos apenas meditando são as mais apáticas
sobre a Terra.
Jiddu
Krishnamurti e David Bohm:
A acumulação de conhecimento psicológico é,
em si, um fator de encolhimento do cérebro. Por quê? Porque
conduz o cérebro ao hábito, porque torna as coisas estáveis,
porque forma padrões, porque torna a vida uma rotina, etc. Então,
o que se conclui? Que a morte ou degeneração das células
cerebrais ocorre em função da má utilização
do cérebro. Que qualquer atividade repetitiva, qualquer método,
qualquer rotina, lógica ou ilógica, dirigidos em um sentido
estreito e limitado, afetam efetivamente o cérebro. Que as imagens
que criamos e que formamos sobre nós mesmos também se tornam
rotina, e tudo isto ajuda a ocasionar um encolhimento cerebral. Todavia,
as células cerebrais poderão se renovar e o cérebro
poderá rejuvenescer sem qualquer encolhimento. O fato é
que a nossa percepção é, geralmente, dirigida pelo
conhecimento, pelo passado, que é o conhecimento percebendo e a
ação surgindo, sempre atuando a partir disto. Este é
um fator de encolhimento do cérebro e de senilidade. Contudo, há
uma percepção que não está ligada ao tempo.
Há uma ação que pode ser imediata. Seja como for,
só se rompermos o padrão do tempo [o
que não significa que o relógio irá parar], só
se nos alforriarmos do tempo, só se nos libertarmos da tradição
[miragens + ilusões] de séculos, de milênios,
só se nos livrarmos da insalubridade generalizada da nossa existência,
só se abolirmos todas as tensões, só se não
tivermos esperanças fictícias, só se subjugarmos
o ego, só se não nos esforçarmos psicologicamente
para nos tornarmos alguma coisa, só se fizermos cessar os fatores
de separação, só se compreendermos que não
há individualidade –
o self-ligado-ao-tempo, a falácia que cria a criou a individualidade
– o cérebro
sairá do seu padrão-prisão [que
nada tem a ver com imortalidade], e outra coisa ocorrerá.
Enfim, o término do sofrimento só surgirá quando
o self, que é construído através do tempo, não
estiver mais presente e não atuar mais. Finalmente, todas estas
coisas não dependem de comprovação, e, sim, de ação.
Ajamos, descubramos, experimentemos e mudemos.
—
Sempre fui preconceituoso,
e
meu cérebro acabou encolhendo,
degenerando
e morrendo.
Jiddu
Krishnamurti:
Eis o grande problema: o ser humano, por ser irracional diz: recuso-me
a ver a racionalidade. Então, por exemplo, se ou quando virmos
a falácia de toda a tolice religiosa, ela estará terminada!
Jiddu
Krishnamurti:
Quando a nossa consciência está vazia do conteúdo
do tempo, não há consciência como nós a conhecemos.
[É isto que eu denomino
de transracionalidade.] Só
a visão intuitiva [que
eu prefiro denominar de visão transintuitiva] provocará
as necessárias transformações no cérebro,
pois, ela não está ligada ao tempo. E não haverá
mais desperdício de energia. Precisamos, portanto, aprender a esvaziar
a consciência. Silêncio. Enfim, visão intuitiva é
meditação, e vice-versa. Meditação
é essa penetração, essa sensação de
se mover sem qualquer passado, sem tempo, sem vir-a-ser.
Jiddu
Krishnamurti:
Quando a mente está totalmente vazia de todas as coisas que o pensamento
colocou ali, começa, então, a verdadeira meditação.
Jiddu
Krishnamurti:
A ordem da Natureza é Ordem.
Ordem
David
Bohm:
O
ponto central da ordem e da matemática é a ausência
de contradição.
Jiddu
Krishnamurti:
Poderá o cérebro, um dia, ficar livre de todas as imposições,
de todas as pressões, de todas os ferimentos, de todas as mágoas
e de todas as banalidades da existência, que o empurram em diferentes
direções? [Seja
como for, o que jamais podemos esquecer é que, com ou sem contradições,
com ou sem desarmonias,
com
ou sem
desequilíbrios, a vida
nunca perde o seu significado!]
Jiddu
Krishnamurti e David Bohm:
O nosso cérebro permanece preso aos padrões estabelecidos
porque ele se sente seguro, apesar de todos os seus conflitos e de toda
a sua miséria. Ele tem medo de que aconteça uma coisa nova,
[que ele não controle],
e, assim, acredita que sempre encontrará abrigo na antiga
tradição. Então, ele se ilude com relação
à desordem, pois, não parece ser capaz de percebê-la
claramente. O momentum da repetição-imitação
está sempre presente. O tempo é toda a nossa existência
[que conhecemos], e,
por isto, nos refugiamos no passado, que, [de
certa forma e até um certo ponto, é seguro],
e não pode ser alterado. E mesmo quando o ser-humano-aí-no-mundo
tenta transformar as coisas, ele ainda está atuando a partir do
passado. Mesmo o melhor é ainda algo relacionado com o passado.
E se alcançarmos alguma coisa, isto ainda será passado.
Definitivamente, enquanto tivermos raízes no passado, não
poderá haver Ordem. Estamos dispostos a
enfrentar o Vazio Absoluto? Estamos dispostos a abandonar completamente
o nosso passado? Estamos dispostos a nos livrar das nossas miragens e
das nossas ilusões? Estamos dispostos a transmutar as emoções
fortes e perseverantes como o ódio, a violência, o preconceito,
a xenofobia, o nacionalismo, o religiosismo, a tradição,
a má vontade, a separatividade, a ofensividade etc.? [Só
se estivermos dispostos a mudar tudo isto poderemos, então, começar
a ficar curados de nós mesmos.]
Jiddu
Krishnamurti e David Bohm:
No cérebro,
a visão intuitiva põe em ação o tipo correto
de conexões, e interrompe/desmantela as conexões
erradas, e, num só momento, são criados um novo começo
e um novo agora.
Jiddu
Krishnamurti: O
prazer não é Compaixão. O prazer não é
Amor. O prazer não tem lugar nem na Compaixão nem no Amor.
E, enquanto não estivermos dispostos a enfrentar o extraordinário
Vazio, permaneceremos presos ao antigo padrão, [que,
de maneira geral, só conhece duas alternativas: prazer ou dor,
com efêmeros intervalos de anestesia entre estas duas alternâncias.]
Entretanto, tenhamos em mente que um cérebro lesado poderá
se curar se houver visão intuitiva. Portanto, nada é mais
destrutivo para o nosso cérebro do que o passado. O início
da Ordem provém da visão intuitiva.
Jiddu
Krishnamurti: Não
poderemos encontrar a Verdade [ainda
que relativa] através da falsidade. [Logo,
não poderemos alcançar a Compreensão/Libertação
enquanto estivermos presos ao passado.]
Passado
= Miragens + Ilusões
Prazeres + Dores
Jiddu
Krishnamurti:
Pensamento
é movimento, e, portanto, está vinculado ao tempo. No Vazio
não existem o tempo nem o pensamento.
Jiddu
Krishnamurti:
A Verdadeira
Compaixão não pode ser comunicada a alguém que ainda
viva preso aos prazeres, aos apegos, às manias, aos coisismos,
aos preconceitos, aos conflitos, aos esforços, aos temores, à
tradição, ao ódio, ao ciúme, aos desejos,
às cobiças, às paixões, à esperança,
à necessidade de segurança, às crenças, aos
dogmas, às miragens, às ilusões, à repetição
dos padrões etc. Simplesmente, isto é impossível,
[como seria impossível
para o Einstein discutir a Teoria da Relatividade com um estúpido
ou o James Watson e o Francis Crick explicarem a estrutura em dupla hélice
do DNA a um analfabeto.] O sentido de Vazio
não pode ser comunicado nem compartilhado. Ele só poderá
advir da Meditação sem intenção
consciente –
como o Universo, que não se baseia no tempo, pois, não pertence
ao tempo, e está em permanente Meditação,
sendo a Ordem Sistemática
a expressão desta invulnerável Meditação.