Os
desastres se acumulam sobre a cabeça do homem que ancora
sua fé na parafernália externa antes do que na paz
da vida interior, que não depende do modo de vida exterior.
De fato, quanto mais desfavoráveis as circunstâncias
e maior o sacrifício envolvido por viver em meio a elas,
mais perto a pessoa chega da meta final pela própria natureza
das provas que ela tem de vencer. Não é sábio,
portanto, se deixar atrair demais por quaisquer manifestações
externas de vida religiosa, pois tudo o que existe no plano da matéria
é efêmero e ilusório, e deve conduzir ao desapontamento.
Quem quer que seja atraído poderosamente para qualquer modo
de vida externo tem de aprender, cedo ou tarde, a relativa insignificância
de todas as coisas exteriores. E quanto antes a pessoa passar pelas
experiências impostas pelo carma passado, melhor para ela.
Realmente não é agradável sentir que subitamente
se nos retiram o próprio chão, mas a taça que
cura a tolice é sempre amarga, e deve ser tomada se a doença
há de ser erradicada. Quando a brisa gentil que vem dos Seus
Pés de Lótus sopra sobre a alma, então se sabe
que os piores ambientes externos não são poderosos
o bastante para desmerecer a música que, dentro, encanta.
Assim
como o europeu que é atraído para ao Ocultismo se
sente mais perto dos Grandes Seres quando chega à Índia,
o indiano sente o mesmo quando sobe as escarpas de seu nevado Himavat
– as montanhas do Himalaia. E, mesmo assim, isto é
pura ilusão, pois não se chega aos Senhores da Pureza
através de locomoção física, mas fazendo-nos
mais puros e fortes através do constante sofrimento em benefício
do mundo. Quanto à ignorância do pobre mundo iludido
a respeito de nossos venerados Senhores, lembro das palavras: 'O
sibilar da serpente faz mal maior ao sublime Himavat do que a morte
ou abuso infligidos pelo mundo contra qualquer um de nós'.
Uma
vez isto admitido, como deverá sê-lo por todos os que
têm algum conhecimento de Ocultismo, que existem miríades
de agentes invisíveis constantemente tomando parte nos assuntos
humanos, elementais e elementares de todos os graus impingindo todo
tipo de ilusões e farsas de todos os aspectos, assim como
membros da Loja Negra que se deliciam em enganar e iludir os devotos
da verdadeira sabedoria, devemos também reconhecer que a
Natureza, em sua grande misericórdia e absoluta justiça,
deve ter concedido ao homem alguma faculdade para discernir entre
as vozes destes habitantes aéreos e a dos Mestres. E suponho
que todos concordarão que a razão, a intuição
e a consciência são nossas mais elevadas faculdades
– os únicos meios pelos quais podemos separar o verdadeiro
do falso, o bem do mal, o certo do errado. Sendo assim, segue-se
que tudo o que falhe em iluminar a razão e satisfazer os
mais altos apelos da natureza moral jamais deveria ser considerado
como uma comunicação dos Mestres.
Também
deve ser lembrado que os Mestres são Mestres da Sabedoria
e da Compaixão, que Suas palavras iluminam e expandem, e
que jamais confundem e embaraçam a mente; elas acalmam, e
não perturbam; elevam, e não degradam. Os Mestres
jamais usam métodos que atrofiam e paralisam a razão
e a intuição. Qual seria o resultado inevitável
se estes Senhores do Amor e da Luz forçassem sobre os Seus
discípulos comunicações tão revoltantes
para a razão como para o senso ético? A credulidade
cega tomaria o lugar da fé inteligente, a paralisia moral
o lugar do crescimento espiritual, e os neófitos seriam deixados
completamente desvalidos, sem nada para guiá-los, constantemente
à mercê de qualquer fada brincalhona, e ainda pior,
de qualquer Dugpa1
vicioso.
Será
este o destino do discipulado? Poderá ser este o caminho
do Amor e da Sabedoria? Não imagino que qualquer homem razoável
possa acreditar nisto durante um minuto sequer, embora possa ser
lançado sobre ele algum encanto por um momento, que possa
obrigá-lo a engolir os piores absurdos.
Entre
as muitas dúvidas lançadas na mente do discípulo
para lhe causar preocupação é a de se a fraqueza
física pode ser um entrave ao progresso espiritual. O processo
de assimilação de alimento espiritual não envolve
nenhuma drenagem de energias físicas, e o progresso espiritual
pode prosseguir enquanto o corpo padece. É uma completa falácia,
devida à falta de conhecimento e equilíbrio, supor
que a tortura e maceração do corpo torne o discípulo
responsivo a experiências espirituais. É fazendo o
que melhor serve ao propósito dos Santos Seres que se faz
o progresso constante e verdadeiro. Quando chega o tempo adequado
para que experiências espirituais sejam impressas na consciência
cerebral, o corpo não é capaz de impedi-las. O pequeno
obstáculo que pode ser levantado pelo corpo pode ser afastado
em um instante. Por outro lado, é uma ilusão supor
que qualquer esforço físico possa promover o progresso
espiritual um só passo que seja. O modo de nos aproximarmos
dos Santos Seres é fazermos o que melhor cumpra Suas vontades,
e, feito isto, nada mais precisa ser feito.
Penso
que haja uma doçura peculiar em ser resignadamente paciente,
em sacrificar com alegria a própria vontade à vontade
d'Aqueles que sabem mais e que sempre conduzem corretamente. Não
existe coisa tal como o querer pessoal na vida do Espírito.
Assim o discípulo pode alegremente sacrificar sua própria
felicidade pessoal, quando Eles encontram ocasião de trabalhar
para os outros através dele. Ele pode sentir, às vezes,
que foi como que esquecido quando estiver sozinho, mas ele sempre
Os encontrará ao seu lado quando houver trabalho a ser feito.
Períodos de noite devem se alternar com os de dia, e certamente
é bom que ocasionalmente sobrevenha a escuridão quando
ela afeta só a nós mesmos, mesmo que nossa dor pessoal
deva ser com isso intensificada. Sentir Suas presenças e
influência é de fato o dom mais divinal que se pode
imaginar, mas mesmo isto devemos ser desejosos de sacrificar, se
renunciando ao que consideramos o mais elevado e melhor o bem final
da Humanidade for de obtenção mais fácil.
Tente
e perceba a beleza do sofrimento. O que o sofrimento faz é
só tornar a pessoa mais apta para o trabalho. Certamente,
jamais devemos anelar a paz, se na luta o mundo puder ser ajudado.
Tente e sinta que embora a treva pareça estar em toda sua
volta, ainda assim ela não é real. Se algumas vezes
Eles se ocultam em uma Maya2
de indiferença aparente, é apenas para conceder Suas
bênçãos com maior abundância quando a
estação for propícia. As palavras não
ajudam muito quando a escuridão é opressiva, ainda
que o discípulo deva tentar manter inabalada sua fé
na proximidade dos Grandes Seres, e sentir que embora a Luz seja
temporariamente retirada da consciência mental, mesmo assim
ela cresce dia-a-dia no interior sob a Sua sábia e misericordiosa
dispensação. Quando a mente se torna novamente sensível,
ela reconhece com surpresa e alegria como o trabalho espiritual
foi feito sem que se tivesse consciência alguma dos pormenores.
Nós conhecemos a Lei. No Mundo Espiritual, noites de maior
ou de menor horror seguem o dia, e aquele que é sábio,
reconhecendo que a treva é o fruto de uma Lei Natural, deixa
de se incomodar com isto. Podemos descansar certos de que a escuridão,
por sua vez, se dissipará. Lembre sempre que detrás
da mais espessa fumaça sempre existe a Luz dos Pés
de Lótus dos Grandes Senhores da Terra. Fique firme e jamais
perca a fé n'Eles, e, então, não haverá
nada a temer. Podem e devem acontecer provações, mas
você deve estar certo de que conseguirá suportá-las.
Quando a sombra que caiu como uma mortalha sobre a Alma se retira,
então somos capazes de ver quão realmente evanescente
e ilusória ela era. Mesmo assim, esta sombra, enquanto perdura,
é real o bastante para levar a ruína para muitas almas
nobres que ainda não adquiriram força suficiente para
suportá-la.
A
Vida e o Amor espirituais não se esgotam quando são
despendidos. A doação apenas acrescenta ao reservatório
e o torna mais rico e intenso. Tente e seja tão feliz e contente
quanto puder, porque na alegria está a verdadeira Vida Espiritual,
e a tristeza é apenas o resultado de nossa ignorância
e falta de visão clara. Assim, você deve resistir,
até onde puder, ao sentimento de tristeza: ele anuvia a atmosfera
espiritual. E embora você não possa evitar inteiramente
sua chegada, mesmo assim você não deve ceder completamente
a ele. Lembre-se de que no verdadeiro Coração do Universo
existe a Beatitude.
O
desespero não deveria ter lugar no Coração
do discípulo devoto, pois ele enfraquece a fé e a
devoção, e assim abre espaço para que atuem
os Poderes das Trevas. Este sentimento é um feitiço
lançado por eles para torturar o discípulo, e, se
possível, tirar alguma vantagem para si mesmos com esta ilusão.
Aprendi com a mais amarga das experiências que a autoconfiança
é praticamente inútil e mesmo decepcionante em testes
desta natureza, e o único modo de escapar incólume
destas ilusões é devotar-se completamente a Eles.
A razão para isto, também, é bem simples: a
força, a fim de ser efetiva em sua oposição,
deve estar no mesmo plano onde atua o poder a ser combatido. Mas,
como estes problemas e ilusões não vêm do eu,
o eu é impotente contra eles. Procedendo como procedem dos
Seres Tenebrosos, eles só podem ser neutralizados pelos Irmãos
Brancos. Portanto, é necessário, em nome da segurança,
entregarmo-nos – entregar nossos eus separados – e sermos
libertos de toda Ahamkara.3
Sabendo
como nós sabemos que a Sociedade Teosófica –
ou, a este respeito, qualquer movimento de alguma importância
– está sob a observação e guarda de Poderes
imensamente mais sábios e superiores do que nossos próprios
pequenos 'eus', não precisamos nos preocupar muito com o
destino final da Sociedade, mas podemos ficar descansados e contentes
com o cumprimento consciencioso e diligente de nosso dever para
com ela, fazendo a parte que nos cabe de acordo com o melhor de
nossa luz e habilidades. A preocupação e a solidão
têm, sem dúvida, suas próprias funções
na economia da Natureza. Nos homens comuns, elas obrigam o cérebro
a funcionar e os músculos a se mover, e se não fosse
por isto o mundo não faria metade do progresso que tem feito
nos planos físico e intelectual. Mas em certo estágio
da evolução humana, elas são substituídas
por um senso de dever e um amor à Verdade, e a clareza de
visão e ímpeto para trabalhar obtidos assim jamais
podem ser conseguidos por qualquer quantidade de energia molecular
e vigor nervoso. Portanto, desvencilhe-se de todo desânimo,
e, com sua Alma voltada para Fonte de Luz, continue trabalhando
para aquele grande objetivo para o qual você está aqui,
seu Coração abraçando toda a Humanidade, mas
perfeitamente resignado quanto ao resultado de seus esforços.
Assim nossos Sábios têm ensinado, assim exortou Shri
Krishna a Arjuna no campo de batalha, e assim devemos direcionar
nossas energias.
Meus
próprios sentimentos a respeito do sofrimento do mundo são
precisamente os mesmos que os seus. Não há nada que
me doa mais do que a cega e frenética maneira com que a vasta
maioria de nossos irmãos persegue os prazeres dos sentidos,
e a visão completamente vazia e errônea que têm
da vida. A visão desta ignorância e loucura enternecem
meu Coração muito mais do que as dificuldades físicas
que eles suportam. E embora a nobre prece de Rantideva me comovesse
profundamente anos atrás, com o vislumbre que desde então
me foi concedido ter a respeito da natureza das coisas, considero
os sentimentos do Buddha muito mais sábios e transcendentais.
E embora eu pudesse alegremente sofrer agonias para livrar um discípulo
da tortura a que ele é sujeito, tendo considerado as causas
assim como as derradeiras conseqüências do sofrimento
de um discípulo, minha dor por ele não tem nem metade
da intensidade daquela que experimento a respeito da miséria
daqueles pobres ignorantes que, sem consciência alguma, pagam
a mera penalidade por suas más ações passadas.4
As
funções do intelecto são meramente a comparação
e o raciocínio; o conhecimento espiritual está muito
além desta esfera. Provavelmente, em seu ambiente atual,
você está bem farto de sutilezas intelectuais, mas
o mundo é, no fim das contas, apenas uma escola, uma academia
de treinamento, e nenhuma experiência, por mais dolorosa ou
ridícula, é desprovida de uso ou de valor para o homem
que pensa. Os males pelos quais passamos só fazem nos tornar
mais sábios, e os próprios disparates que cometemos
nos são de muita valia para o futuro. Assim, não precisamos
nos queixar de nada, por mais indesejável que seja externamente.
O
carma, como foi ensinado no Gita e no Yoga Vasishta, significa atos
e volições que procedem de Vanasa ou desejo. É
deixado bem claro naqueles códigos de ética que nada
que é feito com um puro senso de dever, nada que é
empreendido com um sentimento de obrigação, como se
diria, pode macular a natureza moral daquele que o faz, mesmo que
ele esteja equivocado em sua concepção de dever e
adequação. O erro, é claro, deve ser expiado
com sofrimento, que deve ser proporcional às conseqüências
do erro; mas, certamente,
não pode degradar o caráter ou macular o Jivatma.5
É
bom usarmos todos os eventos da vida como lições a
serem transformadas em vantagens, e a dor causada pela separação
de amigos que amamos pode ser usada assim. O que são espaço
e tempo no plano do Espírito? Ilusões do cérebro,
meros nadas, que adquirem aspecto de realidade pela impotência
da mente, o invólucro que aprisiona o Jivatma. O sofrimento
meramente nos dá um impulso novo e mais potente de vivermos
completamente no Espírito. No fim, da dor virá boa
vontade para todos nós, de modo que não devemos resmungar.
Antes, sabendo que para os discípulos não pode acontecer
nada que não seja da vontade de seus Senhores, devemos olhar
para cada incidente doloroso como um passo em direção
ao progresso espiritual, como um meio para aquele desenvolvimento
interno que nos capacita a servi-Los, e, com isso, à Humanidade,
de um modo melhor.
Se
apenas pudermos servi-Los, se através de todas as tormentas
e conflagrações nossas Almas se voltarem para os Seus
Pés de Lótus, o que importam a dor e os sofrimentos
que eles impõem à nossa casca temporária? Entendamos
um pouco o significado interno destes sofrimentos, destas vicissitudes
das circunstâncias externas – entendamos como tamanha
dor suportada significa muito mau carma esgotado, muito poder de
serviço adquirido, quão boa lição aprendida
– não serão estes pensamentos suficientes para
nos sustentar através de qualquer quantidade destas misérias
ilusórias? Quão doce é sofrer quando se sabe
e se tem fé! Quão diferente da miséria do ignorante,
do cético, e do descrente! Quase poderíamos desejar
que todo o sofrimento e miséria do mundo fossem nossos a
fim de que o restante de nossa raça pudesse ser livre e feliz.
A crucificação de Jesus simboliza esta fase na mente
do discípulo. Você não pensa o mesmo? Somente
esteja sempre firme na fé e na devoção, e não
se desvie do caminho sagrado do Amor e da Verdade. Esta é
a sua parte – o resto será feito por você pelos
Senhores Misericordiosos a quem você serve. Você já
sabe de tudo isto, e se eu falo sobre isto é apenas para
fortalecê-lo em seu conhecimento; pois amiúde esquecemos
de nossas melhores lições, e em tempos de aflição
o dever de um amigo é mais o de lembrar a você suas
próprias palavras, antes do que introduzir novas verdades.
Foi assim que Draupadi freqüentemente consolou seu sábio
esposo Yudhisthira, quando terrível infortúnio por
um momento abalava sua usual serenidade, e assim também o
próprio Vasishtha teve de ser acalmado e confortado quando
assolado pela dor da morte de seus filhos. Não é verdadeiramente
inexplicável o lado Maya deste mundo? Quão belo e
romântico de um lado, e quão terrível e desgraçado
de outro! Sim, Maya é o mistério de todos os mistérios,
e quem entendeu Maya terá encontrado sua própria unidade
com Brahman - a Suprema Felicidade e a Luz Suprema.
A
impressionante figura de Kali, em cima de Shiva prostrado, é
uma ilustração da utilidade – do uso superior
– da Raiva e do Ódio. A figura negra representa a Raiva;
a espada significa as proezas físicas; e toda a imagem significa
que enquanto o homem tem raiva, ódio e força física,
ele as deve usar para a supressão das outras paixões,
para o massacre dos desejos da carne. Isto também representa
o que realmente acontece quando, pela primeira vez, a mente se volta
para a Vida Superior. Como ainda estamos carentes de sabedoria e
equilíbrio mental, então matamos nossos desejos com
nossas paixões; dirigimos nossa raiva contra nossos próprios
vícios, e assim os suprimimos; também empregamos nosso
orgulho contra as tendências indignas do corpo e da mente,
e assim subimos o primeiro degrau na Escadaria. Shiva prostrado
mostra que quando a pessoa está engajada em uma batalha destas,
ela não presta atenção ao seu princípio
mais elevado, Atma; antes, na verdade, ela o pisoteia, e não
é senão quando ela mata o último inimigo de
seu Eu que ela passa a reconhecer sua verdadeira posição
quanto ao Atma durante a luta. Assim, Kali só encontra Shiva
aos seus pés quando ela mata o último Daitya,6
a personificação de Ahamkara,
e então ela fica azul em sua fúria
insana. Enquanto as paixões não tiverem sido todas
subjugadas, devemos usá-las para sua própria supressão,
neutralizando a força de uma com a de outra, e, só
assim, poderemos matar logo nosso egoísmo, e obter o primeiro
vislumbre de nosso verdadeiro Atma – Shiva em nós –
o qual ignoramos enquanto o desejo se agita no Coração.
Podemos
muito bem colocar sempre de lado nosso desejo pessoal míope
a fim de servi-Los fielmente. É minha experiência que
só seguindo a Suas orientações a pessoa evita
o perigoso precipício para onde estava se dirigindo inconscientemente.
Na hora, parece difícil romper com nossas preferências
pessoais, mas, no final, tal sacrifício resulta apenas em
alegria. Não há treino melhor do que os poucos anos
da vida de uma pessoa quando ela, por agudo desapontamento, é
conduzida a procurar abrigo debaixo dos benditos Pés dos
Senhores, pois não há em parte alguma outro lugar
para descanso. E, então, cresce no discípulo um hábito
de pensar sempre que seu único refúgio está
n'Eles, e sempre que ele não pensa n'Eles ele se sente miserável
e abandonado. Assim, pela própria escuridão do desespero
se acende nele uma Luz que depois jamais empalidecerá. Aqueles
cujos olhos penetram as distâncias do futuro longínquo,
que estão veladas para nossos olhos mortais, têm feito
e farão o que é melhor para o mundo. Devem ser sacrificados
os resultados imediatos e as satisfações temporárias,
se havemos de assegurar sem chance de fracasso o atingimento do
objetivo. Quanto mais desejarmos criar as chances de sucesso interior,
menos devemos ambicionar colheitas rápidas. Só pela
dor podemos chegar à perfeição e à pureza;
só pela dor podemos nos tornar servos adequados daquela Órfã7
que incessantemente grita por Alimento Espiritual. A vida
só vale a pena se for sacrificada aos Seus Pés.
Alegremo-nos
que tenhamos oportunidades de servir à Grande Causa através
de sacrifícios pessoais, pois cada sofrimento pode ser usado
por Eles para levar a pobre e equivocada Humanidade para um pequeno
degrau acima. Qualquer dor que um discípulo possa sofrer
é um penhor para um ganho correspondente que advém
ao mundo. Ele deveria, portanto, sofrer calado e alegre, uma vez
que ele vê um pouco mais claramente do que a cega mortalidade
pela qual sofre. No decorrer de toda a evolução, existe
uma lei que é dolorosamente evidente, mesmo aos olhos do
mais raso principiante: que nada realmente digno de se possuir pode
ser ganho sem um sacrifício correspondente.
Quem
renuncia a toda noção de eu e faz de si mesmo um instrumento
para as Divinas Mãos trabalharem não precisa ter qualquer
medo das provas e das dificuldades do mundo físico. 'Como
indicares, assim trabalharei'. Este é o modo mais fácil
de se ultrapassar a esfera do carma individual, pois aquele que
oferece todas as suas capacidades aos Pés dos Senhores não
cria carma para si; e então, como promete Shri Krishna: 'Tomo
sobre Mim mesmo as suas contas'. O discípulo não precisa
levar em consideração os frutos de suas ações.
Assim ensinou o grande Mestre Cristão: 'Não vos preocupeis
com o dia de amanhã'.
Não
permita que impulsos guiem a conduta. O entusiasmo pertence aos
sentimentos, não à conduta. O entusiasmo na conduta
não tem lugar algum no verdadeiro Ocultismo, pois o Ocultista
deve sempre ser autocontido. Uma das coisas mais difíceis
na vida do Ocultista é sempre manter o equilíbrio,
e este poder provém da verdadeira percepção
espiritual. O Ocultista tem de viver mais uma vida interna do que
uma externa. Ele sente, percebe, sabe mais e mais, mas demonstra
menos e menos. Mesmo os sacrifícios que ele tem de fazer
pertencem mais ao mundo interno do que ao externo. Na devoção
religiosa comum, todos os sacrifícios e forças de
que a natureza da pessoa é capaz são usados no apego
ao externo, em vencer ilusões e tentações no
plano físico. Mas na vida do Ocultista eles têm de
ser usados para propósitos maiores. Deve-se considerar as
proporções, e subordinar o externo. Em uma palavra,
jamais ser ostensivo. Assim como Hamsa8
tendo
diante de si água e leite misturados, toma só o
leite e deixa a água, do mesmo modo o Ocultista
extrai e retém a vida e a quintessência de todas as
várias qualidades, ao passo que rejeita as cascas onde elas
estão escondidas.
Como
as pessoas podem supor que os Mestres devessem interferir na vida
das pessoas, ou duvidam de Sua existência, ou questionam Sua
indiferença moral, pelo fato de Eles não interferirem?
O povo pela mesma razão questiona a existência de qualquer
Lei moral neste Universo, e argumenta que a existência de
iniqüidades e práticas infames entre a Humanidade vai
contra a suposta existência de uma Lei assim. Por que eles
esquecem que os Mestres são Jivanmuktas9
e trabalham com a Lei, identificam-Se com a Lei e, de fato, são
o próprio espírito da Lei? Mas não há
necessidade de nos afligirmos a este respeito, pois o tribunal a
que nos submetemos em assuntos de consciência não é
a opinião pública, mas nosso próprio Eu Superior.
São batalhas como estas que purificam o Coração
e elevam a Alma, e não as lutas furiosas às quais
nossas paixões – ou mesmo a 'justa indignação'
e o que é chamado de 'nobre ultraje' – nos impelem.
O
que são para nós problemas e dificuldades? Não
são tão bem-vindos como os prazeres e as facilidades?
Pois não são eles nossos melhores treinadores e educadores?
Não são eles que nos enchem de lições
salutares? Não nos obrigam a nos movermos mais tranqüilamente
através de todas as mudanças e vicissitudes da sorte?
E não seria um grande descrédito para nós se
falhássemos em preservar a tranqüilidade mental e equilíbrio
de ânimo, coisa que devia ser sempre a marca da disposição
do discípulo? Seguramente, o discípulo deveria permanecer
sereno em meio a todas as tormentas e tempestades. Este é
um mundo louco, enfim, se a pessoa olha só para sua mera
exterioridade, e mesmo assim, quão enganador é em
sua loucura! É a própria insanidade da loucura quando
o doente é ignorante de sua condição –
antes, quando se acredita perfeitamente saudável. Oh!, se
a harmonia e a música que reinam na Alma das coisas não
nos fossem perceptíveis, a nós, cujos olhos foram
abertos para esta completa sandice que penetra a casca externa,
quão intolerável a vida nos seria! Você não
acha que seria pouco agradecido nos mantermos descontentes quando
obedecemos aos desejos de nossos Senhores e cumprimos nosso dever?
Você deveria ter não apenas paz e contentamento, mas
também alegria e vivacidade, quando serve Aqueles cujo serviço
é nosso mais alto privilégio e cuja memória
é nossa mais verdadeira delícia.
Que
Eles jamais nos abandonarão é tão certo quanto
a morte. Mas nos cabe nos aproximar d'Eles com devoção
verdadeira e profunda. Se nossa devoção for verdadeira
e profunda, não há a menor chance de nos afastarmos
de Seus Santos Pés. Mas você sabe o que significa devoção
verdadeira e profunda? Você sabe, tanto quanto eu, que nada
menos do que a completa renúncia à vontade pessoal,
a resoluta aniquilação do elemento pessoal no homem,
poderá constituir uma Bhakti10
verdadeira e genuína. É só quando toda a natureza
humana está em perfeita harmonia com a Lei Divina, quando
não há mais uma só nota discorde em qualquer
parte do sistema, quando todos os pensamentos idéias, fantasias,
desejos, emoções, voluntários ou involuntários,
vibram em resposta e em completa consonância com o 'Grande
Alento', que se atinge o verdadeiro ideal de devoção.
Não antes. Só nos livraremos da chance de fracasso
quando atingirmos este estágio de Bhakti, pois só
ele poderá assegurar progresso perpétuo e sucesso
indubitável. O discípulo não falha por falta
de cuidado e amor de parte dos Grandes Mestres, mas a despeito disso,
e por sua própria perversidade e fraqueza internas. E não
podemos dizer que a perversidade seja impossível em uma pessoa
que ainda acalenta em si a idéia de separatividade –
nutrida ao longo de éons11
de pensamento ilusório e corrupção, e ainda
não completamente extirpada.
Não
devemos nos iludir de nenhuma forma. Algumas verdades
são de fato amargas, mas a atitude mais sábia é
conhecê-las e enfrentá-las. Ficarmos em um paraíso
fantasioso significa apenas excluirmos o verdadeiro Eliseu. É
verdade que se nós deliberadamente pararmos para descobrir
se temos ou não ainda algum traço de separatividade
ou personalismo em nós, ou qualquer desejo de nos contrapormos
ao curso natural dos eventos, podemos falhar em encontramos algum
motivo, alguma razão, para tal auto-afirmação
ou desejo. Sabendo e acreditando como nós fazemos que a idéia
de isolamento é mero produto de Maya, que a ignorância
e todo desejo pessoal surgem apenas deste sentimento de isolamento,
e que eles são a raiz de toda nossa miséria, não
podemos senão desprezar estas falsas e ilusórias noções
quando meditarmos sobre elas. Mas se analisamos os verdadeiros fatos,
e vigiarmos a nós mesmos o dia todo, e observamos os vários
comportamentos de nosso ser, variando com as diferentes circunstâncias,
chegaremos a uma conclusão bem diversa, e descobriremos que
a verdadeira realização de nosso conhecimento e de
nossa crença em nossa vida é ainda um evento muito
distante, e surge por apenas um breve momento aqui e ali, quando
estamos inteiramente esquecidos do corpo ou do ambiente material,
e estamos completamente arrebatados na contemplação
do Divino – antes, quando estamos mergulhados na própria
Deidade.
Para
nós, através da suprema misericórdia de nossos
Senhores, as coisas na Terra são um pouco mais claras e mais
inteligíveis do que para o homem do mundo, e este é
o motivo de tão avidamente querermos devotar todas as nossas
energias ao seu serviço. Toda atividade – caridade,
benevolência, patriotismo etc – será, no dizer
jubilosamente mofino do cínico, mera troca, uma mera questão
de dar e receber. Mas o aspecto mais nobre da probidade mercenária
– considerado estritamente e aplicado à etapas mais
elevadas de vida – que se apresenta ao olho superior, está
além do alcance do zombeteiro superficial; e assim, ele ri
e troça da virtude, chamando-a de mercantil, e o mundo tolo
e leviano, ávido por um pouco de divertimento, ri com ele
e o considera um sujeito esperto e animado. Se olharmos para a superfície
deste nosso esplêndido orbe, nada além de tristeza
e opressão aparecerá diante de nossas almas, e o desespero
paralisará todos os esforços de melhoria de suas condições.
Mas olhando por debaixo, vemos como todas as inconsistências
se dissolvem, e tudo parece belo e harmonioso, e o Coração
desabrocha e se enche de alegria, e liberalmente abre seus tesouros
para o universo em torno. Desta maneira, não precisamos desfalecer
diante de qualquer visão terrível que surgir, nem
precisamos lamentar a loucura e a cegueira dos homens entre os quais
nascemos.
Há
leis morais fixas, assim como há leis físicas uniformes.
Estas leis morais podem ser violadas pelo homem, dotado como é
de sua individualidade e da liberdade que isso envolve. Cada violação
se torna uma força moral na direção oposta
àquela em que a evolução está seguindo,
e é inerente ao plano moral. E, pela lei de reação,
cada qual tem a tendência de evocar a operação
da lei correta. Mas quando estas forças opositoras se acumulam
e adquirem uma dimensão gigantesca, a força reacional
necessariamente se torna violenta e resulta em revoluções
morais e espirituais, em guerras santas, em cruzadas religiosas,
e coisas assim. Expanda esta teoria, e você entenderá
a necessidade do aparecimento de Avatares12
sobre a Terra. Quão fáceis se tornam as coisas quando
os olhos da pessoa se abrem; mas quão incompreensíveis
elas parecem quando a visão espiritual está fechada
ou é apenas vaga e primitiva. A Natureza, em sua infinita
generosidade, providenciou para o homem, nos planos externos, símiles
exatos de suas funções internas, e verdadeiramente
aqueles que têm olhos para ver podem ver, e aqueles que têm
ouvidos para ouvir podem ouvir.
______
Notas:
1.
Feiticeiro.
2.
Ilusão.
3.
Ilusão da separatividade ou o conceito de um eu particular.
4.
Aqui a autora faz referência à Lei da Retribuição
(ou da Compensação).
5.
O Eu Individualizado.
6.
Demônio.
7.
A
Humanidade.
8.
Cisne
mítico dos hindus. Representa a Sabedoria Sagrada.
9.
Almas
libertas e emancipadas da matéria.
10.
Bhakti
(devoção) é uma das três doutrinas ou
caminhos básicos prescritos pelo Hinduísmo para a
liberação espiritual (moksha).
De acordo com as características pessoais de cada praticante,
pode-se optar por um ou mais destes caminhos, simultânea ou
separadamente, e a qualquer tempo ou período de vida. São
eles: 1º) Karma
ou o caminho do trabalho com desapego categórico aos resultados
ou frutos por ele produzido; 2º) Bhakti
ou o caminho da devoção a um dos múltiplos
aspectos do Absoluto (Brahman);
e 3º) Jñana
ou gnosis, o caminho do conhecimento, descobrindo a espiritualidade
através do inquirir racional.
Nota
editada da fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bhakti
11.
Éon (eão, eon ou ainda aeon) significa, em termos
latos, um enorme período de tempo ou a eternidade. A palavra
latina aeon, significa 'para sempre'. Ela é derivada do grego
aión,
e um de seus significados é um período de existência
ou vida. No Gnosticismo e no Neoplatonismo tem um outro significado.
12.
Avatares são encarnações divinas. Na crença
hinduísta, um avatar representa, em forma materializada,
a descida de um Ser Divino à Terra. Particularmente cultuados
pelos hindus são Krishna e Rama, avatares do Deus Vishnu,
que juntamente com Shiva e Brahma formam a Trimúrti –
a Trindade Hindu – na qual Vishnu é o Deus responsável
pela manutenção do Universo. Entretanto, alguns autores
indianos consideram esta Trimúrti como manifestação
ou tríplice qualidade de um único Deus Absoluto ou
Realidade Primordial.
Nota
editada da fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Vixnu
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