A DOUTRINA DO CORAÇÃO

 


Rodolfo Domenico Pizzinga

 

 

 

 

 

A DOUTRINA DO CORAÇÃO
Annie Besant
Fonte:
http://www.levir.com.br/biblos.php

 

 

 

Annie Besant

Annie Besant

 

 

 

Os desastres se acumulam sobre a cabeça do homem que ancora sua fé na parafernália externa antes do que na paz da vida interior, que não depende do modo de vida exterior. De fato, quanto mais desfavoráveis as circunstâncias e maior o sacrifício envolvido por viver em meio a elas, mais perto a pessoa chega da meta final pela própria natureza das provas que ela tem de vencer. Não é sábio, portanto, se deixar atrair demais por quaisquer manifestações externas de vida religiosa, pois tudo o que existe no plano da matéria é efêmero e ilusório, e deve conduzir ao desapontamento. Quem quer que seja atraído poderosamente para qualquer modo de vida externo tem de aprender, cedo ou tarde, a relativa insignificância de todas as coisas exteriores. E quanto antes a pessoa passar pelas experiências impostas pelo carma passado, melhor para ela. Realmente não é agradável sentir que subitamente se nos retiram o próprio chão, mas a taça que cura a tolice é sempre amarga, e deve ser tomada se a doença há de ser erradicada. Quando a brisa gentil que vem dos Seus Pés de Lótus sopra sobre a alma, então se sabe que os piores ambientes externos não são poderosos o bastante para desmerecer a música que, dentro, encanta.

 

Assim como o europeu que é atraído para ao Ocultismo se sente mais perto dos Grandes Seres quando chega à Índia, o indiano sente o mesmo quando sobe as escarpas de seu nevado Himavat – as montanhas do Himalaia. E, mesmo assim, isto é pura ilusão, pois não se chega aos Senhores da Pureza através de locomoção física, mas fazendo-nos mais puros e fortes através do constante sofrimento em benefício do mundo. Quanto à ignorância do pobre mundo iludido a respeito de nossos venerados Senhores, lembro das palavras: 'O sibilar da serpente faz mal maior ao sublime Himavat do que a morte ou abuso infligidos pelo mundo contra qualquer um de nós'.

 

Uma vez isto admitido, como deverá sê-lo por todos os que têm algum conhecimento de Ocultismo, que existem miríades de agentes invisíveis constantemente tomando parte nos assuntos humanos, elementais e elementares de todos os graus impingindo todo tipo de ilusões e farsas de todos os aspectos, assim como membros da Loja Negra que se deliciam em enganar e iludir os devotos da verdadeira sabedoria, devemos também reconhecer que a Natureza, em sua grande misericórdia e absoluta justiça, deve ter concedido ao homem alguma faculdade para discernir entre as vozes destes habitantes aéreos e a dos Mestres. E suponho que todos concordarão que a razão, a intuição e a consciência são nossas mais elevadas faculdades – os únicos meios pelos quais podemos separar o verdadeiro do falso, o bem do mal, o certo do errado. Sendo assim, segue-se que tudo o que falhe em iluminar a razão e satisfazer os mais altos apelos da natureza moral jamais deveria ser considerado como uma comunicação dos Mestres.

 

Também deve ser lembrado que os Mestres são Mestres da Sabedoria e da Compaixão, que Suas palavras iluminam e expandem, e que jamais confundem e embaraçam a mente; elas acalmam, e não perturbam; elevam, e não degradam. Os Mestres jamais usam métodos que atrofiam e paralisam a razão e a intuição. Qual seria o resultado inevitável se estes Senhores do Amor e da Luz forçassem sobre os Seus discípulos comunicações tão revoltantes para a razão como para o senso ético? A credulidade cega tomaria o lugar da fé inteligente, a paralisia moral o lugar do crescimento espiritual, e os neófitos seriam deixados completamente desvalidos, sem nada para guiá-los, constantemente à mercê de qualquer fada brincalhona, e ainda pior, de qualquer Dugpa1 vicioso.

 

Será este o destino do discipulado? Poderá ser este o caminho do Amor e da Sabedoria? Não imagino que qualquer homem razoável possa acreditar nisto durante um minuto sequer, embora possa ser lançado sobre ele algum encanto por um momento, que possa obrigá-lo a engolir os piores absurdos.

 

Entre as muitas dúvidas lançadas na mente do discípulo para lhe causar preocupação é a de se a fraqueza física pode ser um entrave ao progresso espiritual. O processo de assimilação de alimento espiritual não envolve nenhuma drenagem de energias físicas, e o progresso espiritual pode prosseguir enquanto o corpo padece. É uma completa falácia, devida à falta de conhecimento e equilíbrio, supor que a tortura e maceração do corpo torne o discípulo responsivo a experiências espirituais. É fazendo o que melhor serve ao propósito dos Santos Seres que se faz o progresso constante e verdadeiro. Quando chega o tempo adequado para que experiências espirituais sejam impressas na consciência cerebral, o corpo não é capaz de impedi-las. O pequeno obstáculo que pode ser levantado pelo corpo pode ser afastado em um instante. Por outro lado, é uma ilusão supor que qualquer esforço físico possa promover o progresso espiritual um só passo que seja. O modo de nos aproximarmos dos Santos Seres é fazermos o que melhor cumpra Suas vontades, e, feito isto, nada mais precisa ser feito.

 

Penso que haja uma doçura peculiar em ser resignadamente paciente, em sacrificar com alegria a própria vontade à vontade d'Aqueles que sabem mais e que sempre conduzem corretamente. Não existe coisa tal como o querer pessoal na vida do Espírito. Assim o discípulo pode alegremente sacrificar sua própria felicidade pessoal, quando Eles encontram ocasião de trabalhar para os outros através dele. Ele pode sentir, às vezes, que foi como que esquecido quando estiver sozinho, mas ele sempre Os encontrará ao seu lado quando houver trabalho a ser feito. Períodos de noite devem se alternar com os de dia, e certamente é bom que ocasionalmente sobrevenha a escuridão quando ela afeta só a nós mesmos, mesmo que nossa dor pessoal deva ser com isso intensificada. Sentir Suas presenças e influência é de fato o dom mais divinal que se pode imaginar, mas mesmo isto devemos ser desejosos de sacrificar, se renunciando ao que consideramos o mais elevado e melhor o bem final da Humanidade for de obtenção mais fácil.

 

Tente e perceba a beleza do sofrimento. O que o sofrimento faz é só tornar a pessoa mais apta para o trabalho. Certamente, jamais devemos anelar a paz, se na luta o mundo puder ser ajudado. Tente e sinta que embora a treva pareça estar em toda sua volta, ainda assim ela não é real. Se algumas vezes Eles se ocultam em uma Maya2 de indiferença aparente, é apenas para conceder Suas bênçãos com maior abundância quando a estação for propícia. As palavras não ajudam muito quando a escuridão é opressiva, ainda que o discípulo deva tentar manter inabalada sua fé na proximidade dos Grandes Seres, e sentir que embora a Luz seja temporariamente retirada da consciência mental, mesmo assim ela cresce dia-a-dia no interior sob a Sua sábia e misericordiosa dispensação. Quando a mente se torna novamente sensível, ela reconhece com surpresa e alegria como o trabalho espiritual foi feito sem que se tivesse consciência alguma dos pormenores. Nós conhecemos a Lei. No Mundo Espiritual, noites de maior ou de menor horror seguem o dia, e aquele que é sábio, reconhecendo que a treva é o fruto de uma Lei Natural, deixa de se incomodar com isto. Podemos descansar certos de que a escuridão, por sua vez, se dissipará. Lembre sempre que detrás da mais espessa fumaça sempre existe a Luz dos Pés de Lótus dos Grandes Senhores da Terra. Fique firme e jamais perca a fé n'Eles, e, então, não haverá nada a temer. Podem e devem acontecer provações, mas você deve estar certo de que conseguirá suportá-las. Quando a sombra que caiu como uma mortalha sobre a Alma se retira, então somos capazes de ver quão realmente evanescente e ilusória ela era. Mesmo assim, esta sombra, enquanto perdura, é real o bastante para levar a ruína para muitas almas nobres que ainda não adquiriram força suficiente para suportá-la.

 

A Vida e o Amor espirituais não se esgotam quando são despendidos. A doação apenas acrescenta ao reservatório e o torna mais rico e intenso. Tente e seja tão feliz e contente quanto puder, porque na alegria está a verdadeira Vida Espiritual, e a tristeza é apenas o resultado de nossa ignorância e falta de visão clara. Assim, você deve resistir, até onde puder, ao sentimento de tristeza: ele anuvia a atmosfera espiritual. E embora você não possa evitar inteiramente sua chegada, mesmo assim você não deve ceder completamente a ele. Lembre-se de que no verdadeiro Coração do Universo existe a Beatitude.

 

O desespero não deveria ter lugar no Coração do discípulo devoto, pois ele enfraquece a fé e a devoção, e assim abre espaço para que atuem os Poderes das Trevas. Este sentimento é um feitiço lançado por eles para torturar o discípulo, e, se possível, tirar alguma vantagem para si mesmos com esta ilusão. Aprendi com a mais amarga das experiências que a autoconfiança é praticamente inútil e mesmo decepcionante em testes desta natureza, e o único modo de escapar incólume destas ilusões é devotar-se completamente a Eles. A razão para isto, também, é bem simples: a força, a fim de ser efetiva em sua oposição, deve estar no mesmo plano onde atua o poder a ser combatido. Mas, como estes problemas e ilusões não vêm do eu, o eu é impotente contra eles. Procedendo como procedem dos Seres Tenebrosos, eles só podem ser neutralizados pelos Irmãos Brancos. Portanto, é necessário, em nome da segurança, entregarmo-nos – entregar nossos eus separados – e sermos libertos de toda Ahamkara.3

 

Sabendo como nós sabemos que a Sociedade Teosófica – ou, a este respeito, qualquer movimento de alguma importância – está sob a observação e guarda de Poderes imensamente mais sábios e superiores do que nossos próprios pequenos 'eus', não precisamos nos preocupar muito com o destino final da Sociedade, mas podemos ficar descansados e contentes com o cumprimento consciencioso e diligente de nosso dever para com ela, fazendo a parte que nos cabe de acordo com o melhor de nossa luz e habilidades. A preocupação e a solidão têm, sem dúvida, suas próprias funções na economia da Natureza. Nos homens comuns, elas obrigam o cérebro a funcionar e os músculos a se mover, e se não fosse por isto o mundo não faria metade do progresso que tem feito nos planos físico e intelectual. Mas em certo estágio da evolução humana, elas são substituídas por um senso de dever e um amor à Verdade, e a clareza de visão e ímpeto para trabalhar obtidos assim jamais podem ser conseguidos por qualquer quantidade de energia molecular e vigor nervoso. Portanto, desvencilhe-se de todo desânimo, e, com sua Alma voltada para Fonte de Luz, continue trabalhando para aquele grande objetivo para o qual você está aqui, seu Coração abraçando toda a Humanidade, mas perfeitamente resignado quanto ao resultado de seus esforços. Assim nossos Sábios têm ensinado, assim exortou Shri Krishna a Arjuna no campo de batalha, e assim devemos direcionar nossas energias.

 

Meus próprios sentimentos a respeito do sofrimento do mundo são precisamente os mesmos que os seus. Não há nada que me doa mais do que a cega e frenética maneira com que a vasta maioria de nossos irmãos persegue os prazeres dos sentidos, e a visão completamente vazia e errônea que têm da vida. A visão desta ignorância e loucura enternecem meu Coração muito mais do que as dificuldades físicas que eles suportam. E embora a nobre prece de Rantideva me comovesse profundamente anos atrás, com o vislumbre que desde então me foi concedido ter a respeito da natureza das coisas, considero os sentimentos do Buddha muito mais sábios e transcendentais. E embora eu pudesse alegremente sofrer agonias para livrar um discípulo da tortura a que ele é sujeito, tendo considerado as causas assim como as derradeiras conseqüências do sofrimento de um discípulo, minha dor por ele não tem nem metade da intensidade daquela que experimento a respeito da miséria daqueles pobres ignorantes que, sem consciência alguma, pagam a mera penalidade por suas más ações passadas.4

 

As funções do intelecto são meramente a comparação e o raciocínio; o conhecimento espiritual está muito além desta esfera. Provavelmente, em seu ambiente atual, você está bem farto de sutilezas intelectuais, mas o mundo é, no fim das contas, apenas uma escola, uma academia de treinamento, e nenhuma experiência, por mais dolorosa ou ridícula, é desprovida de uso ou de valor para o homem que pensa. Os males pelos quais passamos só fazem nos tornar mais sábios, e os próprios disparates que cometemos nos são de muita valia para o futuro. Assim, não precisamos nos queixar de nada, por mais indesejável que seja externamente.

 

O carma, como foi ensinado no Gita e no Yoga Vasishta, significa atos e volições que procedem de Vanasa ou desejo. É deixado bem claro naqueles códigos de ética que nada que é feito com um puro senso de dever, nada que é empreendido com um sentimento de obrigação, como se diria, pode macular a natureza moral daquele que o faz, mesmo que ele esteja equivocado em sua concepção de dever e adequação. O erro, é claro, deve ser expiado com sofrimento, que deve ser proporcional às conseqüências do erro; mas, certamente, não pode degradar o caráter ou macular o Jivatma.5

 

É bom usarmos todos os eventos da vida como lições a serem transformadas em vantagens, e a dor causada pela separação de amigos que amamos pode ser usada assim. O que são espaço e tempo no plano do Espírito? Ilusões do cérebro, meros nadas, que adquirem aspecto de realidade pela impotência da mente, o invólucro que aprisiona o Jivatma. O sofrimento meramente nos dá um impulso novo e mais potente de vivermos completamente no Espírito. No fim, da dor virá boa vontade para todos nós, de modo que não devemos resmungar. Antes, sabendo que para os discípulos não pode acontecer nada que não seja da vontade de seus Senhores, devemos olhar para cada incidente doloroso como um passo em direção ao progresso espiritual, como um meio para aquele desenvolvimento interno que nos capacita a servi-Los, e, com isso, à Humanidade, de um modo melhor.

 

Se apenas pudermos servi-Los, se através de todas as tormentas e conflagrações nossas Almas se voltarem para os Seus Pés de Lótus, o que importam a dor e os sofrimentos que eles impõem à nossa casca temporária? Entendamos um pouco o significado interno destes sofrimentos, destas vicissitudes das circunstâncias externas – entendamos como tamanha dor suportada significa muito mau carma esgotado, muito poder de serviço adquirido, quão boa lição aprendida – não serão estes pensamentos suficientes para nos sustentar através de qualquer quantidade destas misérias ilusórias? Quão doce é sofrer quando se sabe e se tem fé! Quão diferente da miséria do ignorante, do cético, e do descrente! Quase poderíamos desejar que todo o sofrimento e miséria do mundo fossem nossos a fim de que o restante de nossa raça pudesse ser livre e feliz. A crucificação de Jesus simboliza esta fase na mente do discípulo. Você não pensa o mesmo? Somente esteja sempre firme na fé e na devoção, e não se desvie do caminho sagrado do Amor e da Verdade. Esta é a sua parte – o resto será feito por você pelos Senhores Misericordiosos a quem você serve. Você já sabe de tudo isto, e se eu falo sobre isto é apenas para fortalecê-lo em seu conhecimento; pois amiúde esquecemos de nossas melhores lições, e em tempos de aflição o dever de um amigo é mais o de lembrar a você suas próprias palavras, antes do que introduzir novas verdades. Foi assim que Draupadi freqüentemente consolou seu sábio esposo Yudhisthira, quando terrível infortúnio por um momento abalava sua usual serenidade, e assim também o próprio Vasishtha teve de ser acalmado e confortado quando assolado pela dor da morte de seus filhos. Não é verdadeiramente inexplicável o lado Maya deste mundo? Quão belo e romântico de um lado, e quão terrível e desgraçado de outro! Sim, Maya é o mistério de todos os mistérios, e quem entendeu Maya terá encontrado sua própria unidade com Brahman - a Suprema Felicidade e a Luz Suprema.

 

A impressionante figura de Kali, em cima de Shiva prostrado, é uma ilustração da utilidade – do uso superior – da Raiva e do Ódio. A figura negra representa a Raiva; a espada significa as proezas físicas; e toda a imagem significa que enquanto o homem tem raiva, ódio e força física, ele as deve usar para a supressão das outras paixões, para o massacre dos desejos da carne. Isto também representa o que realmente acontece quando, pela primeira vez, a mente se volta para a Vida Superior. Como ainda estamos carentes de sabedoria e equilíbrio mental, então matamos nossos desejos com nossas paixões; dirigimos nossa raiva contra nossos próprios vícios, e assim os suprimimos; também empregamos nosso orgulho contra as tendências indignas do corpo e da mente, e assim subimos o primeiro degrau na Escadaria. Shiva prostrado mostra que quando a pessoa está engajada em uma batalha destas, ela não presta atenção ao seu princípio mais elevado, Atma; antes, na verdade, ela o pisoteia, e não é senão quando ela mata o último inimigo de seu Eu que ela passa a reconhecer sua verdadeira posição quanto ao Atma durante a luta. Assim, Kali só encontra Shiva aos seus pés quando ela mata o último Daitya,6 a personificação de Ahamkara, e então ela fica azul em sua fúria insana. Enquanto as paixões não tiverem sido todas subjugadas, devemos usá-las para sua própria supressão, neutralizando a força de uma com a de outra, e, só assim, poderemos matar logo nosso egoísmo, e obter o primeiro vislumbre de nosso verdadeiro Atma – Shiva em nós – o qual ignoramos enquanto o desejo se agita no Coração.

 

Podemos muito bem colocar sempre de lado nosso desejo pessoal míope a fim de servi-Los fielmente. É minha experiência que só seguindo a Suas orientações a pessoa evita o perigoso precipício para onde estava se dirigindo inconscientemente. Na hora, parece difícil romper com nossas preferências pessoais, mas, no final, tal sacrifício resulta apenas em alegria. Não há treino melhor do que os poucos anos da vida de uma pessoa quando ela, por agudo desapontamento, é conduzida a procurar abrigo debaixo dos benditos Pés dos Senhores, pois não há em parte alguma outro lugar para descanso. E, então, cresce no discípulo um hábito de pensar sempre que seu único refúgio está n'Eles, e sempre que ele não pensa n'Eles ele se sente miserável e abandonado. Assim, pela própria escuridão do desespero se acende nele uma Luz que depois jamais empalidecerá. Aqueles cujos olhos penetram as distâncias do futuro longínquo, que estão veladas para nossos olhos mortais, têm feito e farão o que é melhor para o mundo. Devem ser sacrificados os resultados imediatos e as satisfações temporárias, se havemos de assegurar sem chance de fracasso o atingimento do objetivo. Quanto mais desejarmos criar as chances de sucesso interior, menos devemos ambicionar colheitas rápidas. Só pela dor podemos chegar à perfeição e à pureza; só pela dor podemos nos tornar servos adequados daquela Órfã7 que incessantemente grita por Alimento Espiritual. A vida só vale a pena se for sacrificada aos Seus Pés.

 

Alegremo-nos que tenhamos oportunidades de servir à Grande Causa através de sacrifícios pessoais, pois cada sofrimento pode ser usado por Eles para levar a pobre e equivocada Humanidade para um pequeno degrau acima. Qualquer dor que um discípulo possa sofrer é um penhor para um ganho correspondente que advém ao mundo. Ele deveria, portanto, sofrer calado e alegre, uma vez que ele vê um pouco mais claramente do que a cega mortalidade pela qual sofre. No decorrer de toda a evolução, existe uma lei que é dolorosamente evidente, mesmo aos olhos do mais raso principiante: que nada realmente digno de se possuir pode ser ganho sem um sacrifício correspondente.

 

Quem renuncia a toda noção de eu e faz de si mesmo um instrumento para as Divinas Mãos trabalharem não precisa ter qualquer medo das provas e das dificuldades do mundo físico. 'Como indicares, assim trabalharei'. Este é o modo mais fácil de se ultrapassar a esfera do carma individual, pois aquele que oferece todas as suas capacidades aos Pés dos Senhores não cria carma para si; e então, como promete Shri Krishna: 'Tomo sobre Mim mesmo as suas contas'. O discípulo não precisa levar em consideração os frutos de suas ações. Assim ensinou o grande Mestre Cristão: 'Não vos preocupeis com o dia de amanhã'.

 

Não permita que impulsos guiem a conduta. O entusiasmo pertence aos sentimentos, não à conduta. O entusiasmo na conduta não tem lugar algum no verdadeiro Ocultismo, pois o Ocultista deve sempre ser autocontido. Uma das coisas mais difíceis na vida do Ocultista é sempre manter o equilíbrio, e este poder provém da verdadeira percepção espiritual. O Ocultista tem de viver mais uma vida interna do que uma externa. Ele sente, percebe, sabe mais e mais, mas demonstra menos e menos. Mesmo os sacrifícios que ele tem de fazer pertencem mais ao mundo interno do que ao externo. Na devoção religiosa comum, todos os sacrifícios e forças de que a natureza da pessoa é capaz são usados no apego ao externo, em vencer ilusões e tentações no plano físico. Mas na vida do Ocultista eles têm de ser usados para propósitos maiores. Deve-se considerar as proporções, e subordinar o externo. Em uma palavra, jamais ser ostensivo. Assim como Hamsa8 tendo diante de si água e leite misturados, toma só o leite e deixa a água, do mesmo modo o Ocultista extrai e retém a vida e a quintessência de todas as várias qualidades, ao passo que rejeita as cascas onde elas estão escondidas.

 

Como as pessoas podem supor que os Mestres devessem interferir na vida das pessoas, ou duvidam de Sua existência, ou questionam Sua indiferença moral, pelo fato de Eles não interferirem? O povo pela mesma razão questiona a existência de qualquer Lei moral neste Universo, e argumenta que a existência de iniqüidades e práticas infames entre a Humanidade vai contra a suposta existência de uma Lei assim. Por que eles esquecem que os Mestres são Jivanmuktas9 e trabalham com a Lei, identificam-Se com a Lei e, de fato, são o próprio espírito da Lei? Mas não há necessidade de nos afligirmos a este respeito, pois o tribunal a que nos submetemos em assuntos de consciência não é a opinião pública, mas nosso próprio Eu Superior. São batalhas como estas que purificam o Coração e elevam a Alma, e não as lutas furiosas às quais nossas paixões – ou mesmo a 'justa indignação' e o que é chamado de 'nobre ultraje' – nos impelem.

 

O que são para nós problemas e dificuldades? Não são tão bem-vindos como os prazeres e as facilidades? Pois não são eles nossos melhores treinadores e educadores? Não são eles que nos enchem de lições salutares? Não nos obrigam a nos movermos mais tranqüilamente através de todas as mudanças e vicissitudes da sorte? E não seria um grande descrédito para nós se falhássemos em preservar a tranqüilidade mental e equilíbrio de ânimo, coisa que devia ser sempre a marca da disposição do discípulo? Seguramente, o discípulo deveria permanecer sereno em meio a todas as tormentas e tempestades. Este é um mundo louco, enfim, se a pessoa olha só para sua mera exterioridade, e mesmo assim, quão enganador é em sua loucura! É a própria insanidade da loucura quando o doente é ignorante de sua condição – antes, quando se acredita perfeitamente saudável. Oh!, se a harmonia e a música que reinam na Alma das coisas não nos fossem perceptíveis, a nós, cujos olhos foram abertos para esta completa sandice que penetra a casca externa, quão intolerável a vida nos seria! Você não acha que seria pouco agradecido nos mantermos descontentes quando obedecemos aos desejos de nossos Senhores e cumprimos nosso dever? Você deveria ter não apenas paz e contentamento, mas também alegria e vivacidade, quando serve Aqueles cujo serviço é nosso mais alto privilégio e cuja memória é nossa mais verdadeira delícia.

 

Que Eles jamais nos abandonarão é tão certo quanto a morte. Mas nos cabe nos aproximar d'Eles com devoção verdadeira e profunda. Se nossa devoção for verdadeira e profunda, não há a menor chance de nos afastarmos de Seus Santos Pés. Mas você sabe o que significa devoção verdadeira e profunda? Você sabe, tanto quanto eu, que nada menos do que a completa renúncia à vontade pessoal, a resoluta aniquilação do elemento pessoal no homem, poderá constituir uma Bhakti10 verdadeira e genuína. É só quando toda a natureza humana está em perfeita harmonia com a Lei Divina, quando não há mais uma só nota discorde em qualquer parte do sistema, quando todos os pensamentos idéias, fantasias, desejos, emoções, voluntários ou involuntários, vibram em resposta e em completa consonância com o 'Grande Alento', que se atinge o verdadeiro ideal de devoção. Não antes. Só nos livraremos da chance de fracasso quando atingirmos este estágio de Bhakti, pois só ele poderá assegurar progresso perpétuo e sucesso indubitável. O discípulo não falha por falta de cuidado e amor de parte dos Grandes Mestres, mas a despeito disso, e por sua própria perversidade e fraqueza internas. E não podemos dizer que a perversidade seja impossível em uma pessoa que ainda acalenta em si a idéia de separatividade – nutrida ao longo de éons11 de pensamento ilusório e corrupção, e ainda não completamente extirpada.

 

Não devemos nos iludir de nenhuma forma. Algumas verdades são de fato amargas, mas a atitude mais sábia é conhecê-las e enfrentá-las. Ficarmos em um paraíso fantasioso significa apenas excluirmos o verdadeiro Eliseu. É verdade que se nós deliberadamente pararmos para descobrir se temos ou não ainda algum traço de separatividade ou personalismo em nós, ou qualquer desejo de nos contrapormos ao curso natural dos eventos, podemos falhar em encontramos algum motivo, alguma razão, para tal auto-afirmação ou desejo. Sabendo e acreditando como nós fazemos que a idéia de isolamento é mero produto de Maya, que a ignorância e todo desejo pessoal surgem apenas deste sentimento de isolamento, e que eles são a raiz de toda nossa miséria, não podemos senão desprezar estas falsas e ilusórias noções quando meditarmos sobre elas. Mas se analisamos os verdadeiros fatos, e vigiarmos a nós mesmos o dia todo, e observamos os vários comportamentos de nosso ser, variando com as diferentes circunstâncias, chegaremos a uma conclusão bem diversa, e descobriremos que a verdadeira realização de nosso conhecimento e de nossa crença em nossa vida é ainda um evento muito distante, e surge por apenas um breve momento aqui e ali, quando estamos inteiramente esquecidos do corpo ou do ambiente material, e estamos completamente arrebatados na contemplação do Divino – antes, quando estamos mergulhados na própria Deidade.

 

Para nós, através da suprema misericórdia de nossos Senhores, as coisas na Terra são um pouco mais claras e mais inteligíveis do que para o homem do mundo, e este é o motivo de tão avidamente querermos devotar todas as nossas energias ao seu serviço. Toda atividade – caridade, benevolência, patriotismo etc – será, no dizer jubilosamente mofino do cínico, mera troca, uma mera questão de dar e receber. Mas o aspecto mais nobre da probidade mercenária – considerado estritamente e aplicado à etapas mais elevadas de vida – que se apresenta ao olho superior, está além do alcance do zombeteiro superficial; e assim, ele ri e troça da virtude, chamando-a de mercantil, e o mundo tolo e leviano, ávido por um pouco de divertimento, ri com ele e o considera um sujeito esperto e animado. Se olharmos para a superfície deste nosso esplêndido orbe, nada além de tristeza e opressão aparecerá diante de nossas almas, e o desespero paralisará todos os esforços de melhoria de suas condições. Mas olhando por debaixo, vemos como todas as inconsistências se dissolvem, e tudo parece belo e harmonioso, e o Coração desabrocha e se enche de alegria, e liberalmente abre seus tesouros para o universo em torno. Desta maneira, não precisamos desfalecer diante de qualquer visão terrível que surgir, nem precisamos lamentar a loucura e a cegueira dos homens entre os quais nascemos.

 

Há leis morais fixas, assim como há leis físicas uniformes. Estas leis morais podem ser violadas pelo homem, dotado como é de sua individualidade e da liberdade que isso envolve. Cada violação se torna uma força moral na direção oposta àquela em que a evolução está seguindo, e é inerente ao plano moral. E, pela lei de reação, cada qual tem a tendência de evocar a operação da lei correta. Mas quando estas forças opositoras se acumulam e adquirem uma dimensão gigantesca, a força reacional necessariamente se torna violenta e resulta em revoluções morais e espirituais, em guerras santas, em cruzadas religiosas, e coisas assim. Expanda esta teoria, e você entenderá a necessidade do aparecimento de Avatares12 sobre a Terra. Quão fáceis se tornam as coisas quando os olhos da pessoa se abrem; mas quão incompreensíveis elas parecem quando a visão espiritual está fechada ou é apenas vaga e primitiva. A Natureza, em sua infinita generosidade, providenciou para o homem, nos planos externos, símiles exatos de suas funções internas, e verdadeiramente aqueles que têm olhos para ver podem ver, e aqueles que têm ouvidos para ouvir podem ouvir.

 

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Notas:

1. Feiticeiro.

2. Ilusão.

3. Ilusão da separatividade ou o conceito de um eu particular.

4. Aqui a autora faz referência à Lei da Retribuição (ou da Compensação).

5. O Eu Individualizado.

6. Demônio.

7. A Humanidade.

8. Cisne mítico dos hindus. Representa a Sabedoria Sagrada.

9. Almas libertas e emancipadas da matéria.

10. Bhakti (devoção) é uma das três doutrinas ou caminhos básicos prescritos pelo Hinduísmo para a liberação espiritual (moksha). De acordo com as características pessoais de cada praticante, pode-se optar por um ou mais destes caminhos, simultânea ou separadamente, e a qualquer tempo ou período de vida. São eles: 1º) Karma ou o caminho do trabalho com desapego categórico aos resultados ou frutos por ele produzido; 2º) Bhakti ou o caminho da devoção a um dos múltiplos aspectos do Absoluto (Brahman); e 3º) Jñana ou gnosis, o caminho do conhecimento, descobrindo a espiritualidade através do inquirir racional.

Nota editada da fonte:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Bhakti

11. Éon (eão, eon ou ainda aeon) significa, em termos latos, um enorme período de tempo ou a eternidade. A palavra latina aeon, significa 'para sempre'. Ela é derivada do grego aión, e um de seus significados é um período de existência ou vida. No Gnosticismo e no Neoplatonismo tem um outro significado.

12. Avatares são encarnações divinas. Na crença hinduísta, um avatar representa, em forma materializada, a descida de um Ser Divino à Terra. Particularmente cultuados pelos hindus são Krishna e Rama, avatares do Deus Vishnu, que juntamente com Shiva e Brahma formam a Trimúrti – a Trindade Hindu – na qual Vishnu é o Deus responsável pela manutenção do Universo. Entretanto, alguns autores indianos consideram esta Trimúrti como manifestação ou tríplice qualidade de um único Deus Absoluto ou Realidade Primordial.

Nota editada da fonte:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Vixnu

 

 

 

 

 

O que os olhos [não] vêem

os Corações [não] sentem?

Os Corações sempre vêem;

os Corações sempre sentem.

 

 

Em quem é privado da Visão,

pois Ele sempre vê o sim e o não,

o que é iluminado e que é trevoso.

 

 

Enquanto o ente recalcitrar,

enquanto continuar aprisionado,

não poderá sentir nem enxergar

 

 

a Lei que transmuta o Quadrado

e o Santíssimo Ar (que não é ar).

 

 

 

 

 

 

Página da Internet consultada:

http://www.feebleminds-gifs.com/animated-gifs-27.html

 

Música de fundo:

Till the End of Time
Música: Ted Mossman
Letra: Buddy Kaye

Intérprete: Perry Como

Fonte:

http://www.pcdon.com/PerryComo.html