Fernando
Pessoa (e seus heterônimos)
Hoje,
ao tomar de vez a decisão de ser Eu, de viver à altura
do meu mister, e, por isso, de desprezar a idéia do reclame,
e plebéia sociabilização de mim, do Intersecionismo,
reentrei de vez, de volta da minha viagem de impressões pelos
outros, na posse plena do meu Gênio e na Divina Consciência
da minha Missão. Hoje, só me quero tal qual meu caráter
nato quer que eu seja; e meu Gênio, com ele nascido, me impõe
que eu não deixe de ser. Atitude por atitude, melhor a mais
nobre, a mais alta e a mais calma. Pose por pose, a pose de ser
o que sou. Nada de desafios à plebe, nada de girândolas
para o riso ou a raiva dos inferiores. A superioridade não
se mascara de palhaço; é de renúncia e de silêncio
que se veste. O último rasto de influência dos outros
no meu caráter cessou com isto. Reconheci – ao sentir
que podia e ia dominar o desejo intenso e infantil de «lançar
o Intersecionismo» – a tranqüila posse de mim.
Um raio, hoje, deslumbrou-me de lucidez. Nasci.
Fernando
Pessoa
Observação:
O
Intersecionismo, segundo Fernando Guimarães, foi um movimento
literário de vanguarda criado por Fernando Pessoa, e que
se caracteriza pela interseção no poema de vários
níveis simultâneos de realidade: a interior e a exterior,
a objetiva e a subjetiva, o sonho e a realidade, o presente e o
passado, o eu e o outro etc. Poema paradigmático desta estética
– Chuva Oblíqua – exemplifica esta técnica
de intercalação, que permite o
desdobramento possível de imagens vindas do exterior ou da
nossa consciência, de proveniências visuais ou auditivas,
de experiências reais ou de sonho etc., criando-se, no poema,
registos ou séries imagísticas objetivamente diferentes,
mas, devidamente ordenados. Eis um pedacinho de Chuva
Oblíqua:
E apagam-se as luzes da igreja
Na chuva que cessa...
Reescrevendo, continuando e intersecionando, também poderia
ser assim:
E
(re)acendem as luzes da igreja,
na chuva que (re)empeça...
Em cada castiçal sobeja
jeremiada à beça.
De cócoras, o fiel, orando, espera...
Um relâmpado estrondeia...
E o aguaceiro desespera...
No mar, boiando, sorri u'a sereia.
Ulisses,
lá no Hades, escuta
a chamada de Tirésias:
— Trata
já de ser batuta,
senão procissarás nas megalésias.
E
eu, aqui, sentadinho,
fico só a remastigar:
tão aguardado
Pequenininho,
que pintou para ShOPhIar!
Mas,
sem saber o que fazíamos,
decepamos a Sua Cabeça.
Endemoniados, não sabíamos!
Noite! Noite! Noite! Desvaneça!
E
se apagaram as luzes da igreja.
A chuva choveu... E amainou...
Mas, na alma
do fiel burbureja
Se
você quiser ler Chuva Oblíqua, um endereço
disponível é:
http://www.revistaliteraria.com.br/Fernando%20Pessoa.pdf