Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

 

CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ

RESPOSTAS A QUESTÕES
RELATIVAS A ALGUNS ASPECTOS
DA DOUTRINA SOBRE A IGREJA

 

INTRODUÇÃO

 

 

É de todos conhecida a importância que teve o Concílio Vaticano II para um conhecimento mais profundo da eclesiologia católica, quer com a Constituição dogmática Lumen Gentium, quer com os Decretos sobre o Ecumenismo (Unitatis Redintegratio) e sobre as Igrejas Orientais (Orientalium Ecclesiarum). Muito oportunamente, também, os Sumos Pontífices acharam por bem aprofundar a questão, atendendo, sobretudo, à sua aplicação concreta: assim, Paulo VI com a Carta Encíclica Ecclesiam Suam (1964) e João Paulo II com a Carta Encíclica Ut Unum Sint (1995).

O sucessivo trabalho dos teólogos, tendente a ilustrar com maior profundidade os múltiplos aspectos da eclesiologia, levou à produção de uma vasta literatura na matéria. Mas, se o tema se revelou deveras fecundo, foi também necessário proceder a algumas chamadas de atenção e esclarecimentos, como aconteceu com a Declaração Mysterium Ecclesiæ (1973), a Carta aos Bispos da Igreja Católica Communionis Notio (1992) e a Declaração Dominus Iesus (2000), todas elas promulgadas pela Congregação para a Doutrina da Fé.

A complexidade estrutural do tema bem como a novidade de muitas afirmações continuam a alimentar a reflexão teológica, nem sempre imune de desvios geradores de dúvidas, a que esta Congregação tem prestado solícita atenção. Daí que, tendo presente a doutrina íntegra e global sobre a Igreja, entendeu ela dar com clareza a genuína interpretação de algumas afirmações eclesiológicas do Magistério, por forma a que o correto debate teológico não seja induzido em erro, por motivos de ambigüidade.

 

 

RESPOSTAS ÀS QUESTÕES

 

 

Primeira questão: Terá o Concílio Ecumênico Vaticano II modificado a precedente doutrina sobre a Igreja?

Resposta: O Concílio Ecumênico Vaticano II não quis modificar essa doutrina nem se deve afirmar que a tenha mudado; apenas quis desenvolvê-la, aprofundá-la e expô-la com maior fecundidade.

Foi quanto João XXIII claramente afirmou no início do Concílio[1]. Paulo VI repetiu-o[2] e assim se exprimiu no ato de promulgação da Constituição Lumen Gentium: Não pode haver melhor comentário para esta promulgação do que afirmar que, com ela, a doutrina transmitida não se modifica minimamente. O que Cristo quer, também nós o queremos. O que era, manteve-se. O que a Igreja ensinou durante séculos, também nós o ensinamos. Só que o que antes era perceptível apenas em nível de vida, agora também se exprime claramente em nível de doutrina; o que até agora era objeto de reflexão, de debate e, em parte, até de controvérsia, agora tem uma formulação doutrinal segura[3]. Também os Bispos repetidamente manifestaram e seguiram essa mesma intenção[4].

Segunda questão: Como se deve entender a afirmação de que a Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica?

Resposta: Cristo constituiu sobre a Terra uma única Igreja e instituiu-a como grupo visível e comunidade espiritual[5], que, desde a sua origem e no curso da história, sempre existiu e existirá, e na qual só permaneceram e permanecerão todos os elementos por Ele instituídos[6]. Esta é a única Igreja de Cristo, que no Símbolo professamos como sendo una, santa, católica e apostólica […]. Esta Igreja, como sociedade constituída e organizada neste mundo, subsiste na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele[7].

Na Constituição dogmática Lumen Gentium 8, subsistência é esta perene continuidade histórica e a permanência de todos os elementos instituídos por Cristo na Igreja Católica[8], na qual concretamente se encontra a Igreja de Cristo sobre esta Terra.

Enquanto, segundo a doutrina católica, é correto afirmar que, nas Igrejas e nas comunidades eclesiais ainda não em plena comunhão com a Igreja Católica, a Igreja de Cristo é presente e operante através dos elementos de santificação e de verdade nelas existentes[9]; já a palavra 'subsiste' só pode ser atribuída exclusivamente à única Igreja Católica, uma vez que, precisamente, se refere à nota da unidade professada nos símbolos da fé (Creio… na Igreja 'una'), subsistindo esta Igreja 'una' na Igreja Católica[10].

Terceira questão: Por que se usa a expressão 'subsiste na', e não simplesmente a forma verbal 'é'?

Resposta: O uso desta expressão, que indica a plena identidade da Igreja de Cristo com a Igreja Católica, não altera a doutrina sobre Igreja; encontra, todavia, a sua razão de verdade no fato de exprimir mais claramente como, fora do seu corpo, se encontram 'diversos elementos de santificação e de verdade', 'que, sendo dons próprios da Igreja de Cristo, impelem para a unidade católica'[11].

'Por isso, as próprias Igrejas e Comunidades separadas, embora pensemos que têm faltas, não se pode dizer que não tenham peso ou que sejam vazias de significado no mistério da salvação, já que o Espírito se não recusa a delas se servir como de instrumentos de salvação, cujo valor deriva da mesma plenitude da graça e da verdade que foi confiada à Igreja Católica'[12].

Quarta questão: Por que o Concílio Ecumênico Vaticano II dá o nome de 'Igrejas' às Igrejas Orientais separadas da plena comunhão com a Igreja Católica?

Resposta: O Concílio quis aceitar o uso tradicional do nome. 'Como estas Igrejas, embora separadas, têm verdadeiros sacramentos, e, sobretudo, em virtude da sucessão apostólica, o Sacerdócio e a Eucaristia, por meio dos quais continuam ainda unidas a nós por estreitíssimos vínculos[13], merecem o título de 'Igrejas particulares ou locais[14], e são chamadas Igrejas irmãs das Igrejas particulares católicas[15].

'Por isso, pela celebração da Eucaristia do Senhor em cada uma destas Igrejas, a Igreja de Deus é edificada e cresce'[16]. Como, porém, a comunhão com a Igreja Católica, cuja Cabeça visível é o Bispo de Roma e Sucessor de Pedro, não é um complemento extrínseco qualquer da Igreja particular, mas um dos seus princípios constitutivos internos, a condição de Igreja particular, de que gozam essas venerandas Comunidades cristãs, é de certo modo lacunosa[17].

Por outro lado, a plenitude da catolicidade própria da Igreja, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele, encontra na divisão dos cristãos um obstáculo à sua realização plena na história[18].

Quinta questão: Por que razão os textos do Concílio e do subseqüente Magistério não atribuem o título de 'Igreja' às comunidades cristãs nascidas da Reforma do século XVI?

Resposta: Porque, segundo a doutrina católica, tais comunidades não têm a sucessão apostólica no sacramento da Ordem e, por isso, estão privadas de um elemento essencial constitutivo da Igreja. Ditas comunidades eclesiais que, sobretudo pela falta do sacerdócio sacramental, não conservam a genuína e a íntegra substância do Mistério eucarístico[19], não podem, segundo a doutrina católica, ser chamadas 'Igrejas', em sentido próprio[20].

O Santo Padre Bento XVI, na audiência concedida ao abaixo-assinado Cardeal Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, ratificou e confirmou estas respostas, decididas na Sessão ordinária desta Congregação, mandando que sejam publicadas.

 

Roma,
Sede da Congregação para a Doutrina da Fé,
29 de junho de 2007,
Solenidade dos Apóstolos São Pedro e São Paulo.

 

William Cardeal Levada
Prefeito
Angelo Amato, SDB,
Arcebispo tit. de Sila
Secretário

 

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Notas:

[1] João XXIII, Alocução de 11 de outubro de 1962: … o Concílio … quer transmitir uma doutrina católica íntegra e imutável, não distorcida… Impõe-se, todavia, que, nos dias de hoje, a doutrina cristã, na sua inteireza e sem mutilações, seja por todos acolhida com novo entusiasmo e com serena e pacífica adesão… É necessário que, como todos os sinceros promotores da realidade cristã, católica e apostólica veementemente desejam, a mesma doutrina seja conhecida de forma cada vez mais ampla e profunda… É necessário que essa doutrina, certa e imutável, a que é devido fiel obséquio, seja estudada e exposta em sintonia com as exigências do nosso tempo. Uma coisa é o próprio 'depositum fidei', ou seja, as verdades contidas na nossa veneranda tradição, e uma outra é o modo como são enunciadas, sempre, porém, com os mesmos significado e sentido: AAS 54 [1962] 791.792.

[2] Cf. PAULO VI, Alocução de 29 de setembro de 1963: AAS 55 [1963] 847-852.

[3] PAULO VI, Alocução de 21 de novembro de 1964: AAS 55 [1964] 1009-1010.

[4] O Concílio quis exprimir a identidade da Igreja de Cristo com a Igreja Católica. É o que se encontra nos debates sobre o Decreto Unitatis Redintegratio. O Esquema do Decreto foi apresentado em Aula a 23 de setembro de 1964 com uma Relatio (Act Syn III/II 296-344). O Secretariado para a Unidade dos Cristãos respondia em 10 de novembro de 1964 aos modos que os Bispos, entretanto, haviam enviado (Act Syn III/VII 11-49). Desta 'Expensio Modorum' são reproduzidos quatro textos relativos à primeira resposta.

A) [In Nr. 1 (Prooemium) Schema Decreti: Act Syn III/II 296, 3-6].

'Pag. 5, lin. 3-6: Videtur etiam Ecclesiam Catholicam inter illas Communiones comprehendi, quod falsum esset.

R(espondetur): Hic tantum factum, prout ab omnibus conspicitur, describendum est. Postea clare affirmatur solam Ecclesiam Catholicam esse veram Ecclesiam Christi' (Act Syn III/VII 12).

B) [In Caput I in genere: Act Syn III/II 297-301]

'4 – Expressius dicatur unam solam esse veram Ecclesiam Christi; hanc esse Catholicam Apostolicam Romanam; omnes debere inquirere, ut eam cognoscant et ingrediantur ad salutem obtinendam…

R(espondetur): In toto textu sufficienter effertur, quod postulatur. Ex altera parte non est tacendum etiam in aliis communitatibus christianis inveniri veritates revelatas et elementa ecclesialia' (Act Syn III/VII 15). Cf. também ibidem n. 5.

C) [In Caput I in genere: Act Syn III/II 296s]

'5 – Clarius dicendum esset veram Ecclesiam esse solam Ecclesiam Catholicam romanam…

R(espondetur): Textus supponit doctrinam in constitutione ‘De Ecclesia’ expositam, ut pag. 5, lin. 24-25 affirmatur (Act Syn III/VII 15). Portanto, a comissão que deveria se pronunciar sobre as emendas ao Decreto 'Unitatis Redintegratio' exprime claramente a identidade da Igreja de Cristo e da Igreja Católica e a sua unicidade, considerando ter essa doutrina fundamento na Constituição dogmática 'Lumen Gentium.'

D) [In Nr 2 Schema Decreti: Act Syn III/II 297s]

'Pag 6, lin. I-24: Clarius exprimatur unicitas Ecclesiæ. Non sufficit inculcare, ut in textu fit, unitatem Ecclesiæ.

R(espondetur): a) Ex toto textu clare apparet identificatio Ecclesiæ Christi cum Ecclesia Catholica, quamvis, ut opportet, efferantur elementa ecclesialia aliarum communitatum'.

'Pag. 7, lin. 5: Ecclesia a successoribus Apostolorum cum Petri successore capite gubernata (cf. novum textum ad pag. 6, lin. 33-34) explicite dicitur ‘unicus Dei grex’ et lin. 13 ‘una et unica Dei Ecclesia' (Act Syn III/VII).

Estas duas expressões encontram-se na Unitatis Redintegratio 2.5 e 3.1.

[5] Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Const. dogm. Lumen Gentium, 8.1.

[6] Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Decr. Unitatis Redintegratio, 3.2, 3.4, 3.5, 4.6.

[7] CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Const. dogm. Lumen Gentium, 8.2.

[8] Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Decl. Mysterium Ecclesiæ, 1.1: AAS 65 [1973] 397; Decl. Dominus Iesus, 16.3: AAS 92 [2000-II] 757-758; Notificação sobre o livro do P. Leonardo Boff, OFM, Igreja: Carisma e Poder: AAS 77 [1985] 758-759.

[9] Cf. JOÃO PAULO II, Carta enc. Ut Unum Sint, 11.3: AAS 87 [1995-II] 928.

[10] Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Const. dogm. Lumen Gentium, 8.2.

[11] CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Const. dogm. Lumen Gentium, 8.2.

[12] CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Decr. Unitatis Redintegratio, 3.4.

[13] Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Decr. Unitatis Redintegratio, 15.3; cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta Communionis Notio, 17.2: AAS 85 [1993-II] 848.

[14] Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Decr. Unitatis Redintegratio, 14.1.

[15] Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Decr. Unitatis Redintegratio, 14.1; JOÃO PAULO II, Carta enc. Ut unum sint, 56s: AAS 87 [1995-II] 954s.

[16] CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Decr. Unitatis Redintegratio, 15.1.

[17] Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta Communionis Notio, 17.3: AAS 85 [1993-II] 849.

[18] Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Carta Communionis Notio, 17.3: AAS 85 [1993-II] 849.

[19] Cf. CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Decr. Unitatis Redintegratio, 22.3.

[20] Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ, Decl. Dominus Iesus, 17.2: AAS 92 [2000-II] 758.

 

 

 

 

 

Por que tão-só a Ecclesia Catholica é verdadeira?

Oh... Céus! Isso ou é 'bestalheira' ou é tremedeira.

Quosque tandem, Benedictus PP. XVI?

 

A quentinha nota vaticana foi para vascolejar

ou foi, também e principalmente, para provocar?

E a tal da fraternidade? E o tal do ecumenismo?

 

O que será que São Pedro e Jesus, o Cristo,

estarão mastigando por causa de tudo isto?

não casam nem um pedacinho com Cristandade.